ARTIGOS ORIGINAIS


ANÁLISE DOS PARÂMETROS DE SOBREVIVÊNCIA EM PACIENTES SUBMETIDOS À EXTIRPAÇÃO DAS METÁSTASES HEPÁTICAS DO CARCINOMA COLO-RETAL

RONALDO BARBOSA OLIVEIRA
MARIA APARECIDA DA SILVA PINHAL
LOURDES CONCEIÇÃO MARTINS
JOSÉ CARLOS ZAMPIERI
NAGAMASSA YAMAGUSHI - TSBCP
ALBINO AUGUSTO SORBELLO
MARITA VON RAUTENFELD
JAQUES WAISBERG - TSBCP


Oliveira RB, Pinhal MAS, Martins LC, Zampieri JC, Yamagushi N, Sorbello AA, Von Rautenfeld M, Waisberg J . Análise dos Parâmetros de Sobrevivência em Pacientes Submetidos à Extirpação das Metástases Hepáticas do Carcinoma Colo-Retal. Rev bras Coloproct, 2004;24(4): 300-307.

Resumo: O objetivo desse estudo foi analisar os fatores que influenciam a sobrevivência de doentes selecionados submetidos à extirpação com intenção curativa de metástases hepáticas do carcinoma colo-retal. Foram operados 41 doentes. Foi considerado critério de exclusão presença de quatro ou mais lesões hepáticas. Vinte e três (56,1%) enfermos eram homens e 18 (43,9%) mulheres. A média de idade foi 63,8±11,5 anos. A neoplasia colo-retal estava localizada no colo esquerdo em 16 (39,0%) doentes, no reto em 15 (36,6 %) e no colo direito em dez (24,4%). Foram utilizados os seguintes modelos estatísticos: média aritmética e desvio padrão, mediana, análise de variância por regressão logística para verificação de fatores de risco e curva de Kaplan-Meier para a análise de sobrevivência de grupos. A média de sobrevivência foi de 38,9±4,5 meses (0,4 a 60,6 meses). Não houve mortalidade operatória. Quinze (36,6%) doentes faleceram: nove (21,9%) enfermos por carcinomatose peritoneal, quatro (9,6%) por doenças benignas e dois (4,9%) por causa ignorada. Vinte e seis (63,4%) enfermos sobreviveram à extirpação da metástase hepática, com média de sobrevivência de 19,3 meses (2 a 60,8 meses). O intervalo médio livre de doença foi de 15,3 meses. A mortalidade dos doentes com carcinoma no reto foi significativamente maior (p=0,04) do que a dos enfermos com lesões localizadas no colo direito ou esquerdo. Os autores concluíram que nesse grupo de doentes selecionados, a localização retal da neoplasia primária influenciou significativa e desfavoravelmente a sobrevivência dos enfermos submetidos à extirpação das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal.

Unitermos: Neoplasias colorretais, Neoplasias hepáticas/cirurgia, Neoplasias hepáticas/secundário, Sobrevivência, Carcinoma.

INTRODUÇÃO
A extirpação hepática é atualmente o único tratamento para doentes com metástases hepáticas do carcinoma colo-retal que oferece oportunidade razoável de sobrevivência de longo prazo29. Um terço dos doentes com metástase hepática do carcinoma colo-retal é candidato à extirpação cirúrgica. O aumento da segurança nas extirpações hepáticas com aceitável morbi-mortalidade encorajou abordagem mais agressiva das lesões metastáticas no fígado10. Quando os doentes são cuidadosamente selecionados, a sobrevivência global dos enfermos submetidos à retirada das lesões hepáticas varia de 24 a 40 meses, e o índice de sobrevivência de 5 anos atinge 16 a 45%10,23,27. Entretanto, a literatura nacional apresenta poucos estudos a respeito do diagnóstico e tratamento dos doentes com metástases hepáticas do carcinoma colo-retal7,13,16,34.
    Grande esforço foi realizado para elucidar os fatores prognósticos mais significativos para a sobrevivência de longo prazo após a retirada das metástases hepáticas e estabelecer critérios para auxiliar na seleção dos candidatos para extirpação cirúrgica23. É particularmente importante definir contra-indicações para o tratamento cirúrgico e, assim, o risco operatório pode ser evitado nos doentes que não se beneficiariam com a retirada das lesões hepáticas9,12,18,24.
    Devido ao crescente número de doentes portadores de metástases hepáticas do carcinoma colo-retal, torna-se necessário consolidar os dados de interesse no diagnóstico e na conduta cirúrgica empregada.
    O objetivo deste estudo foi analisar os fatores clínicos e morfológicos que poderiam influenciar a sobrevivência de doentes selecionados, submetidos à extirpação potencialmente curativa das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal.

MÉTODO
Foram analisados 41 doentes portadores de metástases hepáticas do carcinoma colo-retal operados com intenção curativa no Serviço de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" (HSPE-FMO) de São Paulo, no período de Julho 1980 a Junho de 2003.
    O termo curativo foi utilizado para designar ausência de doença neoplásica residual macroscópica ao final da operação constatada pelo estadiamento pré-operatório e avaliação intra-operatória pelo cirurgião, e a presença de margens cirúrgicas livres no laudo do exame anatomopatológico da peça operatória extirpada.
    Foram considerados critérios de inclusão: lesão hepática metastática extirpada com intenção curativa, obtenção de margem cirúrgica de, no mínimo, 1 cm e ausência de doença extra-hepática inextirpável. Foram considerados critérios de exclusão a presença de quatro ou mais lesões metastáticas no fígado, extirpação incompleta das lesões hepáticas ou extra-hepáticas e disseminação peritoneal.
    A sobrevivência foi calculada a partir do dia da operação de retirada da lesão hepática metastática até o último dia de retorno ambulatorial ou óbito do enfermo.
    Quando houve recidiva, o intervalo livre de doença foi calculado a partir do dia da operação de retirada da lesão hepática até o momento da comprovação da recidiva do carcinoma colo-retal por exame clínico, laboratorial, de imagem, endoscópico e/ou por resultado do laudo anatomopatológico de biópsia.
    Foram consideradas metástases hepáticas sincrônicas aquelas diagnosticadas durante o estadiamento do carcinoma colo-retal primário, no inventário da cavidade abdominal por ocasião da extirpação da lesão do intestino grosso ou até seis meses após a operação de extirpação da neoplasia colo-retal primária.
    A classificação das neoplasias colo-retais primárias foi realizada pelo estadiamento de Dukes modificado e pela classificação TNM da União Internacional de Combate ao Câncer.
    O seguimento pós-operatório constou de avaliações periódicas dos doentes com determinação do nível sérico do CEA a cada três meses nos três primeiros anos e a cada seis meses no quarto e quinto ano de seguimento; ultra-sonografia e tomografia abdominais e radiografia torácica a cada seis meses nos cinco anos de seguimento e colonoscopia a cada seis meses nos três primeiros anos de seguimento nos doentes operados com técnicas de preservação esfincteriana.
    Dos doentes do estudo, 23 (56,1%) eram do sexo masculino e 18 (43,9%) do feminino, resultando numa proporção homem/mulher de 1,27:1 a favor do sexo masculino. A média de idade foi de 63,8±11,5 anos (28 a 82 anos).
    As operações realizadas para a retirada das metástases hepáticas foram uni ou bi-segmentectomia direita regrada em 18 enfermos (44,0 %), hepatectomia direita em 13 (31,7 %), segmentectomia esquerda em seis (15,0%), hepatectomia direita ampliada (tri-segmentectomia direita) em dois (4,9 %) e tri-segmentectomia esquerda em dois (4,9 %).
    A variável- estudo adotada foi o índice de mortalidade após a extirpação operatória das metástases hepáticas e as seguintes variáveis- resposta foram cotejadas com o índice de mortalidade: sexo; localização do carcinoma colo-retal primário; nível sérico do CEA pré-operatório dos doentes com carcinoma colo-retal primário; profundidade da invasão na parede intestinal pelo carcinoma colo-retal primário; comprometimento linfonodal do carcinoma colo-retal primário; presença de invasão angiolinfática do carcinoma colo-retal primário extirpado; estadiamento inicial (estádios I e II) ou avançado (estádios III e IV) da classificação TNM; realização de tratamento quimioterápico adjuvante do carcinoma colo-retal primário; nível sérico do CEA no pré-operatório da extirpação da metástase hepática; lesão sincrônica ou metacrônica; distribuição no fígado das metástases; presença de doença extra-hepática extirpável; transfusão sangüínea durante a extirpação das metástases hepáticas; tamanho das lesões hepáticas no maior eixo e realização de quimioterapia adjuvante após extirpação das metástases7,12,19,24,26,29,31,35.
    Na avaliação dos resultados as variáveis quantitativas foram representadas por freqüência absoluta (N) e relativa (porcentagem). Foram utilizados os seguintes modelos estatísticos: média aritmética e desvio padrão, mediana, análise de variância por regressão logística para verificação de fatores de risco e curva de Kaplan-Meier para a análise de sobrevivência de grupos. Em todos os testes, fixou-se em 0,05 o nível de significância, de acordo com os padrões correntes em estudos biológicos.

RESULTADOS
Localização do carcinoma colo-retal primário
: a neoplasia colo-retal primária estava localizada no colo esquerdo em 16 (39,0 %) doentes, no reto em 15 (36,6%) e no colo direito em dez (24,4%). A mortalidade dos doentes com carcinoma colorretal primário localizado no reto foi significativamente maior (p=0,046) do que a mortalidade dos enfermos com carcinoma colorretal primário localizado no colo direito ou esquerdo (Tabela-1).

Nível sérico do CEA no pré-operatório da retirada do carcinoma colo-retal primário: a média do nível do CEA no pré-operatório foi de 31,7ng/mL±46,96 (0,2 a 117,0 ng/mL). Três doentes apresentaram nível sérico de CEA maior que 10 ng/mL e em outros sete, o CEA foi igual ou menor que 10 ng/mL.A mortalidade dos doentes com nível de CEA maior que 10 ng/mL não foi significativamente diferente (p=0,53) daqueles enfermos com nível sérico de CEA menor ou igual a 10 ng/mL (Tabela-1).

Profundidade da invasão na parede intestinal pelo carcinoma colo-retal primário: a lesão não comprometia a camada serosa em 13 (31,7%) enfermos e ,em 28 (68,3%) doentes, a neoplasia atingia ou ultrapassava a camada serosa. O índice de mortalidade dos doentes com carcinoma atingindo e/ou ultrapassando a camada serosa não foi significativamente diferente (p=0,528) daqueles enfermos com lesão que não comprometia a camada serosa.(Tabela-1).

Presença de invasão angiolinfática no carcinoma colo-retal primário extirpado: oito (19,5%) doentes apresentavam invasão angiolinfática, enquanto que 33 (80,4%) não a exibiam. O índice de mortalidade dos doentes com presença de invasão angiolinfática no carcinoma colo-retal primário extirpado não exibiu diferença significativamente diferente (p=0.952) das lesões sem invasão angiolinfática (Tabela-1).

Classificação do carcinoma colo-retal primário de acordo com o estadiamento de Dukes: foram classificados como Dukes A 1 (2,4%) doente, Dukes B 10 (24,4%), Dukes C 21 (51,2%) e Dukes D 9 (21,9%). Em 3 casos (7,3%) não foi possível obter o estadiamento de Dukes. Não houve diferença estatística entre os diferentes estadiamentos e o índice de mortalidade após a retirada das metástases hepáticas (p=0,123) (Tabela-1).

Estadiamento inicial ou avançado do carcinoma colo-retal primário: um (2,4%) doente foi classificado no estadiamento I, cinco (12,2%) no II, 15 (36,6%) no III e nove (22,0%) no IV. Não foi possível obter o estadiamento de 11 (26,8%) doentes por terem sido operados em outro serviço. Os doentes com estadiamento avançado (estádios III e IV) não tiveram o índice de mortalidade significativamente diferente (p=0,832) em relação àqueles com estadiamento inicial (estádios I e II) (Tabela-1).

Quimioterapia adjuvante no tratamento do carcinoma colo-retal primário: foram submetidos à quimioterapia adjuvante 17 (41,4%) doentes, enquanto que 24 (58,5%) não receberam esse tratamento. O índice de mortalidade dos enfermos submetidos à quimioterapia adjuvante não foi significativamente diferente (p=0,424) daqueles não submetidos (Tabela-1).

Tabela 1 - Características das variáveis relativas ao carcinoma colo-retal primário comparadas ao índice de mortalidade dos doentes submetidos à retirada das metástases hepáticas.
Câncer colo-retal
Variáveis
Categorias N° de doentes Média Intervalo de
confiança
Valor
p
Localização Colo direito
Colo esquerdo
Reto
10
16
15
    0,046*
CEA pré-operatório (ng/ml) >10
<=10
3
7
31,70±46,96 ng/ml   0,530
Profundidade invasão Subserosa
Serosa
13
29
    0,528
Dukes A
B
C
"D"
1
10
21
9
    0,123
TNM Estadio inicial
Estadio avançado
6
24
    0,832
        0,156-2,187  
Quimioterapia adjuvante Sim 17/ 24     0,424
* = Significativo


Nível sérico do CEA no pré-operatório da retirada das metástases hepáticas:
a média do nível sérico do CEA no pré-operatório da retirada da metástase hepática foi de 31,7±46,96 ng/mL (0,20 a 117,0 ng/mL). Em 20 (48,8%) enfermos, o CEA foi menor ou igual a 200 ng/mL e em 6 (14,6%), o CEA mostrou-se acima de 200 ng/mL. Em 15 (36,6%) enfermos não foi possível obter o nível do CEA sérico. O índice de mortalidade dos doentes com nível sérico de CEA no pré-operatório maior que 200 ng/mL não foi significativamente diferente (p=0,31) daqueles com nível menor ou igual a 200 ng/mL (Tabela-2).

Metástase hepática sincrônica ou metacrônica: metástases sincrônicas foram encontradas em 8 doentes (19,5%) e 33 enfermos (80,5%) apresentaram metástases metacrônicas. A apresentação sincrônica ou metacrônica não influenciou significativamente (p=0,102) o índice de mortalidade (Tabela-2).

Distribuição unilobar ou bilobar das metástases hepáticas: a distribuição unilobar das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal primário ocorreu em 33 (80,4%) enfermos e a distribuição bilobar em quatro (9,7%). Em outros quatro (9,7%) doentes não foi possível obter a informação. A distribuição unilobar ou bilobar das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal primário não apresentou diferença significativa (p=0,797) em relação à mortalidade (Tabela-2).

Doença metastática extra-hepática extirpável: a presença de doença extra-hepática foi observada em quatro (9,7%) doentes do sexo feminino. Todas lesões (unilateral em três enfermas e bilateral em uma) estavam localizadas no ovário. Não houve diferença significativa (p=0,548) no índice de mortalidade entre os doentes com ou sem doença extra-hepática extirpável (Tabela-2).

Número de unidades de sangue transfundidas durante a retirada das metástases hepáticas: cerca de 18 (43,9%) doentes receberam transfusão de sangue, enquanto que 23 (56,1%) não o fizeram. Considerando-se apenas os doentes que receberam transfusão sangüínea, a média do número de unidades recebidas atingiu 3,7 unidades. O índice de mortalidade dos doentes submetidos à transfusão de mais de três unidades de sangue durante a retirada das metástases hepáticas não foi significativamente diferente (p=0,318) daqueles enfermos que receberam três ou menos unidades de sangue (Tabela-2).

Tamanho das metástases hepáticas: a média do tamanho das metástases hepáticas medida pelo seu maior eixo foi de 3,56±2,10cm. Quatorze (34,1%) enfermos apresentaram metástases hepáticas maiores do que 5 cm e 18 (43,9%) doentes tiveram lesões hepáticas menores ou iguais a 5 cm. Em nove (21,9%) doentes não foi possível obter o tamanho da lesão hepática. Os doentes com lesões hepáticas maiores que 5 cm no seu maior eixo não tiveram índice de mortalidade significativamente diferente (p=0,599) daqueles com lesões menores ou iguais a 5 cm (Tabela-2).

Margem cirúrgica da extirpação das metástases hepáticas: o exame anatomopatológico do produto da extirpação hepática confirmou a presença de margem cirúrgica livre e igual ou maior que 1 cm em todos os doentes.

Quimioterapia adjuvante no tratamento das metástases hepáticas: foram submetidos à quimioterapia adjuvante 14 doentes (34,1%), enquanto que 27 (65,8%) enfermos não receberam esse tratamento. O índice de mortalidade não mostrou diferença significativa (p=0,934) entre esses dois grupos de doentes (Tabela-2).

Sobrevivência dos doentes submetidos à extirpação das metástases hepáticas: a média de sobrevivência global foi de 38,99±4,50 meses (0,4 a 60,6 meses) e a mediana de sobrevivência foi de 46,30±6,57 meses (intervalo de confiança: 33,42 a 59,18). Não houve mortalidade operatória. Quinze (36,5%) doentes faleceram. O intervalo médio livre de doença foi de 15,36 meses. Nove (21,9%) enfermos morreram de carcinomatose peritoneal, um (2,4%) por acidente vascular cerebral, um (2,4%) por broncopneumonia, um (2,4%) por IRA, um (2,4%) por choque séptico e dois (4,8%) por causa ignorada. A média do tempo de sobrevivência dos doentes que faleceram foi de 19,60 meses (6 a 60 meses). Vinte e seis (63,4%) enfermos permanecem vivos e sem doença ativa com média de tempo de sobrevivência de 19,28 meses (2 a 60,8 meses).
 

Tabela 2 - Características das variáveis das lesões secundárias no fígado comparadas ao índice de mortalidade dos doentes submetidos à retirada das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal.
Metástase hepática
Variáveis
Categorias N° de Doentes Média Intervalo de Confiança Valor
p
CEA pré-operatório (ng/ml) >200
<= 200
6
20
31,7±46,96   0,31
Metástase hepática Sincrônica
Metacrônica
8
33
  0,018-1,440
0,694-55,766
0,102
0,797
Distribuição das lesões Unilobar
Bilobar
33
4
     
Doença extra-hepática   4   0,052-5,792 0,548
Transfusão sangüínea na operação (unidades) >3
<= 3
18
23
1,68 unid.   0,318
Tamanho da lesão (cm) >5
<= 5
14
18
3,56±2,1cm   0,599
Invasão angiolinfática Presente
Ausente
8
33
  0,213-5,187 0,952
Quimioterapia adjuvante Sim
Não
14
27
  0,246-3,620 0,934


DISCUSSÃO

"Cancer cells are those which have forgotten how to die" Nurse, Royal Marsden Hospital.

Os fatores prognósticos relacionados à extirpação das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal mais freqüentemente citados na literatura são o número de lesões hepáticas, a margem de extirpação, o estádio da neoplasia colo-retal primária e a presença de doença extra-hepática1,5,7,9,14,15,18,28,32 . No presente estudo, os doentes operados com intenção curativa foram selecionados em relação ao número de metástases hepáticas (até três lesões) e obtenção de margem cirúrgica (de pelo menos um cm). A presença de doença extra-hepática não necessariamente exclui a extirpação curativa das metástases hepáticas12 e nessa casuística quatro (9,7%) doentes, com doença metastática extra-hepática extirpável localizada nos ovários, foram operadas de maneira curativa.
    Os resultados do presente estudo apontaram, na análise univariada, a localização retal do carcinoma colo-retal primário como o único parâmetro significativo de sobrevivência dos doentes submetidos à extirpação das metástases hepáticas. Esse achado pode ter relação com o fato do grupo de doentes ter sido selecionado por critérios adotados previamente à extirpação das metástases hepáticas, eliminando, a priori, outros fatores prognósticos analisados2,12,22,26. Nordlinger et al26 identificaram o número de metástases hepáticas maior que quatro e margens hepáticas comprometidas pela neoplasia como parâmetros desfavoráveis de prognóstico, ao passo que na presente casuística, esses critérios foram considerados como de exclusão. A idade avançada do enfermo, incluída por Nordlinger et al26 como critério prognóstico desfavorável, não foi utilizada como tal no presente estudo por ser considerada variável não relacionada diretamente à doença, mas, sim, ao risco operatório. As demais variáveis utilizadas por Nordlinger et al26 e consideradas significativas, quais sejam, estadiamento avançado da neoplasia colo-retal primária, apresentação sincrônica das lesões hepáticas, tamanho superior a 5 cm do maior nódulo hepático e nível sérico do CEA no pré-operatório do carcinoma colo-retal primário, também foram analisadas pelo presente estudo, porém não foram significativos. Um dos possíveis motivos para tal discrepância foi o fato de Nordlinger et al26 terem analisado casuística multi-institucional com 1568 doentes, ao passo que a presente série estudou 41 doentes oriundos de uma única instituição.
    O comprometimento linfonodal pela neoplasia colo-retal primária e os estádios III e IV da classificação TNM para o carcinoma do intestino grosso podem influenciar adversamente a sobrevivência de doentes submetidos à extirpação de metástases hepáticas3,14,27,30. De acordo com Ueno et al33, a agressividade biológica do carcinoma colo-retal primário representada pelo crescimento da margem invasiva, e a extensão do comprometimento linfonodal foram os mais potentes indicadores prognósticos de sobrevivência de doentes operados por metástases hepáticas. Por outro lado, no estudo de Wanebo et al35, o estadiamento do carcinoma colo-retal primário de acordo com a classificação de Dukes não apresentou impacto significativo na sobrevivência dos enfermos submetidos à retirada das metástases hepáticas, o que também foi observado no presente estudo.
    Embora a invasão angiolinfática nas peças operatórias da retirada do carcinoma colo-retal esteja associada ao aparecimento de metástases hepáticas29, na presente casuística a invasão angiolinfática não influenciou a sobrevivência dos doentes após a retirada das metástases hepáticas.
    Estudos5,7,12,17,20,26 mostraram que o nível sérico de CEA com pontos de corte entre 20 e 200 ng/mL foi parâmetro prognóstico independente em doentes operados por metástases hepáticas do carcinoma colo-retal. Entretanto, na presente série, possivelmente devido ao tamanho da amostra., não foi encontrada relação significativa entre a sobrevivência dos enfermos e o nível sérico de CEA no pré-operatório.
    Na presente casuística, o diagnóstico de metástase hepática sincrônica ou metacrônica não influenciou significativamente a sobrevivência. Outros estudos2,6,7,20 também não confirmaram esse parâmetro como fator prognóstico independente. Ambiru et al2 mostraram que, apesar da presença de metástase hepática sincrônica ou metacrônica não ter influenciado a sobrevivência após a extirpação das lesões, os doentes com metástases metacrônicas apresentaram tendência para prognóstico melhor.
    A distribuição unilobar das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal em relação à bilobar não influenciou significativamente a sobrevivência dos enfermos dessa casuística, o que também foi observado por Scheele et al30. Entretanto, na presente série, embora o envolvimento bilobar não tivesse sido considerado critério de exclusão, o número de metástases hepáticas igual ou maior que quatro foi considerado critério de exclusão e conseqüentemente, limitou o número de lesões hepáticas, diminuindo a inclusão de enfermos com metástases bilobares. Isso pode ter causado viés no resultado da influência da distribuição uni ou bilobar das metástases hepáticas na sobrevivência dos enfermos e ter promovido seleção mais favorável à sobrevivência dos enfermos com até três metástases hepáticas.
    No presente estudo, a doença metastática extra-hepática extirpável acometeu quatro (9,74%) doentes. Em contraposição, a doença metastática extra-hepática inextirpável constitui fator prognóstico adverso independente7,11,12,19,21,32.
    Wanebo et al35 relataram que a perda de sangue estimada ou medida superior a 3 unidades tem impacto desfavorável na sobrevivência. No presente estudo, houve diminuição na média de sobrevivência entre os doentes com perda sangüínea superior a 3 unidades, porém esse resultado não foi significativo.
    Estudos apontaram que o tamanho das metástases hepáticas maior que cinco cm representa parâmetro independente adverso de sobrevivência12,19,26, embora Jaeck et al20 não tenham encontrado significância nessa variável, a exemplo do presente estudo, em que 14 (34,14%) enfermos que apresentaram lesões hepáticas com diâmetro superior a cinco cm não exibiram sobrevivência menor que os demais. O tamanho da lesão não é considerado contra-indicação para a extirpação das metástases hepáticas desde que possa ser obtida margem cirúrgica livre de pelo menos 1 cm e parênquima hepático remanescente compatível com a sobrevivência do doente12,35.
    Autores3,4,8,25 destacaram o papel da quimioterapia adjuvante na eliminação da doença neoplásica residual microscópica e sua influência potencial na diminuição da recidiva neoplásica e no aumento da sobrevivência dos enfermos submetidos à extirpação de metástases hepáticas do carcinoma colo-retal. No presente trabalho, a quimioterapia adjuvante empregada não influenciou significativamente a sobrevivência dos doentes.
    Nos doentes com metástases hepáticas do carcinoma colo-retal é possível que os determinantes da sobrevivência estejam relacionados mais ao comportamento biológico da relação tumor-hospedeiro do que aos parâmetros clínicos, morfológicos ou laboratoriais. Identificar tais parâmetros governadores da sobrevivência constitui um passo a ser dado no entendimento do seu significado na evolução e no prognóstico desses doentes.

CONCLUSÕES
Nos doentes submetidos à extirpação das metástases hepáticas do carcinoma colo-retal. com menos de quatro lesões no fígado, sem doença extra-hepática inextirpável e com margem cirúrgica igual ou maior que 1 cm, a localização da neoplasia primária no reto influenciou significativamente e desfavoravelmente a sobrevivência dos enfermos, quando comparada à localização cólica. As demais variáveis estudadas não influenciaram significativamente a sobrevivência desses doentes.

Agradecimentos
Os autores agradecem o valioso auxílio prestado na realização desse estudo por Leonardo Seligra Lopes, Júlio Zaki Abucham Neto e Viviane Aparecida Sotto Basalia.

SUMMARY: The objective of this study was to analyze the factors that influence the survival of selected patients submitted to curative extirpation of hepatic metastases from colorectal carcinoma. Forty-one patients were operated. Exclusion criteria were the presence of four or more metastatic lesions in the liver. Twenty-three (56.1%) of the patients were male and 18 (43.9%) female. The mean age was 63.8±11.5 years. The colorectal neoplasia was located in the left colon in 16 (39.0%) patients, in the rectum in 15 (36.6%) and in the right colon in ten (24.4%). The statistical models used were arithmetic mean and standard deviation, median, variance analysis for regression logistics for verification of risk factors and Kaplan-Meier survival curve for analysis of groups. The mean survival was 38.9±4.5 months (0.4 to 60.6 months). There was no operative mortality. Fifteen (36.6%) patients died: peritoneal carcinomatosis (n=9, 21.9%); benign diseases (n=4, 9.6%) and unknown causes (n=2, 4.9 %). Twenty-six (63.4%) patients survived extirpation of the hepatic metastasis, resulting in a mean survival of 19.3 months (2 to 60.8 months). The mean disease-free period for the patients as a whole was 15.3 months. The mortality rate for patients with primary colorectal carcinoma located in the rectum was significantly higher (p=0.04) than when located in the right or left colon. The authors concluded that in this group of selected patients, the location of the primary neoplasia in the rectum had a significant and unfavorable outcome on the survival of patients submitted to extirpation of hepatic metastases from colorectal carcinoma.

Key words: Colorectal neoplasms, Liver neoplasms/surgery, Liver neoplasms/secondary, Survival, Carcinoma.

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Endereço para Correspondência:
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Trabalho realizado no Serviço de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo "Francisco Morato de Oliveira"

Recebido em 05/11/2004
Aceito para publicação em 13/01/2005