GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR


PROTEÍNA P53: ALGUM VALOR CLÍNICO OU APENAS PESQUISA?
UMA REVISÃO DA LITERATURA

MAURO DE SOUZA LEITE PINHO - TSBCP


O recente crescimento do estudo da biologia molecular como um instrumento importante no estudo do câncer colorretal trouxe como um de seus principais elementos a proteína p53, à qual foi atribuido um papel significativo no desenvolvimento da carcinogenese. Desde então, uma vasta literatura tem sido criada visando definir melhor seu valor potencial de aplicabilidade clínica. O objetivo da presente seção será tentar apresentar uma breve análise do estado atual dos conhecimentos sobre o papel da proteína p53 no câncer colorretal. Antes de passarmos a esta análise, entretanto, apresentaremos abaixo uma revisão sobre alguns conceitos emitidos aos longo das seções anteriores sobre a proteína p53:
• Trata-se de uma proteína codificada por um gene situado no cromossomo de número 17, o qual leva o mesmo nome (gene p53), em consequência de seu peso molecular de 53 Kda ( quiloDalton);
• Sua principal função está relacionada à preservação da integridade do código genético em cada célula, ou seja, a manutenção da mesma sequência de nucleotídeos ao longo de toda a molécula de DNA igualmente presente em cada célula do nosso corpo;
• Durante o ciclo de divisão celular, a proteína p53 faz uma verificação quanto à eventual ocorrência de uma mutação na sequência do código genético em consequência de uma duplicação defeituosa do DNA (erro de replicação ). Caso seja verificada a existência de uma mutação, é função da proteina p53, através do desdobramento de uma cascata de reações, impedir que esta célula entre em processo de mitose e complete a divisão celular. Para isto, dois caminhos poderão ser seguidos: a correção da mutação através da ativação de proteínas de reparo ou a indução da morte celular através da apoptose;
• Apoptose é o processo de morte celular sem reação inflamatória, diferentemente da necrose celular. A apoptose consiste de uma série de eventos intracelulares os quais ocorrem através de uma sequência padrão e idêntica mesmo quando desencadeada por fatores bastante distintos como a lesão do DNA e a sepsis, por exemplo.
• Por exercer esta função de detecção de alterações no DNA e consequente correção ou morte celular, a proteína p53 é considerada como uma guardiã do genoma, e é um importante elemento na prevenção do desenvolvimento de tumores, sendo seu gene codificador classificado como gene supressor de tumor.
• A relação entre a proteína p53 e a carcinogenese tem sido amplamente comprovada através do elevado índice de mutações de seu gene em tumores malignos de diferentes tecidos do organismo. Além disto, tem sido estudado seu possível papel como elemento potencializador dos efeitos da terapia adjuvante através de quimioterapia e radioterapia.
• Numerosos estudos têm sido realizados com o objetivo de analisar seu potencial para utilização clínica, em especial como elemento de valor prognóstico.
• A análise laboratorial da proteína p53 pode ser realizada principalmente através de três métodos distintos:
    a. Análise da sequência do gene p53 através da reação em cadeia da polimerase (PCR);
    b. Observação direta da proteína através de imunohistoquímica;
    c. Detecção sorológica de anticorpos circulantes anti-proteína p53 alterada;
• Os efeitos das mutações da proteína sobre o processo de carcinogênese serão diferentes de acordo com a parte do gene comprometida em cada caso.

Nesta seção faremos a análise de um "corte" atual da literatura incluindo dezoito trabalhos publicados sobre este tema ao longo dos últimos dois anos. Estes estudos foram realizados de forma a analisar diversos aspectos, contribuindo para responder às seguintes questões:

1. É viável a realização de estudos sobre a proteína p53 na prática clínica?
Sim. Entre os estudos aqui analisados apenas dois (11%) recorreram à técnica de avaliação do gene p53 através da reação em cadeia da polimerase (PCR), a qual é mais cara, demorada e de dificil aplicabilidade em larga escala. Todos os outros dezesseis trabalhos foram realizados através da análise direta da proteína p53 pela técnica de imunohistoquímica, disponível em grande parte dos laboratórios de anatomia patológica de bom padrão.

2. Há necessidade de preparo especial do material a ser analisado ?
Não. A pesquisa de mutações da proteína p53 através da imunohistoquímica pode ser feita através de biópsias ou espécimes cirúrgicos processados e incluídos em blocos de parafina de forma convencional para o estudo histopatológico. Isto nos permite ainda a realização de estudos retrospectivos com facilidade.

3. A proteína p53 está sempre mutada no câncer colorretal?
Não. A incidência de mutações detectadas na proteína p53 no câncer colorretal situa-se entre 40 e 70% dos casos. Sendo esta apenas um elemento dentro da cascata supressora de tumor, outros componentes estão sendo identificados com resultados semelhantes, como as proteínas p21, Bcl-2, entre outras. É possível que a avaliação da coexistência destas mutações venha a determinar uma melhor forma de avalição biomolecular dos tumores colorretais.

4. A detecção de proteína p53 alterada em um câncer colorretal representa um indicador de piores resultados quanto a níveis de cura e sobrevida?
Sim. Nove dentre os trabalhos aqui analisados buscaram confrontar o prognóstico dos pacientes portadores de câncer colorretal com a presença ou não de mutações da proteína p53 pesquisada diretamente no tecido tumoral (n=7), através da detecção de anticorpos séricos (n=1) ou em linfonodos (n=1). Dentre estes, apenas dois estudos falharam em confirmar um valor prognóstico à mutação da proteína p53. Nos outros sete trabalhos foram encontradas diferenças estatísticamente significativas entre a sobrevida dos pacientes operados por câncer colorretal contendo ou não proteína p53 alterada. Kahlenberg e cols, por exemplo, encontraram uma sobrevida de quatro anos de 71% em tumores com a proteína p53 normal comparada com 54% para os casos com proteína p53 mutante, enquanto Wang e cols relataram sobrevidas de 5 anos de 87% e 50%, respectivamente.

5. Existe alguma relação entre a presença de proteína p53 mutante e a resposta à terapia adjuvante?
Sim. Este é um aspecto muito importante, pois existem fortes evidências de que a ação supressora de tumor da proteína p53 é essencial para uma boa resposta à terapia adjuvante, induzindo à apoptose células lesadas pela quimioterapia e radioterapia. Neste grupo de trabalhos analisados, por exemplo, Adell e cols observaram que tumores retais contendo proteína p53 mutada apresentaram um maior índice de recidivas locais após radioterapia pré-operatória. Takeda e cols demonstraram que a detecção de anticorpos séricos anti- proteína p53 mutante em pacientes portadores de câncer colorretal está relacionada a uma menor resposta tumoral à quimioterapia, podendo servir como elemento importante para a escolha da terapêutica a ser instituída. Paradiso e cols relataram também um valor preditivo de resposta à quimioterapia através da pesquisa de proteína p53 mutante diretamente do tecido tumoral, porém associada à análise da timedilato sintetase.

6. As alterações da proteína p53 podem também ser observadas em adenomas?
Sim. Em um estudo bastante interessante, Triantafyllou e cols demonstram que a presença de proteína p53 mutante em polipos ressecados por colonoscopia está relacionada a um significativo aumento na incidência de pólipos metacrônicos e recorrentes.

7. A presença de proteína p53 mutante está relacionada ao prognóstico após ressecção de metástases hepáticas de tumores colorretais?
Aparentemente não. Heisterkamp e cols analisaram espécimes de 45 ressecções hepáticas por metástases colorretais quanto à presença de proteína p53 mutante e não observaram diferença significativa quanto ao prognóstico dos pacientes dos grupos positivo ou negativo para esta mutação.

8. A pesquisa de proteína p53 mutante já está aceita como elemento a ser utilizado na rotina clínica no tratamento do câncer colorretal?
Ainda não. Embora o grande número de evidências sugira que este exame venha a ser em breve utilizado na prática clínica, não existe ainda um consenso sobre uma metodologia padrão a ser aplicada como procedimento de rotina na avaliação do câncer colorretal. Há necessidade de uma melhor definição quanto aos métodos de imunohistoquímica ou na pesquisa de anticorpos séricos. Outro importante aspecto a ser analisado é a variabilidade dos efeitos da mutação da proteína p53 de acordo com o segmento comprometido no gene.

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Trabalho realizado no Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro - RJ.