RELATO DE CASO


MUCOCELE DO APÊNDICE - RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

1Yuri Diaz Yamane, Hirotaka Yamane, 1Paulo Cesar Castro Junior, 1Alexandre Marsilac, 1Rodrigo Barros Mesquita, 1Francisco Lopes Paulo

1Hospital Universitário Pedro Ernesto, HUPE, Rio de Janerio, RJ


Yamane YD, Yamane H, Castro Jr. PC, Marsilac A, Mesquita RB, Lopes-Paulo F. Mucocele do Apêndice - Relato de Caso e Revisão da Literatura. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 256-260.

RESUMO: Patologia rara do apêndice vermiforme, que ocorre em 0,2% a 0,4% das apendicectomias realizadas, a mucocele do apêndice consiste em uma dilatação cística, devida ao acúmulo de material mucinoso em sua luz. Ela pode se apresentar sob a forma benigna, como a mucocele simples e o cistadenoma mucinoso, ou na forma maligna, como o cistadenocarcinoma mucinoso.
    Trata-se de uma patologia de difícil diagnóstico pré-operatório, por ter uma sintomatologia muito variável. A maioria dos diagnósticos é feita durante as cirurgias por outras patologias, ou por achado histopatológico nas peças cirúrgicas. Existem dúvidas quanto à melhor conduta a ser tomada. Exames de imagem como USG, TC, clister opaco, e colonoscopia podem apenas sugerir o diagnóstico, auxiliando na definição da conduta cirúrgica no pré-operatório. A realização de biopsias é controversa, devido ao risco de disseminação peritonial de possíveis células neoplásicas, o que poderia ocasionar o Pseudomixoma peritoneii que é a pior complicação da mucocele de apêndice.
    O tratamento cirúrgico mais adequado à mucocele de apêndice é a hemicolectomia direita, porém em algumas situações é realizada apenas a apendicectomia, tendo como risco os implantes peritoniais que podem comprometer as chances de cura.
    O objetivo deste trabalho, além de fazer uma revisão da literatura sobre o assunto, é ressaltar a importância da definição de uma conduta cirúrgica mais adequada a esta patologia, relatando um caso em que o diagnóstico foi sugerido no pré-operatório.

Descritores: mucocele do apÊndice cecal, apendicectomia, pseudomixoma peritoneii, cistodenoma

Introdução
A.M.M., sexo feminino, 36 anos, branca, natural do estado do Rio de Janeiro, procurou nosso serviço com queixa de dor de leve intensidade em fossa ilíaca direita, com início há dois meses.
    No exame físico apresentava-se em bom estado geral, corada e hidratada, negando emagrecimento.
    À palpação abdominal notava-se uma tumoração móvel, de consistência endurecida, levemente dolorosa, localizada em fossa ilíaca direita.
    A USG abdominal revelou uma formação cística, alongada, encapsulada, medindo 7,1 x 2,0 x 2,0 cm nos seus maiores eixos, localizada na fossa ilíaca direita (Figura-1).

 
Figura 1



    A tomografia computadorizada mostrou uma dilatação do apêndice cecal com calcificações parietais curvilíneas na sua base, sugerindo tratar-se de mucocele do apêndice.
    A colonoscopia evidenciou uma lesão polipóide situada no ceco, com cerca de 2 cm de diâmetro, recoberta por mucosa enantematosa, não friável, cuja localização correspondia ao óstio do apêndice (Figura-2).

 
Figura 2



    A laparotomia evidenciou o apêndice cecal dilatado, com aspecto de "salsicha", paredes endurecidas, sem sinais de implantes no peritônio abdominal ou pélvico (Figura-3A).

 
Figura 3A



    Foi realizada uma hemicolectomia direita com anastomose íleo-transversa látero-lateral por duplo grampeamento.
    O laudo histopatológico revelou tratar-se de um cistadenoma mucinoso do apêndice, com cerca de 2,2 cm de diâmetro e com uma leve hiperplasia reacional dos linfonodos da cadeia linfática adjacente (Figura-3B).

 
Figura 3B



    A paciente evoluiu satisfatoriamente no pós-operatório, sem complicações cirúrgicas. Atualmente encontra-se no 2º. ano de seguimento pós-operatório, com exame físico, de imagem e laboratorial de rotina dentro dos padrões de normalidade .

Discussão
A mucocele do apêndice é um termo descritivo e inespecífico utilizado para descrever uma dilatação deste órgão, devida ao acúmulo de secreção mucóide.1,2,3,4 Esse acúmulo é lento e gradual, sem sinais de infecção, tornando o apêndice dilatado, de paredes finas e com uma massa cística no seu interior.
    Inicialmente descrita por Rokitansky em 18421,4, pensava-se que a mucocele do apêndice era devida a um processo inflamatório ou obstrutivo da luz do apêndice, causada por fecalitos. Hoje sabe-se que, na maioria dos casos, a mucocele é resultante de neoplasia que obstrue a luz apendicular.
    As mucoceles de apêndice foram classificadas por Higa et al5 em 3 categorias: 1) Hiperplasia mucosa sem atipias (mucocele simples); 2) Cistadenoma mucinoso (com algum grau de atipia) e 3) Cistadenocarcinoma mucinoso (com invasão estromal ou implantes peritoniais)1,5.
    A sua incidência varia entre 0,2% a 0,4% das apendicectomias em geral, com uma ligeira predominância do sexo feminino, sendo mais freqüente em idades acima dos 50 anos.2,4
    A sintomatologia mais comum da mucocele de apêndice é a dor abdominal, de intensidade e duração variáveis, podendo também ser observados a presença de massa palpável em fossa ilíaca direita, emagrecimento1,2,4,6 e outros sintomas menos freqüentes. Embora cerca de 25% dos casos sejam assintomáticos1,7, alguns estudos demonstram a correlação entre uma sintomatologia mais exuberante e um maior grau de displasia2,6.
    Em 60% dos casos, o diagnóstico é feito no intra-operatório de laparotomias indicadas por outras patologias, ou no pós-operatório durante o exame histopatológico2,4,6. Exames de imagem, como a tomografia computadorizada, ultrassonografia, clister opaco e colonoscopia, podem sugerir a presença de mucocele do apêndice, podendo auxiliar no diagnóstico pré-operatório1,8,9,10,11. Seu diagnóstico diferencial inclui hidrossalpingite, cisto de ovário, cisto mesentérico, linfocele, duplicação entérica e linfoma3. A biópsia percutânea para a confirmação diagnóstica pré-operatória é controversa, devido ao risco de uma disseminação de células neoplásicas no trajeto da punção ou no peritônio, podendo comprometer definitivamente a possibilidade de cura.1,2
    A sobrevida em 5 anos nos casos benignos de mucocele é próxima dos 100% e nos casos de malignidade fica em torno de 45%.1
    O Pseudomixoma peritoneii, que é o comprometimento do peritônio por células neoplásicas disseminadas, provenientes do conteúdo da luz apendicular, é a pior complicação dessa patologia e tem íntima correlação com a malignidade da mucocele do apêndice1,2,3,6,12. O seu tratamento envolve cirurgia radical do peritônio, associada a quimioterapia intraperitoneal e sistêmica, com baixo índice de cura e péssimo prognóstico.
    Aproximadamente 20% dos casos de mucocele de apêndice têm associação com o câncer colorretal1,2,6,9. No entanto, outras neoplasias como os carcinomas de ovário, endométrio, mama, próstata, bexiga e rim também podem estar presentes2.
    A elevação do nível de marcadores tumorais, como o CEA e o CA 50, tanto no pré-operatório quanto no acompanhamento pós-operatório, pode sugerir malignidade de cólon ou ovário concomitante à mucocele do apêndice.
    Em uma revisão de 135 casos de mucocele de apêndice, tratados na Mayo Clinic no período de 1976 a 2000, verificou-se que cerca de 1/3 dos casos eram malignos (cistadenocarcinoma mucinoso). Esse estudo também evidenciou que a maioria dos pacientes com sintomatologia mais exuberante no pré-operatório eram portadores de carcinoma, e que as lesões maiores que 2 cm deveriam ser removidas cirurgicamente, por apresentarem maior risco de malignidade6.
    Ainda segundo esse estudo, quanto ao tratamento, nos trabalhos mais antigos e nos primeiros pacientes dessa série, optava-se por fazer uma apendicectomia simples nos casos suspeitos de mucocele, com resultado satisfatório, quando se tratava de cistadenoma. No entanto, se o exame histopatológico apontasse malignidade, o tratamento era complementado por uma ressecção radical do território acometido, aumentando a morbidade e a mortalidade, além de aumentar a chance de disseminação neoplásica para o peritônio. Por isso, o tratamento inicial padrão para a mucocele de apêndice, passou a ser a hemicolectomia direita6.
    A apendicectomia videolaparoscópica é contra indicada pelo mesmo risco de disseminação de implantes, devido à manipulação e pela maior possibilidade de ruptura do apêndice durante o procedimento.1,2,4,6,13
    A hemicolectomia direita videolaparoscópica pode ser uma boa opção cirúrgica, embora devamos ter cuidados com a manipulação das pinças durante o procedimento, no sentido de se evitar a ruptura do apêndice, que se encontra friável e dilatado nesta patologia.
    No caso relatado, indicamos no pré-operatório a realização de uma hemicolectomia direita e ileocoloanastomose, conforme recomendado nos trabalhos mais recentes1,2,4,6, por duas razões: 1. A colonoscopia mostrava uma lesão polipoide no óstio apendicular, sem definição histológica, com suspeita de mucocele do apêndice. 2. Esse procedimento permite uma manipulação mais segura do apêndice, minimizando o risco de ruptura acidental do mesmo, o que poderia levar à disseminação de células malignas no peritônio. Além disso , proporciona margens cirúrgicas seguras, objetivando uma maior possibilidade de cura2,6, diante da possibilidade de um cistadenocarcinoma.
    Por ser uma patologia rara, de sintomatologia muito variável, e ter seu diagnóstico confirmado na maioria dos casos apenas no pós-operatório, muitas vezes a conduta tomada durante o ato cirúrgico não é a adequada. É importante ter em mente a possibilidade desse diagnóstico quando o cirurgião se depara com uma tumoração apendicular com essas características, a fim de evitar a realização de uma apendicectomia isolada. Caso haja impedimentos técnicos para a realização da colectomia, que removeria o apêndice em bloco com o segmento íleo-cólico, a conduta mais prudente seria a sua realização em outro tempo cirúrgico, eletivo, com equipe cirúrgica habilitada a fazê-lo. Essa conduta reduziria a morbidade e mortalidade cirúrgicas e aumentaria as chances de cura.

SUMMARY: A rare entity of the vermiform appendix that occurs in 0,2%-0,4% among appendicectomies, appendiceal mucocele (AM) is characterized by gross enlargement of the lumen from accumulation of mucin. It can be present in benign conditions like a simple mucocele and a mucinous cystadenoma or like malignant disease: the cystadenocarcinoma. The preoperative diagnosis is dificult by the variety of nonspecific signs and symptoms. It is usually made during operations for some other diseases or histopathologic finds. There is some doubts about the best choice of surgical resection in AM. Image studies may suggest the diagnosis and is important for patient management. Biopsy should be avoided to preserve integrity of the cyst and prevent the peritoneal dissemination of neoplasic cels developing as consequence the Pseudomixoma peritonei : the most fearful complication.
    Right hemicolectomy is the best surgical choice but sometimes appendicectomy is perfomed, increasing the risk of peritoneal dissemination and making worse the chance of cure.
    This is a case report and review of recent literature about the importance of a right surgical resection in a case management of AM.

Key words: Mucocele of the appendix, Apendicecal mucocele, Pseudomixoma peritonei, Cystadenoma, Surgical treatment

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Endereço para correspondência:
Yuri Diaz Yamane
E-mail: yyasmine@ig.com.br 

Recebido em 28/06/2005
Aceito para publicação em 08/08/2005

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, HUPE, Rio de Janeiro, RJ, Brasil