ARTIGOS ORIGINAIS


CIRURGIA DE RESGATE NO CARCINOMA DE CANAL ANAL

MARCOS RICARDO DA SILVA RODRIGUES - FSBCP
JOÃO CARLOS MAGI - TSBCP
ROMUALDO DA SILVA CORRÊA - FSBCP
GEANNA MARA LINO E SILVA DE RESENDE GUERRA -ASBCP
HENRIQUE FRANCISCO DE SOUZA E SOUZA - FSBCP
MARCUS FÁBIO MAGALHÃES FONSECA
SÉRGIO HENRIQUE COUTO HORTA - TSBCP
GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA - TSBCP


RODRIGUES MRS, MAGI JC, CORRÊA RS, GUERRA GMLSR, SOUZA HFS, FONSECA MFM, HORTA SHC, FORMIGA GJS. Cirurgia de Resgate no Carcinoma de Canal Anal. Rev bras Coloproct, 2004;24(2):137-139.

RESUMO : Desde a publicação de Nigro et al em 1974 a combinação de rádio e quimioterapia tornou-se o tratamento de escolha para o carcinoma epidermóide do canal anal. No entanto, em pacientes com persistência da doença ou recidiva local, um tratamento de resgate deve ser instituído.
    O objetivo deste estudo é avaliar os resultados das cirurgias de resgate para o carcinoma epidermóide de canal anal que apresentaram recidiva ou falha ao tratamento radioquimioterápico inicial.
    Quatorze pacientes submetidos à cirurgia de resgate durante o período de agosto de 1993 a outubro de 2002 foram analisados retrospectivamente. O estudo incluiu onze mulheres e três homens, a média de idade foi de 52,6 anos ( 36-74 ). Doze pacientes apresentavam estádio clínico III , um estádio clínico II e outro I. Houve 13 casos ( 92,8% ) de amputação abdominoperineal do reto e 1 ( 7,1% ) de ressecção local. Não houve mortalidade operatória. A morbidade global foi de 64,2%; deiscência de ferida perineal foi o principal fator responsável pelo alto índice. A sobrevida média foi de 25,9 meses.
    Em casos de falha ao tratamento radioquimioterápico inicial para o carcinoma epidermóide do canal anal, a cirurgia de resgate é um importante meio de controle local da doença.

Unitermos: canal anal, cirurgia, carcinoma.

INTRODUÇÃO
Descrita pela primeira vez por Nigro10 em 1974, o tratamento combinado de rádio e quimioterapia para o carcinoma de células escamosas (CEC) do canal anal apresenta bons resultados e tornou-se o esquema terapêutico padrão desde então. Previamente a suas publicações, a cirurgia era usada como primeira forma de tratamento desta doença e apresentava taxas de cura insatisfatórias e alta morbidade5,6,13,16, tornando-a pouco viável.
    Estudos recentes mostram taxas de sobrevida em 5 anos para o tratamento radioquimioterápico que variam de 50-90%3,5,8,13,15,16, sem necessidade de ressecções cirúrgicas ou, na maioria das vezes, ostomias. Tumores que não respondem de forma plena ao esquema terapêutico combinado são submetidos a tratamentos de resgate, sendo cirúrgicos ou radioquimioterápicos.
    Dentre os vários esquemas de tratamento não cirúrgico para CEC de canal anal recidivado ou residual, o boost de radioterapia (até 9 Gy ), associado a drogas como a cisplatina, tem mostrado taxas de cura de até 50%6,13. Poucas publicações mostram os resultados do tratamento cirúrgico de resgate sendo que as taxas de sobrevida variam entre 24-60%.1,10-12,14,16
    O presente estudo mostra os resultados de 14 cirurgias de resgate para o CEC de canal anal, avaliando a classificação TNM dos tumores, a sobrevida dos doentes e a morbidade que envolveu a amostra.

MÉTODO
Foram estudados, de forma retrospectiva, doentes submetidos a cirurgia de resgate para CEC de canal anal durante o período de agosto de 1993 a outubro de 2002. Foram analisados quanto ao sexo, idade, tratamento inicial, período decorrido até a recidiva, tratamento cirúrgico instituído, morbidade per-operatória e sobrevida. Todos apresentaram falha ao tratamento ou recidiva da doença após esquema combinado de rádio (4.500 rads) e quimioterapia ( 5 FU + Mitomicina C ). A recidiva é definida como reaparecimento da doença após 6 meses do tratamento radioquimioterápico.11,14,16 O diagnóstico foi confirmado por estudo anátomo-patológico de biópsias da região irradiada. O estadiamento pré operatório foi realizado de acordo com o estabelecido pela AJCC (American joint committee on cancer-1985).
    Todos os pacientes foram acompanhados ambulatorialmente no período pós-operatório e avaliados quanto a morbidade cirúrgica, recidiva da doença e sobrevida.

RESULTADOS
Quatorze pacientes foram operados, sendo onze do sexo feminino e três do masculino. A média de idade foi de 52,6 anos (36-74).
    Doze pacientes apresentaram estádio clínico pré operatório III (85,7%), um estádio II (7,1%), e um I (7,1%)(Tabela-1). A indicação cirúrgica foi falha ao tratamento radioquimioterápico em nove pacientes (64,2%) e recidiva em 5 (35,7%).O tempo médio até a recidiva foi de 22,2 meses (8 _ 36 meses). Houve 13 casos de amputação abdominoperineal do reto (92,8%), sendo um deles por vídeo-laparoscopia e um caso (7,1%) de ressecção local. Doze procedimentos tinham intenção curativa e 2 paliativa. O índice global de morbidade foi de 64,2 %, sendo a infecção e deiscência de ferida perineal os mais freqüentes. A média de sobrevida foi de 25,9 meses. Cinco pacientes encontram-se vivos em acompanhamento ambulatorial.

Tabela 1 - Estádio clínico segundo indicação cirúrgica (N=14)

Falha inicial à radioquimioterapia

Recidiva tumoral

Estádio N Estádio N
I 1 I  
II 1 II  
III 7 III 5
* N = quantidade de pacientes


DISCUSSÃO

Desde o primeiro estudo de Nigro et al, a combinação de rádio e quimioterapia tornou-se modalidade terapêutica de escolha para o tratamento do CEC de canal anal, com taxas de sobrevida em 5 anos de até 90%3,5,13,15,16. No entanto, falha ao tratamento ocorre em até 30% dos casos2,4,13,16. O tratamento cirúrgico de resgate é o mais utilizado, sendo a amputação abdominoperineal do reto a mais realizada, inclusive neste estudo (92,8% dos casos ).
    Apesar da morbidade elevada do procedimento não houve nenhum caso de óbito per-operatório. Oito pacientes apresentaram deiscência de ferida perineal, todos haviam sido submetidos a fechamento primário do períneo no ato operatório. O alto índice pode ser devido à hipoxia e fibrose tecidual provocadas no tecido irradiado12. Van der Wal et al descrevem menores taxas de complicações perineais, quando utilizadas técnicas de reconstrução com retalhos musculares14. Assim como em outros estudos, houve maior prevalência de mulheres na amostra9,11,16.
    As taxas de sobrevida em 5 anos para cirurgia de resgate variam na literatura de 24-60% . Ellenhorn et al estabelecem como fatores prognósticos adversos a presença de linfadenopatia inguinal, tumores fixos e envolvimento de gordura perirretal 4. Em nosso estudo, a sobrevida média foi de 25,9 meses, valores semelhantes aos descritos por Castro et al 2. O estádio avançado predominante nesta amostra com onze pacientes apresentando invasão de estruturas adjacentes pelo tumor (T4) ou metástase linfonodal pode ser responsável pelo índice global de sobrevida menor que o encontrado em outros estudos7,11,14. A cirurgia de resgate no carcinoma de canal anal pode ser realizada com intuito paliativo14. Nesta amostra houve 2 casos de cirurgia com esta intenção e na opinião dos autores o procedimento proporcionou melhora das condições de vida destes pacientes com tumores avançados localmente.

CONCLUSÃO
Em pacientes com doença recidivada ou persistente após tratamento combinado com rádio e quimioterapia para o CEC de canal anal, a cirurgia de resgate deve ser considerada como opção para se obter o controle local da doença.

SUMMARY: Since the publication of Nigro et al in 1974 the combined radiation therapy and chemotherapy is the treatment of choice for the epidermoid carcinoma of the anal canal. Neverthless, in pacients with local recurrence or persistent disease the salvage treatment should be done.
    The objective of this study is to analyze the results of salvage surgery for epidermoid carcinoma of anal canal that presented with recurrence or failure to radiation therapy and chemotherapy.
    Fourteen pacients submitted to salvage surgery during the period of august 1993 to october 2002, were analyzed retrospectively. The study included eleven women and three men, mean age was 52,6 years ( 36-74 ). Twelve patients were clinical stage III , one stage II and one stage I. There were 13 cases ( 92,8% ) of abdominoperineal resection and one (7,1% ) local ressection. There was no operative mortality. The global morbidity was 64,2%, perineal dehiscence was the main responsible for the high index. The mean survival was 25,9 months.
    When failure to the inicial treatment with radiation therapy and chemotherapy occur, the salvage surgery is an important way of local control of the disease.

Key words: Anal canal, carcinoma, salvage surgery.

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Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Rua Cônego Xavier, 276 - Sacomã
04231-030 - São Paulo (SP)

Trabalho Realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo (SP)