OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Júlio César M. Santos Júnior - TSBCP
SANTOS JÚNIOR JCM. Megacólon - Parte I: Doença de
Hirschsprung.
Rev bras Coloproct,
2002(3):196-209
Resumo: A doença de Hirschsprung é uma anomalia congênita que tem como característica intrínseca a ausência dos neurônios intramurais dos plexos nervosos parassimpáticos (Meissner e Auerbach), afetando o intestino grosso, em geral, nos seus segmentos mais distais, como o reto e o cólon sigmóide. Os principais sinais e sintomas da doença são a distensão abdominal que ocorre logo após o nascimento, com presença de vômitos e retardo de mais de 48 horas na passagem do mecônio, sem que haja um fator mecânico obstrutivo reconhecido de imediato. A doença compromete quatro vezes mais os meninos que as meninas e é considerada como devido à falha de migração crânio-caudal da crista neural do vago, tratando-se, pois, de uma neurocristopatia, hoje considerada associada à "deleção" do braço longo do cromossomo 10. Um dos mais intrigantes fatores relativos ao megacólon congênito, além da incidência familiar, é sua alta associação com outras anomalias congênitas que chegam a estar presentes em 28% ou mais, dos casos. Deixada evoluir sem o tratamento precoce, em geral, ela provoca retardo do desenvolvimento que, não raramente, culmina com a morte, quase sempre associada a enterocolites graves. O tratamento é cirúrgico e se resume na retirada do segmento denervado, com reconstrução imediata do trânsito intestinal. O envolvimento do médico geneticista na avaliação desses pacientes é obrigatório já que, com a sua participação, o número total de anomalias adicionais reconhecidas triplica.
Unitermos: megacólon, megacólon congênito, doença de Hirschsprung
O termo megacólon, por consagração, é usado
para designar a dilatação e o alongamento do
intestino grosso, fundamentalmente devido a alterações
da inervação intrínseca dessa víscera, com
os conseqüentes distúrbios morfológicos e funcionais.
Com essa definição e com o fator etiopatogenético,
o megacólon pode ser congênito e adquirido.
MEGACÓLON CONGÊNITO
A forma clássica e mais conhecida do
megacólon congênito é a decorrente da aganglionose
congênita, entidade conhecida desde o século XVI, mas
apenas divulgada, como doença estudada, em 1887,
por Hirschsprung1.
Hirschsprung relacionou os sintomas graves
de constipação e o quadro clínico de obstrução, com
a hipertrofia e a acentuada dilatação dos cólons, sem
que houvesse a possibilidade da demonstração do
agente causal. Em 1904, escrevendo sobre a
dilatação congênita do cólon, ele relatou sua experiência com
os 10 primeiros casos.
Tittel2 e Dalla
Vale3 descreveram lesões
nervosas nos plexos nervosos submucoso e
intramural caracterizadas pela ausência de neurônios, que
mais tarde foi relacionada ao desenvolvimento do megacólon, proximal ao segmento denervado, e
à ausência de neurônios nos plexos nervosos.
Trata-se, esse fato, da migração incompleta crânio-caudal
da crista neural do vago, fazendo com que o
sistema nervoso entérico seja mal-formado, o que,
por proposição de
Bolande4, constitui-se numa
neurocristopatia5.
A forma clássica, então conhecida como doença
de Hirschsprung (DH), é bem caracterizada pelos
sintomas e sinais precoces de obstrução intestinal, na
grande maioria das vezes manifestando-se imediatamente
após o nascimento. O termo megacólon, para esta
situação, foi empregado às custas do aspecto radiológico
do intestino grosso, em que o enema opaco é exame
que deve ser feito sem preparo. O aspecto de cólon
dilatado pode desaparecer com o esvaziamento prévio
dos cólons, via anal. Contudo, ao longo dos anos,
nas crianças não tratadas e que sobrevivem, o
cólon realmente se alonga, dilata e hipertrofia.
O desproporcionado crescimento do intestino
grosso, principalmente do cólon esquerdo, nessas
crianças, confere-lhes notável distensão abdominal,
com acentuado alargamento da base do tórax. A
constipação crônica e os repetidos episódios de
enterocolites contribuem para com o retardo no
desenvolvimento do peso e da estatura, o que realça o aspecto
da distensão abdominal.
Etiopatogenia
O relato de ausência de células nervosas
nos plexos ganglionares submucoso e intramural, foi
feito, em 1901, por Tittel2, mas a associação de causa e
efeito foi somente estabelecida a partir de 1924, quando
Dalla Vale3, descrevendo casos de
DH, notou sua incidência familiar e observou que o segmento distal não
dilatado, não possuía células nervosas ganglionares nos
plexos murais. A aganglionose é o fator determinante
dos distúrbios observados no megacólon congênito
porque estabelece a desarmonia funcional no
segmento denervado, de tal ordem que dificulta e mesmo
impede o trânsito das fezes.
O distúrbio é intrinsecamente funcional,
tem caráter genético e o gene de maior relação com a
doença está localizado no braço longo do cromossomo
106-9. Além disso, não desprezível, o que se torna em
um intrigante aspecto9, é o número de anomalias
congênitas que têm sido descritas, associadas à
DH, com valores de associações que ascendem ao redor de
28%, distribuídas entre anomalias cardíacas, cerebrais
e craniofaciais, além da síndrome de
Down9.
Anatomia Patológica
A denervação congênita ocorre mais
comumente na parte terminal do intestino grosso, envolvendo,
em todos os casos, o reto, em extensões variáveis,
podendo inclusive envolver o cólon sigmóide, o
descendente ou mesmo todo o intestino grosso, o que pode
acontecer em 8% dos pacientes com
DH10.
Todos os casos apresentam-se com a
ausência de neurônios nos plexos intramurais e submucoso,
no segmento distal não dilatado e nem alongado, mas
com o segmento proximal, inervado, alongado, dilatado
e hipertrofiado. No local dos gânglios ausentes,
observa-se coleção anormal de fibras nervosas espessadas.
Na zona aganglionar, os nervos que deveriam terminar
nos gânglios espalham-se pelas camadas
musculares. Embora todos os casos sejam agangliônicos,
a intensidade da inervação intramuscular
varia enormemente, de paciente para paciente com a
mesma doença.
A gravidade clínica é mais consistente com
a intensidade de fibras nervosas intramusculares do
que com a extensão do segmento aganglionar, o que
sugere a atividade desses nervos11. Logo acima do
segmento não dilatado, porém denervado, há uma zona
afunilada, de comprimento variável, denominada "zona
de transição", com características histopatológicas que
a tornam diferente do segmento denervado, bem como do segmento proximal dilatado, porém com
inervação normal. Essa zona pode ser hipoganglionar
ou hiperganglionar.
Na grande maioria das vezes, o segmento denervado se limita ao reto e/ou ao sigmóide
terminal (90%). Em 7% dos casos o segmento é longo e,
em 2%, é total12. Num levantamento feito no
Departamento de Cirurgia do Hospital das Clínicas da
FMRP-USP, envolvendo 83 pacientes com moléstia
de Hirschsprung, o comprometimento do reto até
a transição reto-sigmóide foi observado em 80%
das vezes, o reto e o sigmóide terminal, em 93,5%;
o segmento longo foi visto em 6,5% dos pacientes,
não se observando nenhum caso de aganglionose
total13.
Assim, de acordo com o maior ou menor segmento desprovido da inervação vagal, tendo
como limite inferior o esfíncter anal, os pacientes podem
ser classificados como possuidores de DH de
segmento curto (DHC - 80%) quando o segmento
denervado envolve o reto e não ultrapassa o sigmóide e
de segmento longo (DHL - 20%), quando o intestino grosso denervado envolve partes proximais ao
cólon sigmóide. Dentro dessa classificação, quatro
variantes têm sido descritas:
1.Aganglionose total dos cólons (DHTC _ 3 a 8
%)14
2.Aganglionose intestinal total (DHIT)14-17
3.Ausência de gânglios em segmento
ultracurto (envolve o reto distal), com definição que se presta
à controvérsia18-20
4.Aganglionose segmentar descontinua _ segmento cólico sem gânglio proximal a um segmento
normal, mais comum no adulto21.
Fisiopatologia
Os gânglios intramurais são os finais
comuns, tanto para as fibras nervosas simpáticas como para
as parassimpáticas. Na ausência das células
ganglionares, a presença de várias fibras
colinesterase-positivas adiciona variado grau de incoordenada contração
no segmento denervado. Esse fato é, também,
influenciado pela inabilidade das fibras catecolamino-positivas
em atingir os gânglios e, portanto, exercerem seu
papel inibidor22.
A fisiopatologia da doença de Hirschsprung
é mais bem compreendida quando se entende a integração nervosa do reto e do canal anal.
A motricidade do reto e a atividade do canal anal, ou
mais propriamente do esfíncter anal interno
(EAI), são controlados por estruturas nervosas de
características distintas que são o sistema nervoso intrínseco
(SNI) e o sistema nervoso extrínseco
(SNE).
a. SNI (sistema nervoso intrínseco)
Como em todo o tudo digestivo, anatomicamente o
SNI é constituído por plexos situados na submucosa (plexo de Meissner e de
Henle) e na túnica muscular (plexo de Auerbach). Apesar
das controvérsias a respeito da inervação do reto
e, principalmente, do canal anal, alguns
autores23,24 - por causa da diminuição desses plexos no sentido
crânio-caudal (reto-anal)24 - reconhecem, ao nível dos
plexos mioentéricos do reto, dois tipos de neurônios
com relação direta com as células. musculares lisas.
Esses neurônios são neurônios excitadores
(colinérgicos), inibidores (adrenérgicos) e neurônios excitadores
e inibidores não adrenérgicos ou não
colinérgicos, denominados de purinérgicos e que têm
como mediadores o ATP e o VIP (polipeptídio
intestinal vasoativo). Para o EAI os neurônios purinérgicos
são inibidores. A atividade tônica persistente do EAI,
deve-se, também, a atividade intrínseca (miogênica),
além da atividade da inervação extrínseca.
b. SNE (sistema nervoso extrínseco)
b1. Simpático
Tanto para o reto como para o esfíncter
anal interno (EAI) os nervos simpáticos, saindo da
medula ao nível de T12 e L2, fazem sinapses nos
gânglios mesentérios inferiores com neurônios
pós-ganglionares adrenérgicos. Esses ganham a porção proximal do
reto por meio dos nervos cólicos lombares e atingem a
parte distal do reto e o EAI, pelos nervos hipogástricos.
O comando nervoso simpático é inibidor para o reto.
A noradrenalina liberada inibe a atividade tônica do
reto e promove a excitação do
EAI25, por ação direta
da noradrenalina nos receptores alfa das fibras
musculares lisas do EAI,.
b2. Parassimpático
O reto e o EAI são inervados por
centros parassimpáticos sacrais (S1-S3). No reto, as
fibras fazem sinapses com neurônios intramurais
colinérgicos excitadores e com neurônios purinérgicos
inibidores. A via excitadora, que reforça uma contração
sempre presente no reto, tem papel essencial na
atividade propulsiva desse segmento do intestino
grosso26.
No que diz respeito ao EAI, o papel do
sistema nervoso parassimpático não está bem definido.
Algum efeito inibidor tem sido demonstrado em
algumas espécies animais. No homem, quando os
nervos pélvicos são estimulados, obtém-se o relaxamento
do EAI. Essa inibição parece empregar fibras
pré-ganglionares colinérgicas conectadas a
neurônios purinérgicos25. Assim, o sistema nervoso
parassimpático, essencialmente excitador para o reto,
é inibidor para o EAI, porém de forma não relevante.
A esses dois tipos de atividade nervosa controlando a função do
EAI há a participação intermitente de ondas lentas e ultralentas
participando no valor da pressão anal dependente do
EAI27-29.
Reflexo Reto-Anal
Esse reflexo, também denominado de
reflexo inibitório reto-anal, foi primeiramente descrito
por Gowers30, em 1877, e estudado, mais
recentemente, por Duthie31, fica definido quando a distensão do
reto resulta num relaxamento momentâneo do
EAI com simultânea contração do
EAE. A interpretação desse mecanismo sustenta a idéia de favorecimento para
que o conteúdo retal atinja os segmentos mais distais
do reto e a transição do reto com o ânus onde
receptores sensitivos altamente discriminativos permitem
a sensação cognitiva da qualidade física do conteúdo
retal e a conveniência ou não de uma ação voluntária
que pode ser a de evacuação ou a de contenção, às
custas da contração voluntária do
EAE. O conjunto _ ampola retal, EAI e
EAE _ e os reflexos que interligam essas unidades, numa relação anatômica e
temporal, desempenham uma importante função no
mecanismo da preservação da continência
fecal32,33.
A distensão retal que provoca o
relaxamento do EAI independe de atividade peristáltica e de
centros supra-espinais34, porém exige, para sua
performance, a integridade da inervação
intrínseca35. Várias
outras evidências realçam o papel de um reflexo
intramural curto mediando a função ano-retal, assim:
· O reflexo pode ser abolido pela secção
mais anastomose do reto que fique entre o local da
distensão e o canal anal.
· É possível obter relaxamento do
EAI com distensão do reto, mesmo que o nervo hipogástrico
esteja bloqueado ou mesmo quando há lesão nervosa
sacral36. Contudo, o papel do componente extrínseco não
pode ser totalmente descartado já que a estimulação
dos nervos pélvicos provoca inibição do
EAI, semelhante à que se obtém com a distensão do reto.
· Na moléstia de Hirschsprung, há ausência do
sistema nervoso intrínseco e, nessa situação, a distensão do
reto não provoca relaxamento do
EAI37.
A ausência do que classicamente
está estabelecido, ou seja, na falta congênita dos
neurônios tipo excitador colinérgico (parassimpático) e
tipo inibidor adrenérgico (simpático) por si só, não
explica todos os fenômenos que caracterizam a doença
de Hirschsprung, com o permanente espasmo da zona aganglionar e principalmente pela falta de
correlação entre a gravidade dos sintomas e a precocidade
de manifestação e extensão do segmento aganglionar.
A demonstração de que fibras adrenérgicas normais
que se concentram ao redor dos plexos
parassimpáticos mantem, também, relação com um
3o. neurônio, pós-ganglionar extrínseco, deixa evidente que as
terminações simpáticas exigem a integridade ganglionar
mioentérica parassimpática para sua ação inibidora. A
atividade adrenérgica inibidora fraca ou quase ausente é
superada pelos estímulos colinérgicos excitadores. Esse fato
foi demonstrado por reações histoquímicas quando se
pôde evidenciar o aumento das atividades colinérgicas
nos segmentos aganglionares37. Na ausência dos
neurônios efetores e inibidores, a musculatura lisa funciona
com estrutura denervada em constante estado de
contração sujeito às respostas excitadoras.
Além desses aspectos de anomalia nervosa,
há o concurso de fibras purinérgicas que são
também inibidoras não adrenérgicas e excitadoras
não colinérgicas que parecem ser responsáveis
pelo relaxamento do peristaltismo e do EAI. Essas
fibras purinérgicas inibidoras não adrenérgicas
estão ausentes. Por outro lado, a zona de transição, que
pode ser área de displasia
neuronal38, entre o segmento aganglionar e o segmento normal, contribui para
com as alterações registradas na doença de Hirschsprung.
Na maioria das vezes, essa zona se caracteriza
pela atividade colinérgica diminuída o que implicaria
em peristaltismo pouco eficaz, sem a necessária força
para vencer o espasmo da região aganglionar.
Outro segmento que contribui enormemente para os sinais e sintomas, na doença de
Hirschsprung, é o ânus, mais especificamente o
EAI, que na perda do reflexo reto-anal exibe comportamento anômalo
com contrações espásticas ao invés de relaxamentos,
quando o reto é distendido.
O funcionamento harmônico do
EAI exige integridade da inervação retal intrínseca e
presença íntegra das fibras purinérgicas inibidoras.
Estudos desenvolvidos "in vitro", usando fragmentos em
tira da musculatura lisa do EAI, em ensaios
biológicos, têm resultados interessantes não só concernentes
à fisiologia do esfíncter como também a respeito da
sua farmacologia39,40, com destaque que torna
essa musculatura diferenciada e especial quando
comparada às camadas musculares longitudinais e circulares
do reto e ao músculo longitudinal do ânus, como
havia sido destacado anteriormente41.
Os estudos farmacológicos envolvendo
essas estruturas anais só fizeram por confirmar que
o relaxamento esfincteriano é, de fato, mediado
por estruturas nervosas não colinérgicas e não
adrenérgicas. A procura do tipo específico de
neurotrasmissor conduziu a vários resultados possíveis com realce
para o ATP (adenosina trifosfato), o VIP (peptídeo
intestinal vasoativo) e o CO (monóxido de carbono), como
as substâncias clínicas mais próximas a cumprir papel
na mediação dos elementos nervosos intrínsecos
do segmento anorretal. Contudo, há evidências de que
o óxido nítrico, de fato, é o mais
importante neurotransmissor não adrenérgico, não
colinérgico participando na atividade contrátil da musculatura
lisa do esfíncter anal interno, no homem, inclusive
fazendo mediação no reflexo reto-anal, e, além do que, tem
sob dependência a ação do
VIP42-46.
Quadro Clínico
O aspecto clínico que mais contribui para
o diagnóstico do megacólon congênito reside no fato
do sintoma de constipação e/ou obstrução intestinal
distal datar dos primeiros dias de vida e, em quase todos
os casos, desde o nascimento. Há 3
características salientes que determinam o diagnóstico clínico
da doença de Hirschsprung:
1. obstrução neonatal baixa exigindo colostomia
para o alívio.
2. recém nascido com quadro clínico de
obstrução recorrente, aliviada pelo toque retal ou por clister
de salina, mas que acaba impondo o tratamento cirúrgico
3. apresentação dos sintomas efetivos mais
tardiamente em pacientes que de inicio apresentavam sintomas
leves ou, raramente, ausentes.
Do ponto de vista clínico, essa entidade
é, basicamente, caracterizada por uma forma de
obstrução funcional, tão grave que cerca de 50% das
crianças comprometidas e não tratadas, morrem nos
primeiros anos de vida e a grande maioria não logra atingir
a vida adulta47.
Noventa por cento dos recém-nascidos que
não eliminam mecônio nas primeiras 24 horas, após
o nascimento, certamente têm doença de Hirschsprung.
O abdômen distende e sobrevêm
vômitos biliosos, mais freqüentes quanto mais se insiste com
a alimentação, por via oral.. Eventualmente,
percebe-se à inspeção o peristaltismo intestinal e, quando
a distensão abdominal se acentua, o quadro clínico
de obstrução é acompanhado de desconforto
respiratório que pode se expressar por certo grau de cianose.
O exame rotineiro deve incluir o toque
digital do reto que, em geral, provoca a saída explosiva
de conteúdo intestinal com alívio imediato,
porém passageiro, da distensão. Quando o toque não libera
a rolha de mecônio ou os gases retidos, uma sonda
retal e a lavagem por sifonagem dão resultados
satisfatórios. Tanto o toque retal como a lavagem por
sifonagem, que resultam em alívio da distensão abdominal,
tornam-se altamente sugestivos para o diagnóstico
de megacólon congênito.
Quando o toque retal é efetivo, é de se
supor que o segmento denervado seja curto; ao contrário,
ele pode ser mais longo. Após essas medidas, a
evolução do RN é variável podendo ser relativamente boa,
com períodos de constipação e/ou obstrução recorrentes
o que, geralmente, provoca o retardo no diagnóstico;
ou persistir com quadro grave de obstrução
intestinal, determinando intervenção cirúrgica e feitura
de colostomia. A demora para com o diagnóstico
ocorre mais freqüentemente nos casos em que a
sintomatologia só se inicia após os primeiros 2 ou 5 meses de vida.
Ao longo da infância, as crises de obstrução vão
se tornando menos freqüentes e a constipação
mais persistente, com notável prejuízo do
desenvolvimento físico da criança.. No lactente e pré-escolar, o
aspecto físico é bem característico e chama a atenção
o hipodesenvolvimento e o abdômen distendido com
a base do tórax alargada. No exame, em geral, o
reto está vazio e, nas crianças maiores, quando o
segmento aganglionar não é longo, é possível tocar o
fecaloma que pressiona a zona de transição.
Ao longo da evolução clínica da moléstia
de Hirschsprung, a mais temível complicação é
a enterocolite, antigamente interpretada e
denominada como "diarréia putrefativa", mas que tem
como substrato a isquemia do segmento normalmente inervado que pode evoluir com pneumatose
intestinal, perfuração, peritonite e morte. Essa complicação
fatal é de ocorrência mais comum no período neonatal.
Na nossa casuística, a incidência de enterocolite foi de
6%, com 60% de óbitos.
INCIDÊNCIA
Estima-se que a moléstia de
Hirschsprung ocorra em 1/20.000 a 1/5.000 nascimentos, sendo
mais comum nas crianças do sexo masculino do que do
sexo feminino, na proporção de 4:1, afetando todas as
raças, podendo estar associada com várias outras
anomalias congênitas48,49. A incidência racial é
significativamente variável e, entre diferentes grupos étnicos, a
doença ocorre em 1,5;2,1; e 2,8 por 10.000 nascimentos,
entre os Caucasianos, Negros-americanos e
Asiáticos, respectivamente50,51.
A expressão hereditária da doença é
notável em 2,5% dos pacientes com segmento curto e em
12,5% nos pacientes que têm a doença com
segmento denervado longo. Ao lado disso está a
observação decorrente de estudos epidemiológicos de que o
risco de ocorrência de DH em gêmeos foi muito maior
que na população geral (4% contra
0,02%)48,50. Favorece, também, o caráter hereditariedade a associação
da doença de Hirschsprung com a síndrome de
Down (trissomia do cromossomo 21), presente em 2 a
10% dos casos e de anomalias na esfera urogenital, em
3% dos casos48,52,53. Soma-se, ainda, o fato de que é
muito mais comum do que poderiam ser explicadas
por coincidências, as presenças da estenose hipertrófica
do piloro, da má-rotação intestinal, do divertículo
de Meckel e das anomalias
ano-retais54-56.
Isso significa que a DH pode aparecer
como traço isolado em 70% dos pacientes, associada
à anormalidade cromossômica em 12% e com
outras anomalias congênitas em 18% ou mais, dos
casos49-51,57-59.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico, baseado num alto índice
de suspeita e da consciência do significado do retardo
da passagem do mecônio, no recém-nascido, é quase
que essencialmente clínico, facilitando a providencia
de medidas precoces e desejadas.
1. História clínica _ enema opaco
A história clínica, o exame físico, o
exame proctológico, o exame radiológico simples
do abdômen, o enema opaco, a manometria anorretal e
a biopsia, permitem o diagnóstico em todos os casos.
A radiografia simples do abdômen permite
documentar as alças intestinais dilatadas, com ou sem níveis
de interface hidro-aérea, com ausência de ar na
pelve, imagens que distinguem a obstrução intestinal.
A investigação posterior, na ausência de anomalias
ano-retais, é o enema opaco que deve ser feito sem
preparo intestinal prévio e de preferência após período
de grande retenção fecal, com chapas tomadas
nas posições antero-posterior e perfil, interessando a
região do segmento aganglionar e do segmento inervado.
A imagem observada será a de segmento de
calibre normal (segmento denervado), uma zona como
boca de funil (área de transição) e o segmento
proximal enormemente dilatado (segmento normal).
Essa imagem, evidentemente não é vista no
recém-nascido, porém a retenção do bário, de 24 a 36 horas após
o exame, torna-se sinal fortemente sugestivo para
o diagnóstico da doença.
2. Manometria ano-retal
O estudo do reflexo reto-anal trouxe
grande contribuição para o diagnóstico da moléstia
de Hirschsprung. O reflexo de inibição reto-anal
exige integridade do sistema nervoso intrínseco do
reto. Consiste de inibição da atividade tônica do esfíncter
anal interno toda vez que o reto é distendido. Na doença
de Hirschsprung a distensão do reto, além de não
provocar inibição do EAI, provoca contrações bruscas do
mesmo, com persistência de sua atividade
tônica60. O exame é simples e sem risco algum, mas tem sido discutido
quanto a sua exatidão que, para alguns, é de alta
definição61-65 e, para outros, de precisão
duvidosa66-69.
O exame se presta para diferenciar ou diagnosticar a doença de Hirschsprung de
segmento curto e ultracurto, mas tem suas ciladas e
limitações. O exame é confiável em cerca de 89% a 95% dos
casos. Em 11%, no entanto o resultado pode ser
duvidoso. Resultados falsos foram obtidos em 4% de
261 pacientes examinados por Penninckx e
col.69, em 1990.
A porcentagem de falso-negativo relatada
é variável (0 a 24%). Os índices mais
altos68 foram encontrados em crianças nos primeiros dias de
vida63. Os falsos positivos variam de 0 a
5%69 e, em geral, ocorrem em prematuros. Os resultados
equivocados (18%) e os falsos (28%), que ocorrem em
crianças abaixo de um mês de idade, consistem em dados
que nos inclinam a considerar que nessa faixa etária
a biópsia é procedimento diagnóstico
preferível68.
A maior ou menor exatidão desse procedimento diagnóstico impõe e depende de
várias considerações técnicas, bem como da análise
de doenças associadas que podem,
eventualmente, interferir com os
resultados69.
3. Biopsia
A biopsia de Swenson (biopsia da parede
retal)70 ou a biopsia por sucção (mucosa e
submucosa) nem sempre dão resultados semelhantes, já que é
muito mais fácil para a maioria dos patologistas a
visibilidade dos plexos intramurais do que do plexo
submucoso. Teoricamente, no entanto, fragmentos que envolvem
a submucosa, devem dar resultados semelhantes, já
que a ausência do plexo de Meissner é uma constante
na doença de Hirschsprung.
Os dois exames são bastante diferentes,
no entanto, para o paciente e para o médico. A biopsia
de parede retal exige internação e anestesia para
sua obtenção. A biopsia por sucção pode ser feita
no ambulatório, não exigindo, portanto, anestesia
nem internação.
Quando se faz a biopsia retal de parede,
é importante considerar a extensão, que no
recém-nascido deve ser de pelo menos 2 cm acima da
linha do pécten e nas crianças maiores, de 4 cm.
A biopsia falha quando estamos diante de
caso de segmento ultracurto, zona em que a ausência
de neurônios pode não ter significado clínico e patológico.
Técnica mais sofisticada, porém de
execução fácil, é histoquímica para a atividade da
acetilcolinesterase. A reação histoquímica é feita
medindo-se a atividade da acetilcolinesterase, o que
indiretamente significa presença de acetilcolina. O
método não se preocupa com a presença ou ausência
de neurônios, mas com o aumento difuso da atividade
da acetilcolinesterase na zona
aganglionar71.
DIAGNOSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial dependerá da
idade em que a criança, que apresenta os sintomas, é
vista pelo médico. No período neonatal, a diferenciação
será necessariamente feita com as inúmeras causas
de obstrução congênitas, principalmente as baixas,
tais como as devidas às anomalias anorretais. Assim,
o exame proctológico que inclui a inspeção e o
toque torna-se de fundamental importância. A passagem
do dedo pelo ânus pode franquear o pertuito e
permitir saída "explosiva" do conteúdo intestinal, o que
pode, inclusive, proporcionar alívio imediato da
distensão abdominal. Esses dados devem ser
considerados altamente sugestivos para o diagnóstico de doença
de Hirschsprung. A evacuação, ás vezes, é feita com
a expulsão prévia de rolha de mecônio que não deve
ser interpretada, e, portanto confundida com a
síndrome da rolha de mecônio, situação extremamente rara
nos neonatos saudáveis.
Nas atresias intestinais baixas, o
diagnóstico diferencial pode ser mais difícil, mas com auxilio
de exame a decisão torna-se fácil. O exame, que
inclusive continua como o principal método de diagnóstico
no megacólon congênito, é o enema opaco. Serve
tanto para diagnosticar o íleo meconial como, também,
na síndrome do cólon esquerdo. Nas crianças maiores,
o diagnóstico diferencial que deve ser feito é com
a constipação intestinal crônica e com o
megacólon psicogênico. O diagnóstico diferencial nas
duas circunstâncias é relativamente fácil e envolve
a anamnese bem feita.
TRATAMENTO
A abordagem inicial, feito o diagnóstico,
tem como propósito manter esses infantes o mais
saudáveis possível para o tratamento cirúrgico definitivo,
que consistirá, em última análise, da retirada do
segmento denervado do trânsito intestinal.
As recomendações mais clássicas impõem
o tratamento estagiado, com colostomia prévia, no
cólon transverso ou no sigmóide, logicamente no
segmento inervado, e o tratamento definitivo no 10º ou 11º mês
de vida, embora bons resultados têm sido obtidos com
o tratamento definitivo realizado antes do 3º. mês de
vida72.
As complicações associadas à doença
de Hirschsprung devem ser tratadas com muito rigor,
antes da operação. Complicação relativamente comum
e temível, por estar relacionada a altos índices de
morte, é a enterocolite. Descompressão urgente,
suporte nutricional, antibioticoterapia e corticoterapia
devem ser os procedimentos de escolha.
A operação definitiva para esses casos
deve ser feita, pelo menos 3 meses depois dessas
crianças terem sido recuperadas.. No tratamento estagiado
ou na intervenção em caráter de emergência, a
colostomia, tanto quanto possível, deve ser feita
imediatamente acima do segmento denervado. Colostomia
muito proximal, por exemplo, no cólon transverso, quando
o segmento denervado atinge a transição
retossigmóide, impedirá, pelo desuso, o desenvolvimento normal
do cólon esquerdo. Nessa circunstância, a
operação definitiva ficará prejudicada ou será executada com
o sacrifício de um segmento maior do intestino grosso.
As técnicas cirúrgicas para o tratamento
da doença de Hirschsprung evoluíram, nos últimos
50 anos, com variações impostas pelos conceitos a
respeito da etiopatogenia e os conhecimentos de
fisiopatologia da doença, predominante em cada época. Assim, a
idéia de que o desenvolvimento do megacólon decorria
de processo infeccioso, orientou para o tratamento
clínico. Quando predominou a idéia de
hiperatividade simpática, o tratamento proposto foi a
simpatectomia pélvica73.
A simpatectomia pélvica foi proposta
para abolir a hiperatividade simpática, da mesma
maneira que ressecções amplas foram propostas quando se
tinha a idéia de que a doença estava localizada no
segmento dilatado e hipertrofiado. Essas operações
cirúrgicas foram feitas e os resultados foram desastrosos.
Tratamento adequado para a moléstia
somente foi proposto após as demonstrações de Swenson e
col.73, em 1949, dando suporte à tese de que todos
os distúrbios e alterações morfológicas do intestino
grosso eram decorrentes do mau funcionamento do
segmento distal denervado. Os argumentos de Swenson e
col.73 reuniam os elementos constantes no conjunto de
sinais e sintomas que caracterizavam o megacólon
congênito, principalmente no fato de, ante todas as
alterações observadas, o elemento constante era a ampola
retal vazia, a despeito de grande conteúdo fecal alojado
nos pontos proximais do cólon, o que já havia
sido observado por Hirschsprung, 50 anos antes.
Outro aspecto de relevante influência e modificador
do conceito vigente até aquela época, para explicar
as perturbações da doença, foi a anotação feita a
respeito do resultado da colostomia proximal ao
segmento denervado73.
O notável desaparecimento da dilatação
do cólon e o bom funcionamento do intestino
pela colostomia corroboravam a idéia de que a causa
estava na parte distal denervada e estreitada.
A demonstração radiológica da
imagem formada pelo cólon proximal dilatado e do
reto aparentemente estreitado foi feita por
Neuhauser73, que a considerou patognomônica da moléstia
de Hirschsprung. Mais tarde, os registros de ondas peristálticas efetuadas em diferentes segmentos
do intestino grosso de crianças com megacólon
congênito e em crianças normais, com colostomia, ao lado
da tentativa de captar atividade no segmento
denervado, demonstraram, definitivamente, a atividade
fisiológica normal do cólon dilatado e a ausência da atividade
no segmento distal denervado e de calibre normal.
Baseado nessas observações e com a
convicção de que o novo conceito era verdadeiro, Swenson e
col.74, em 1948, já haviam proposto a técnica cirúrgica para
o tratamento da doença de Hirschsprung que
consistia na remoção do segmento doente _ de aparência
normal - e anastomose do cólon sadio _ aparentemente doente
- com o reto terminal, logo acima do
ânus74. A técnica proposta por Swenson e
Bill74 foi a primeira que se baseou em conceitos etiopatogenéticos e
fisiopatológicos corretos da doença. Foi considerada trabalhosa,
porém era segura e em geral feita em dois tempos. A
abordagem preliminar implicava na recuperação das
condições gerais de saúde da criança, quando isso fosse exigido,
e na construção de uma colostomia proximal, pouco
acima do segmento denervado.
O segundo tempo era feito quando a
criança atingia a idade de 10-12 meses, ou seja, quando
ela tinha mais de 10 kg de peso corporal e era
executado em duas fases.
A primeira fase compreendia o passo feito
por via abdominal, com ampla mobilização do
cólon sigmóide e dissecção do reto até o assoalho
muscular da pelve, com o cuidado de se preservar os
tecidos perirretais, ao contrário do que é preconizado para
a operação do câncer. A dissecção do reto, junto à
sua parede era circunferencial, até o nível mencionado
e da forma como foi descrito, evitando lesão nos
nervos pélvicos.
A ligadura dos vasos retais e sigmóides
era feita de acordo com determinação prévia, imposta
pela extensão do segmento denervado, cuja transição
com o normal era marcada, com o propósito de permitir
a ressecção segmentar necessária e garantir que
o segmento proximal remanescente pudesse ser
abaixado no períneo.
A segunda fase era feita por via perineal,
por onde o segmento patológico podia e devia
ser ressecado. Promovia-se a intussuscepção
sigmóide-reto-anal com inversão inclusive do canal anal. O
reto era, então, seccionado imediatamente acima do
canal anal e as partes retais proximais e o
sigmóide tracionados para baixo, por via anal, até a marca
que indicava presença de segmento inervado. Nesse
nível, o cólon era seccionado ao tempo que se fazia
a anastomose da "boca" proximal com a parte cranial
do ânus. Completada a anastomose, o canal anal
era revertido, retornando com a anastomose
cólon-anal para o interior da pelve.
A operação de Swenson, com a qual não
temos experiência pessoal, foi usada durante muitos anos,
mas tem sido substituída por técnicas de mais fácil
execução e de dissecção menos radical e que
trouxeram resultados superiores àqueles obtidos por Swenson.
Swenson e col.75, em 1975,
analisando resultados do tratamento de DH, registraram
índices de 24,2% de complicações precoces e 23,2%
tardias, inclusive os óbitos. Em análise de
casuística multinacional, as complicações mais citadas
foram: deiscência de 5,6%; 7,6% de estenose, 12,9%
de incontinência e 22,5% de enterocolite
pós-operatória76. Em outro
estudo77, a incidência de infecção da
ferida cirúrgica foi de 25%, a incontinência precoce de
55%, a incontinência persistente de 20%, a estenose
da anastomose de 27,5%; metade dela exigindo
operação e, as demais, dilatações por tempo prolongado. O
óbito associado foi de 10%77.
Os resultados analisados, em longo prazo,
não são os esperados e, portanto, não contemplam o
uso dessa técnica, mormente por causa da função
intestinal e da continência
anal78.
O outro tipo de técnica cirúrgica que
contempla os conhecimentos a respeito da DH foi idealizado
por Soave79. A técnica, descrita em 1964, trouxe
a experiência de sua execução em 64 pacientes.
Trata-se de um procedimento cirúrgico mais trabalhoso que
a operação de Swenson e evita as dissecções amplas
do reto. Do ponto de vista técnico, traduz a intenção
de se preservar ao máximo as estruturas perirretais
e confeccionar uma anastomose de maturação
tardia, livrando o paciente do risco de deiscência.
O detalhe técnico principal é a abertura
do cólon por sua parede muscular imediatamente
acima do segmento estreito e a dissecção, no
plano submucoso, no sentido caudal até a junção
cutâneo mucosa do canal anal. No tempo perineal,
o procedimento é completado com secção
circunferencial da mucosa retal 1 cm imediatamente acima da
linha pectínea, e, em seguida, o intestino grosso proximal
é puxado para baixo e para fora do ânus, até que
se exponha a parte inervada. O cólon é
amputado, deixando-se um segmento exteriorizado pelo ânus,
de mais ou menos 5cm. Esse coto de cólon
exteriorizado é extirpado no 10o.
ou 15º. dia pós-operatório.
Além de, com essa técnica, tornar possível a
anastomose baixa, sem a derivação protetora, os
resultados apresentados por Soave79 foram semelhantes aos
de Swenson e Duhamel80,81.
O cuidado pós-operatório exigido pela
técnica de Soave79 é a dilatação anal para que se evite
a estenose. Esse cuidado, que se prolonga por
várias semanas, deve ter contribuído para que essa
técnica não conquistasse muitos adeptos, não sendo,
portanto, a operação mais popular entre nós. O fato é que
as duas técnicas não são tão fáceis de serem
executadas e, em mãos
experientes82, dão apenas resultados
que podem ser considerados razoáveis.
Técnica mais elegante, mais fácil e
que teoricamente busca a restauração da função motora
do reto foi descrita por Duhamel, em
196080.
Com a técnica de
Duhamel80,81 que consiste no abaixamento do cólon pelo espaço retro-retal, com
a preservação do reto e de todo o tecido perirretal, e
com as modificações introduzidas por Martin e
Alteimeir82, em 1962, visa-se usar as propriedades
sensitivas preservadas do reto denervado, acrescentando-lhe
a atividade motora, ausente, pela justaposição do
cólon normal, numa anastomose lado a lado,
confeccionando um tubo cuja metade anterior é formada pelo reto e
a metade posterior pelo cólon.
Várias e importantes modificações
foram introduzidas no procedimento ideado por Duhamel e
o resultado foi mais uma técnica, hoje adotada em
todos os centros de operações pediátricas, principalmente
no Brasil.
Entre nós, a operação de
Duhamel80,81 foi modificada por
Haddad83.
A variação introduzida pelo cirurgião paulista
consiste numa anastomose de maturação tardia, não exposta
ao trânsito intestinal, numa forma de evitar as
deiscências, que são complicações de graves conseqüências e
de alta incidência, nas operações colorretais
com anastomoses baixas.
Na análise crítica da operação de
Duhamel, Grospel e col.84 recomendaram o procedimento
como de escolha no tratamento da DH. Os autores, entre
89 pacientes operados, relataram a ocorrência de 3,5%
de fecaloma no coto retal persistente,
constipação ocasional em 8% dos pacientes, enterocolite em
7%, realçando que metade das crianças que no
pós-operatório tiveram enterocolite tinham
aganglionose total e, finalmente, anotaram 3,5% de
incontinência parcial. Todas essas complicações foram
facilmente resolvidas clinicamente. Em 1996, Fortuna e
col.85, para uma avaliação crítica de técnicas cirúrgicas
empregadas no tratamento da DH, fizeram um estudo
retrospectivo e analisaram os resultados, em longo prazo,
dos procedimentos descrito por Soave79 e
Duhamel80,81, feitos em 82 crianças (52 operações de acordo
com Soave e 27 de acordo com Duhamel). As
seguintes observações foram destacadas: 67% das crianças
em que a operação foi feita com a técnica de
Duhamel evoluíram sem complicações, comparado com 60%
nas que foram feitas pela técnica de Soave. Entre
os primeiros, as complicações mais comuns
foram: enterocolite (19%), acalasia do reto (15%), septo
retal persistente (7%). Nesse grupo, foram
necessárias operações suplementares, tais como
enterostomias, divisão do septo retal e esfincterotomias,
envolvendo 7 pacientes (26%), sendo que apenas uma criança
foi operada duas vezes. No segundo grupo, as complicações foram: enterocolite (27%), estenose
retal (22%), deiscência da anastomose (7%), fístula
perirretal tardia (5%), prolapso retal (2%) e constipação
intestinal grave (2%) _ ao todo, 29% das crianças precisaram
de operações suplementares, incluindo miomectomia,
re-abaixamento do cólon, fistulectomia,
derivação intestinal, numa média de 2 operações por paciente.
A taxa de continência imediata, nos dois grupos, foi
ao redor de 50%, mas a continência total foi
adquirida com o passar dos anos. A alta incidência
de complicações foi motivo para a recomendação final
de que, aliada a um seguimento mais exigente,
há necessidade de apuro das técnicas
cirúrgicas empregadas no tratamento da DH, com acenos para
a proposta terapêutica, como antes, fora do
período neonatal.
A operação de Duhamel, do ponto de
vista técnico, é de fácil execução, segura e não exige
as amplas dissecções do reto preconizadas para a
operação de Swenson e para a de Soave. Nela, todo o
segmento extraperitoneal do reto é preservado. A
mobilização do reto interessa apenas sua face posterior que
é descolada, por meio de dissecção romba, do sacro.
Os passos técnicos principais exigem
o descolamento delicado do reto, de sua aderência
com o sacro, preservação da artéria retal superior e
a mobilização do cólon sigmóide, que em geral
está alongado e dilatado como ocorre na DH. Após
a identificação da zona de transição e avaliação
da extensão do segmento denervado, principalmente
com a preocupação de determinar seu limite cranial,
que deve ser extirpado, o reto é seccionado acima
da reflexão do peritônio e fechado com sutura
mecânica ou manual. O cólon, também fechado, é abaixado
pelo espaço retro retal e exteriorizado por orifício feito
na semicircunferência posterior, na parte alta do canal
anal, até que o segmento normalmente inervado alcance
a borda anal.
O orifício da parede posterior do canal anal
é feito por via anal, ao término da execução da
parte abdominal. A metade posterior do canal anal é
exposta e uma incisão transversa é feita 0,5 cm acima da
linha pectínea em toda a extensão dessa parede para
ganhar o espaço pré-sacro, por sobre o anel ano-retal.
Pelo orifício é introduzida uma pinça de preensão
estática (Rochester) que irá prender os fios de oclusão do
cólon e trazê-lo, por tração, ao períneo, exteriorizando-o
pelo ânus.
A semicircunferência posterior da "boca"
do cólon abaixado é suturada na borda distal da
abertura transversa do canal anal, englobando na sutura toda
a mucosa e a camada muscular do que é o canal
anal cirúrgico, na parte inferior da incisão transversa.
A semicircunferência anterior do cólon é suturada à
borda superior da mesma incisão transversa - engloba
a mucosa e a parede muscular do reto e toda a
espessura da parede do cólon abaixado Assim temos
uma anastomose término-lateral, onde a parede posterior
do reto e a parede anterior do cólon estão postas lado
a lado, formando um septo que separa as duas
cavidades (retal e cólica). Esse septo é esmagado entre
dois clampes e seccionado, ou simplesmente
seccionado pela lâmina de um grampeador reto. Com
esse procedimento, desaparece o septo e a
anastomose termina como sendo látero-lateral, criando uma
ampla "ampola retal" cuja calha anterior é formada pelo
reto, com a sensibilidade preservada, e a posterior pelo
cólon abaixado, com atividade motora íntegra.
O inconveniente dessa operação se deve
às eventuais imperfeições na retirada do septo entre o
reto e cólon, o que pode manter uma parte do reto
isolado do cólon, favorecendo, então, a formação de
fecaloma no coto retal o que, sem dúvida é a principal causa
dos escapes fecais, interpretados como um fenômeno
de incontinência.
Nossa preferência, para tratar
cirurgicamente a DH, é para a técnica de Duhamel, modificada
por Haddad83, procedimento com o qual
adquirimos experiência no tratamento do megacólon de
etiologia chagásica.
Essa técnica foi usada no Departamento
de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, para o tratamento cirúrgico de um grupo de 65
crianças com doença de
Hirschsprung13, que até a data
do levantamento, feito em abril de 1990, correspondeu
a um período de 25 anos.
Os resultados foram analisados por meio de estudo retrospectivo desenvolvido durante
o seguimento ambulatorial desses pacientes, quando
eles tinham idades variando de 1 a 29 anos (média de
7 anos). Os resultados, em longo prazo, foram considerados bons em 50 pacientes (77%),
regulares em 11(17%) e ruim em 4(6%). Esses valores
resultaram da análise crítica que incluiu as complicações
pós-operatórias precoces, cujo índice foi de 26%, valor
que corresponde a 17 complicações envolvendo
15 pacientes. Houve dois óbitos (3%) no período
imediato à operação (30 dias); as outras
complicações observadas no pós-operatório precoce
foram representadas por incontinência fecal transitória em
4 pacientes (6,%), diferentes graus de isquemia no
coto de cólon abaixado em 5 pacientes (7,7%),
formação de fecaloma no coto retal em 2 pacientes (3,0%)
e fissura anal em 2 pacientes (3,0%).
Desse grupo, sobreviveram 63 pacientes e, entre esses, as complicações tardias, em número de
20, foram constatadas em 15 deles (31,7%). Dois
óbitos tardios (3,17%), ambos em duas crianças
com enterocolite; 5 (8%) com estenose da anastomose;
5 (8%) com incontinência e 3 (4,8%) com fecaloma
no coto retal. Todos os que tinham fecaloma,
tinham estenose da anastomose e incontinência e os outros
dois com incontinência tinham a anastomose quase no
canal anal.
Algumas complicações, precoces ou
tardias, nesse procedimento, podem ser evitadas. Entre
as complicações evitáveis podemos incluir o óbito,
o fecaloma de ampola retal, a incontinência e a
estenose da anastomose.
Os óbitos aconteceram nos primeiros 5
anos do período de extensão do estudo, talvez
relacionados com as condições não tão favoráveis, disponíveis
na época, não só relativas aos meios materiais, como
aos técnicos, aos antibióticos disponíveis, sua forma
de aplicação e, inclusive, envolvendo, provavelmente,
a habilidade cirúrgica.
O fecaloma no coto retal tem, sabidamente, relação com a permanência do septo e, em geral,
a presença do fecaloma é condição que favorece o
escape fecal. A incontinência observada em duas crianças
teve como causa a anastomose que ficou muito baixa.
Outro problema foi a estenose que, certamente, teve
relação com deficiência de irrigação do coto abaixado;
ela impediu a função adequada de esvaziamento do reto
e favoreceu a formação do fecaloma e esse, por sua
vez, a incontinência.
A minimização das complicações
comumente observadas no tratamento cirúrgico da DH tem sido
o objetivo de estudos recentes onde os fundamentos destacados têm sido muito mais a tática e a
técnica cirúrgica do que a preocupação com a idade e o
peso da criança, no momento da
operação86-94.
Georgeson e col.86, em 1995, descreveram
suas primeiras experiências no tratamento da DH,
usando técnica de abaixamento do cólon
transanal complementado com acesso laparoscópico, via
pela qual foi feita a mobilização reto-cólica, para o
posterior acesso anal. Os autores salientam a propriedade
tática e a excelência da técnica cirúrgica empregada,
com economia de tempo e redução drástica
das complicações. Retornaram ao tema, alguns anos
mais tarde, para relatarem a experiência acumulada com
a operação de 80 crianças, com idade variando de 3
dias a 8 anos, de seis diferentes Centros de
Cirurgia Pediátrica. A ênfase foi dada à tendência de
abordagem cirúrgica cada vez mais precoce, na vida da
criança, com a omissão dos procedimentos estagiados;
à economia do tempo operatório, aos
resultados funcionais e à diminuição das
complicações89.
Não foram diferentes as experiências de
Shankar e col.90 com estudos conjuntos de dois diferentes
centros de cirurgia pediátrica, ao analisarem os
resultados observados no tratamento de 41 crianças em um
hospital pediátrico de Liverpool e 95, de Helsinki, na
Finlândia, todas submetidas à operação de abaixamento
transretal com anastomose colo-anal, nesses casos, precedida
de tempo abdominal, no mesmo ato, por meio de
pequena laparotomia transversa infra-umbilical.
Além dos aspectos relacionados à
efetividade do procedimento, favorecendo a maior comodidade
no pós-operatório imediato, o menor período de
internação hospitalar e a recuperação funcional mais rápida,
com o abaixamento precoce feito em um único estágio,
com assistência vídeo-laparoscópica, foi mais barato que
a operação convencional95.
Os abaixamentos, com anastomose colo-anal, têm sido, também, propostos com o procedimento
feito exclusivamente por via anal, especialmente quando
se trata da DH limitada ao reto e ao sigmóide próximo
à transição com o
reto96,97. Os resultados são
melhores que os obtidos com os procedimentos convencionais
e comparáveis com os abaixamentos assistidos por
meio do
vídeo-laparoscópio97.
A DH com comprometimento total do
intestino grosso é tratada com a proctocolectomia total e
a reconstrução é feita com anastomose do íleo ao
ânus, por meio de uma bolsa em J, confeccionada com o
íleo terminal98,99. Os resultados, independente
das complicações que são inerentes ao porte do
ato operatório, em longo prazo foram
considerados excelentes, com boa qualidade de vida para
os pacientes99.
Summary: Hirschsprung's disease is a congenital abnormality that usually presents soon after birth signs of abdominal distension, vomiting, and symptoms of constipation with a delay of meconium stool for over 48 hours. In its classical presentation, the wall of the distal large bowel segment, frequently also involving the sigmoid colon, lacks ganglion cells in the nervous Meissner and Auerbach's plexuses (parasympathetic intrinsic ganglion cells) because of a disturbed enteric neurons migration during embryonic development. Therefore, it's regarded as a neurocristopathy, which accounts for 80 per cent of cases. Male children are affected four times as often as female, and there is a familiar occurrence ascending to 12 per cent, with a 28 per cent of overall incidence of associated congenital anomalies. This serious disease must be surgically treated, however consultation with a clinical geneticist regarding diagnosis of associated congenital anomalies is strongly recommended because of when he was involved in the examination of these patients the number of additional anomalies tripled9.
Key-words: megacolon, congenital megacolon, Hirschsprung's disease.
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Endereço para correspondência:
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