doenças sexualmente transmissíveis


ABORDAGEM SINDRÔMICA DAS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMITIDAS

SIDNEY ROBERTO NADAL - TSBCP
Julio José Máximo de Carvalho


NADAL SR; CARVALHO JJM. Abordagem Sindrômica das Doenças Sexualmente Transmitidas. Rev bras Coloproct, 2004; 24(1):70-72.

As doenças sexualmente transmitidas (DST) são a principal causa de morbidez no adulto,1 sendo responsáveis por inúmeras mortes em todo o mundo. Apesar da incidência, vários problemas envolvem seu manejo, dentre os quais ressaltamos o desconhecimento da população quanto à forma de transmissão, o despreparo dos profissionais de saúde quanto ao diagnóstico clínico, o custo elevado dos exames laboratoriais e a demora para iniciar o tratamento efetivo, possibilitando a disseminação da doença não tratada e o risco para adquirir a infecção pelo HIV.
    A mais grave continua sendo a AIDS. Embora os coquetéis com drogas antirretrovirais tenham melhorado o padrão de sobrevivência e diminuído o índice de letalidade, a doença permanece incurável. Além disso, a melhora do estado de saúde provocado por essa medicação e o otimismo resultante parecem ter contribuído para conseqüências não previstas, como a perda do medo de adquirir e transmitir a doença, o aumento da atividade sexual de alto risco, a diminuição do uso de preservativos e a elevação da incidência de sífilis e de gonorréia.2,3 Outros fatores, como o uso da Internet para encontrar parceiros sexuais, a utilização de medicações para prolongar a ereção peniana como forma de recreação e a aparente função do sexo oral como modo de transmissão nos levam a intuir que nova onda de infecção pelo HIV pode estar no horizonte.3
   
Uma vez que as DST com ulceração facilitam a transmissão do HIV, seu tratamento é importante para prevenção e controle da AIDS.4,5 Preveni-las e às suas complicações requer educação para a saúde, promoção do uso de preservativos e conduta efetiva ante os casos. O diagnóstico clínico pode estar incorreto, enquanto que a confirmação laboratorial é onerosa e nem sempre possível. A demora para diagnosticar pode levar o doente a não retornar para tratamento, permitindo que ele dissemine a doença.6
   
Em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu o conceito de abordagem sindrômica para atendimento do portador de DST em países em desenvolvimento.1 O método consiste em incluir a doença dentro de síndromes pré-estabelecidas, baseadas em sintomas e sinais, e instituir tratamento imediato sem aguardar resultados de exames confirmatórios. Sua aplicação parece racional para países ou regiões com poucos recursos, sem pessoal treinado e laboratório equipado. Seu sucesso exige monitoração e avaliação constante dos protocolos, bem como supervisão e treinamento do pessoal envolvido.7 As DST genitais estão distribuídas em cinco síndromes: corrimentos uretrais, úlceras genitais, corrimentos vaginais, dor pélvica e verrugas genitais. Devido a não haver equivalente para a região anorretal, propomos três síndromes: úlceras perianais, retites e verrugas perianais.
    Essa forma de abordagem foi sugerida na segunda metade da década de 70 por pesquisadores e médicos de saúde pública trabalhando na África sub-sahariana, onde havia grande número de acometidos pelas DST e em condições de pobreza extrema. A idéia foi desenvolvida para as condições específicas locais e os recursos disponíveis. Posteriormente, a OMS promoveu-o globalmente na forma de algoritmos. A aceitação ocorreu pela rápida disseminação da HIV/AIDS e pela aparente eficácia do método. Em meados dos anos 90, o interesse no controle do HIV encorajou sua adoção pelos programas nacionais de controle das DST.8 A redução de 40% na incidência de HIV foi observada na população da zona rural da Tanzânia (África) em pessoas cuja abordagem das DST foi feita de maneira sindrômica.5 Essa medida, entretanto, pode induzir a tratamento desnecessário com medicações caras e provocar resistência bacteriana aos antimicrobianos.4
   
A abordagem sindrômica é mais realista e eficaz para controle das DST em países em desenvolvimento9 pela simplicidade e baixo custo,1,7 um terço do valor do tratamento após confirmação etiológica.10 Revelou-se eficaz para as úlceras genitais,11,12 apresentando índice de cura de 96,3% quando comparado ao modo convencional de tratamento.12 Também pode ser utilizada para corrimentos uretrais, mas não para os vaginais.11 A incidência de infecção cervical associada a Clamídia tracomatis foi elevada entre mulheres com baixo risco para aquisição de DST e a abordagem sindrômica não foi efetiva para detectá-la.13 Além disso, as infecções por esse agente e por gonococo são frequentemente assintomáticas em mulheres.14 Para esses casos serão necessárias outras alternativas de avaliação e intervenção.
    Os avanços do tratamento incluem as doses únicas para muitas das doenças e medicação mais efetiva para herpes. A penicilina benzatina continua sendo eficaz para todas as formas de sífilis. Uma grama de azitromicina por via oral e 250 mg de ceftriaxone por via intramuscular tratam cancróide. Azitromicina na mesma dose é recomendada para uretrites não-gonocócicas. O gonococo e a clamídia também são as causas mais comuns de retite nos que praticam sexo anal receptivo. Os protocolos atuais recomendam o tratamento empírico de ambas, mas a terapia para herpes deve ser considerada.15 Três medicações antivirais são benéficas para herpes: acyclovir, famciclovir e valaciclovir.16
   
No Brasil, desde 1993, o Programa Nacional de Controle a DST/AIDS recomenda a abordagem sindrômica para tratamento dos doentes com alguma DST.12 Essa forma de atendimento vem sendo atualmente realizada em várias cidades brasileiras, tendo como base os dados de Consensos. Em São Paulo, por exemplo, conta-se com unidades de atendimento estaduais e municipais distribuídas estrategicamente em 15 bairros. Além do atendimento rápido, fornecem gratuitamente a medicação necessária, orientam quanto às formas de prevenção e distribuem preservativos. As uretrites são as DST mais comuns e mensagens de saúde pública devem enfatizar a necessidade de práticas de baixo risco, como sexo seguro com preservativos e diminuição do número de parceiros sexuais.17
   
Como já exposto, o tratamento rápido e adequado das DST diminui a incidência e a propagação do HIV. Sendo assim, cabe aos profissionais de saúde a responsabilidade na divulgação e implantação desse tipo de atendimento. Aos serviços universitários cabe parcela desta responsabilidade, uma vez que além de ter condições de executar este projeto, pode paralelamente realizar os diagnósticos etiológicos, além de exames mais sofisticados em cada especialidade, podendo de certa maneira absorver os casos mais difíceis, além de estarem aptos a realizar estudos populacionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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