ARTIGOS ORIGINAIS


O PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV) NA FORMA SUBCLINICA COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA ETIOLOGIA DO PRURIDO ANAL

João Carlos Magi - TSBCP
Marcos Ricardo da Silva Rodrigues - FSBCP
Geanna Mara Lino e Silva de Resende Guerra - ASBCP
Anderson da Costa Lino Costa
Galdino José Sitonio Formiga - TSBCP

Magi JC; Rodrigues MRS, Guerra MLSR; COSTA ACL; FORMIGA GJS. O Papilomavírus Humano (HPV) na forma subclinica como diagnóstico diferencial da etiologia do prurido anal. Rev bras Coloproct, 2002;23(4):273-277

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da doença causada pelo HPV subclínico na região anal, como diagnóstico diferencial da etiologia do prurido anal. Dez pacientes com prurido anal persistente foram submetidos ao exame de anuscopia de alta resolução para diagnóstico de HPV subclinico anal. Os casos positivos foram tratados seguindo protocolo estabelecido. A anuscopia de alta resolução proporcionou a colheita dirigida do material cujo exame anátomo-patológico resultou positivo para HPV em 100% dos casos. O exame de PCR (polymerase chain reaction) resultou positivo em nove pacientes (90%) e negativo em um (10%). Após seis meses do inicio do tratamento padronizado, o PCR e o anátomo-patológico mantiveram-se inalterados. Houve melhora do sintoma em três pacientes (30%) após este período de tratamento. Os pacientes do grupo não tinham comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis, todos tinham menos de três parceiros sexuais por ano. Concluiu-se que o HPV anal subclínico pode ser considerado uma possível causa de prurido anal.

Unitermos: HPV subclinico, Papilomavirus anorretal, Prurido anal, HPV anal.

INTRODUÇÃO
O diagnóstico etiológico do prurido anal em muitos casos, ainda é um desafio para o especialista. Isto se deve às suas múltiplas etiologias. São conhecidas causas sistêmicas como: diabetes, doença inflamatória intestinal, parasitoses, uremia, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST); causas alimentares, medicamentosas e causas locais, como dermatopatias, afecções anorretais, hábitos de higiene, vestimentas, etc.2
   
Muitos casos são considerados idiopáticos por não se conseguir identificar a causa. Sabe-se que o HPV anal, em sua forma clínica ou condiloma (verrugas), pode causar sintomas como o prurido anal e que são desconhecidos os sintomas causados pela sua forma latente. No entanto, há indícios de que a forma subclínica, apesar de não apresentar alterações macroscópicas do epitélio, é uma provável etiologia deste sintoma.
    O diagnóstico da forma subclinica de apresentação do vírus é feito pelo exame de anuscopia de alta resolução que, corando as áreas doentes, propicia a colheita dirigida do material.11
    Os maus resultados do tratamento nesta forma de HPV e o seu acometimento em pessoas sem comportamento de risco para DST dificultam o controle desta doença.
    Este trabalho tem por objetivo demonstrar a importância do HPV anorretal na forma subclínica como diagnóstico diferencial na etiologia do prurido anal.

Método
Foram estudados, de forma prospectiva, dez pacientes com prurido anal há mais de seis meses, sem apresentar melhora do sintoma, mesmo afastadas causas como diabetes, uremia, parasitoses, dermatopatias, doença inflamatória intestinal, outras doenças sexualmente transmissíveis, doenças orificiais, submetidos a cuidados dietéticos e higiênicos locais como banhos de assento e não uso de papel higiênico.
    Todos foram submetidos ao exame de anuscopia de alta resolução, que consiste na palpação da região anal, visibilização com lente de aumento de 16 vezes sem corantes e depois com corantes, sendo usado primeiro o ácido acético a 5% e depois o azul de toluidina. Foram consideradas positivas as áreas que ficaram esbranquiçadas quando coradas ao ácido acético e as coradas em azul escuro quando usado o azul de toluidina. Estas áreas foram biopsiadas.
    Os equipamentos, materiais e substâncias usados no exame foram: anuscópio descartável, colposcópio, pinça de biópsia, agulha, seringa, ácido acético a 5%, azul de toluidina, xilocaína gel e xilocaína liquida a 2%.
    O material colhido na biópsia dirigida foi encaminhado para exame anátomo-patológico e depois submetido ao exame de PCR, usando-se o mesmo bloco de parafina pelo método do protocolo de Pinto e Villa.18
   
Os pacientes que ao anátomo-patológico apresentaram lesões intraepiteliais, caracterizadas por alterações citoarquiteturais, ocupando um terço ou mais da camada epidérmica sem romper a membrana basal; e atipias coilocitóticas, caracterizadas por células escamosas ou superficiais com grande cavitação de bordos bem demarcados em torno de um núcleo atípico, sendo comum a binucleação ou multinucleação, cromatina nuclear densa e opaca ou granular, sempre hipercromática, citoplasma condensado em uma faixa na periferia celular, com coloração variando de eosinofilica a basofilica; foram tratados por três meses com podofilina vaselinada a 25% abaixo da linha pectinea e com uma aplicação de ácido tricloroacético a 90% dirigido às áreas coradas, acima da linha pectinea. Biopsias de controle orientadas pela anuscopia de alta resolução foram realizadas após seis meses do inicio do tratamento.19

Resultados
Todos os pacientes estudados tinham no máximo três parceiros sexuais por ano, sendo que 70% tinham apenas um parceiro. Quatro pacientes tinham antecedentes de relações anais. Os pacientes que utilizavam preservativo, o faziam de modo incorreto. Nenhum paciente tinha antecedente de condiloma anal ou HPV genital.
    As lesões encontradas no exame de anuscopia de alta resolução, em todos os casos foram: máculas planas, consideradas lesões não salientes e coradas, maiores de um ponto e menores de 0,5 cm; manchas planas, consideradas lesões não salientes e coradas maiores de 0,5 cm. Em um caso havia área de pontilhado concomitante, imagem igual à encontrada no exame de colposcopia.
    O exame de anuscopia de alta resolução resultou positivo em todos os pacientes.
    O estudo anátomo-patológico do material colhido por biópsia dirigida mostrou atipias coilocitóticas em todos os casos, sendo quatro homens com lesão intraepitelial anal grau I concomitante, uma mulher com lesão intraepitelial anal grau I associada, um homem com lesão intraepitelial anal grau II concomitante e quatro homens com atipias coilocitóticas apenas.
    O estudo do PCR foi positivo para a cepa dezesseis em nove pacientes (90%), sendo que dois destes tinham associado a cepa cinqüenta e oito (20%) e um era negativo (10%).
    Após seis meses do inicio do tratamento padronizado, o anátomo-patológico e o PCR mostraram-se inalterados, mas houve melhora do sintoma em 30% dos casos.

Tabela 1 - Perfil dos pacientes com prudido anal.

Paciente Sexo Idade HIV Antecedentes de Relação Anal Parceiros Sexuais por ano Anátomo Patológico com HPV Subclínico Anátomo Patológico com lesão intraepitelial PCR - CEPA Sintoma após tratamento
1 M 32 - SIM 1 + Grau I 16,45?,58 Mantido
2 M 35 - SIM 3 + - 16 Mantido
3 M 33 - NÃO 1 + - 16 Mantido
4 M 48 - NÃO 1 + Grau I 16,58 Ausente
5 F 40 - NÃO 1 + Grau I Negativo Mantido
6 M 58 - SIM 1 + Grau II 16 Ausente
7 M 43 - NÃO 1 + Grau I 16 Mantido
8 M 32 - SIM 3 + - 16 Ausente
9 M 54 - NÃO 2 + - 16 Mantido
10 M 42 - NÃO 1 + Grau I 16 Mantido
M= masculino F= feminino ?= duvidoso += positivo -= negativo

 

Discussão
O diagnóstico etiológico e tratamento do prurido anal é difícil em grande parte dos casos, apesar de sintoma comum na clínica ambulatorial. 4,5, 7,9,22
   
Neste trabalho foram estudados os casos de prurido anal há mais de seis meses, mesmo eliminadas causas como diabete, uremia, parasitoses, dermatopatias, doença inflamatória intestinal, outras doenças sexualmente transmissíveis, doenças orificiais, e orientados cuidados dietéticos e locais como banhos de assento e não uso de papel higiênico. Estes pacientes eram rotulados como portadores de prurido anal idiopático.
    Ocorre que o seu estudo mostrou uma alta porcentagem de HPV subclínico anal e ausência do sintoma em 30% dos casos após o tratamento para HPV padronizado, levando a crer que esta doença deve ser considerada como um provável diagnóstico diferencial na etiologia do prurido anal.
    Sabemos que a forma clínica do HPV anal ou condiloma anal, caracterizada pelas verrugas, é uma causa de prurido e que as manifestações da forma latente do HPV anal ainda são desconhecidas por não haver métodos práticos que localizem as áreas contaminadas pelo vírus. No entanto, a forma subclínica do HPV anal, apesar de imperceptível macroscopicamente, pode ser diagnosticada pelo exame de anuscopia de alta resolução que realça as áreas doentes, propiciando a colheita dirigida do material. O fato é que este exame não é de uso comum na rotina do especialista, levando esta doença a ser subestimada como diagnóstico etiológico diferencial de prurido anal. 4, 7,9-11,22
   
Outro fator que dificulta este diagnóstico, é a idéia do HPV subclínico, por ser uma DST, acometer principalmente pessoas com comportamento de risco para DST, o que não foi verificado neste grupo. 6-8,14,21
   
Apesar de todos os pacientes estudados serem positivos para HPV anal subclínico, segundo o critério anátomo-patológico e 90% serem positivos segundo critério do PCR, nenhum tinha antecedentes de condiloma anal, HPV genital ou outras alterações anais, além do prurido, e nenhum tinha comportamento de risco para DST, considerando-se critério de terem no máximo três parceiros por ano.
    O estudo mostrou também que a maioria dos pacientes apresentava lesões intraepiteliais grau I e II e as cepas encontradas ao exame do PCR foram 16 e 58, ambas consideradas de alto risco para cancerização. Levando-se em conta a analogia com o que ocorre no colo uterino, estes resultados reforçam a idéia do HPV subclinico ser considerado um dos fatores predisponentes para o aparecimento do câncer anal. Neste sentido o prurido anal é um alerta, colaborando no diagnóstico desta doença, selecionando casos para o exame de anuscopia de alta resolução e possibilitando o seu controle. 3,13,17,20,23-26
   
O tratamento clinico padronizado com podofilina vaselinada a 25% e aplicação de ácido tricloroacético a 90%, que são eficientes na forma clinica ou condiloma anal, não foram eficientes no tratamento do HPV anal subclínico e pouco eficientes no tratamento do prurido. Não se conseguiu negativar as atipias coilocitóticas das biópsias de controle pós tratamento; o PCR manteve-se inalterado e houve melhora do sintoma em apenas 30% dos casos. Este dado é preocupante não só devido às dificuldades em erradicar a doença, com a manutenção dos sintomas, mas também devido ao risco de cancerização, transmissão e disseminação. 1,3,4,5,9,12,15,16,20-24,26
   
Apesar do HPV anal na forma subclinica ter tido um avanço no diagnóstico com o exame de anuscopia de alta resolução, temos que é necessário também um avanço no seu tratamento para que possamos reverter sua alta incidência e suas conseqüências.1,7,9-11,20,24. No trabalho verificou-se que pacientes sem comportamento de risco para DST, sem antecedentes de HPV genital ou condiloma anal e com prurido anal idiopático, apresentaram HPV subclinico anal em 100% dos casos segundo o critério do anátomo-patológico e 90% dos casos segundo o critério do PCR. Estes dados reforçam a idéia que devemos pesquisar HPV anal na forma subclínica em todos os casos de prurido anal idiopático, em que persiste o sintoma mesmo com os cuidados pertinentes, concluindo-se que devemos considerar esta doença como um diagnóstico diferencial da etiologia do prurido anal.
   

SUMMARY: The purpose of this study is to demonstrate the importance of the clinical manifestations of subclinic human papilloma virus in the anal regions as a diferencial diagnosis in the ethiology of the pruritus ani. Ten pacients with persistent anal pruritus were submitted to high resolution anoscopy to diagnose the subclinic anal HPV. The positive cases were treated following the stated protocol. The high resolution anoscopy provided guided biopsies of the material and the anatomopathologic analysis resulted 100 % positive for HPV. The PCR (polymerase chain reaction) was positive in nine patients (90 %) and negative in one (10 %). Six months after the beginning of the standard treatment the PCR results were the same and the anatomopathologic were still positive in all cases. Symptoms improvement were achieved in three pacients (30%) after six months of the beginning of the treatment. The analysed patients had no behavior risk factors for sexually transmitted diseases and they all had less than three sexual partners a year. The conclusion is that the subclinic anorectal HPV can be considered a possible cause of anal pruritus.

Key words: Subclinic HPV, Anal Papillomavirus, Pruritus ani, Anal HPV.

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Endereço para correspondência:
João Carlos Magi
Rua Paraíba,717 - Centro
09521-070 - São Caetano do Sul(SP)

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis São Paulo-SP.