ARTIGOS ORIGINAIS
Mário Luiz Macedo Xavier - TSBCP
Deil Arthur Canedo Lima - FSBCP
Francisco Lopes Paulo - TSBCP
XAVIER MLM; LIMA DAC; PAULO FL. Inversão do Cólon Direito: Proposição Técnica Para Reconstrução do Trânsito Colônico
em Ressecções Amplas de Cólon
Esquerdo. Rev bras Coloproct, 2005;25(1):46-50.
RESUMO: Apresentamos uma nova proposição técnica para situações incomuns em ressecção amplas do cólon esquerdo, com conservação do cólon direito livre de patologias,realizando a inversão do mesmo e anastomose colo-retal vertical. Três pacientes foram operados por esta técnica, com resultados excelentes. Acreditamos que esta possa ser utilizada em casos selecionados, com resultados favoráveis em relação à íleo-reto anastomose.
Unitermos: Colectomia, cólon direito, reto, anastomose, inversão, preservação.
Introdução
As colectomias totais com anastomose
íleo-retal são freqüentemente indicadas para o
tratamento de lesões do cólon esquerdo associadas a
lesões proximais, benignas ou malignas, tais como
tumores malignos sincrônicos, polipose múltipla, ou
lesões neoplásicas distais associadas a doença
diverticular extensa. Em tais situações, embora por vezes o
cólon direito esteja preservado, este é ressecado
juntamente com as áreas acometidas, devido às dificuldades
de sua mobilização para anastomose com o
reto, concluindo-se então a operação com uma
anastomose íleo-retal.
Para contornar esse problema, desenvolvemos uma técnica de rotação do cólon direito, a
fim de que sua extremidade distal possa ser
anastomosada com facilidade ao reto, sem tensão ou prejuízo
ao suprimento sanguíneo, com vantagens fisiológicas
em relação à anastomose íleo-retal.
Esta alternativa técnica é bastante
funcional, de fácil execução, e visa à preservação do íleo
terminal, ceco e cólon ascendente. Em situações especiais,
como as que descreveremos a seguir, foram obtidos
resultados entusiasmantes. O objetivo deste artigo é descrever
a técnica cirúrgica por nós elaborada e descrever
três casos nos quais a mesma foi empregada.
Técnica cirúrgica
O princípio básico desta técnica consiste
na inversão cranial do conjunto
íleo-ceco-ascendente, através de uma rotação de 180º desse segmento
em relação à sua posição anatômica. Este
procedimento permite uma aproximação sem tensão das
extremidades a serem anastomosadas (cólon
ascendente-reto), evitando também o comprometimento vascular.
A anastomose é feita no sentido vertical, seguida
de refixação do ceco e cólon ascendente na goteira
parieto-cólica direita, ficando o ceco e íleo terminal em
situação sub-hepática.
Após ressecção ampla do colón esquerdo, até
o limite entre o ângulo hepático e o cólon transverso,
procedemos à mobilização ampla do cólon a ser
rodado, liberando-o da goteira parieto-cólica direita (Figura-1).
Figura 1 - Segmento íleo-colônico a ser mobilizado para rotação. |
Em seguida é feita a rotação de 180º do
conjunto íleo terminal-ceco-cólon ascendente, juntamente
com seu meso, ficando o ceco localizado na loja
sub-hepática (Figura-2). Uma apendicectomia é feita
após essa rotação.
Figura 2 - Rotação de 180o do íleo e cólon direito. |
O segmento invertido é então refixado em
sua nova posição (invertido), na goteira
parieto-cólica direita, com três a quatro pontos separados com fio
inabsorvível 3-0. O procedimento é completado
com anastomose colo-retal (cólon ascendente/reto
proximal), em posição vertical, com sutura mecânica
ou manual (Figura-3).
Figura 3 - Anastomose colo-retal término-terminal. |
Relato dos casos
Caso 1
Paciente APF, cor branca, sexo masculino, 80 anos, natural de Minas Gerais, internado em
julho de 2000, com dor abdominal em cólica e
sangramento às evacuações há 5 meses. A colonoscopia
evidenciava lesão estenosante do cólon sigmóide
distal associada a doença diverticular
extensa, acometendo todo o cólon esquerdo. Foi
realizada colectomia subtotal, estendendo-se do ângulo
hepático ao sigmóide distal, seguida de anastomose do
cólon ascendente com o reto, após descolamento de todo
o conjunto íleo terminal/cólon ascendente e inversão
do mesmo, de acordo com a técnica previamente descrita.
Caso 2
Paciente JCSL, cor parda, sexo masculino, 49 anos, natural do Rio de Janeiro, foi atendido
no setor de emergência, em julho de 2001, com
dor abdominal súbita no hipogástrio, com evolução de
24 horas. Ao exame clínico apresentava abdomen
tenso, distendido, com massa palpável em fossa ilíaca
direita, com sinais de irritação peritoneal. A
avaliação laboratorial evidenciava leucocitose com desvio
para esquerda. Na laparotomia exploradora foi
encontrada diverticulite perfurada de sigmóide com abscesso
entre alças, tendo sido realizada sigmoidectomia à
Hartmann. Foi realizado clister opaco, no segundo mês
pós-operatório, que evidenciou múltiplos
divertículos colônicos, estendendo-se da flexura hepática até
o cólon descendente, preservando o cólon direito
(Figura-4). Foi realizada então a ressecção de todo o
segmento comprometido pela doença diverticular,
reconstituindo-se o trânsito intestinal com anastomose do cólon
direito, ao nível da flexura hepática, com o reto proximal,
de acordo com a técnica de inversão do cólon direito.
Figura 4 - Clister opaco do caso 2, no pré-operatório. |
Caso 3
Paciente SSF, cor branca, sexo masculino, 56 anos, natural do Rio de Janeiro, relatava
hematoquesia há cerca de 6 anos. Neste período foi submetido
a duas colonoscopias com polipectomias. Em julho
de 2003, em conseqüência de novo sangramento,
foi submetido a nova colonoscopia, sendo
constatada polipose intestinal múltipla, que se iniciava
proximalmente na flexura hepática, estendendo-se até
o cólon sigmóide, onde havia maior concentração
de pólipos. O ceco e o cólon ascendente não
apresentavam lesões polipóides. As biópsias realizadas
revelaram adenomas tubulares com displasia de baixo grau.
Foi realizada a ressecção dos segmentos
comprometidos, seguida de anastomose colo-retal após inversão
do cólon direito.
Comentário do caso 1
Houve dificuldade de abaixamento do
ângulo esplênico para realização de uma
anastomose transverso-retal, em virtude de retração e
espessamento do mesocólon. Optamos então por estender a
ressecção até a flexura hepática, a fim de evitar uma
anastomose sob tensão. O abaixamento convencional da
flexura hepática do cólon para anastomose à junção
reto-sigmoideana poderia provocar o acotovelamento
do cólon, o que dificultaria ou mesmo poderia impedir
o livre trânsito intestinal (Figura-5). Achamos
mais anatômica a realização de anastomose
colo-retal, fazendo-se a inversão prévia do cólon
direito. Realizamos a apendicectomia profilática, a fim
de evitar dificuldades no diagnóstico diferencial
com outras patologias agudas eventuais do abdome.
Figura 5 - Aspecto provável do cólon com o restabelecimento do trânsito intestinal, sem a inversão do cólon direito. |
Comentário do caso 2
Optamos pela anastomose colo-retal com inversão do cólon direito, em virtude da existência
de um mesocólon curto, que não permitia a
reconstituição convencional sem riscos de acotovelamento
colônico e isquemia. Três meses após a operação
de restabelecimento do trânsito intestinal, foi
realizado um clister opaco para estudo do novo
posicionamento do cólon e da anastomose (Figura-6).
Figura 6 - Clister opaco do caso 2, no pós-operatório. |
Comentário do caso 3
Esse paciente era sintomático, tendo
realizado previamente duas colonoscopias com
múltiplas polipectomias. Ao ser examinado em nosso serviço
foi constatada polipose múltipla, mais intensa no
cólon sigmóide, onde havia também lesão com suspeita
de degeneração maligna. Podiam ser observados
também pólipos até ao nível da flexura hepática,
poupando totalmente o ceco e cólon ascendente
(Figura-7). Optamos pela colectomia alargada para controle
da polipose, com ressecção iniciando-se no
ângulo hepático e estendendo-se até a junção
reto-sigmoideana, preservando o cólon direito livre de
doença. Simultaneamente foi realizada uma
colecistectomia para tratamento de colelitíase. O paciente evoluiu
no pós-operatório sem complicações. O exame
histopatológico revelou que a lesão suspeita do
cólon sigmóide era um adenocarcinoma
moderadamente diferenciado, com metástases para dois
linfonodos pericólicos. As demais lesões eram constituídas
por adenomas túbulo vilosos múltiplos. Foi indicado
então o tratamento quimioterápico complementar.
Figura 7 - Peça cirúrgica mostrando polipose colônica e lesão infiltrante-ulcerada no cólon sigmóide (adenocarcinoma). |
Discussão
Essa técnica permitiu uma anastomose
sem tensão, evitando também a angulação do
cólon proximal e a torção do pedículo vascular.
Poucos trabalhos relacionados a este tema foram
encontrados na literatura. Estes tratavam principalmente
de anastomoses íleo-ceco-retais, com preservação
da válvula
íleo-cecal1,2,3. A preservação do cólon
direito, quando possível, apresenta vantagens fisiológicas
sobre a anastomose íleo-retal, pois preserva a válvula
íleo-cecal, assim como um segmento importante para
a absorção de água e eletrólitos. Isso se reflete em
um menor número de evacuações diárias, com
maior intervalo de tempo entre as mesmas. Ocorre também
a evacuação de um bolo fecal menos irritante para o
canal anal, pois a preservação do cólon direito
permite também a inativação de enzimas digestivas
presentes no conteúdo ileal, através da ação de bactérias
presentes nesse segmento colônico. O acréscimo de
tempo cirúrgico envolvido nessa técnica é desprezível
quando comparado à colectomia total com anastomose
íleo-retal, com nítidas vantagens fisiológicas sobre esta.
SUMMARY: This work presents a new technical proposition for unusual situations in wide left colon resections, preserving the right colon free of disease. This technique proposes a right colon rotation with vertical end-to-end colo-rectal anastomosis. Three patients have been successfully operated on by this tecnique. We believe it is safe, no time consuming and presents phisiological
Key words: Colectomy, right colon, rectum, anastomosis, invertion, sparing.
Referências Biliográficas
1- Kalil M., Cintra L.C., Silva A.L. - Colectomia Total
e Ileopapilorreto-Anastomose Término - Terminal ou
por Telescopagem. Rev bras Coloproct, 2000; 20(4): 237-242.
2- Manzione, A. Válvula mucosa ileal na colectomia
com anastomose ileorretal; Estudo experimental.
Tese Doc. Livre. São Paulo, Fac.
Medicina, 1980.
3. Safatle, N. F. & Almeida, M. C. R. Anastomose ileorretal
ou ileocólica com preservação do esfíncter ileal: Técnica
e resultados. Rev Col Bras Cir, 1984; 11 (5): 153-60.
Endereço para correspondência:
Mário Luiz Macedo Xavier
Rua Vereador Duque Estrada, 131 - Santa Rosa
24.240-210 - Niterói (RJ)
Trabalho realizado no Serviço de Proctologia do Hospital Central do Exercito
Recebido em 06/11/2004
Aceito para publicação em 29/11/2004