ARTIGOS ORIGINAIS


ANTIBIOTICOPROFILAXIA NO TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA HEMORROIDÁRIA:EFEITO SOBRE O CONTROLE DA DOR PÓS-OPERATÓRIA , CICATRIZAÇÃO DAS FERIDAS E COMPLICAÇÕES

ERICO ERNESTO PRETZEL FILLMANN - TSBCP


Fillmann EEP; Fillmann LS; Fillmann HS; Pandolfo G. Antibioticoprofilaxia no Tratamento Cirúrgico da Doença Hemorroidária: Efeito Sobre o Controle da Dor Pós-Operatória , Cicatrização das Feridas e Complicações. Rev bras Coloproct, 2004;24(1): 5-9.

Resumo: O objetivo deste estudo foi comparar a dor e as complicações pós-operatórias entre as técnicas de hemorroidectomia aberta com e sem o uso de antibiótico, com a fechada. Foram estudados 30 pacientes portadores de doença hemorroidária com necessidade de tratamento cirúrgico, divididos em três grupos: 1. Milligan-Morgan (hemorroidectomia aberta) com antibiótico, 2. Milligan-Morgan sem antibiótico e 3. Ferguson (hemorroidectomia fechada) com antibiótico. A escolha foi aleatória e o antibiótico utilizado foi a cefoxitina, de forma profilática. A avaliação da dor pós-operatória foi através da média entre os valores das escalas numérica e visual analógica. Não evidenciamos diferença significativa na dor no 1º, 7º e 14º dia de pós-operatório nos três grupos. Pelo menos dois grupos mostraram diferença significativa no tempo de cicatrização da ferida operatória: 20 dias no grupo Ferguson e 29 dias no Milligan-Morgan com antibiótico. Não houve diferença significativa na incidência de complicações pós-operatórias. Neste estudo, concluímos que o uso de antibiótico profilático na hemorroidectomia aberta não mostrou reduzir a dor pós-operatória. Não observamos também diferença no controle da dor em relação à técnica cirúrgica utilizada. Finalizando, identificamos uma velocidade de cicatrização significativamente maior na hemorroidectomia fechada.

Unitermos: Antibioticoprofilaxia, Hemorróidas/cirurgia, Dor pós-operatória, Medição da Dor, Complicações

INTRODUÇÃO
As hemorróidas são estruturas anatomofisiológicas localizadas na submucosa da região anorretal que participam do mecanismo de continência anal. Quando tornam-se sintomáticas, caracterizam a doença hemorroidária1,2,3.
    Estima-se que 50% da população geral e 50% dos indivíduos com mais de 50 anos apresentam doença hemorroidária4. Quanto à distribuição por sexo, há uma predominância do masculino, numa proporção de 2:1 1.
    A incidência máxima ocorre entre 30 e 60 anos. É raro o aparecimento na infância e muito pouco freqüente abaixo dos 20 anos 1,3.
    Apesar de várias modalidades de terapia conservadora disponíveis para o controle clínico da doença hemorroidária, o tratamento cirúrgico é o único capaz de promover a erradicação permanente do tecido hemorroidário. Atualmente, o tratamento cirúrgico é reservado para cerca de 10% a 20% dos portadores de hemorróidas sintomáticas, sendo a maioria delas tratada por modalidades terapêuticas conservadoras (medidas clínicas, escleroterapia, ligadura elástica e outros) 1.
    As indicações de tratamento cirúrgico são doença hemorroidária externa, mista e interna com prolapso permanente 1,3. O objetivo do tratamento cirúrgico é a extirpação dos mamilos hemorroidários exuberantes. Na Europa, a hemorroidectomia aberta pela técnica de Milligan-Morgan é a mais freqüentemente utilizada 5. Nos Estados Unidos, a técnica fechada descrita por Ferguson é a mais popular 6.
    A hemorroidectomia fechada é supostamente menos dolorosa, com melhor preservação da sensibilidade anal e com cicatrização mais rápida, mas há relatos de deiscência e infecção da ferida associadas a esta técnica 7.
    Arbman e colaboradores não encontraram vantagens em relação a dor pós-operatória, mas observaram uma cicatrização do sítio cirúrgico mais rápida e com menos drenagem de secreção com a técnica fechada 8.
    Gençosmanoglu e colaboradores evidenciaram que a técnica aberta é superior ao procedimento fechado para o tratamento cirúrgico da doença hemorroidária em relação ao tempo cirúrgico, dor pós-operatória imediata e morbidade 4.
    O uso do metronidazol demonstrou reduzir a dor pós-operatória nos dias 5, 6 e 7 após a hemorroidectomia aberta, através da prevenção da infecção secundária das feridas 9. Balfour e colaboradores não evidenciaram estes benefícios 10.
    As complicações da hemorroidectomia são dor, retenção urinária, sangramento, infecção, constipação e impactação fecal, estenose e fissura anal.
    Por tratar-se de uma entidade clínica freqüente e o tratamento cirúrgico ter como complicação mais comum a dor pós-operatória, os autores realizaram este estudo com o objetivo de comparar a dor, tempo de cicatrização e as complicações pós-operatórias entre as técnicas aberta com e sem o uso de antibiótico, com a fechada.

PACIENTES E MÉTODOS
Foram estudados 30 pacientes consecutivos, portadores de doença hemorroidária com necessidade de tratamento cirúrgico, que compareceram ao ambulatório de Coloproctologia do HSL-PUC no período de março a julho de 2003.
    O estudo apresentava três grupos: 1. Milligan-Morgan com antibiótico (ATB), 2. Milligan-Morgan sem ATB e 3. Ferguson com ATB, uma vez que com esta técnica cirúrgica o antibiótico é utilizado de rotina. Cada grupo teve um total de 10 pacientes.
    A escolha do método cirúrgico foi feita de forma aleatória. O antibiótico utilizado foi a cefoxitina, na dose de 1g endovenosa, a cada 6 horas, num total de quatro doses, com início na indução anestésica.
    Foi preenchido um protocolo individual, onde constava o sexo, a idade, a presença de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica (HAS), cardiopatia isquêmica (CI), insuficiência cardíaca (IC), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e diabete melito (DM), a técnica cirúrgica utilizada, o número de mamilos hemorroidários dissecados, o tempo de cicatrização, a dor no 1º, 7º e 14º dia de pós-operatório e o desenvolvimento de complicações no pós-operatório, como infecção, retenção urinária, fissura e estenose anal.
    A dor pós-operatória foi avaliada por uma escala numérica (0= sem dor e 10= pior dor) e por uma escala de cores (azul= sem dor e vermelho= pior dor), onde há o valor numérico correspondente. O resultado foi a média entre os valores das duas escalas.
    A analgesia pós operatória foi realizada com acetaminofen 500mg, na dose de 2 cápsulas por via oral, a cada 6 horas e anti-inflamatório não esteróide (nimesulida) 100mg, 1 cápsula por via oral, duas vezes ao dia, por seis dias. Esta foi a mesma para todos os pacientes.
    Foi fornecido um termo de consentimento ao paciente para participar do estudo.
    Os critérios de inclusão foram todos os pacientes que comparecerem ao ambulatório de Coloproctologia do HSL-PUC, no período de março a julho de 2003, portadores de doença hemorroidária com indicação de tratamento cirúrgico, ou seja, hemorróidas externas, mistas e internas com prolapso permanente e que forneceram o consentimento informado.
    Os dados coletados, no estudo, foram repassados para um programa de SPSS. Posteriormente, foi feita a análise através da aplicação dos testes ANOVA e Kruskal-Wallis para a variável dor e ANOVA para as variáveis tempo de cicatrização e número de mamilos hemorroidários. A análise estatística dos resultados foi realizada com a orientação de um professor da Universidade.

RESULTADOS
No nosso estudo, 20 pacientes eram do sexo feminino (67%) e 10 do masculino (33%), com média de idade de 50 anos. Em relação à presença de comorbidades 60% eram portadores de hipertensão arterial sistêmica, 15% apresentavam arritmia, 10% eram obesos, 10% com diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica e 5% de cardiopatia isquêmica.
    A análise da comparação da dor por grupo, com a aplicação do teste ANOVA, não mostrou diferença significativa no 1º, 7º e 14º dia de pós-operatório nos três grupos (Tabela-1). Como a variável dor não é quantitativa, foi utilizado, também, um teste não paramétrico de Kruskal-Wallis e, nos dois testes, não foram detectadas diferenças significativas (Tabela -2).


Tabela 1 - ANOVA para comparação da dor por grupo.

  Grupo  Média  Desvio-padrao Sig.
Dor 1 MM Com ATB 10  3,60 2,22 0,01 0,994
  MM Sem ATB 10  3,60 2,67     
  F Com ATB 10 3,50 2,27    
  Total  30  3,57 2,31    
Dor 7 MM Com ATB 10  2,80 2,10 1,37 0,271
  MM Sem ATB 10  4,70 2,31    
  F Com ATB 10  4,00 3,23    
  Total  30  3,83 2,63    
Dor 14 MM Com ATB 10  2,40 2,59 0,21 0,812
  MM Sem ATB 10  1,90 1,97    
  F Com ATB 10  1,80 2,04    
  Total  30  2,03 2,16    

     

Tabela 2 - Teste de Kruskal-Wallis para comparação da dor por grupo.

  Grupo  Média  Desvio-padrão Qui-quadrado Sig.
Dor 1 MM Com ATB 10  3,60 2,22 0,04 0,979
  MM Sem ATB 10  3,60 2,67    
  F Com ATB 10  3,50 2,27
  Total 30  3,57 2,31    
Dor 7 MM Com ATB 10  2,80 2,10 2,56 0,277
  MM Sem ATB 10  4,70 2,31    
  F Com ATB 10  4,00  3,23    
  Total  30  3,83 2,63    
Dor 14 MM Com ATB 10  2,40 2,59 0,21 0,899
  MM Sem ATB 10  1,90 1,97    
  F Com ATB 10  1,80 2,04    
  Total  30  2,03 2,16    


    No nosso estudo, pelo menos dois grupos evidenciaram diferença significativa no tempo de cicatrização da ferida operatória: 20 dias no grupo Ferguson e 29 dias no Milligan-Morgan com antibiótico (Tabela-3). Quando comparados os dois grupos operados pela técnica aberta em relação ao uso de antibiótico profilático, não observamos diferenças significativas.

Tabela 3 - ANOVA para comparação da tempo de cicatrização por grupo.

  Grupo  Média  Desvio-padrao Sig.
Cicatrização  MM Com ATB 10  29,40 5,52 4,36 0,023
  MM Sem ATB 10  27,60 8,82    
  F Com ATB 10  20,60 6,36    
  Total  30 25,87 7,82    

    A variável - número de mamilos hemorroidários excisados na cirurgia - não mostrou diferença significativa em relação à dor no 1º, 7º e 14º dia de pós-operatório nos três grupos.
    Não houve diferença significativa na incidência de complicações pós-operatórias: 30% em cada grupo. Um paciente apresentou sangramento no pós-operatório imediato que cedeu com a compressão local. Quatro pacientes desenvolveram retenção urinária no pós-operatório imediato, necessitando de sondagem vesical de alívio. Um paciente apresentou fissura e outro fístula anal após a completa cicatrização da ferida operatória, necessitando de nova intervenção cirúrgica. Dois pacientes apresentaram deiscência da ferida operatória.

DISCUSSÃO
A hemorroidectomia é uma das cirurgias mais freqüentemente realizadas e a dor pós-opreatória permanece sendo o grande desafio. Carapeti e colaboradores realizaram a hemorroidectomia aberta em 17 pacientes e a técnica fechada em 18, e observaram que não há diferença significativa nas médias de escores de dor 11. De modo similar, Arbman e colaboradores compararam a hemorroidectomia fechada com a técnica aberta em 77 pacientes e não encontraram vantagens no método fechado 8. No nosso estudo, não observamos diferenças no controle da dor em relação à técnica utilizada.
    Um estudo recente, randomizado e controlado, demonstrou reduções significativas na dor pós-operatória, na primeira semana de hemorroidectomia aberta com o uso de metronidazol de forma terapêutica, por via oral (9). Entretanto, o uso do metronidazol, num estudo realizado por Balfour e colaboradores, não resultou em redução significativa da dor após a hemorroidectomia fechada 10. No nosso trabalho, o antibiótico utilizado foi a cefoxitina, de forma profilática, e não observamos diferenças significativas no controle da dor entre os grupos com e sem antibiótico.
    O tempo de cicatrização é outro parâmetro importante. Arbman e colaboradores encontraram um tempo de cicatrização mais curto com a técnica fechada 8. Entretanto, Carapeti e colaboradores não observaram diferenças significativas, embora 10 pacientes que realizaram a hemorroidectomia fechada, na sua série, apresentaram deiscência da ferida operatória 11. Gençosmanoglu e colaboradores encontraram um período de cicatrização maior com a técnica aberta 4, assim como no nosso trabalho.
    A complicação mais comum após a hemorroidectomia é a retenção urinária 12. A severidade da doença, o uso de opióides e a administração de líquidos no peri-operatório são os fatores predisponentes. Zaheer e colaboradores compararam a hemorroidectomia com outras doenças anorretais benignas e observaram uma alta incidência de retenção urinária após a hemorroidectomia 13. No nosso estudo, quatro pacientes apresentaram retenção urinária no pós-operatório imediato. O sangramento é outra complicação da hemorroidectomia. Pode ocorrer no pós-operatório precoce ou tardio numa freqüência de 1% 12. Falha técnica pode causar sangramento precoce, embora o sangramento tardio é causado pela separação da sutura, no pedículo, na 2ª semana de pós-operatório. No nosso estudo, um paciente apresentou sangramento no pós-operatório imediato, não necessitando de nova intervenção cirúrgica. Não houve diferenças significativas na incidência de complicações pós-operatórias entre os três grupos de estudo.

CONCLUSÕES
O uso de antibiótico profilático na hemorroidectomia aberta, no nosso estudo, não mostrou reduzir a dor pós-operatória.
    Não observamos, também, diferença no controle da dor em relação à técnica cirúrgica utilizada.
    A velocidade de cicatrização da hemorroidectomia fechada foi significativamente maior do que a observada na técnica aberta. Não houve diferença significativa na velocidade de cicatrização dos dois grupos submetidos a cirurgia tipo Milligan-Morgan associada ao uso de antibiótico profilático.
    Por fim, não observamos diferenças significativas em relação à incidência de complicações entre os grupos estudados.

SUMMARY: The aim of this study was to compare closed (Ferguson) hemorrhoidectomy to the open procedure (Milligan-Morgan) with and without antibiotic prophylaxis regarding pain, time for healing and postoperative complications. In this prospective study, 30 patients with hemorrhoidal disease who needed surgical treatment were allocated to either the open hemorrhoidectomy with antibiotic prophylaxis (Group A, n= 10), open hemorrhoidectomy without antibiotic prophylaxis (Group B, n= 10), or closed hemorrhoidectomy group (Group C, n= 10) with antibiotic prophilaxis. We used cefoxitina four times daily begining at surgery. Pain was assessed from a numeric rating and visual analog scale. There were no statistically significant differences regarding pain in the first, seventh and fourteenth postoperative days in all groups. Two groups had significant differences in the time of wound heal: 20 days in the Ferguson Group and 29 days in the Milligan-Morgan Group with antibiotic prophilaxis. No statiscally significant differences were found between the three groups regarding postoperative complications. In this study we concluded that the use of antibiotic prophilaxis has no effect on pos-operative pain scores. The healing time is shorter when closed hemorrhoidectomy is performed.

Key words: Antibiotic prophylaxis, Hemorrhoids/surgery, Pain, postoperative, Pain Measurement, Complications

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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11. Carapeti E et al. Randomized trial of open versus closed day-hemorrhoidectomy. Br J Sur; 1999, 86: 612-3.
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13. Zaheer S et al. Urinary retention after operations for benign anorectal diseases. Dis Colon Rectum; 1998, 41: 696-704.

Endereço para Correspondência:
Erico Ernesto Pretzel Fillmann
Av. Ipiranga, 6690 - HSL-PUCRS- Centro Clínico
Sala 307 - Fone: 3336-5254
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Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do HSL - PUCRS