RELATO DE CASO
GEANNA MARA LINO E SILVA DE RESENDE GUERRA - ASBCP
ELISÂNGELA PLAZAS MONTEIRO
HENRIQUE FRANCISCO DE SOUZA E SOUZA - FSBCP
MARCUS FÁBIO MAGALHÃES FONSECA
SÉRGIO HENRIQUE COUTO HORTA - TSBCP
GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA - TSBCP
GUERRA GMLSR, MONTEIRO EP, SOUZA HFS, FONSECA MFM, HORTA SHC, FORMIGA GJS.
Endometriose de Reto - Relato de de Caso. Rev Bras
Coloproct, 2004; 24(4):354-357.
RESUMO: A endometriose é definida como tecido endometrial fora do útero. O envolvimento colorretal da endometriose ocorre em 5 a 10% dos casos, acometendo mais freqüentemente a região retossigmoidiana. O diagnóstico e tratamento dependem de inúmeros fatores como faixa etária, localização e intensidade dos sintomas. Não existe conduta terapêutica uniforme para o tratamento da endometriose. O tratamento pode ser medicamentoso ou cirúrgico, sendo que idade, condição hormonal e desejo de gravidez irão interferir na conduta a ser tomada. O objetivo do trabalho é relatar um caso de endometriose de reto extraperitoneal diagnosticado e tratado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, dissertando sobre as variadas formas de conduta.
Unitermos: endometriose, endometriose intestinal, endometriose colorretal
INTRODUÇÃO
A endometriose é definida como a presença
de tecido funcional, histologicamente semelhante
ao endométrio, fora da cavidade
uterina1-10-13. Acomete 3 a 19% das mulheres em idade menstrual, podendo
ocorrer também em mulheres fora do período
menstrual4-6,12,13. O acometimento intestinal ocorre em 3 a 34% das
mulheres com endometriose5-10-13, dentre estes 5 a 10% dos
casos corresponde a endometriose
colorretal1-5,8-10,12,13, sendo o segmento mais acometido o sigmóide, seguido do
reto, responsáveis por 65% dos
casos5,12,13. Em ordem decrescente, os outros segmentos envolvidos são
o apêndice, ceco, íleo terminal e colón
transverso4,5.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho é relatar um caso
de endometriose de reto diagnosticado e tratado no Serviço de Coloproctologia do Hospital
Heliópolis, bem como dissertar sobre as variadas formas
de tratamento.
RELATO DO CASO
M.A.S.S, 43 anos, feminina, negra, natural e procedente de São Paulo-SP, com queixa de
alteração do hábito intestinal há seis meses, de quatro vezes
ao dia para uma vez a cada dois dias, com
afilamento das fezes, puxo, tenesmo, associado a dores
abdominais em cólica, em fossa ilíaca direita, que
se intensificavam no período menstrual. Sem
hematoquesia ou perda de peso.
Encontrava-se em bom estado geral, corada, hidratada, anictérica e acianótica. Abdome
globoso, flácido, sem tumorações palpáveis. Exame
proctológico sem alterações à inspeção; notava-se ao
toque retal, lesão de 3 cm de diâmetro a 5cm da borda
anal póstero-lateral direita, endurecida, de superfície
lisa, aparentemente fixa.
Anuscopia evidenciou lesão acima citada, projetando-se para a luz do reto posteriormente,
com ulceração central. Restante do exame normal até 20 cm.
Exame ginecológico sem alterações.
Biópsias da lesão retal, realizadas por
via endoanal, evidenciaram processo inflamatório
crônico inespecífico.
Enema opaco apresentou falha de enchimento em reto médio com preservação de mucosa (Figura-1).
Figura 1 - Enema opaco- Falha de enchimento em reto médio com preservação da mucosa. |
Tomografia computadorizada de pelve mostrou
imagem de atenuação de partes moles junto à parede
retal, sugestiva de processo expansivo perirretal (Figura-2).
Figura 2 - CT pelve: Processo expansivo junto à parede retal à direita. |
Submetida a exame proctológico, sob raquianestesia, que evidenciou lesão fibrótica
em parede póstero-lateral direita a 4 cm da borda
anal, de 5 cm de diâmetro, móvel, de superfície lisa e
regular. Realizada abertura da mucosa retal sobre a
lesão com exposição da mesma, biópsia excisional e
sutura da parede retal.
Exame anátomo-patológico mostrou
tratar-se de endometriose de reto (Figura- 3).
Figura 3 - Coloração HE. Aumento de 100X. Corresponde
a corte histológico de parede de reto, apresentando
células endometriais em meio à muscular própria.
Após a alta hospitalar, foi encaminhada ao ambulatório de ginecologia onde iniciou tratamento hormonal com Acetato de Medroxiprogesterona (Contracep®), encontrando-se assintomática até o presente momento, com quatro anos de acompanhamento.
DISCUSSÃO
A primeira descrição de
endometriose pélvica coube a von Rokitansky em 1860, na
ocasião com envolvimento uterino e
túbulo-ovariano6. Mckenrodt, em 1909, descreveu a primeira
ressecção de endometriose
colônica6.
A endometriose do reto normalmente é confundida com carcinoma
retal3, uma vez que os sintomas e sinais podem se assemelhar,
advindo então a importância da história clínica e, em
alguns casos, associação de sintomas ao período menstrual.
Pode apresentar-se sob duas formas, de acordo com a topografia do endométrio ectópico:
a endometriose interna ou adenomiose, na qual o endométrio ectópico se encontra na
própria musculatura uterina, e endometriose externa ou
extra uterina, com envolvimento de outras estruturas que
não o miométrio. Esta, por sua vez, se divide em
intraperitoneal, envolvendo estruturas contidas na
cavidade peritoneal (bexiga, ureter, fundo de saco, ovários,
íleo-jejuno, apêndice cecal, retossigmóide) e
extraperitoneal (umbigo, cicatrizes cirúrgicas, vagina,
vulva, pulmões)5-8,12,13.
Várias teorias foram descritas na tentativa
de explicar a etiopatogenia da endometriose. A teoria
de Sampson1,7,12 sugere a ocorrência de
menstruação retrógrada, na qual partículas do endométrio
passariam à cavidade peritoneal através das trompas,
atingindo as estruturas peritonizadas. A teoria da
metaplasia celômica1,7,12, por sua vez, sugere que os tecidos
com mesma origem embrionária poderiam se
correlacionar em algum período da vida. Novas teorias
relacionadas a fatores imunológicos e genéticos encontram-se
em estudo1,7.
A idade média dos pacientes
diagnosticados com endometriose varia de 25 a 30 anos de idade,
sendo também achado comum entre adolescentes com
dor pélvica crônica e
dispareunia1,2,7,12,13. Infertilidade ocorre em até 30% dos
casos7.
Dor em cólica no abdome inferior,
constipação e diarréia ocorrem em quase todos os pacientes
com endometriose intestinal. Os demais sintomas
incluem tenesmo, alternância do hábito intestinal com
defecação dolorosa, enterorragia, sintomas de oclusão parcial
do intestino e dispareunia1,7,12,13.
O diagnóstico de endometriose deve ser suspeitado em toda mulher com queixa de dor
pélvica ou que é
infértil1,2,7,12. História clínica
pormenorizada poderá revelar sintomas sugestivos de endometriose
e pode ser crucial em determinar causas não ginecológicas dos sintomas. Ao exame físico,
nódulos endurecidos na região pélvica, associados
a espessamento dos ligamentos útero-sacros são
sinais patognomônicos7. Ao toque retal, podem-se
detectar nodulações, porém o diagnóstico diferencial com
neoplasia é difícil, principalmente quando a mucosa
está comprometida. A retossigmoidoscopia pode
mostrar tumoração submucosa, sendo que a mucosa
apresenta-se intacta na maioria dos
pacientes1,3,7. Enema opaco pode demonstrar falha de enchimento, que
é caracteristicamente de
submucosa6,12. Estudo ultrassonográfico pode ser útil em demonstrar os
endometriomas, como massas anexiais de
conteúdo líquido ou com padrão ecogênico
misto6.
Ressonância magnética e tomografia
computa-dorizada também são utilizadas na investigação
de massas pélvicas, com elevada acurácia em
detectar endometriomas6.
Laparoscopia é o procedimento de escolha
para diagnóstico de endometriose, permitindo detectar
e avaliar a extensão da
doença1,2,4-10,13.
Após o diagnóstico é necessário o
estadiamento da endometriose. O sistema mais utilizado é o AFS
_ American Fertily Society - que divide os pacientes
em estágios de I a IV, de acordo com a gravidade e
a topografia da doença7.
Não existe conduta terapêutica uniforme
para tratamento da endometriose1-10. O tratamento pode
ser medicamentoso ou cirúrgico, sendo que
idade, condição hormonal, desejo de gravidez irão
interferir na conduta a ser tomada.
O tratamento inicial baseia-se em hormonioterapia. O Danazol é um hormônio
sintético que inibe a liberação das gonadotrofinas
hipofisárias, consequentemente suprimindo a função
ovariana, levando a anovulação e amenorréia, tornando
o endométrio inativo e atrófico. Geralmente
são administrados 200 a 800mg/dia divididos em 2 a
4 tomadas. Utiliza-se também a Gestrinona, um
esteróide antiprogesterona que também inibe a síntese
e/ou liberação das gonadotrofinas hipofisiárias, na dose
de 2,5 mg 2 vezes/ semana, associada a
anticoncepcionais orais de pequena
dose1,7.
Não havendo melhora clínica, indica-se
o tratamento cirúrgico, que pode ser conservador
ou radical. O tratamento conservador é indicado
em pacientes com menos de 40 anos, com poucos sintomas e que desejam filhos. Consiste
na ooforectomia parcial e retirada da lesão intestinal.
O tratamento radical é indicado em pacientes com
mais de 40 anos de idade ou mesmo jovens, não
responsivas ao tratamento medicamentoso ou
cirúrgico conservador, apresentando sintomas
intensos. Consiste em ooforectomia bilateral e
histerectomia, com melhora dos sintomas em 90% dos casos. O
risco de recorrência varia de 8 a
44%1-4,6-10.
Aproximadamente 61 a 100% dos casos apresentam melhora dos sintomas. A recorrência
dos implantes pode ocorrer em até 40% das pacientes
nos primeiros 9 meses pós- cirúrgicos e em 28% dos
casos após 18 meses de
acompanhamento7.
O tratamento cirúrgico da endometriose colorretal é controverso. Kratzer e Salvat
preconizam ooforectomia com enucleação da lesão colônica
em mulheres jovens com presença de sinais obstrutivos
8.
Graz, Weed e Ray descreveram
dissecção extraluminar de pequenos implantes e
colectomia segmentar para lesões maiores, não sendo
recomendados somente ooforectomia sem ressecção
colônica, principalmente quando existem episódios
suboclusivos9.
Badawy e col sugerem uma triagem com tratamento medicamentoso para pacientes com
lesões sub-estenosantes, porém assintomáticas, sendo
a ressecção indicada na falência medicamentosa ou
no surgimento de sintomas sub-oclusivos. O
argumento utilizado contra a ressecção retal é a alta
morbidade associada ao procedimento10.
De acordo com as evidências
literárias, observa-se que a maioria dos autores opta por
ressecção segmentar na presença de lesões que cursam
com quadro clínico de sub-oclusão intestinal, baseados
na necessidade de aliviar os sintomas e excluir malignidade, bem como no fato destas lesões
estarem associadas a processos fibróticos pouco responsivos
à manipulação hormonal. A ressecção, por sua
vez, previne futuramente o desenvolvimento de
carcinoma endometrial1-4,6-10,11.
Nos casos de endometriomas colorretais menos extensos, oligossintomáticos, opta-se por
ooforectomia ou terapia
hormonal1-4,6-10.
No presente caso, podemos constatar que os dados encontrados são coerentes com a
literatura consultada. Realizou-se ressecção local da lesão, o
que possibilitou o correto diagnóstico da
afecção, excluindo-se a possibilidade de câncer, com
melhora local dos sintomas. Optou-se então pela
manutenção do tratamento clínico baseado em
hormonioterapia, com ausência de recorrência dos sintomas após 4
anos de acompanhamento.
SUMMARY: Endometriosis is defined as ectopic endometrial tissue outside the uterus. Intestinal involvement has been estimated to occur in up to 5 to 10% of women with endometriosis, afflicting most frequently the rectosigmoid (intra-peritoneal rectum). The diagnosis and treatment depend on factors such as age, endometrial site, symptoms. There is no stablished optimal therapy; it can be either clinical or surgical, depending on age, hormonal status and the desire to maintain fertility potencial. The aim of this article is to report a case of extra-peritoneal rectum endometriosis diagnosed and treated in Heliópolis Hospital, including the great variety of available therapies in the literature.
Key words: endometriosis, bowel endometriosis, colorectal endometriosis
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Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04231-030 _ São Paulo (SP)
Tel: (11)274.7600 (R 244)
Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP
Recebido em 20/07/2004
Aceito para publicação em 13/01/2005