RELATO DE DOIS CASOS E REVISÃO DA LITERATURA


TUMOR ESTROMAL GASTROINTESTINAL DE RETO - RELATO DE DOIS CASOS E REVISÃO DA LITERATURA

Henrique Francisco de Souza e Souza - FSBCP
Idblan Carvalho de Albuquerque - FSBCP
Geanna Mara Lino e Silva de Resende Guerra - ASBCP
Marcus Fábio Magalhães Fonseca
Sérgio Henrique Couto Horta - TSBCP
Galdino José Sitonio Formiga - TSBCP
Souza hfs, albuquerque ic, guerra Gmlsr, fonseca mfm, HORTA SHC, formiga Gjs. Tumor Estromal Gastrointestinal de Reto - Relato de Dois Casos e Revisão da Literatura. Rev bras Coloproct, 2004; 24(4): 361-364.

RESUMO: O tumor estromal gastrointestinal (GIST) constitui um grupo incomum de neoplasias de origem mesenquimal, sendo mais freqüente no estômago e intestino delgado. São relatados dois casos de GIST localizados em reto distal diagnosticados através da imunohistoquímica positiva para os marcadores CD 34, CD 117 (c-kit) e vimentina. O tratamento realizado foi ressecção endoanal em um e amputação de reto no outro.

Unitermos: Tumor estromal grastrointestinal, CD 34, CD 117 (c-Kit)

Introdução
Martin e colaboradores em 1960 relataram os primeiros seis casos de tumor mióide intramural do estômago com origem em células musculares lisas.1 Mazur e Clak, em 1983, sugeriram a nomenclatura de tumor estromal.2
    O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é um grupo incomum de neoplasia de origem mesenquimal. A maioria dos casos de GIST está localizada no estômago e intestino delgado, sendo incomuns no colón e reto.3 Geralmente são assintomáticos, porém alguns pacientes podem cursar com sangramento e dor abdominal. A ressecção cirúrgica é o único tratamento efetivo.4
    O objetivo deste estudo é relatar dois casos de GIST em reto distal e apresentar uma revisão da literatura.

Caso 1
H.O., 65 anos, masculino, sem queixas, apresentando tumor em reto distal, identificado em consulta médica para prevenção de câncer de próstata. Ao exame apresentava tumor de 3,0 cm de diâmetro, submucoso, em parede anterior de reto, a 4,0 cm da borda anal, móvel, de superfície lisa e consistência fibroelástica.
    A colonoscopia foi normal. A ultrassonografia (USG) transretal mostrou imagem heterogênea de contornos regulares medindo 2,8 x 2,0 cm (Figura-1). A tomografia computadorizada de pelve confirmou o tumor em reto distal com plano de clivagem com a próstata. O paciente foi submetido à ressecção local via endoanal, com margens cirúrgicas exíguas, e não apresentou complicação pós-operatória.

 
Figura 1 - Caso 1: Ultrassonografia transretal - Imagem heterogênea bem delimitada.



    O estudo histológico evidenciou tratar-se de um GIST, com margem cirúrgica coincidente com a lesão e com uma mitose por dez campos de grande aumento (CGA) (Figura-2). O estudo imunohistoquímico foi positivo para os marcadores vimentina, CD 117 (c-Kit) e CD 34.

 
Figura 2 - Caso 1: Microscopia óptica 100x - Figura de mitose (seta).



    O paciente segue em acompanhamento ambulatorial por dois anos, sem queixas, porém biópsia da área onde foi realizada a ressecção evidenciou recidiva tumoral, sendo proposta nova ressecção local.

Caso 2
B.M.P, 63 anos, masculino, há seis meses com exteriorização de tumor durante esforço evacuatório, com necessidade de redução manual. Alteração do hábito intestinal de uma para 10 vezes/dia, associada a dor anal, puxo, tenesmo e hematoquesia. Perda ponderal de 14 kg no período.
    Ao exame, apresentava lesão vegetante e pediculada a 2,0 cm da borda anal, de 12,0 cm de diâmetro, com superfície bocelada, aderida a planos profundos, ocupando 75% da luz (Figura-3).

 
Figura 3 - Caso 2: Inspeção dinâmica - Exteriorização do tumor.



    A ultrassonografia de abdome evidenciou imagem hepática única, medindo 10,5 x 9,5 x 7,5 cm em segmento V e VI, confirmada pela tomografia de abdome (Figura-4). A tomografia de pelve mostrou lesão expansiva em reto distal de contornos irregulares, medindo 9,0 x 10,0 cm (Figura-5).

 
Figura 4 - Caso 2: CT de abdome - Metástase em lobo direito do fígado.


 
Figura 5 - Caso 2: CT de pelve - Tumor estenosante de reto distal.


 

    O paciente foi submetido à amputação abdomino-perineal do reto (Figura-6). O estudo histológico confirmou GIST, com quatro mitoses por 10 CGA e margens cirúrgicas livres. O estudo imuno-histoquímico foi positivo para os marcadores CD 34, CD 117 (c-Kit) e vimentina.

 
Figura 6 - Caso 2: Peça cirúrgica - Amputação abdomino-perineal do reto (A- peça fechada e B - peça aberta).



    Após três meses o paciente foi submetido a hepatectomia direita (Figura-7) para ressecção da metástase, vindo a falecer no 14º PO por trombose mesentérica.

 
Figura 7 - Caso 2: Peça cirúrgica - Hepatectomia direita.


Discussão
Dentre as neoplasias do trato gastrointestinal o GIST corresponde de 1 a 3%, porém é o mais freqüente dentre os tumores mesenquimais primários do trato gastrointestinal.5 Tem sua origem nas células intersticiais de Cajal.6 Setenta por cento destas neoplasias ocorrem no estômago, sendo o intestino delgado o segundo sítio (20%-30%) e menos de 10% acometem o esôfago, colón e reto. A maior incidência ocorre entre a 5ª e a 6ª década de vida.7
    Clinicamente estes tumores são assintomáticos, porém, em alguns casos, podem apresentar sangramento, dor abdominal, massa palpável ou até obstrução intestinal.4,8 Radiologicamente, apresentam-se como uma massa volumosa, de contornos bem limitados, heterogênea, com áreas de necrose central, crescendo na parede intestinal.9
    Histologicamente o GIST se caracteriza por proliferação de células fusiformes, formando pequenos feixes dispostos em vários sentidos.10 O estudo imunohistoquímico se caracteriza por marcadores CD 34 positivos, variando entre 46% a 100% e por CD 117 (c-kit) positivo em todos casos.7
    É difícil predizer grau de malignidade para o GIST. Alguns autores identificaram aspectos histológicos que indicam malignidade, como tamanho do tumor e atividade mitótica.3 Franquemont et al relatam que tumores maiores que 5,0 cm ou com mais de 2 mitoses por dez campos de grande aumento (CGA) indicam maior risco de metástase ou recidiva.11 Há relato de que 10% a 30% destes tumores têm comportamento maligno.8 As recidivas são descritas com tempo médio de 23 meses.12
    No caso 1, apesar de o estudo histológico ter mostrado um tumor com baixo potencial de malignidade, a margem de ressecção foi exígua, o que justifica a recidiva. O caso 2 já apresentava metástase hepática na época do diagnóstico, corroborando a maior agressividade da doença associada aos achados de lesão maior de 5 cm e com mais de duas mitoses por 10 CGA.
    A ressecção cirúrgica da neoplasia com margens livres de tumor é o único tratamento efetivo. O tratamento radioterápico e quimioterápico como tratamento neoadjuvante ou adjuvante não apresenta bons resultados. No entanto, o mesilato de imatinib (STI571 ou Gleevecâ) que age como inibidor da tirosina cinase tem sido descrito com bons resultados como monoterapia para o tratamento do GIST metastático.4,12,13
    Devido à possibilidade de recidiva todos os pacientes com GIST em reto distal devem fazer seguimento ambulatorial, com pelo menos uma consulta anual, exame proctológico e biópsia de áreas suspeitas, tomografia pélvica e ultrassonografia transretal.7

SUMMARY: The gastrointestinal stromal tumor (GIST) is an uncommon group of tumor of mesenchymal origin, being frequent in the stomach and small intestine. We describe two cases of GIST located in distal rectum diagnosed through the positive immunohystochemical for the markers CD 34, CD 117 (c-kit) and vimentin. The treatment was endoanal resection for the first and rectum amputation for the second case.

Key words: gastrointestinal stromal tumor, CD 34,CD 117 (c-kit)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Martin JF, Bazin P, Feroldi J Cabanne F. Tumeurs myoides intra-murales de l'estomac; consideration microscopiques a propos de 6 cas. Ann Anat Pathol 1960;5:484-97.
2. Mazur MT, Clack HB. Gastric stromal tumors: reappraisal of histogenesis. Am J Surg Pathol 1983;7:507-19.
3. Shibata Y, Ueda T, Seki H, Yagihashi N. Gastrointestinal stromal tumour of the rectum. Eur J Gastroenterol Hepatol 2001; 13(3):283-286.
4. Li A, Nordberg ML, Herrera GA. Gastrointestinal stromal tumor: Current concepts and controversies. Pathol Case Reviews 2002; 7(5):226-233.
5. Clère F, Carola E, Hamili C et al. Actualités sur les tumeurs stromales gastro-intestinales : à partir de sept observations de tumeurs malignes. Rev Med Interne 2002; 23:499-507.
6. Miettinen M, Sarlomo-Rikala M, Lasoto J. Gastrointestinal stromal tumours: Recent advances in understanding of their biology. Hum Pathol 1999; 30:1213-20.
7. Greenson JK. Gastrointestinal stromal tumour and other mesenchymal lesions of the gut. Mod Pathol 2003; 16(4):366-375.
8. Huilgol Rl, Young CJ, Fracs S. The GIST: case reports of a gastrointestinal stromal tumour and a leiomyoma of the anorectum. ANZ J Surg 2003; 73(3): 167-169.
9. Burkill GJ, Badran M, Al-Muderis O et al. Malignant gastrointestinal stromal tumor: distribution, imaging features, and pattern of metastatic spread. Radiology 2003; 226:527-532.
10. Stanley R. Hamilton & Lauri A. Aaltonen, World Health Organization Classification of Tumours, Pathology & Genetics, Tumours of the Digestive System; 2000, Lyon, França, Editora IARC.
11. Franquemont DW. Differentiation and risk assessment of gastrointestinal stromal tumours. Am J Clin Pathol 1995;103:41-47.
12. Langer C, Gunawan B, Schüler P, Huber W, Füzesi L, Becker H. Prognostic factors influencing surgical management and outcome of gastrointestinal stromal tumour. British J Surg 2003; 90:332-339.
13. Duensing A, Heinrich MC, Fletcher CD et al. Biology of gastrointestinal stromal tumors: KIT mutations and beyond. Cancer Invest 2004; 22:106-116.

Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Hospital Heliópolis - Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04.231-030 - São Paulo (SP)
Tel: (11) 274-7600 (Ramal 244)

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP.

Recebido em 01/06/2004
Aceito para publicação em 13/01/2005