ARTIGOS ORIGINAIS
Resumo: Existe controvérsia quanto ao prognóstico do câncer colorretal (CACR) em pacientes jovens, admitindo-se que esse grupo de indivíduos tenha tumores localmente mais agressivos e com maior capacidade de disseminação à distância. O objetivo deste estudo foi avaliar a apresentação do CACR em pacientes com idade abaixo de 30 anos, no que diz respeito ao diagnóstico, ao tratamento instituído, aos aspectos anátomo-patológicos e à evolução da doença, através de estudo retrospectivo de 8 casos de adenocarcinoma de cólon e reto atendidos em nosso serviço entre 1997 a 2002. Os pacientes incluídos representaram 2,39% (8/334) dos casos tratados nesse período, com preponderância do sexo masculino numa relação de 3:1. A idade variou de 21 a 29 anos, com média de 25 anos para esse grupo. Os sintomas mais prevalentes foram alteração do hábito intestinal e emagrecimento. A história familiar esteve presente em dois casos. O tempo médio decorrido entre os primeiros sintomas e o diagnóstico foi de 10 meses. Metade dos pacientes foram operados em caráter de urgência, sendo que cirurgias alargadas foram realizadas em 50% dos casos. A maioria das lesões se encontrava no ceco, sigmóide e reto (75%), sendo observada invasão da serosa em 87,5% delas. À histologia, 50% dos tumores foram classificados como pouco diferenciados. O seguimento médio foi de 30,4 meses. A sobrevida média global foi de 23,6 meses. A sobrevida média livre de doença foi de 16,6 meses. Ocorreram 4 óbitos e houve perda de seguimento de um paciente. Pacientes com câncer colorretal (CACR) abaixo dos 30 anos são usualmente bastante sintomáticos, sendo portadores de doença avançada ao diagnóstico com tendência a apresentar pior prognóstico.
Unitermos: câncer colorretal, câncer, pacientes jovens
INTRODUÇÃO
O câncer colorretal (CACR) é uma doença
predominantemente de indivíduos idosos, sendo
diagnosticada em 90% dos casos em pacientes acima de
50 anos16. A incidência do CACR em pacientes com
idade inferior a 40 anos varia entre 2% a
6%1,6,9,15. Há contínuo debate quanto ao prognóstico do CACR
em pacientes jovens, acreditando-se que esses
indivíduos desenvolvam tumores localmente mais agressivos
e com maior capacidade de metastatizar-se, quando
comparados a indivíduos mais idosos1,9,13, 15,
16,18,22.
A maioria dos estudos que avaliaram pacientes jovens com CACR inclui aqueles com idade
igual ou inferior a 40 anos1,3,4,6,9,11,12,15,25
. Entretanto, poucas séries têm sido publicadas sobre pacientes ainda
mais jovens que desenvolvem esse tipo de neoplasia. O
presente estudo tem o objetivo de avaliar um grupo
de pacientes com CACR, com idade menor do que 30 anos, no que diz respeito ao diagnóstico, ao
tratamento instituído, aos aspectos anátomo-patológicos e
à evolução da doença.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente 334
prontuários de pacientes com câncer colorretal tratados
pelo Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado do
Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das
Clínicas da UFMG, no período de janeiro de 1997 a
dezembro de 2002. Foram identificados oito pacientes com
diagnóstico histopatológico de adenocarcinoma de cólon
ou reto com idade menor do que 30 anos.
As variáveis avaliadas foram: a idade, o sexo,
a cor, a sintomatologia, o tempo de evolução da
doença até o diagnóstico, a presença de fatores de risco,
como história familiar, diagnóstico prévio de doença
inflamatória intestinal, a localização do tumor, o tipo e o
grau de diferenciação histológica, o estadiamento, o tipo
de tratamento instituído, a taxa de recorrência local e à
distância e a taxa de sobrevida.
RESULTADOS
Os pacientes incluídos no presente estudo
representaram 2,39% (8/334) dos casos de CACR atendidos de janeiro de 1997 a dezembro de 2002.
Setenta e cinco por cento eram do sexo masculino. Quanto
à cor, 50% eram brancos, 25% negros e 25% pardos.
A idade variou entre 21 e 29 anos, com média de 25
anos. O tempo médio de acompanhamento desta série foi
de 30,4 meses.
Os sintomas mais prevalentes foram a
alteração do hábito intestinal e o emagrecimento, ambos
presentes em 75% dos casos; seguidos por dor
abdominal (62,5% dos casos), hematoquezia e anemia
(37,5% cada). O tempo médio decorrido entre os primeiros
sintomas e o diagnóstico foi de 10 meses. A história
familiar de CACR esteve presente em dois casos.
Nenhum dos pacientes era portador de polipose colônica
ou doença inflamatória intestinal prévia.
Quanto à localização do tumor primário,
dois se localizavam no ceco (25%),sendo um deles com
fixação e comprometimento de toda a pelve; um se
encontrava no ângulo esplênico com invasão da
cauda do pâncreas (12,5%); dois se localizavam no
sigmóide (25%) e outros dois se encontravam no reto
(25%). Em um dos casos não foi possível definir a
localização do tumor primário, pois este foi ressecado
previamente em outro serviço. Carcinomatose peritoneal
sincrônica estava presente em 25% dos casos e
carcinomatose metacrônica ocorreu em 37,5% dos casos. Dois
casos (25%) apresentavam metástases hepáticas sincrônicas.
O quadro 1 sumaria os dados clínicos
referentes aos oito pacientes do presente estudo.
Quadro 1 - Apresentação clínica do CACR em 8 pacientes com idade inferior a 30 anos.
Pacientes | Idade | Sintomas | Localização | Carcinomatose - Meta a distância | Tipo histológico | Estadiamento |
Paciente 1 | 25 | Dor abdominal, alt. hábito intestinal e obstrução intestinal | Ângulo esplênico | Não Metástase hepática |
Adenocarcinoma soe pouco diferenciado | pT4N1M1 |
Paciente 2 | 26 | Emagrecimento, anemia, dor abdominal | Ceco | Não | Adenocarcinoma soe moderadamente diferenciado | pT3N0Mx |
Paciente 3 | 24 | Emagrecimento, hematoquezia, anemia, dor abdominal, alt. hábito intestinal | Sigmóide | Não | Adenocarcinoma soe moderadamente diferenciado | pT3N0Mx |
Paciente 4 | 28 | indeterminados | indeterminado | Sim Metástase hepática |
indeterminado | pTxNxM1 |
Paciente 5 | 22 | Emagrecimento, anemia, dor e massa, alt. hábito intestinal | Ceco | Não | Adenocarcinoma mucinoso pouco diferenciado | pT4N0Mx |
Paciente 6 | 20 | Emagrecimento,dor abdominal e alt. hábito intestinal | Sigmóide | Sim | Adenocarcinoma soe bem diferenciado | pT3N1Mx |
Paciente 7 | 29 | Emagrecimento, hematoquezia, tenesmo,mucorréia, alt. hábito intestinal | Reto | Não | Adenocarcinoma soe pouco diferenciado | pT4N1Mx |
Paciente 8 | 21 | Emagrecimento, hematoquezia e alt. do hábito intestinal (constipação) | Reto | Não | Adenocarcinoma com céls. anel de sinete - pouco diferenciado | pT4N1Mx |
Todos os pacientes da presente série foram
submetidos a tratamento cirúrgico, 75% deles com
finalidade curativa. Cirurgia em caráter de urgência por
abdome agudo obstrutivo foi inicialmente realizada
em metade dos casos. Em pelo menos 50% dos casos,
foram realizadas ressecções alargadas. No caso 1 foi
necessária pancreatectomia corpo-caudal e
esplenectomia devido à invasão tumoral da cauda pancreática. No
caso 3 realizou-se cistectomia parcial,
salpingo-ooforectomia esquerda, esvaziamento linfonodal
retroperitoneal e ressecção de fístula êntero-cutânea. No
caso 5, além da cirurgia padrão, houve necessidade
de cistectomia, prostatectomia, enterectomia, ressecção
de parte da parede abdominal e construção de
neo-bexiga e no caso 6 houve necessidade de apendicectomia
e peritoniectomia pélvica (quadro 2).
Quadro 2 - Tratamento realizado, complicações, recorrência e sobrevida em 8 pacientes portadores de CACR.
Paciente | Tratamento cirúrgico | Complicações | Recorrência | Sobrevida global* | Sobrevida livre de doença* |
Paciente 1 | Laparotomia exploradora de urgência: colectomia transversa, pancreatectomia corpo-caudal, esplenectomia, esvaziamento linfonodal. | Empiema pleural | Recidiva em cabeça do pâncreas e carcinomatose metacrônica | 33 meses ÓBITO |
14 meses |
Paciente 2 | Colectomia D | Não | Não | 43 meses | 43 meses |
Paciente 3 | Retossigmoidectomia, ressecção de fístula entérica, cistectomia parcial, salpingectomia e ooforectomia E | Não | Não | 34 meses | 34 meses |
Paciente 4 | Laparotomia em outro serviço. Tentativa de ressecção de metástases hepáticas após QT |
Não | Carcinomatose sincrônica e aumento das metástases hepáticas | 18 meses ÓBITO |
Não houve |
Paciente 5 | Laparotomia de urgência realizada previamente em outro serviço. Exenteração pélvica | Fístula colônica, deiscência de ferida, estenose da anastomose colo-anal | Recidiva local e carcinomatose metacrônica | 20 meses ÓBITO |
8 meses |
Paciente 6 | Laparotomia exploradora de urgência: colectomia E, peritoniectomia pélvica, apendicectomia e ileostomia protetora | Sangramento sacral em lençol refratário, deiscência total da anastomose colorretal, choque séptico e hemorrágico | Carcinomatose sincrônica | 1 mês ÓBITO |
1 mês |
Paciente 7 | Retossigmoidectomia com excisão total do mesoreto e ileostomia protetora | Não | Não | 16 meses | 16 meses |
Paciente 8 | Laparotomia exploradora de urgência: colostomia descompressiva + biópsia | Semi-obstrução intestinal, hidronefrose E | Carcinomatose metacrônica, enterite actínica (by-pass jejuno- transverso) | Perda de seguimento | Perda de seguimento |
* até março de 2003 |
Ao estudo anátomo-patológico, 50% dos
tumores foram classificados como pouco
diferenciados e 25% como moderadamente diferenciados, sendo
os outros 12,5% classificados como bem
diferenciados. Em um paciente não foi possível a obtenção do
detalhamento histopatológico. O tipo histológico em
um caso foi classificado como adenocarcinoma
mucinoso e em outro caso, como adenocarcinoma com
células em anel de sinete (25%). Os demais foram
classificados como adenocarcinoma soe (sem outra
especificação). Polipose colônica associada não ocorreu
em nenhum paciente da presente série, mas foram
encontrados pólipos adenomatosos esparsos em peças
cirúrgicas de três pacientes (37,5%) (Quadro 1).
Em relação ao estadiamento, observou-se
invasão da serosa do órgão pelo tumor em 7
casos (87,5%), sendo que em quatro casos (50%) havia
invasão de outros órgãos ou estruturas (T4).
Havia linfonodos acometidos (N1) em 50% dos casos
e metástases à distância (M1) em dois casos, sendo
os demais considerados indeterminados (Mx). Em um caso não foi possível estabelecer o estadiamento
TNM (Quadro 1).
Foi indicado tratamento neoadjuvante para dois pacientes (pacientes 7 e 8). O primeiro
realizou radioterapia (5040 CyGr) em 28 semanas, associada
à quimioterapia (5-fluoracil e leucovorin) com boa
resposta. O mesmo não ocorreu com o paciente 8,
que apresentou pouca resposta ao tratamento
neoadjuvante, com mínima regressão da lesão. O tratamento
adjuvante com quimioterapia foi indicado, a
priori, em todos os pacientes, tendo sido realizado em cinco (62,5%).
Os outros três pacientes foram a óbito antes do início
da quimioterapia.
As reoperações ocorreram em cinco casos,
sendo necessárias mais de uma intervenção em três
casos. A principal indicação foi o abdome agudo
obstrutivo devido a carcinomatose peritoneal (37,5%),
estando em um deles associado a icterícia obstrutiva. As
outras indicações foram: recorrência local (25%),
tentativa de ressecção de metástases hepáticas após
quimioterapia (12,5%), paliação com
by-pass jejuno-transverso com anastomose látero-lateral (12,5%) e
complicações inerentes ao ato operatório, como deiscência
de anastomose, coleções intra-abdominais e
sangramento sacral refratário (12,5%).
A sobrevida média global desse grupo de
pacientes foi de 23,6 meses e a sobrevida média livre
de doença foi de 16,6 meses. A taxa de sobrevida
global em 2 anos foi de 37,5%. Ocorreram 4 óbitos (50%)
e houve perda de seguimento de um paciente.
O tratamento realizado e suas complicações,
assim como a ocorrência de recorrência e a sobrevida
alcançada em cada caso, encontram-se listadas no quadro 2.
DISCUSSÃO
No presente estudo, o CACR em pacientes
com idade inferior a 30 anos apresentou uma incidência
de 2,39% dentre todos os casos de CACR atendidos
em nosso serviço num período de seis anos. Nas
séries publicadas de CACR em pacientes com idade até
30 anos de idade, a incidência nessa faixa etária foi
mencionada apenas em um estudo proveniente da
África Central, tendo atingido o expressivo percentual
de 23,6%21.
Englobando pacientes de até 35 anos de
idade, Adkins et al1 encontraram uma incidência de
6,3% entre 705 casos de CACR estudados. Com relação
ao sexo, houve predominância do sexo masculino
numa relação de 3:1.
Marble et al12 , estudando
retrospectivamente 50 pacientes com CACR com idade igual ou inferior
a 40 anos, não observaram diferenças relativas ao
sexo, cor, história familiar, sintomas à apresentação ou
alterações ao exame clínico. Sule &
Mandong21, avaliando 35 pacientes com câncer colorretal abaixo de
30 anos, também encontraram um leve predomínio de
pacientes do sexo masculino (1,2:1).
O tempo médio decorrido entre os
primeiros sintomas e o diagnóstico na presente série foi de
10 meses, sendo maior do que o de outras séries de
CACR em jovens, já publicadas. McGahren et
al13 , estudando 37 casos de câncer colorretal em pacientes com
idade menor ou igual a 30 anos, encontraram uma média
de 2,3 meses entre o início dos sintomas e o diagnóstico.
MacGillivray et al11 observaram duração
média de 4,9 meses entre o início dos sintomas e o
diagnóstico. Em outro estudo, Kyle et
al8 relataram média de 3 meses de duração dos sintomas até o
diagnóstico. Esse período de tempo mais longo observado em
nossa série reflete, provavelmente, o retardo na
procura de assistência médica por indivíduos mais jovens,
que julgam ser portadores de condições de pouca
relevância clínica. Marble et
al12 também observaram que pacientes mais jovens, com idade inferior a 40 anos,
esperaram significativamente mais tempo antes de
procurar assistência médica, quando comparados
com pacientes acima dos 40 anos.
Além disso, parece haver uma tendência
de realizar-se diagnóstico clínico inicial de doença
benigna em pacientes jovens, sobretudo abaixo de 30 anos
de idade, uma vez que a presença de neoplasia é
freqüentemente considerada como uma condição clínica
de pacientes idosos. Isto reflete a necessidade de um
aprimoramento da educação médica, no sentido de
suspeitar-se de doença neoplásica quando houver
sintomatologia sugestiva, mesmo em indivíduos
jovens21. É importante ainda que ocorra uma
maior conscientização de médicos generalistas que geralmente prestam o
primeiro atendimento a esses pacientes, sobre a
possibilidade da ocorrência de CACR em pacientes
jovens, principalmente relacionado às síndromes
hereditárias _ câncer colorretal hereditário sem polipose
(HNPCC) e polipose adenomatosa familiar (PAF).
No que diz respeito à duração dos sintomas
e sua relação com o estadiamento, quando do
diagnóstico da doença, parece haver controvérsia na
literatura. Alguns autores, como Kyle et al não observaram
uma relação positiva entre a duração da sintomatologia e
o estágio da doença ao
diagnóstico8. Por outro lado,
Mills et al14, estudando 16 casos de CACR em pacientes
com idade menor ou igual a 30 anos, relataram que
68% dos pacientes apresentavam metástases ao
diagnóstico, a despeito da curta duração dos sintomas.
A influência da história familiar tem sido
considerada o fator de risco mais importante para o
CACR nesse grupo de pacientes jovens22. Na presente série,
a história familiar de CACR somente foi encontrada
em dois casos (25%), sendo que em ambos tratava-se
de familiares de 2o grau. Em um deles, dois tios
maternos tiveram câncer de cólon e em outro, o avô
materno. Poderia especular-se sobre a possibilidade dos
outros pacientes dessa série serem casos-índice de
mutações genéticas com potencial hereditário. O mais
provável, entretanto, é que tenha havido falha na coleta
rigorosa de dados a fim de se compor uma história familiar
fidedigna para a ocorrência de neoplasias. Há que
se considerar ainda que, pelos critérios de Bethesda
para HNPCC, tais pacientes seriam candidatos a testes
genéticos para confirmação dessa condição, o que
poderia ter determinado o caráter hereditário de sua
doença17,19.
Deve ser salientado, entretanto, que
outras condições pré-cancerosas como as síndromes
poliposas hereditárias (PAF, Gardner e Turcot), os
adenomas vilosos e a retocolite ulcerativa têm sido
identificados em poucos casos de pacientes jovens com
CACR9,13. Por outro lado, foram encontrados pólipos
adenomatosos concomitantes em três casos da presente
série (37,5%). Esse dado sugere que maior ênfase deve
ser dada a programas de rastreamento, com utilização
mais liberal de exames endoscópicos em pacientes
pertencentes a grupos de risco para CACR, sobretudo
em indivíduos jovens.
Cusack et al4 , estudando
retrospectivamente 186 pacientes abaixo de 40 anos com
adenocarcinoma colorretal primário, identificaram três indicadores
biológicos de agressividade e potencial metastático
dos tumores: células em anel de sinete, margens
cirúrgicas infiltradas pelo tumor e grau histológico do
adenocarcinoma primário. Além disso, indicadores
histopatológicos de maior agressividade, como invasão
linfática, vascular ou perineural foram encontrados em
porcentagem significativamente maior em pacientes
mais jovens, quando comparados aos pacientes acima de
40 anos, portadores de CACR. Isso justifica, em parte,
a alta taxa de doença avançada ao diagnóstico em
pacientes jovens, como descrito pela maioria dos
estudos1,4,9,11,13,15,16.
As avaliações histológicas dos
cânceres colorretais em pacientes mais jovens revelam
incidência aproximadamente 4 vezes maior de tumores do
tipo mucinoso e isto está associado com o aumento do
risco de recorrência local6. Vastyan et
al23, estudando 7 crianças e adolescentes tratados para carcinoma
colorretal, relataram que o adenocarcinoma mucinoso
foi o tipo histológico mais comum. No presente
estudo, pelo menos a metade dos tumores foi
classificada histologicamente como pouco diferenciado (50%),
sendo um caso do tipo mucinoso e outro do tipo de
células em anel de sinete, também relacionado
intimamente a uma maior produção de mucina. Sabe-se que
a ocorrência de tumores mucinosos também é uma
característica marcante do
HNPCC17.
Quanto ao estadiamento, em 87,5% dos casos o tumor invadia a serosa e havia presença de
células metastáticas nos linfonodos do mesocólon em
pelo menos 50% dos casos. Metástases à distância
foram evidenciadas ao diagnóstico em dois casos (25%).
Trata-se, portanto, de neoplasias bastante avançadas
no momento do diagnóstico, que foi firmado
tardiamente na maioria dos casos. Isto poderia ser explicado em
parte pelo fato de nossos pacientes serem oriundos de
camadas sócio-econômicas menos favorecidas, com
maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Em
estudo realizado com 615 pacientes portadores de
CACR tratados no Harlem Hospital Center, que atende
predominantemente a comunidade pobre de
afro-americanos de Nova York, Freeman et
al5 observaram que a mortalidade por câncer colorretal é elevada entre esses
indivíduos. A causa mais importante foi o diagnóstico
tardio, já com doença incurável, resultante da
combinação dos efeitos da pobreza, da carência de educação e
da dificuldade de acesso aos cuidados médicos.
A absoluta maioria das lesões da presente
série foi tratada cirurgicamente, com finalidade
curativa, sendo que, em pelo menos metade dos casos,
foram realizadas ressecções concomitantes de outros
órgãos e/ou estruturas abdômino-pélvicas. Em estudo
retrospectivo prévio, nosso grupo avaliou 45
pacientes com média de idade de 58 anos submetidos a
cirurgias de ressecção alargada por câncer colorretal
localmente invasivo, encontrando uma sobrevida global
média de 32 meses2. O fator determinante do prognóstico
nesses casos foi a presença de acometimento linfonodal
e não a invasão contígua de outras vísceras ou a
idade dos pacientes, o que justifica plenamente a
realização de cirurgias alargadas no tratamento de
neoplasias colorretais localmente avançadas, sobretudo em
pacientes jovens, como os da presente série.
Além da invasão de outros órgãos e
estruturas em 50% dos casos, havia implantes peritoneais em
2 pacientes (25%) e metástases hepáticas em outros
dois casos (25%), já na primeira cirurgia,
evidenciando doença bastante avançada ao tratamento inicial, o
que também foi relatado por outros autores
1,4,6,9,11,12,13,24.
A taxa de recorrência em pacientes jovens
com câncer colorretal costuma ser
alta15. Rodriguez-Bigas et
al18 relataram taxa de recorrência de 64,7% em
pacientes portadores de CACR abaixo de 30 anos que
foram submetidos à cirurgia potencialmente curativa.
No presente estudo, a taxa de recorrência local foi de
25% e a taxa de recorrência à distancia de 37,5%,
tendo ocorrido num tempo médio de 8,6 meses
(variando entre 3 a 15 meses). As recorrências
manifestaram-se principalmente por obstrução intestinal devido
a carcinomatose peritoneal. Levando-se em conta
também a carcinomatose peritoneal sincrônica,
atinge-se uma taxa de 62,5% de acometimento difuso da
membrana peritoneal por CACR no presente estudo,
taxa bem mais elevada do que a publicada na literatura,
que gira em torno de 10%7.
O tempo de seguimento médio na
presente casuística foi de 30,4 meses. Ocorreram 4 óbitos e
houve perda de seguimento de um paciente. A
sobrevida global média encontrada foi de 23,6 meses e a
sobrevida livre de doença foi de 16,6 meses. A taxa de
sobrevida global em 2 anos foi de 37,5%, sendo que a
presente série é pequena para se avaliar a sobrevida por
estágio da doença. Em revisão da literatura japonesa,
Yamamoto et al24 encontraram uma taxa de sobrevida em
2 anos de 19,8% para pacientes com CACR abaixo de 20 anos. Lee et
al9 relataram taxa de sobrevida em 5 anos para o estádio Dukes A modificado de 100%,
e de 85%, 40% e 7% para os estádios B, C e D,
respectivamente.
No estudo de Rodriguez-Bigas et
al18, 79,4% dos pacientes (54 em 68) foram a óbito pela
doença em acompanhamento médio de 21,5 meses, sendo
que 82% foram classificados como estadios III ou IV
ao diagnóstico. Esses autores consideraram que, em
pacientes com CACR abaixo de 30 anos de idade, o
estágio do tumor primário e a recorrência foram as
únicas variáveis per se, associadas à sobrevida.
No entanto, Barillari et al3 não
encontraram diferença na sobrevida global de 5 anos em
pacientes com CACR abaixo de 40 ou acima de 40 anos de
idade. Da mesma forma, observou-se que pacientes
jovens com CACR apresentam uma sobrevida estadio-relacionada similar àquela de pacientes mais
idosos com a doença6,11.
CONCLUSÕES
Pacientes com CACR abaixo de 30 anos de idade são usualmente bastante sintomáticos e têm
doença avançada ao diagnóstico. É provável que a
baixa incidência de câncer colorretal observada em
pacientes jovens leve os médicos a firmarem outros
diagnósticos a princípio. Isso, associado ao fato do
paciente jovem tender a protelar a procura por assistência
médica, pode contribuir para que a confirmação
diagnóstica ocorra tardiamente, já com doença avançada
loco-regionalmente e à distância. Além disso, a maioria
desses tumores pode ser considerada,
histologicamente, de comportamento mais agressivo, o que também
contribui para que o prognóstico do câncer colorretal,
em pacientes com idade inferior a 30 anos, tenda a ser pior.
SUMMARY: Controversy exists about the prognosis of the colorectal cancer (CRC) in young patients. It is supposed that younger patients have more aggressive locally tumors and with increased capacity of dissemination when compared to the older people with CRC. Our objective was to evaluate CRC in eight patients under 30 years of age, emphasizing the presentation and evolution of the disease. We have retrospectively studied 8 cases of adenocarcinoma of colon and rectum treated and followed at our institution between 1997 and 2002 from a total of 334 patients with CRC (2.39%). The proportion male/female was of 3:1 with an average of 25 years of age (ranging from 21 to 29). The most common presenting symptoms were changing of the intestinal habit and weight loss. Family history was present in two cases. The average time lasted from the onset of symptoms until the diagnosis of the disease was 10 months. Half of patients underwent surgery on urgency setting. Most of the lesions were found in the rectosigmoid and cecum (75%), being observed invasion of the serosa in 87.5% of them. In relation to the histology, 50% of the tumors were classified as poorly differentiated. The mean follow-up was of 30.4 months. The global mean survival was of 23.6 months. The mean survival free of disease was 16.6 months. Four deaths occurred and there was loss of follow-up in one patient. Young patients under 30 years of age with colorectal cancer (CRC) are usually very symptomatic, having advanced disease at the diagnosis with tendency to poor prognosis.
Key words: colorectal cancer, cancer, young patients
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Endereço para correspondência:
Antônio Lacerda-Filho.
Instituto Alfa de Gastroenterologia.
Hospital das Clínicas da UFMG
Av. Prof. Alfredo Balena nº 110, 2º andar - Santa Efigênia
30130-100 - Belo Horizonte (MG)
Trabalho realizado pelo Grupo de Coloproctologia e Intestino Delgado e Serviço de Patologia do Instituto Alfa de Gastroenterologia. Hospital das Clínicas-UFMG.