RELATO DE DOIS CASOS E REVISÃO DA LITERATURA
RESUMO: O tumor estromal gastrointestinal (GIST) constitui um grupo incomum de neoplasias de origem mesenquimal, sendo mais freqüente no estômago e intestino delgado. São relatados dois casos de GIST localizados em reto distal diagnosticados através da imunohistoquímica positiva para os marcadores CD 34, CD 117 (c-kit) e vimentina. O tratamento realizado foi ressecção endoanal em um e amputação de reto no outro.
Unitermos: Tumor estromal grastrointestinal, CD 34, CD 117 (c-Kit)
Introdução
Martin e colaboradores em 1960 relataram
os primeiros seis casos de tumor mióide intramural
do estômago com origem em células musculares
lisas.1 Mazur e Clak, em 1983, sugeriram a nomenclatura
de tumor estromal.2
O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é
um grupo incomum de neoplasia de origem
mesenquimal. A maioria dos casos de GIST está localizada
no estômago e intestino delgado, sendo incomuns no
colón e reto.3 Geralmente são assintomáticos, porém
alguns pacientes podem cursar com sangramento e dor
abdominal. A ressecção cirúrgica é o único tratamento
efetivo.4
O objetivo deste estudo é relatar dois casos
de GIST em reto distal e apresentar uma revisão
da literatura.
Caso 1
H.O., 65 anos, masculino, sem queixas, apresentando tumor em reto distal, identificado
em consulta médica para prevenção de câncer de
próstata. Ao exame apresentava tumor de 3,0 cm de
diâmetro, submucoso, em parede anterior de reto, a 4,0 cm
da borda anal, móvel, de superfície lisa e
consistência fibroelástica.
A colonoscopia foi normal. A ultrassonografia (USG) transretal mostrou imagem heterogênea
de contornos regulares medindo 2,8 x 2,0 cm
(Figura-1). A tomografia computadorizada de pelve confirmou
o tumor em reto distal com plano de clivagem com a próstata. O paciente foi submetido à ressecção
local via endoanal, com margens cirúrgicas exíguas, e
não apresentou complicação pós-operatória.
Figura 1 - Caso 1: Ultrassonografia transretal - Imagem heterogênea bem delimitada. |
O estudo histológico evidenciou tratar-se
de um GIST, com margem cirúrgica coincidente com
a lesão e com uma mitose por dez campos de
grande aumento (CGA) (Figura-2). O estudo
imunohistoquímico foi positivo para os marcadores
vimentina, CD 117 (c-Kit) e CD 34.
Figura 2 - Caso 1: Microscopia óptica 100x - Figura de mitose (seta). |
O paciente segue em acompanhamento ambulatorial por dois anos, sem queixas, porém
biópsia da área onde foi realizada a ressecção evidenciou
recidiva tumoral, sendo proposta nova ressecção
local.
Caso 2
B.M.P, 63 anos, masculino, há seis meses
com exteriorização de tumor durante esforço
evacuatório, com necessidade de redução manual. Alteração
do hábito intestinal de uma para 10 vezes/dia, associada
a dor anal, puxo, tenesmo e hematoquesia. Perda ponderal de 14 kg no período.
Ao exame, apresentava lesão vegetante
e pediculada a 2,0 cm da borda anal, de 12,0 cm de diâmetro, com superfície bocelada, aderida a
planos profundos, ocupando 75% da luz (Figura-3).
Figura 3 - Caso 2: Inspeção dinâmica - Exteriorização do tumor. |
A ultrassonografia de abdome evidenciou imagem hepática única, medindo 10,5 x 9,5 x 7,5
cm em segmento V e VI, confirmada pela tomografia
de abdome (Figura-4). A tomografia de pelve
mostrou lesão expansiva em reto distal de contornos
irregulares, medindo 9,0 x 10,0 cm (Figura-5).
Figura 4 - Caso 2: CT de abdome - Metástase em lobo direito do fígado. |
Figura 5 - Caso 2: CT de pelve - Tumor estenosante de reto distal. |
O paciente foi submetido à
amputação abdomino-perineal do reto (Figura-6). O
estudo histológico confirmou GIST, com quatro mitoses
por 10 CGA e margens cirúrgicas livres. O estudo
imuno-histoquímico foi positivo para os marcadores CD
34, CD 117 (c-Kit) e vimentina.
Figura 6 - Caso 2: Peça cirúrgica - Amputação abdomino-perineal do reto (A- peça fechada e B - peça aberta). |
Após três meses o paciente foi submetido
a hepatectomia direita (Figura-7) para ressecção
da metástase, vindo a falecer no 14º PO por
trombose mesentérica.
Figura 7 - Caso 2: Peça cirúrgica - Hepatectomia direita. |
Discussão
Dentre as neoplasias do trato
gastrointestinal o GIST corresponde de 1 a 3%, porém é o
mais freqüente dentre os tumores mesenquimais
primários do trato
gastrointestinal.5 Tem sua origem nas
células intersticiais de Cajal.6 Setenta por cento
destas neoplasias ocorrem no estômago, sendo o
intestino delgado o segundo sítio (20%-30%) e menos de
10% acometem o esôfago, colón e reto. A maior
incidência ocorre entre a 5ª e a 6ª década de
vida.7
Clinicamente estes tumores são
assintomáticos, porém, em alguns casos, podem apresentar
sangramento, dor abdominal, massa palpável ou até
obstrução intestinal.4,8 Radiologicamente, apresentam-se
como uma massa volumosa, de contornos bem
limitados, heterogênea, com áreas de necrose central,
crescendo na parede intestinal.9
Histologicamente o GIST se caracteriza por proliferação de células fusiformes, formando
pequenos feixes dispostos em vários
sentidos.10 O estudo imunohistoquímico se caracteriza por marcadores
CD 34 positivos, variando entre 46% a 100% e por
CD 117 (c-kit) positivo em todos casos.7
É difícil predizer grau de malignidade para
o GIST. Alguns autores identificaram aspectos histológicos que indicam malignidade, como
tamanho do tumor e atividade
mitótica.3 Franquemont et al relatam que tumores maiores que 5,0 cm ou com
mais de 2 mitoses por dez campos de grande aumento
(CGA) indicam maior risco de metástase ou
recidiva.11 Há relato de que 10% a 30% destes tumores
têm comportamento maligno.8 As recidivas são
descritas com tempo médio de 23 meses.12
No caso 1, apesar de o estudo histológico
ter mostrado um tumor com baixo potencial de
malignidade, a margem de ressecção foi exígua, o que
justifica a recidiva. O caso 2 já apresentava metástase
hepática na época do diagnóstico, corroborando a maior
agressividade da doença associada aos achados de
lesão maior de 5 cm e com mais de duas mitoses por
10 CGA.
A ressecção cirúrgica da neoplasia
com margens livres de tumor é o único tratamento
efetivo. O tratamento radioterápico e quimioterápico
como tratamento neoadjuvante ou adjuvante não
apresenta bons resultados. No entanto, o mesilato de
imatinib (STI571 ou Gleevecâ) que age como inibidor da
tirosina cinase tem sido descrito com bons resultados
como monoterapia para o tratamento do GIST
metastático.4,12,13
Devido à possibilidade de recidiva todos
os pacientes com GIST em reto distal devem fazer seguimento ambulatorial, com pelo menos
uma consulta anual, exame proctológico e biópsia de
áreas suspeitas, tomografia pélvica e
ultrassonografia transretal.7
SUMMARY: The gastrointestinal stromal tumor (GIST) is an uncommon group of tumor of mesenchymal origin, being frequent in the stomach and small intestine. We describe two cases of GIST located in distal rectum diagnosed through the positive immunohystochemical for the markers CD 34, CD 117 (c-kit) and vimentin. The treatment was endoanal resection for the first and rectum amputation for the second case.
Key words: gastrointestinal stromal tumor, CD 34,CD 117 (c-kit)
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Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Hospital Heliópolis - Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04.231-030 - São Paulo (SP)
Tel: (11) 274-7600 (Ramal 244)
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP.
Recebido em 01/06/2004
Aceito para publicação em 13/01/2005