doenças sexualmente transmissíveis
SIDNEY ROBERTO NADAL - TSBCP
Julio José Máximo de Carvalho
As doenças sexualmente transmitidas
(DST) são a principal causa de morbidez no
adulto,1 sendo responsáveis por inúmeras mortes em todo o
mundo. Apesar da incidência, vários problemas envolvem
seu manejo, dentre os quais ressaltamos o
desconhecimento da população quanto à forma de transmissão,
o despreparo dos profissionais de saúde quanto
ao diagnóstico clínico, o custo elevado dos
exames laboratoriais e a demora para iniciar o
tratamento efetivo, possibilitando a disseminação da doença
não tratada e o risco para adquirir a infecção pelo HIV.
A mais grave continua sendo a AIDS. Embora os coquetéis com drogas antirretrovirais
tenham melhorado o padrão de sobrevivência e diminuído
o índice de letalidade, a doença permanece
incurável. Além disso, a melhora do estado de saúde
provocado por essa medicação e o otimismo resultante
parecem ter contribuído para conseqüências não
previstas, como a perda do medo de adquirir e transmitir
a doença, o aumento da atividade sexual de alto
risco, a diminuição do uso de preservativos e a elevação
da incidência de sífilis e de
gonorréia.2,3 Outros fatores, como o uso da Internet para encontrar
parceiros sexuais, a utilização de medicações para prolongar
a ereção peniana como forma de recreação e a
aparente função do sexo oral como modo de transmissão
nos levam a intuir que nova onda de infecção pelo
HIV pode estar no horizonte.3
Uma vez que as DST com ulceração
facilitam a transmissão do HIV, seu tratamento é importante
para prevenção e controle da
AIDS.4,5 Preveni-las e às suas complicações requer educação para a saúde,
promoção do uso de preservativos e conduta efetiva ante os
casos. O diagnóstico clínico pode estar incorreto,
enquanto que a confirmação laboratorial é onerosa e nem
sempre possível. A demora para diagnosticar pode levar
o doente a não retornar para tratamento, permitindo
que ele dissemine a doença.6
Em 1991, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) introduziu o conceito de abordagem
sindrômica para atendimento do portador de DST em países
em desenvolvimento.1 O método consiste em incluir
a doença dentro de síndromes
pré-estabelecidas, baseadas em sintomas e sinais, e instituir
tratamento imediato sem aguardar resultados de
exames confirmatórios. Sua aplicação parece racional
para países ou regiões com poucos recursos, sem
pessoal treinado e laboratório equipado. Seu sucesso
exige monitoração e avaliação constante dos protocolos,
bem como supervisão e treinamento do pessoal
envolvido.7 As DST genitais estão distribuídas em cinco
síndromes: corrimentos uretrais, úlceras genitais,
corrimentos vaginais, dor pélvica e verrugas genitais. Devido a
não haver equivalente para a região anorretal,
propomos três síndromes: úlceras perianais, retites e
verrugas perianais.
Essa forma de abordagem foi sugerida na segunda metade da década de 70 por pesquisadores
e médicos de saúde pública trabalhando na África
sub-sahariana, onde havia grande número de
acometidos pelas DST e em condições de pobreza extrema. A
idéia foi desenvolvida para as condições específicas
locais e os recursos disponíveis. Posteriormente, a
OMS promoveu-o globalmente na forma de algoritmos.
A aceitação ocorreu pela rápida disseminação da
HIV/AIDS e pela aparente eficácia do método. Em
meados dos anos 90, o interesse no controle do HIV
encorajou sua adoção pelos programas nacionais de controle
das DST.8 A redução de 40% na incidência de HIV
foi observada na população da zona rural da
Tanzânia (África) em pessoas cuja abordagem das DST foi
feita de maneira sindrômica.5 Essa medida, entretanto,
pode induzir a tratamento desnecessário com
medicações caras e provocar resistência bacteriana
aos antimicrobianos.4
A abordagem sindrômica é mais realista
e eficaz para controle das DST em países em
desenvolvimento9 pela simplicidade e baixo
custo,1,7 um terço do valor do tratamento após
confirmação
etiológica.10 Revelou-se eficaz para as
úlceras genitais,11,12 apresentando índice de cura de
96,3% quando comparado ao modo convencional de
tratamento.12 Também pode ser utilizada
para corrimentos uretrais, mas não para os
vaginais.11 A incidência de infecção cervical associada a
Clamídia tracomatis foi elevada entre mulheres com baixo
risco para aquisição de DST e a abordagem sindrômica
não foi efetiva para
detectá-la.13 Além disso, as
infecções por esse agente e por gonococo são
frequentemente assintomáticas em
mulheres.14 Para esses casos
serão necessárias outras alternativas de avaliação
e intervenção.
Os avanços do tratamento incluem as
doses únicas para muitas das doenças e medicação
mais efetiva para herpes. A penicilina benzatina
continua sendo eficaz para todas as formas de sífilis. Uma
grama de azitromicina por via oral e 250 mg de
ceftriaxone por via intramuscular tratam cancróide.
Azitromicina na mesma dose é recomendada para uretrites
não-gonocócicas. O gonococo e a clamídia também são
as causas mais comuns de retite nos que praticam
sexo anal receptivo. Os protocolos atuais recomendam
o tratamento empírico de ambas, mas a terapia para
herpes deve ser considerada.15 Três medicações
antivirais são benéficas para herpes: acyclovir, famciclovir
e valaciclovir.16
No Brasil, desde 1993, o Programa Nacional de Controle a DST/AIDS recomenda a
abordagem sindrômica para tratamento dos doentes com
alguma DST.12 Essa forma de atendimento vem
sendo atualmente realizada em várias cidades
brasileiras, tendo como base os dados de Consensos. Em São
Paulo, por exemplo, conta-se com unidades de
atendimento estaduais e municipais distribuídas
estrategicamente em 15 bairros. Além do atendimento rápido,
fornecem gratuitamente a medicação necessária, orientam
quanto às formas de prevenção e distribuem preservativos.
As uretrites são as DST mais comuns e mensagens
de saúde pública devem enfatizar a necessidade de
práticas de baixo risco, como sexo seguro com preservativos
e diminuição do número de parceiros
sexuais.17
Como já exposto, o tratamento rápido
e adequado das DST diminui a incidência e a
propagação do HIV. Sendo assim, cabe aos profissionais de saúde
a responsabilidade na divulgação e implantação desse
tipo de atendimento. Aos serviços universitários cabe
parcela desta responsabilidade, uma vez que além de
ter condições de executar este projeto, pode
paralelamente realizar os diagnósticos etiológicos, além de exames
mais sofisticados em cada especialidade, podendo de
certa maneira absorver os casos mais difíceis, além de
estarem aptos a realizar estudos populacionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Redwood-Campbell L, Plumb J. The syndromic approach
to treatment of sexually transmitted diseases in low-income
countries: issues, challenges, and future directions.
J Obstet Gynaecol Can 2002;24:417-24.
2. Rietmeijer CA, Patnaik JL, Judson FN, Douglas JM Jr.
Increases in gonorrhea and sexual risk behaviors among
men who have sex with men: a 12-year trend analysis at the
Denver Metro Health Clinic. Sex Transm Dis 2003;30:562-7.
3. Ciesielski CA. Sexually Transmitted Diseases in Men
Who Have Sex with Men: An Epidemiologic Review.
Curr Infect Dis Rep 2003;5:145-152.
4. Chernesky MA. How can industry, academia, public
health authorities, and the sexually transmitted diseases
diagnostics initiative work together to help control sexually
transmitted diseases in developing countries? Sex Transm
Dis 1997;24:61-3.
5. Grosskurth H, Mosha F, Todd J, Mwijarubi E, Klokke
A, Senkoro K et al. Impact of improved treatment of
sexually transmitted diseases on HIV infection in rural Tanzania:
randomized controlled trial. The Lancet 1995;346:530-536.
6. Vickerman P, Watts C, Alary M, Mabey D, Peeling RW.
Sensitivity requirements for the point of care diagnosis of
Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae in women.
Sex Transm Infect 2003; 79: 363-7.
7. Bosu WK. Syndromic management of sexually
transmitted diseases: is it rational or scientific?
Trop Med Int Health 1999;4:114-9.
8. Lush L, Walt G, Ogden J. Transfering policies for
treating sexually transmitted infections: what's wrong with
global guidelines? Health Policy Plan 2003;18:18-30.
9. Mukenge-Tshibaka L, Alary M, Lowndes CM, Van Dyck
E, Guedou A, Geraldo N, Anagonou S, Lafia E, Joly
JR. Syndromic versus laboratory-based diagnosis of cervical
infections among female sex workers in Benin: implications
of nonattendance for return visits. Sex Transm Dis
2002;29:324-30.
10. Wang Q, Yang P, Zhong M, Wang G. Validation of
diagnostic algorithms for syndromic management of sexually
transmitted diseases. Chin Med J 2003;116: 181-6.
11. La Ruche G, Ladner J, Lattier R, Djeha D, Louise D,
Coulibaly IM. Surveillance of STD syndromes: contributing to the
STD programme in Cote d'Ivoire. Health Policy Plan
2000;15:441-6.
12. Moherdaui F, Vuylsteke B, Siqueira LFG, Santos Jr
MQ, Jardim ML, Brito AM et al. Validation of national
algorithms for the diagnosis of sexually transmitted diseases in
Brazil: results from a multicentre study. Sex Transm
Infect 1998;74(1S):38-43.
13. Vishwanath S, Talwar V, Prasad R, Coyaji K, Elias CJ,
de Zoysa I. Syndromic management of vaginal discharge
among women in a reproductive health clinic in India.
Sex Transm Infect 2000;76:303-6.
14. Liu H, Jamison D, Li X, Ma E, Yin Y, Detels R. Is
syndromic management better than the current approach for treatment
of STDs in China? Evaluation of the cost-effectiveness
of syndromic management for male STD patients. Sex
Transm Dis 2003;30:327-30.
15. Klausner JD, Kohn R, Kent C. Etiology of clinical
proctitis among men who have sex with men. Clin Infect Dis
2004;38: 300-2.
16. Woodward C, Fisher MA. Drug treatment of common
STDs: part I. Herpes, syphilis, urethritis, chlamydia and
gonorrhea. Am Fam Physician 1999;60:1387-94.
17. Tabet SR, Krone MR, Paradise MA, Corey L, Stamm
WE, Celum CL. Incidence of HIV and sexually transmitted
diseases (STD) in a cohort of HIV-negative men who have
sex with men (MSM). AIDS 1998;12:2041-8.
Endereço para Correnspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 / 23
05415-030 São Paulo - SP
Fone/Fax: 0 xx 11 223-8099 / 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br