OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Júlio César MONTEIRO DOS Santos Júnior - TSBCP
RESUMO: A diverticulose é doença adquirida, comum principalmente entre as pessoas mais idosas. Acredita-se que tenha como principal fator etiológico hábitos dietéticos relacionados ao refinamento da dieta industrializada. Pode ter um caráter benigno de evolução e ser totalmente assintomática, mas pode, também, caracterizar-se como moléstia de sinais e sintomas violentos, com considerável morbidade e altos índices de mortalidade, constituindo-se, portando, nos países do primeiro mundo, em destacável problema de saúde pública, razão pela qual merece atenção e estudo continuado.
Unitermos: Diverticulose, doença diverticular, complicações, tratamento cirúrgico.
DEFINIÇÃO
A doença diverticular dos cólons (DDC) é
conseqüência da herniação da mucosa do intestino grosso por entre
as fibras musculares da parede intestinal. O termo que define
a doença, é derivado do latim divertere
e, embora se credite a
Cruveilhier1 a primeira descrição dessa alteração, há
relatos de que os divertículos foram primeiramente descritos
por Litré2, em 1700, ou por
Morgagni2, em 1756. Posteriormente, Hansemann, Nauwerck e
Graser2 estudaram minuciosamente os divertículos que mais tarde receberam o nome
de divertículos de Graser. Esse autor foi o primeiro a chamar
a atenção para a relação dos divertículos com os vasos.
Embora a causa dos divertículos fosse desconhecida, já se
aventava a hipótese de que o local de penetração dos vasos
contribuísse para o enfraquecimento da parede e, portanto, para
a herniação da mucosa2.
INCIDÊNCIA
No início deste século, a doença era bem conhecida
e uma de suas mais freqüentes complicações, a
diverticulite, era tão diagnosticada quanto a apendicite. A
fácil identificação dessa comum complicação permitiu o
melhor conhecimento da doença.
Nos últimos 100 anos, talvez pela importância dada
à DDC, o número de casos relatados aumentou
rapidamente. Todavia, o aumento não pode ficar creditado
exclusivamente ao diagnóstico mais preciso, principalmente
beneficiado pelo exame contrastado do intestino grosso. A
verificação do aumento não foi apenas do ponto de
vista radiológico, mas também em exames post mortem,
cuja técnica já era muito apurada. O diagnóstico, em sala
de autópsia em 1925, era de 5,2 %. Em 1968, esse
diagnóstico subiu para 36-45 %
3,4.
A incidência da DDC aumenta com a idade e
raramente a moléstia compromete pessoas abaixo dos 30 anos,
mas supera os 30%, na 5º década da vida. Cinqüenta por
cento das pessoas com idade entre 80 e 90 anos tem
DDC5-7. Contudo, vale assinalar que as estimativas de
freqüência da DDC, na pessoa viva ou no exame post
mortem, subestimam a realidade. No vivo, porque os
exames contrastados ou endoscópicos do intestino
grosso, reveladores da presença dos divertículos, só são
indicados para as pessoas que apresentam sintomas que
determinam esses exames; no morto, porque, via de regra, os
pequenos divertículos podem passar
despercebidos8.
Almy e Howell9 estimaram que, nos EUA, a DDC
incidia em 30 milhões de pessoas, com distribuição semelhante
à que fora observada por Parks7. Duzentas mil dessas
pessoas procuraram, anualmente, atendimento médico por
sintomas relacionados à doença.
A distribuição da doença pelo mundo evidência
algo interessante que tem sido usado para discutir os hábitos
e costumes como um dos fatores etiológicos da DDC. A
DDC é mais comum nos paises industrializados. É comum
no extremo leste da Europa, nos EUA, Canadá e é
incomum na Índia e na África. Entre os negros norte-americanos,
a incidência vem aumentando. O mesmo acontece
com japoneses que emigraram para os EUA e adquiriram
hábitos ocidentais10-16. Essa observação, como veremos, dá
suporte ao fator dietético, muito mais do que ao social,
quando se busca explicação para o aparecimento dos divertículos.
Embora haja vários relatos na literatura, mostrando
a preponderância entre os homens, principalmente no
início17 e meados do século
passado18, também há os
que evidenciaram distribuição
eqüitativa19 e outros que
salientam incidência maior entre as
mulheres20-25.
Num grupo de 380 pacientes vistos por nós,
a distribuição entre homens (47,1 %) e mulheres (52,9
%) foi eqüitativa. No entanto, entre os 65 (17 %)
pacientes com DDC que necessitaram tratamento cirúrgico, o
número favoreceu significativamente os homens 46 (70,7 %)
em comparação com as mulheres -19 (29,3
%)26.
ETIOLOGIA
Há vários elementos reunidos para explicar a gênese
da DDC, o que reflete a impossibilidade de se encontrar
um único fator que possa justificar satisfatoriamente
sua etiologia. Na realidade, isso aponta para problema
complexo no que diz respeito à causa.
Entre as várias e possíveis causas, são
freqüentemente citadas as seguintes:
1. Congênita
A distribuição geográfica, o notável fato de que a
doença é extremamente rara entre os jovens e o progressivo
aumento da incidência a partir da quinta e sexta década da vida
fazem com que seja pouco provável que haja algum fator
genético definindo seu aparecimento. Não há, até agora,
nenhuma evidência ou documentação de alteração muscular da
parede do cólon, adquirida como herança familiar, que
esteja contribuindo para o aparecimento dos divertículos.
Isso, entretanto, não se refere ao divertículo solitário do ceco.
O que sempre chamou a atenção desde o inicio
do conhecimento da DDC, seja com as descrições
de Curveilhier1 ou com os estudos pormenorizados de
Graser2, foi que os divertículos são verdadeiras herniações da
mucosa do intestino grosso, por pontos fracos da
parede, representados pelos locais de penetração dos vasos e
que têm muito mais a ver com "aspectos geográficos" e,
então, com os hábitos, do que com os fatores constitucionais.
2. Constitucional (obesidade)
Ao redor dos vasos que penetram a parede
intestinal, há costumeiro acúmulo de gordura. Essa
deposição gordurosa que está substancialmente aumentada
nos obesos, e a infiltração da mesma pela parede do cólon,
foi usada para tentar explicar o aparecimento de
divertículos. Contudo, a teoria é irrelevante, já que o número de
pessoas magras com doença diverticular não difere
significativamente do numero de DDC em
gordos4.
3. Funcional (constipação)
A especulação em torno da existência de
esfíncteres funcionais no intestino grosso, fundamentalmente
na transição retossigmóidea, ou a própria atividade
espástica do reto foram considerados como elementos
importantes na gênese da constipação intestinal e tem sido usada
na elaboração de hipóteses a respeito do aparecimentos
dos divertículos do sigmóide. Os estudos da fisiologia do
cólon distal, do reto e do ânus, principalmente os registros
de manometria, não confirmaram a presença do esfíncter,
bem como não forneceram subsídios que sustentassem
aquelas hipóteses. Ao lado disso, a observação de que os
distúrbios funcionais do intestino grosso, determinantes da
constipação intestinal grave e quiçá do desenvolvimento do
megacólon, não se fizeram acompanhar do desenvolvimento da DDC.
Comum entre nós, o megacólon chagásico é
exemplo de colopatia com pronunciada discinesia, mas que
não predispõe ao aparecimento de DDC. A doença
de Hirschsprüng, principalmente a que se restringe ao
segmento retal do intestino grosso, seria condição mais favorável
do que o megacólon chagásico em que a denervação é
extensa, de intensidade variável e distribuição aleatória.
Entretanto, no paciente adulto com Hirschsprüng, não se observa
a coexistência de divertículos.
4. Estresse
No meado da década de 70,
Wynne-Jones28 sugeriu que a retenção de flatos, hábito de imposição social,
poderia também ser considerado como situação favorável para
o desenvolvimento de divertículos.
A atividade motora do cólon, sua sensibilidade aos
VIPs e outros neuropeptídeos que agem na
motricidade intestinal, tem controle nervoso complexo a ponto
de permitir que as contrações intestinais sejam
exacerbadas por problema de ordem emocional. Assim, Painter
e Truelove29, em 1964, sugeriram a participação do
estresse na gênese de contrações espásticas do cólon sigmóide
e, em decorrência desse, o aparecimento da DDC. Vinte
e quatro por cento dos pacientes com síndrome do
cólon irritável, seguidos por 9 anos, desenvolveram
DDC30. Apesar do percentual elevado, essa observação
não resolve a questão da etiologia da DDC, já que é
bem sabido que os divertículos tendem a surgir com a idade.
5. Funcional (dietéticos)
A alimentação nos paises industrializados, conseqüente
à transformação dos alimentos imposta pela industria, e
a concomitante mudança nos hábitos alimentares
contribuíram, ao lado de distúrbios funcionais dependentes ou
independentes da massa residual ingerida, para criar situação favorável
ao desenvolvimento dos divertículos. A distribuição
geográfica da doença permite traçar um paralelo entre sua incidência e
o desaparecimento do conteúdo total de fibras nos
alimentos6.
Os alimentos refinados e a dieta altamente pobre
em resíduos podem afetar a pressão intracólica e ser
estímulos para uma atividade muscular aumentada, não só por
causa da ausência de massa, como também por prováveis
distúrbios motores pré-existentes, ambos contribuindo para
uma atividade muscular exagerada, como pôde ser
comprovado pela espessura da parede do cólon devida à hipertrofia
das camadas circulares e longitudinais de suas
musculaturas31 que, aliás, precedem o aparecimento do
divertículo32.
A demonstração de que a dieta sem resíduos pode
estar implicada com a DDC foi feita experimentalmente,
em 1949, por Carlson e Hoelzel33, em ratos. O mesmo
modelo pôde ser usado com resultados semelhantes, em
coelhos34, mas não pode ser repetido em
cães35.
A incidência de DDC observada em população
vegetariana (12%) foi significativamente menor do que a observada
em população não vegetariana (33%), corroborando a idéia
de que o resíduo, como constituinte dos alimentos,
protege contra o aparecimento dos
divertículos36.
Outro aspecto da fisiologia cuja alteração pode
também ter contribuído para o aparecimento dos divertículos, é
o trânsito lento do conteúdo intestinal observado
nas civilizações ocidentais, comparado com os
orientais37.
O tempo de trânsito intestinal medido com
marcadores radiopacos e assinalado após a passagem de 80% deles,
em um grupo de estudantes ingleses, foi o dobro do
observado em um grupo semelhante de estudantes
africanos37.
PATOGÊNESE
A DDC pode estar relacionada com três principais
causas básicas:
a. idade,
b. local de penetração dos vasos e
c. pressão intraluminal.
Vários estudos têm sido conduzidos para determinar
os tipos de alterações motoras do cólon que poderiam
estar favorecendo a DDC.
Nos estudos concernentes à fisiologia, tem se
observado que a pressão registrada na luz do intestino dos
pacientes com DDC é maior do que nos controles
normais32. No entanto, há demonstração de que essa diferença não
existe. Pessoas assintomáticas, porém com DDC, têm
traçado manométrico indistinguível dos normais. Os pacientes
com DDC, porém sintomáticos, têm traçado semelhante
àqueles com síndrome do cólon
irritável38. Os assintomáticos e
os diarreicos têm traçado de atividade mioéletrica
semelhante aos normais39.
Há evidências de alterações no tipo da resposta
motora quando se fazem estímulos farmacológicos que se
traduzem por aumento de pressão intraluminal, com ondas
de freqüências aumentadas e com rápidas contrações.
A revisão feita por Painter e
Burkitt6, em 1975, compilando seus próprios estudos e os da
literatura referentes aos registros de pressão intraluminal,
permitiu as seguintes definições:
1. O cólon normal, em condições de repouso
(basais), tem pressão pouco acima da pressão atmosférica.
Em intervalos não regulares, há ondas de pressão não
regulares que se superpõem às atividades basais, duram de 10 a
20 segundos, têm amplitude que não supera 10 mmHg e
não progridem ao longo do cólon ou do segmento em estudo.
2. No paciente com doença diverticular, o comportamento em repouso é semelhante ao observado na pessoa normal; contudo, o cólon com a doença tem maior sensibilidade e responde mais ativamente aos estímulos farmacológicos. Por exemplo, a morfina provoca estímulo no cólon normal, gerando contrações que permitem registros de pressões ao redor de 20 mmHg. No cólon com divertículos os valores das pressões atingem 90 mmHg. Outros aspectos interessantes documentados pela cinerradiografia são as áreas de segmentação que criam zonas de alta pressão (bolsas)6.
3. A segmentação é fenômeno fisiológico e tem papel importante na propulsão do bolo fecal. Contudo, na DDC essa segmentação não é propulsiva por causa de contrações sincrônicas próximas que marcam um limite proximal e um distal para o segmento. Esse fato contribui para que zonas hiperbáricas sejam criadas, forçando a herniação da mucosa por pontos fracos existentes na parede do cólon.
Painter40, em 1985, deu ênfase ao problema
da segmentação do cólon baseado em seus estudos de
registros gráficos da atividade do intestino grosso.
A segmentação do cólon pode produzir zona de
pressão que ultrapassa 90 mm Hg e isso se dá por causa
de contrações sincrônicas, muito próximas umas das
outras, com formação de pequenas bolsas com alta pressão interna.
A dieta não refinada, rica em fibras, em situações
como essas, poderia prevenir a formação dos divertículos
por dois mecanismos:
1. O cólon que trabalha com maior volume de
fezes tem um diâmetro maior, segmenta menos e é
menos propenso a criar as bolsas de alta pressão.
2. Quando o bolo fecal é rico em fibras, o trânsito
no cólon é mais curto, o tempo de absorção de líquido
é, portanto, menor, o conteúdo fecal fica mais úmido,
menos pegajoso e mais fácil de evoluir.
Ryan41, em 1983, atendendo ao que se observa na
prática clínica, classificou, com os conceitos vigentes, a
DDC em dois diferentes tipos: no primeiro, a DDC se
apresenta como uma anormalidade muscular, envolvendo
principalmente o cólon esquerdo e é caracterizada por
contrações espásticas e que está envolvida em complicações
freqüentes do tipo inflamatório-infeccioso, que é a diverticulite.
A perfuração é outra complicação comum. A dor é o
sintoma mais freqüente dessa forma. A parede do cólon é
extremamente espessada (hipertrofia) e a luz de diâmetro
reduzido; o segmento envolvido é encurtado.
No segundo, a doença coincide com a
hipotonicidade do cólon. Não há anormalidade da musculatura.
Os divertículos são maiores e de colo largo;
provavelmente está associada às alterações do tecido conjuntivo
decorrente da idade avançada, o que permite a formação de
divertículos, na ausência das bolsas de pressão. A mais
freqüente complicação que caracteriza este tipo é a hemorragia.
Para Manousos42, entretanto, a doença
diverticular resulta de dois fatores: 1. Pressão e 2. Textura da parede do cólon.
Se há pressão elevada e a textura é forte, não
haverá divertículos. Se há pressão elevada e a parede é fraca
de textura, aparecem os divertículos. Se a parede é fraca,
mas não há pressão, dá-se a
diverticulose42.
De tudo o que foi postulado para explicar o
aparecimento dos divertículos, restam como os mais prováveis
as observações feitas por
Painter40, sem, no entanto, desprezar a idéia que há duas formas de DDC: uma é a forma
a hipertônica, fortemente sintomática e que se manifesta
numa faixa etária mais jovem, complica freqüentemente
com diverticulite e com perfuração e é mais freqüente no
cólon sigmóide. O cólon apresenta grande alteração
morfológica. Os pacientes em geral são constipados e evacuam
fezes em cíbalos. A outra é a forma hipotônica em que
os divertículos existem em grande quantidade e os
pacientes, em geral mais velhos, são na maioria das
vezes assintomáticos. Nessa forma, os divertículos são
achados de exame radiológico. A função intestinal costuma
ser normal ou está presente a constipação do idoso.
A complicação comum é a hemorragia.
As razões para as alterações descritas podem ser
vistas ao exame anatomopatológico e coloscópico do
intestino grosso de paciente com doença diverticular.
A forma hipertônica tem a musculatura
excessivamente espessa com acentuada diminuição da luz intestinal.
Essa anormalidade é vista principalmente no cólon esquerdo e,
neste, mais comumente no sigmóide; os óstios deverticulares
são pouco aparentes e ficam escondidos pela mucosa
bastante pregueada. O cólon está encurtado. Essas
alterações morfológicas se expressam do ponto de vista radiológico,
não só pelo encurtamento do cólon como pela perda da
haustração, com pregas semilunares alternadas. Ao exame endoscópico,
o paciente exige maior sedação, o segmento é difícil de
ser transposto, as pregas da mucosa são espessas e parecem
rígidas; o cólon não se distende ou reage, com maior sensibilidade,
à inflação de ar com contrações violentas e dolorosas.
O cólon é rígido e tortuoso - em zigue-zague - e
essas deformações somadas às imagens dos divertículos
impedem, eventualmente, a visibilização, no exame contrastado
do intestino grosso, de lesões grosseiras presentes no
segmento afetado.
Essas distorções ocasionadas pela
anormalidade muscular são mais freqüentes no cólon
sigmóide43, que na forma hipertônica é o mais comum local dos divertículos.
O comprometimento exclusivo do cólon sigmóide
pode ocorrer em 65,5% dos casos; do cólon sigmóide e
outros segmentos, 96%; o envolvimento é total, em 6,7%
dos casos5. Este padrão de distribuição é
completamente diferente entre os asiáticos. No Japão, a DDC
predomina no cólon direito com as seguintes distribuições,
relatadas por Sugihara e col.44, num estudo de 615 pacientes:
setenta por cento dos pacientes (429/615) tinham divertículos
no ceco e ascendente, 16% (98/615) nos cólons
descendente e sigmóide e 14% (88/615) nos cólons direito e esquerdo.
Baseados nessas breves observações, podemos
concluir que a doença diverticular é bem conhecida no que
diz respeito às suas expressões clínicas e suas mais
freqüentes complicações. Por outro lado, no tocante à sua
história natural e patogênese, há especulações e muito o que
ser estudado e conhecido. É certo que fator extrínseco,
tal como a menor quantidade de fibras na dieta,
tem participação relevante no aparecimento dos
divertículos45-49. Paralelamente, é possível e provável que um
fator intrínseco, tal como o desarranjo funcional dos cólons,
sob a influência de elementos externos, forme a base para
o aparecimento dos divertículos.
A reatividade exagerada ou maior sensibilidade
da musculatura da parede cólica aos estímulos do
sistema nervoso entérico ou ao conteúdo que precisa ser
propelido são os fatores aos quais tem sido atrelado o conjunto
de sinais e sintomas da moléstia. Tem sido sugerido que
a inervação intestinal intrínseca (inibitórios não
adrenérgicos e não colinérgicos - e excitatórios, especialmente
colinérgicos) têm uma distribuição que, na doença diverticular,
se caracteriza por um nítido predomínio das
terminações colinérgicas no cólon esquerdo. Além disso, a
observada diminuição da ação dos nervos inibitórios não
adrenérgicos e não colinérgicos por meio de seu efetor - o óxido
nítrico - pode explicar a segmentação e as câmaras de alta
pressão registradas no cólon esquerdo de pacientes com
doença diverticular50.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
E DIAGNÓSTICO
A DDC evolui de forma assintomática, na maioria
das vezes, para se expressar por meio de uma de
suas complicações. Contudo, considerando o que tem
sido observado a respeito da fisiopatologia do cólon com
essa doença e o que tem sido estudado e escrito para
enunciar hipóteses concernentes com o desenvolvimento
dos divertículos, fica difícil aceitar que a doença possa
ser assintomática. As disfunções cólicas obtidas em
fisiógrafos, a caracterização da segmentação hipertônica, a
hipertrofia da parede muscular notável em espécimes cirúrgicos
ou em material de necropsia, as alterações de hábito
intestinal, os aspectos morfológicos observáveis na
documentação radiográfica com contraste baritado e a visão que
nos permite o exame endoscópico, todos falam contrário
à observação comum de que a doença possa evoluir,
na maioria das vezes, de forma assintomática.
Alguns pacientes podem apresentar queixas
abdominais vagas, às vezes representadas por desconforto
abdominal ou dor no quadrante inferior esquerdo do abdômen ou
na região do hipogástrio; cólicas, constipação intestinal
e evacuação de fezes em cíbalos; a flatulência, a
distensão abdominal e a alteração freqüente do hábito intestinal,
em que se intercala a constipação com a diarréia, podem
estar associadas e são referências comuns entre os
pacientes sintomáticos. Esses fatores associados aos
divertículos complementam o conjunto que se esperaria sempre
quando se pensa em DDC.
Haveria, considerando as duas diferentes
expressões clínicas, o que já foi observado por
Painter40 e por Ryan41, duas doenças diferentes: a primeira, a forma
assintomática, de descoberta tardia ou ocasional da doença
diverticular, em que os divertículos são de colo largo e se distribuem
ao longo de quase todo o cólon ou doença
diverticular "hipotônica" e, a segunda, a forma sintomática,
de diagnóstico precoce, associada a diversas
complicações, em que os divertículos são de colo estreito e
prefe-rencialmente encontrados no cólon esquerdo e que
poderia ser chamada de forma hipertônica da doença
diverticular; ou, considerando os aspectos anatomopatológicos:
uma, em que o cólon tem paredes hipertrofiadas,
distorções morfológicas associadas à proeminência das pregas
trans-versas, ao espessamento da musculatura circular e
ao encurtamento do segmento afetado, em geral
observáveis no adulto mais jovem, e, outra em que a luz intestinal
tem diâmetro normal, a parede intestinal não parece
espessada, não se nota o encurtamento cólico nem a
proeminência das pregas transversas e que é diagnosticada no adulto
mais idoso.
O exame físico dos pacientes com doença
diverticular é pouco revelador, exceto nas circunstâncias em que
o cólon sigmóide é espessado e rígido e, palpado na
fossa ilíaca esquerda, faz com que o paciente queixe-se de dor.
O exame proctológico, com endoscopia limitada ao
reto, não traz qualquer subsídio para o diagnóstico, o que
não ocorre com a sigmoidoscopia com aparelho flexível.
O enema opaco tem real valor e, embora não deva
ser considerado como exame definitivo, não deveria ser
omitido no estudo do cólon de pessoas com doença
diverticular. Esse exame é, em geral, feito quando há sintomas
de doenças, obviamente, afetas ao intestino grosso. Tem
valor destacável, pois nos dá uma imagem gráfica dos
cólons numa visão de conjunto que permite analisar
aspectos morfológicos da víscera. Quando o diagnóstico
radiológico é de doença diverticular ou quando há dúvida em
relação à interpretação de alguma imagem, como pode
ocorrer quando se trata de qualquer outra doença, ele deve
ser complementado com a coloscopia, principalmente
na situação em que as distorções dos cólons favorecem
o ocultamento de imagens representativas de outras
lesões cuja gravidade pode ser superior à da simples
presença dos diverticulos.
Não é incomum, principalmente na faixa etária de
maior incidência da doença diverticular, que possa haver
a associação do câncer ou de pólipos com
transformação maligna. Essas lesões podem, no entanto, ficar ocultas,
no exame baritado, principalmente por causa das
distorções provocadas pelo pregueamento excessivo, pela
hipertrofia da parede do cólon e pela presença numerosa
dos divertículos.
Hunt51, em 1979, numa revisão dos dados da
literatura realçou a importância do exame endoscópico dos
pacientes com doença diverticular. Em 21 dos 125 pacientes
(17%) com DDC havia lesão maligna (adenocarcinoma).
Quinze foram identificados, por meio da coloscopia, em um
grupo de 135 pacientes que tinham doença diverticular e
referiam persistente sangramento retal. Por essa razão, e
pelos achados de Boulos52 de 31% de lesões neoplásicas
numa série de 65 pacientes, também submetidos ao
enema opaco, em que, em 19, foram visibilizados pólipos -
sendo 17 adenomas e 2 adenocarcinomas - e da observação
de que em outros 46 pacientes, em que o enema
revelou apenas DDC, foram encontrados, ao exame
coloscópico, pólipos em 8 pacientes e adenocarcinoma em 3. Essa
alta incidência justifica, portanto, o exame endoscópico
de rotina nos pacientes com DDC52.
Revendo dados de 3400 pessoas submetidas ao
exame coloscópico, pudemos destacar a DDC em 614
deles (18%). Este grupo cuja idade média foi de 64,5 anos,
era composto de 283 homens (46%) e 331 mulheres
(54%). Foram encontrados 126 pólipos (20,5%), contando
um para cada paciente; 28 neoplasias malignas
(4,5%) (adenocarcinomas), na presença ou não de pólipo e
outros achados relevantes, que estão reunidos na tabela 1.
Vale destacar que o exame coloscópico foi feito
de forma sistemática, facilitada porque o serviço
de endoscopia pertencia a um hospital universitário e,
além disso, havia particular interesse em, examinando
essas pessoas, fazer correlação entre o achado endoscópico e
a razão clínica que determinava a investigação. Essas
614 pessoas, nas quais o diagnóstico endoscópico foi de
DDC, foram encaminhadas para o exame com os
seguintes principais motivos clínicos: dor abdominal
(22,8%), sangramento intestinal (20,4%), diarréia,
hemorragia profusa e diverticulite (8,8%, respectivamente), e
outros (Tabela 1).
Tabela 1. Apresentação de doenças cólicas associadas, descobertas em 614 pessoas com DDC diagnosticada ao exame coloscópico, num grupo de 3.400 pessoas examinadas, e dos motivos clínicos para os referidos exames, na ordem de freqüência.
Achados endoscópicos associados | Motivos clínicos para o exame |
Pólipo (20,5%) | Dor abdominal (28,6%) |
Diverticulite (6,7%) | Sangramento pelo ânus (20,7%) |
Angiodisplasia (6,5%) | Diverticulite (8,8%) |
Sangramento ativo (4,5%) | Diarréia (8,8%) |
Câncer (4,5%) | Hemorragia profusa (8,8%) |
Colite diverticular (1,9%) | Constipação crônica (5,9%) |
Lipoma (1,46%) | Pólipo (5,6%) |
RCU (1,14%) | Anemia (2,9%) |
Sub-estenose (0,98%) | SCI (2,9%) |
Colite isquêmica (0,98) | Câncer (1,4%) |
Melonose (0,5%) | Suboclusão intestinal (0,9%) |
Apenas DDC (50,34%) | Diversos outros (4,7%) |
O motivo clínico expresso como doença
diverticular feito para 54 pacientes, com suspeita correta ou não
de diverticulite, ficou em terceiro lugar entre os motivos
para o exame. Nesse sub-grupo, a diverticulite foi
confirmada em apenas 41 pessoas (76% dos casos
suspeitos)53.
O que pode ser comentado desses dados é que
vários sintomas são observados como relacionados a outros
tipos de moléstias, ficando a doença diverticular para
diagnóstico ocasional - seja pelo enema opaco, seja pela
endoscopia. Outro fato relevante é que muitos sinais ou sintomas
que deveriam ser atribuídos a uma doença de caráter mais
grave que a DDC, podem ficar explicados com os achados
de divertículos no intestino grosso,
eventualmente diagnosticados pelo enema opaco. A relevância
desse aspecto está no fato de que, nessa casuística, a DDC
foi vista sem nenhuma outra alteração em apenas 50,34%
dos pacientes. Isso é possível ser demonstrado quando se
faz sistematicamente o exame endoscópico em todos os
casos em que o diagnóstico de doença diverticular foi
feito clinicamente e confirmado pelo enema opaco ou
quando se analisa a DDC como um achado durante o
exame coloscópico.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O exame coloscópico do intestino grosso com
doença diverticular é meio eficaz para o diagnóstico diferencial
e confirmação da presença ou não de doença associada,
já que a expectativa de diferenciar DDC de outras
moléstias, tomando como base apenas o quadro clínico e o
conjunto dos sintomas pode ser problemático e, além disso,
muitas vezes não pode ser resolvido com o enema opaco.
Sabe-se que o reconhecimento da associação de
neoplasmas na presença de divertículos que distorcem a
imagem radiológica dos cólons pode ser feito apenas na
metade dos casos54.
A constipação intestinal simples e as
alterações funcionais do intestino grosso que se enquadram
no espectro da síndrome do cólon irritável e que
poderiam ser consideradas como predecessores da DDC,
parecem não ter nenhuma relação de causa e efeito com
essa doença.
A doença de Crohn, de localização segmentar
e formação de massa inflamatória pericólica, pode
causar sintomas e cursar com sinais semelhantes aos
da diverticulite. Ambas podem estar associadas com
diarréia, sangramento e perda de muco com as
fezes, principalmente quando há a colite diverticular,
associada à DDC55. Outros sintomas e sinais tais como perda
do apetite, emagrecimento e lesões perianais seriam
os elementos para o diagnóstico da doença inflamatória.
A coexistência das duas doenças tem sido
descrita56-50, embora na faixa etária da DDC seja incomum a
doença de Crohn.
A colite isquêmica é de ocorrência mais comum
na faixa etária em que é freqüente a DDC. Dor
abdominal localizada, febre, leucocitose e diarréia com muco e
sangue e a idade devem ser os sinais e sintomas para o
diagnóstico clínico de colite isquêmica, antes de se pensar
em enterocolite infecciosa ou em doença intestinal
inflamatória inespecífica, principalmente as que são mais comuns
nos jovens. O exame endoscópico, que pode ser
imprudente na vigência da diverticulite, é arma poderosa para
o diagnóstico da colite isquêmica que pode ser
vista, também, no clister feito com contraste hidrossolúvel.
Como na maioria desses casos a inflamação é transitória e
não deixa seqüela, a oportunidade do diagnóstico está
na investigação precoce60.
Como essas doenças podem ser confundidas com a
DDC complicada, elas voltarão a ser discutidas na 2ª. parte
deste manuscrito.
TRATAMENTO
Não se pode falar em tratamento, de forma
genérica, para a DDC. Neste aspecto, não há cura para a
doença diverticular e o que se objetiva é paliar, suprimindo
seus sintomas mais desagradáveis. Assim, o tratamento
pode ser dietético, medicamentoso e cirúrgico.
Dieta
Sabe-se que os pacientes com DDC sintomática
forma hipertônica apresentam pressões intracólicas
elevadas, relacionadas ao menor diâmetro do bolo fecal. Dieta
com alto teor de fibras vegetais produz fezes volumosas e
úmidas que, de certa forma, suprime os fatores que são
causadores dos distúrbios motores registrados no intestino grosso
dessas pessoas, principalmente a segmentação, com
ondas peristálticas síncronas e a concomitante criação das
bolsas de alta pressão61-64.
Medicamentos
(antagonistas muscarínicos)
Os fármacos que bloqueiam os receptores muscarínicos têm sido usados para inibir os efeitos
das atividades do sistema nervoso parassimpático, porém,
a maior limitação de seu emprego terapêutico está no
fato de não podermos contar com um droga de ação
seletiva que possa oferecer uma resposta desejada exclusiva,
sem os efeitos colaterais. Ainda assim, essas substancias
têm sido usadas para as doenças do trato
gastrintestinal, principalmente as que se associam com a
hipermotilidade sintomática do tubo digestivo. A dor tipo cólica e
as diarréias leves, ocasionalmente associadas à DDC
ou suas complicações, podem ser aliviadas com
os anticolinérgicos.
Observações recentes a respeito do papel do óxido
nítrico na atividade motora do cólon esquerdo, em amostra
de espécimes com doença diverticular, tem permitido
concluir que há relevante diminuição de ação dos nervos
inibitórios não adrenérgicos e não colinérgicos dependentes da
atividade daquele efetor50. Esse fato, comprovado, poderá ampliar
o arsenal de drogas usadas com o objetivo de diminuir
a hipertonia sintomática, registrada em certas formas
da doença diverticular.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico da DDC que se
relaciona exclusivamente às complicações da doença será
abordado na 2ª. parte dessa revisão. Contudo, considerando
a morbidade e mortalidade associadas às complicações
da DDC e ao seu tratamento, principalmente observadas
entre os pacientes mais idosos, e o questionamento do que
poderia ser feito a respeito da operação com fins profiláticos,
vale salientar que a orientação atual, dada pela
Sociedade Americana de Cirurgiões do Cólon e do
Reto65, ainda é, apenas, de se operar todos os pacientes somente após
dois "ataques" de diverticulite não complicada, com o
propósito de reduzir os riscos posteriores, não mencionando,
portanto, qualquer tipo de intervenção cirúrgica para a
DDC sintomática, sem a diverticulite, com o propósito de se
fazer profilaxia das possíveis complicações. Isto é, se o
diagnóstico é exclusivamente de diverticulose ou, então de
doença diverticular - esta definida como o conjunto clínico de
sinais e sintomas associados à diverticulose - o tratamento
é apenas clínico, reservando-se a opção cirúrgica, em
caráter eletivo, somente na eventualidade em que houver
ataques repetidos de diverticulite, principalmente nas pessoas
idosas e imunodeprimidas, em que as complicações
representariam um risco maior. Fora dessas condições, seriam
candidatos para tratamento cirúrgico apenas as pessoas com DDC
cujos sintomas crônicos não são aliviados pelo
tratamento clínico66.
SUMMARY: The diverticulosis is an acquired common colon disease with frequency of incidence and complications increasing with the increasing age of the population, "making the disease an even greater health care problem in terms of morbidity, mortality, and cost"8. The main etiologic factor is believed to be due to decreased fiber intake seen in western dietary habits. Most often uncomplicated diverticulosis is asymptomatic and much remains to be learned about its cause and about the factors resulting in progression to symptomatic or to complicated illness.
KEY WORDS: diverticulosis, diverticular disease, complications, surgery
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Endereço para correspondência:
Júlio César M. Santos Júnior
Instituto de Medicina
Av. Pres. Vargas, 315
12515-320 Guaratinguetá( SP)