ARTIGOS ORIGINAIS
Julio César Monteiro dos Santos Júnior - TSBCP
Ana Carolina Cavalca
SANTOS JÚNIOR JCM; CAVALCA AC. Estudo Comparativo Para Avaliar a Tolerabilidade e Segurança da Enoxaparina na
Profilaxia da Trombose Venosa Profunda em Pacientes Internados em Hospital Universitário e Submetidos a Operações Abdominais e
Abdômino-Pélvicas. Rev bras
Coloproct, 2004;24(3):253-261.
RESUMO: A tolerabilidade e a segurança da enoxaparina usada na profilaxia da trombose venosa profunda (TVP) foi avaliada num estudo aberto comparativo que incluiu 97 pacientes de ambos os sexos, com idade variando de 40 a 86 anos (média = 60,9 a), no Grupo Teste (GT), e 30 pacientes, de ambos os sexos com idade variando de 42 a 80 anos (média = 60 a), no Grupo Controle (GC), submetidos a operações abdominais e/ou pélvicas de médio e grande porte. A enoxaparina foi aplicada, profilaticamente, via subcutânea, em todos os pacientes do Grupo Teste (GT), na dose de 20 mg/dia, iniciada duas horas antes do ato operatório e mantida ao longo do pós-operatório, enquanto o paciente esteve acamado, no máximo por 7 dias. Os pacientes do Grupo Controle (GC), com a mesma técnica usada para os pacientes do GT, receberam injeções subcutâneas de soro fisiológico. A tolerabilidade foi avaliada pela observação de aparecimento ou não de hematomas no local de aplicação do medicamento, comparada com aqueles formados pela simples injeção de soro fisiológico. Quarenta pacientes(41,2%) do GT apresentaram hematomas no local da injeção, 83% deles menor que 1 cm. Cinco pacientes (16,6%) do GC apresentaram 7 hematomas no local da aplicação do soro fisiológico (p = 0,025). A segurança foi testada pela avaliação do sangramento ocorrido no intra-operatório e pelas alterações sangüíneas dos valores de hemoglobina e contagem de plaquetas. A perda sangüínea intra-operatória foi semelhante nos dois grupos (p=0,36). Observou-se sangramento excessivo em 5 pacientes (5,2%) do GT, dois dos quais devido a acidente cirúrgico, e em 3 pacientes (10%) do GC. Houve queda significativa da hemoglobina, de 13,0 g/100 ml para 11,6 g/100 ml (p<0,0001), valores esses dosados, respectivamente, no pré e 3o. dia do pós-operatório, entre os pacientes do GT, e de 12,8 g/100 ml para 10,9 g/100 ml, entre os pacientes do GC (p<0,0001).Houve variação significativa no número de plaquetas contadas ao longo do estudo dentre os pacientes do GT (p<0,0001), às custas de elevação ocorrida no 3o. dia do pós-operatório. Entre os pacientes do GC foi observada diminuição do número de plaquetas contadas no 3o. dia do pós-operatório, com variação não significativa dentro do grupo (p = 0,5) As alterações dos valores de hemoglobina e contagem de plaquetas observadas nos pacientes do GT não foram acompanhadas de manifestações clínicas que justificassem observação ou medida terapêutica de qualquer natureza. A enoxaparina foi bem tolerada pelos pacientes, o que ficou evidenciado pela ausência de reações locais ou sistêmicas relevantes e mostrou-se segura, na dose empregada, por não ter provocado eventos adversos que pudessem ter sido atribuídos a seu uso ou que exigissem a suspensão de sua administração profilática.
Unitermos: Trombose venosa profunda, profilaxia, operações abdominais, heparinóides, enoxaparina
INTRODUÇÃO
A embolia pulmonar é causa freqüente
de morte entre pacientes
hospitalizados1 e uma das mais graves conseqüências das operações
abdômino-pélvicas e ortopédicas 2,3. A ocorrência de trombose
venosa profunda (TVP), como complicação pós-operatória,
é variável e depende de fatores ligados ao paciente e
ao ato cirúrgico. Sua incidência vai de 10 a 80%,
como nos traumas ortopédicos, podendo evoluir com
embolia fatal em 2,5% das vezes2-7. Esses valores
podem, contudo, representar cifras subestimadas se considerarmos estudos feitos em autopsia sobre
a ocorrência da trombose como causa de morte
entre pacientes hospitalizados8,9, ou quando
selecionamos população que reúne vários fatores de risco para
a ocorrência de fenômeno
tromboembólico10.
Nesses estudos, a taxa de incidência da
embolia pulmonar fatal é superior às citadas, o que realça
a gravidade do problema e a importância das
medidas profiláticas que poderiam, por ano, salvar a vida
de milhares de pacientes cirúrgicos. A profilaxia da
TVP e, conseqüentemente, a prevenção da embolia
pulmonar fatal é feita com o uso sistemático de métodos
efetivos que visam coibir a estase venosa ou diminuir
a coagulação do sangue2.
Inúmeros estudos, envolvendo pacientes
de risco2,4,5,11, têm demonstrado que o uso
peroperatório de heparina subcutânea ou de heparina de baixo
peso molecular, a enoxaparina2, em dose profilática,
pode reduzir o risco de TVP e evitar a embolia
pulmonar. Bara e col.12 destacaram a vantagem para o uso
da enoxaparina que, devido a suas
características farmacológicas, permite dose diária única para
os mesmos efeitos profiláticos obtidos com o uso,
no mesmo período, de 3 doses de heparina. A análise
da relação risco/benefício efetuada em
voluntários saudáveis foi favorável ao uso de doses
únicas, subcutâneas, de enoxaparina.
O objetivo do presente estudo é avaliar
a tolerabilidade e segurança da enoxaparina, em
dose única de 20 mg/dia, por via subcutânea, usada
na profilaxia da TVP em pacientes internados para
serem submetidos a tratamento cirúrgico abdominal
ou abdômino-pélvico, de médio e grande porte.
PACIENTES E MÉTODOS
A população alvo foi constituída de 130
pacientes que, no período de janeiro de 1991 a março de
1993, foram internados nas enfermarias do Departamento
de Operação, Ortopedia e Traumatologia - FMRP-USP*
e no Hospital Maternidade Frei Galvão, de
Guaratinguetá, para serem submetidos a tratamento cirúrgico
eletivo abdominal ou abdômino-pélvico, de médio ou
grande porte, executados sob anestesia geral, com
duração superior a uma hora. Todos os pacientes
deram consentimento para sua inclusão no estudo, que
foi aprovado pela *Comissão de Normas Éticas do
Hospital. Esses pacientes foram casualmente distribuídos
para receber enoxaparina (grupo teste - GT) ou
soro fisiológico (grupo controle - GC), por
via subcutânea.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Todos os pacientes, com idade superior a 40 anos, internados para serem submetidos, sob
anestesia geral, a operação abdominal ou abdômino-pélvica
de grande ou médio porte foram incluídos no estudo.
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Foram excluídos pacientes com discrasia sanguínea, pacientes que estavam fazendo
tratamento com anticoagulante ou antiplaquetário, pelo menos
até duas semanas antes da internação e pacientes
com número de plaquetas inferior a 100.000 por
mm3 de sangue. Pacientes hipertensos moderados ou
graves, pacientes com insuficiência renal aguda ou
crônica, pacientes portadores de doenças hepáticas
ou pancreáticas crônicas ou pacientes sensíveis à
heparina, bem como aqueles, com desordem mental,
incapazes para consentir com sua inclusão no estudo,
foram também excluídos.
ADMINISTRAÇÃO DAS MEDICAÇÕES
- GRUPO TESTE (GT) E GRUPO CONTROLE (GC)
Os pacientes do GT receberam, por
injeção subcutânea, 20 mg de enoxaparina/dia, iniciada 2
horas antes da operação e mantida ao longo do período
pós-operatório, enquanto estiveram acamados. As
injeções subseqüentes foram feitas pela manhã, 24 horas
após a aplicação anterior. Para cada injeção, feita
no abdômen, a agulha (4X6) foi completamente introduzida perpendicular à prega de pele e
subcutâneo, presos entre o dedo indicador e polegar do aplicador,
e assim mantida até a injeção total da dose.
As aplicações foram feitas em lados
alternados da parede abdominal. Os mesmos procedimentos
foram usados para a aplicação de soro fisiológico
nos pacientes do GC.
AVALIAÇÃO CLÍNICA
PRÉ-OPERATÓRIA,
INTRA-OPERATÓRIA, PÓS-OPERATÓRIA E
DADOS LABORATORIAIS
A avaliação clínica e os cuidados
pré-operatórios foram semelhantes para os dois grupos
de pacientes. A avaliação clínica estabelecida foi a
de rotina pré-operatória para operações de médio e
grande porte, com variações determinadas pela
doença cirúrgica ou moléstias clínicas associadas e
constou de história clínica completa, exame físico geral
e especial, incluindo dados antropométricos. Os
exames laboratoriais pré-operatórios incluíram
dosagens bioquímicas do sangue (glicose, uréia, creatinina,
sódio e potássio), hemograma completo com contagem
de plaquetas, tempo de protrombina (PT) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA).
AVALIAÇÃO INTRA-OPERATÓRIA (IO)
Para a avaliação IO foram considerados: o
tipo de intervenção cirúrgica e sua duração, em
minutos, contados desde o final da indução anestésica até
o término da operação; a perda sanguínea
intra-operatória, medida pela quantidade de sangue
aspirado ou que se embebeu em compressas, que foram
pesadas, e o volume infundido de sangue ou derivados.
AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA
(PO)
Os cuidados PO, iniciados na hora imediata ao término do ato cirúrgico e mantidos nos
dias subseqüentes, constaram de:
a) avaliação clínica,
b) observação de formação de hematomas
ou presença de sangramentos na ferida abdominal ou
de hemorragia na área cirúrgica e
c) formação de hematoma na região
de aplicação da enoxaparina.
TOLERÂNCIA A ENOXAPARINA
No terceiro dia do PO, os locais onde foi aplicado o anticoagulante ou o soro fisiológico
foram examinados para a identificação da presença ou
não de hematoma, e receberam a seguinte classificação:
0 - hematoma ausente,
1 - hematoma menor que 1 cm,
2 - hematoma maior que 1 cm e menor que 5 cm
3 - hematoma maior que 5 cm.
Nesse dia foi colhido sangue para hemograma (GV, Hb, Ht e contagem de plaquetas). Após o 3o.
dia, até o dia da alta hospitalar, de 2 em 2 dias, foi
feita contagem global de plaquetas. No 7o. dia do PO,
ou no dia da alta hospitalar, quando aconteceu antes
do 7o. PO, os dados obtidos no estudo foram
avaliados para aferição da tolerância do paciente à
medicação. Esses dados foram:
1. Sangramento: O sangramento foi classificado em maior e menor
a. Sangramento maior - foi definido como
hemorragia com expressão clínica ou queda do valor
da hemoglobina de pelo menos 2 gramas por 100 ml, ou que exigiu a transfusão de 2 ou mais
unidades de sangue.
b. Sangramento menor - foi definido como
aquele considerado excessivo para o tipo de
operação efetuada, com expressão clínica, mas que
não causou queda de hemoglobina igual ou superior
a 2 gramas por 100 ml de sangue e não
exigiu reposição volêmica com sangue ou derivados.
2. Tolerância à droga na área da operação
A tolerância ao medicamento no local da aplicação foi avaliada utilizando-se da
seguinte graduação:
Grau 0 - hematoma ausente,
Grau I - hematoma presente, sem conseqüência para
a evolução PO,
Grau II - complicação hemorrágica no local
cirúrgico que retardou a alta hospitalar do paciente e
Grau III - complicação hemorrágica que exigiu
re-intervenção cirúrgica.
3. Outras complicações
As complicações PO relacionadas ao
ato cirúrgico tais como infecção da ferida
operatória, infecção urinária, infecção pulmonar e deiscência
de anastomose foram anotadas para fins de análise.
PACIENTES DEFINITIVAMENTE INCLUÍDOS NO ESTUDO
Cento e vinte e sete pacientes foram definitivamente incluídos no estudo. Noventa e sete,
no grupo teste (GT): 47 homens (48,5%) e 50
mulheres (51,5%) e 30 pacientes no grupo controle GC: 18
homens (60%) e 12 mulheres (40%). O grupos foram homogêneos com respeito aos dados
demográficos (Tabela-1). Três pacientes do GT foram excluídos
porque se recusaram a continuar participando do estudo.
Tabela 1 - Dados demográficos dos pacientes incluídos.
Dados demográficos |
Grupo teste (GT) (n = 97) |
Grupo controle (GC) (n = 30) |
homem : mulher | 47 : 50 | 18 : 12 |
idade [variação]; d.p. | 60,9 [40 - 86]; 11,8 | 60 [42 - 80]; 9,4 |
peso em kg [variação]; d.p. | 60,9 [35,6 - 100]; 13,3 | 63 [36 - 91]; 13,3 |
d.p.= desvio padrão |
DOENÇAS DE BASE
As doenças mais comuns, determinantes do tratamento cirúrgico, foram câncer colo-retal
e megacólon de etiologia chagásica (Tabela-2).
Tabela 2 - Doenças básicas, de tratamento
cirúrgico, comprometendo os pacientes dos grupos teste
e controle.
Doenças | Grupo Teste (%) | Grupo Controle (%) |
câncer de cólon | 34 (39,0) | 16 (53,3) |
megacólon | 21 (17,5) | 6 (23,3) |
lítiase biliar | 15 (15,4) | - |
doença de Crohn | 4 (4,0) | - |
doença diverticular do cólon | 3 (3,0) | 2 (6,6) |
úlcera péptica | 6 (6,0) | - |
câncer gástrico | 4 (4,0) | 2 (6,6) |
megaesôfago | 2 (2,0) | - |
outras | 8 (8,3) | 3 (10,0) |
Total | 97 (100) | 30 (100) |
Vários problemas de saúde considerados
como fatores de risco para complicações
pós-operatórias envolveram mais de 70% dos pacientes dos dois
grupos (87,6% no grupo GT e 70,0% no grupo GC)
(Tabela-3).
Tabela 3 - Doenças associadas que poderiam
ter favorecido as complicações pós-operatórias.
Doenças Associadas | Grupo Teste | Grupo Controle |
câncer metastático | 36 (37%) | 8 (27%) |
obesidade | 24 (25%) | 4 (13%) |
ICC | 22 (23%) | 5 (17%) |
infecção | 13 (13%) | 3 (10%) |
HA | 7 (7%) | 3 (10) |
DPOC | 5 (5%) | 2 (7%) |
diabetes | - | 2 (7%) |
Total | 102* | 28** |
icc= insuficiência cardíaca crônica; * 102/85 = 1.2 doenças associadas (GT); **28/21=1,3 doenças associadas (GC); dpoc=doença pulmonar obstrutiva crônica; ha= hipertensão arterial. |
PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS
As técnicas cirúrgicas empregadas foram
as mesmas para os pacientes dos dois grupos, com
doença de idêntica etiologia e localização. As
variações técnicas foram evitadas com o propósito de
excluir, tanto quanto possível, o maior número de variáveis.
A cavidade peritoneal e o alvo do tratamento cirúrgico foram abordados por meio de
incisão laparotômica mediana, de extensão que variou
de acordo com a anatomia topográfica do órgão a
ser operado. Como quase todos os pacientes
possuíam doença do intestino grosso, a incisão mais comum
foi infra-umbilical, com extensão supra-umbilical de
até 6 cm.
A ferida cirúrgica foi, em todos os
casos, protegida com compressas e campos de 60 cm e
suas bordas separadas com afastador auto-estático.
A continuidade gastrintestinal, após o
procedimento técnico necessário para a remoção
cirúrgica da doença, foi estabelecida com anastomose
manual feita com fio não absorvível de polipropileno
4-0 (ProleneÒ), com agulha cilíndrica de 2 cm, em
sutura com pontos totais, separados, invertidos e em
plano único. A parede abdominal foi fechada por meio
de sutura em massa, contínua, usando fio não
absorvível de polipropileno 2-0, com agulha cortante de 3
cm (Prolene).
A pele foi aproximada com pontos de Donatti feitos com mononylon 3-0. Excepcionalmente,
a cavidade abdominal foi drenada e quando isso
ocorreu o dreno usado foi dreno tubular, calibroso, de látex.
A operação abdominal ou
abdômino-pélvica (Tabela-4) mais comumente utilizada nos dois
grupos foi a ressecção segmentar do intestino grosso que
foi executa em 63,9% dos pacientes do GT e em 80 %
dos pacientes do GC. Outros tipos de operações e a duração do ato cirúrgico
estão discriminados na Tabela-5.
A operação foi relacionada ao câncer em
39,2% dos pacientes do GT e em 43,3% dos pacientes do
GC (Tabela-6).
Tabela 4 - Localização anatômica da operação
nos pacientes dos grupos GT e GC .
Local | GT
n (%) |
GC
n (%) |
Total
n (%) |
Abdominal | 68 (70) | 14 (47) | 82 (64,5) |
Abdomino-pélvica | 27 (28) | 16 (53) | 43 (34) |
Pélvica | 2 | - | 2 (1,5) |
Total | 97 (100) | 30 (100) | 127 (100) |
Tabela 5 - Operações executadas nos pacientes dos Grupo GT e GC e duração do ato operatório.
Operação | GT(%) | GC(%) |
Ressecção do IG | 62 (64) | 24 (80) |
Colecistectomia | 15 (15) | 2 (7) |
Gastrectomia | 10 (10) | 2 (7) |
Enterectomia | 4 (4,0) | - |
Outras | 6 (6,0) | 2 (7) |
Duração (minutos) valor médio[variação] e dp | 225;[160-360] e 86,0 | 273;[120-240] e 81,3 |
Tabela 6 - Número de operações relacionadas
ao câncer.
Câncer | GT
N=97 |
GC
n=30(%) |
Total
n=127(%) |
Relacionada | 38(39) | 13(43) | 51(40) |
Não relacionada | 58(61) | 17(57) | 76(60) |
METODOLOGIA E ANÁLISE ESTATÍSTICA
Significância estatística foi considerada
para níveis de p<0,05. Foram calculados a média e o
desvio padrão das variáveis numéricas e, para as
variáveis nominais (qualitativas), a freqüência e
porcentagem relativa ao total de pacientes.
A homogeneidade entre os grupos, com
relação a moléstias cirúrgicas, doenças associadas, fatores
de risco para complicações pós-operatórias e
dados laboratoriais, foi aferido com o teste do Qui-quadrado.
RESULTADOS
Quarenta pacientes (41,2%) do GT apresentaram 76 hematomas no local de injeção
da enoxaparina, 83% deles menores que 1 cm de diâmetro.
Cinco pacientes do GC apresentaram 7 hematomas no local de aplicação do soro
fisiológico, todos menores que 1 cm de diâmetro (Tabelas-7 e
8). Houve diferença significativa quanto ao número
de pacientes com hematomas quando foram comparados os dois grupos (p = 0,025)
Tabela 7 - Número de hematomas observados no
local da injeção da medicação e do soro fisiológico
nos pacientes dos grupos T e C.
No. Hematomas | GT
n=97 (%) |
GC n=30 (%) |
Nenhum | 57 (59,0) | 24 (80) |
01 | 16 (16,0) | 3 (10) |
02 | 15 (15,0) | 2 (7) |
03 | 7 (7,0) | - |
04 | 1 (1,0) | - |
05 | 1 (1,0) | - |
*p=0,025 |
Tabela 8 - Tamanho e número dos
hematomas observados nos pacientes dos grupos teste e
controle, nos locais das injeções.
Tamanho do hematoma | GT
n = 76(.%) |
GC
n = 30 (.%) |
< 1 cm | 63.(83,0) | 7 (100) |
1 a 5 cm | 11 (14,5) | - |
> 5 cm | 03 (04,0) | - |
OCORRÊNCIA DE SANGRAMENTO
No grupo GT foram identificados 5 pacientes (5,2%) com sangramento excessivo, dois dos
quais devidos a acidente cirúrgico. Treze pacientes
(13,4%) tiveram sangramento de menor intensidade (sangramento menor). No grupo GC 3 pacientes
(10%) sangraram excessivamente, sendo um deles devido
a acidente cirúrgico e 6 (20%) apresentaram
sangramento menor. A perda sanguínea intra-operatória
foi semelhante nos dois grupos, incluindo ou não
os sangramentos maiores, decorrentes de acidentes cirúrgicos (p = 0,36). O sangramento
intra-operatório avaliado para os pacientes dos dois grupos está
na Tabela-9, onde estão também compilados dados
de hemorragia por causa de acidente cirúrgico.
Tabela 9 - Perda sangüínea intra-operatória nos pacientes dos grupos GT e GC, incluindo no acidente cirúrgico.
Sangramento IO | Grupo Teste | Grupo Controle |
Incluindo acidente | (n=97) | (n=30) |
Média*,[variação] e d.p | 622,0 ml[200-2050]; 447,2 ml | 543,0 ml[130-1100];250,0 ml |
Sem Acidente | (n=92) | (n=27) |
Média*,[variação] e d.p | 484,8 ml;[300-1020];253,0 ml | 503,0 ml;[130-880];206,0 ml |
* diferença não significativa |
DOSAGEM DE HEMOGLOBINA E CONTAGEM DE PLAQUETAS
Houve variação significativa do número
de plaquetas entre os pacientes do grupo GT, com
redução no 3o. dia do pós-operatório e aumento no 5o.
dia, quando comparado com os valores obtidos no
pré-operatório(p< 0,0001). O mesmo ocorreu com o
valor médio de hemoglobina, dosada no pré-operatório
e no 3o. dia do pós-operatório(p < 0,0001).
Variação semelhante, porém não significativa, foi
observada em relação aos pacientes do grupo GC, em relação
a contagem de plaquetas (p< 0,5). No entanto,
não houve diferença significativa entre os dois
grupos, quando os números de plaquetas e dosagem
de hemoglobina foram comparados entre eles (Tabela-10).
Tabela 10 - Valores médios do número de plaquetas e dosagem média de hemoglobina dos pacientes dos
grupos teste e controle, no pós-operatório imediato, 3o. e 5o. dias.
Elementos | GT | GC | ||||
DO* | D3* | D5* | DO** | D3** | D5** | |
plaquetas | 277,8 | 354,0 | 304,6 | 314,0 | 278,0 | 308,0 |
d.p. | 111,7 | 138,5 | 155,1 | 102,7 | 116,3 | 112,6 |
hemoglobina | 013,0# | 011,6# | 12,8## | 010,9## | ||
d.p. | 001,9 | 002,0 | 001,7 | 001,9 | ||
* F=3,35; p<0,0001; **F = 0,91; p<0,5; # F= 24,9; p< 0,0001 e F= 16,7; p<0,0001 |
OUTRAS COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
As complicações pós-cirúrgicas mais
comuns foram a infecção da ferida operatória e a
deiscência de anastomose. A incidência de infecção da
ferida operatória, no grupo Teste, foi de 18,5% e no
grupo Controle, de 13,3%. A diferença não foi
significativa (p=0,7). Outras complicações relevantes estão
na Tabela-11.
Tabela 11 - Complicações pós-operatórias
envolvendo pacientes do grupos teste e controle.
Complicações | GT
n=97 (%) |
GC
n=30 (%) |
Infecção da ferida | 18 (18,5) | 4 (13,0) |
Infecção pulmonar | 05 (05,0) | 2 (07,0) |
Deiscência de anastomose | 06 (06,0) | 2 (07,0) |
DISCUSSÃO
Os meios de profilaxia da TVP e, conseqüentemente, da embolia pulmonar fatal envolvem uma
série de procedimentos que tentam evitar a estase venosa
ou diminuir a coagulabilidade do sangue
1,2.
Os métodos mais difundidos são os que
diminuem a coagulação do sangue e devem ser
usados sempre que o risco de trombose justifica as
ações adversas da própria profilaxia, em termos dos
efeitos colaterais da medicação, modo de aplicação e o
seu custo 3,12,13.
O anticoagulante universalmente usado na prevenção do fenômeno tromboembólico, que
segue as intervenções cirúrgicas, é a heparina
3,12. Essa substância contribui para a diminuição significativa
da TVP e da embolia pulmonar, mas pode acrescentar
o inconveniente risco das hemorragias com a
necessidade de transfusão sanguínea
11.
O risco de hemorragia, durante a profilaxia com a heparina, tem incidência variável em
diferentes populações de pacientes e, fundamentalmente,
ocorrem às custas do estado geral de saúde e/ou da presença
de doenças associadas, principalmente as que
se relacionam com desordens hemorrágicas.
Esse conhecimento impõe a seleção do método
profilático a ser empregado. Assim, a profilaxia ideal deveria
ser livre de efeitos adversos, portanto segura,
exigindo critérios mínimos de seleção de pacientes; ser
efetiva, ou seja, conferir a proteção desejada e, finalmente,
ser de custo acessível e de fácil aplicação.
A enoxaparina (fração de baixo peso
molecular da heparina), com efeitos semelhantes às baixas
doses de heparina, mas com escassos efeitos sobre tromboplastina parcial ativada, com maior efeito
anti-Xa e menor atividade antitrombina do que a
heparina, tem despertado interesse clínico.
As vantagens da enoxaparina sobre a heparina se realçam, não só por causa do seu baixo
efeito anticoagulante, como também pela sua vida
biológica longa, o que permite, para os mesmos efeitos
protetores, maior intervalo de aplicação
14.
Vários estudos têm demonstrado a eficácia
e segurança da aplicação diária de baixas doses
de enoxaparina na prevenção do tromboembolismo
em pacientes cirúrgicos 14-17.
Nosso estudo foi programado para avaliar a tolerância à enoxaparina, de pacientes internados
em hospital universitário. Os hospitais universitários e
as instituições públicas, que se prestam ao ensino e
à pesquisa, impõem aos doentes internações
prolongadas o que aumenta os riscos de complicações,
mormente nos pacientes cirúrgicos. Além disso, a
população, usuária desses órgãos de saúde pública, é oriunda
de camada social menos favorecida, sendo composta
por pessoas em condições precárias de saúde, o que
fica evidenciado, não só pela gravidade das doenças de
base, como também, pelo grande número de pacientes
com moléstias associadas.
Esses aspectos parecem, no entanto, não
ter contribuído para o aparecimento de efeitos
adversos da enoxaparina. Os hematomas, no local da
injeção da substância heparinóide, foram observados
em menos da metade dos pacientes do grupo teste e
a maioria deles foi menor que 1 cm. A incidência
desse hematomas não difere do observado por outros
autores 16 e, no nosso estudo, foi semelhante ao que
se encontrou nos pacientes do grupo controle. Hematomas maiores foram observados em 19,5%
dos pacientes do grupo teste, mas sem maiores conseqüências. O sangramento intra-operatório
parece não ter sido influenciado pela enoxaparina já
que, entre os pacientes do grupo teste, a perda
estimada de sangue, durante a operação, foi semelhante à
do grupo controle, mesmo quando foi incluída
a hemorragia ocorrida devido ao acidente
cirúrgico. Entretanto, entre os pacientes do grupo teste
houve sensível variação no número das plaquetas
contadas ao longo do período de internação, durante o qual
a enoxaparina foi administrada. Variação, porém
não significativa, foi também observada nos pacientes
do grupo controle. Porém, quando comparamos
os diferentes valores entre os grupos, a diferença
perde o significado e a variação pode, então, ser
interpretada como casual e não é semelhante ao que ocorre
devido ao uso da heparina 18.
Houve decréscimo significante do valor
da hemoglobina interpretado como decorrente do sangramento normal para o porte de
operação executado, sem diferença significativa entre os
grupos, portanto independente do uso da enoxaparina. As
outras complicações foram as infecções e a deiscência
de anastomose, cujos índices ficaram próximos
àqueles descritos em outros estudos, para cada tipo de
operação efetuada, duração do ato cirúrgico, duração
da internação pré-operatória e estado geral de saúde
dos pacientes 19.
Em resumo, o uso da enoxaparina com propriedades na profilaxia do
fenômeno tromboembólico, demonstrou-se, nesse
estudo, desprovido de efeitos colaterais indesejáveis.
A medicação foi bem tolerada e pode ser, na dose de
20 mg/dia, empregada com segurança nos
nossos pacientes.
CONCLUSÃO
A enoxaparina, fração heparinóide de
baixo peso molecular, na dose de 20 mg/dia, foi estudada
em pacientes internados em hospital universitário.
A população envolvida no estudo apresentava
precário estado geral de saúde e foi internada para
tratamento cirúrgico de médio e grande porte. A dose de 20
mg, empregada por via subcutânea, inicialmente, duas
horas antes da operação e mantida ao longo do
pós-operatório, enquanto o paciente esteve acamado
ou, no máximo por 7 dias, mostrou-se segura, por não
ter provocado efeitos adversos que pudessem ter
sido atribuídos a seu uso ou exigisse a suspensão de
sua administração profilática. A droga foi bem
tolerada pelos pacientes, o que ficou evidenciado pela
ausência de efeitos colaterais, locais ou sistêmicos, relevantes.
SUMMARY: Background: Venous thromboembolism, rare in the community, is a common cause of death in hospitalized patients. Age, sex, varicose veins or other venous disease; hormonal therapy, smoking cigarette, obesity, malignant disease, or orthopedic, abdominal, and pelvic surgery carry a higher risk of venous thromboembolism and death. The fundamental basis for control of venous thrombosis and pulmonary embolism is the prevention, including pain control, precocious mobilization, and routine usage of pharmacologic prophylaxis with lower-molecular-weight heparin. Purpose: The aim of this report was to assess and discuss the tolerability and safety of subcutaneous once a day injection of 20 mg of enoxaparin (a lower-molecular-weight heparin) starting 2 hours before surgery prolonged through the postoperative days in patients to undergo major or middle abdominal and/or pelvic surgery with more than one hour duration.Design: A comparative open trial was drawn including 127 patients in two groups: Test group (TG) - 97 patients (median age, 60,9 - ranged 40 to 86) and Control group (CG) - 30 patients (median age, 60 - ranged 42 to 80) all of them submitted to abdominal or pelvic surgery. Treatment with enoxaparin 20 mg (TG) or placebo (CG) once a day starting 2 hours before surgery continued for a total of 7 days or while patients were "sick abed". Results: Tolerability - Forty TG patients (41%) had site injection hematoma most of them (83%) less than 1 cm. Five CG patients (16,6%) had 7 site injection hematomata (p = 0,025). Safety - Surgical blood loss was such as in TG and CG (p=0,36). There was a significative reduction of the measured quantity of blood hemoglobin from preoperative day to third postoperative day within TG and CG (p<0,0001), but there was not significative difference among groups. Conclusion: The dose of 20 mg of enoxaparin SC in major abdominal surgery was tolerable and safe without increasing the risk of clinically relevant bleeding or others adverse events.
Key words: venous thromboembolism, prophylaxis, enoxaparin, tolerability, safety, bleeding, major abdominal surgery.
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Endereço para correspondência:
Instituto de Medicina
Júlio César M Santos Jr.
Av. Ministro Urbano Marcondes, 516
12515-230 - Guaratinguetá (SP)
(12) 3125-5059 : 3125-5470
E-mail instmed@provale.com.br
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto _ SP