RELATO DE CASO
MUCOCELE DO APÊNDICE - RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA
1Yuri Diaz Yamane, Hirotaka Yamane, 1Paulo Cesar Castro Junior, 1Alexandre Marsilac, 1Rodrigo Barros Mesquita, 1Francisco Lopes Paulo
1Hospital Universitário Pedro Ernesto, HUPE, Rio de Janerio, RJ
RESUMO: Patologia rara do apêndice vermiforme, que ocorre em 0,2% a 0,4% das apendicectomias realizadas, a mucocele
do apêndice consiste em uma dilatação cística, devida ao acúmulo de material mucinoso em sua luz. Ela pode se apresentar sob a
forma benigna, como a mucocele simples e o cistadenoma mucinoso, ou na forma maligna, como o cistadenocarcinoma mucinoso.
Trata-se de uma patologia de difícil diagnóstico pré-operatório, por ter uma sintomatologia muito variável. A maioria
dos diagnósticos é feita durante as cirurgias por outras patologias, ou por achado histopatológico nas peças cirúrgicas. Existem
dúvidas quanto à melhor conduta a ser tomada. Exames de imagem como USG, TC, clister opaco, e colonoscopia podem apenas sugerir
o diagnóstico, auxiliando na definição da conduta cirúrgica no pré-operatório. A realização de biopsias é controversa, devido ao
risco de disseminação peritonial de possíveis células neoplásicas, o que poderia ocasionar o Pseudomixoma peritoneii que é a pior
complicação da mucocele de apêndice.
O tratamento cirúrgico mais adequado à mucocele de apêndice é a hemicolectomia direita, porém em algumas situações
é realizada apenas a apendicectomia, tendo como risco os implantes peritoniais que podem comprometer as chances de cura.
O objetivo deste trabalho, além de fazer uma revisão da literatura sobre o assunto, é ressaltar a importância da
definição de uma conduta cirúrgica mais adequada a esta patologia, relatando um caso em que o diagnóstico foi sugerido no pré-operatório.
Descritores: mucocele do apÊndice cecal, apendicectomia, pseudomixoma peritoneii, cistodenoma
Introdução
A.M.M., sexo feminino, 36 anos, branca, natural do estado do Rio de Janeiro, procurou
nosso serviço com queixa de dor de leve intensidade em
fossa ilíaca direita, com início há dois meses.
No exame físico apresentava-se em bom
estado geral, corada e hidratada, negando emagrecimento.
À palpação abdominal notava-se
uma tumoração móvel, de consistência
endurecida, levemente dolorosa, localizada em fossa ilíaca direita.
A USG abdominal revelou uma
formação cística, alongada, encapsulada, medindo 7,1 x 2,0
x 2,0 cm nos seus maiores eixos, localizada na
fossa ilíaca direita (Figura-1).
Figura 1 |
A tomografia computadorizada mostrou uma dilatação do apêndice cecal com calcificações
parietais curvilíneas na sua base, sugerindo tratar-se de
mucocele do apêndice.
A colonoscopia evidenciou uma lesão polipóide situada no ceco, com cerca de 2 cm de
diâmetro, recoberta por mucosa enantematosa, não friável,
cuja localização correspondia ao óstio do apêndice
(Figura-2).
Figura 2 |
A laparotomia evidenciou o apêndice cecal dilatado, com aspecto de "salsicha",
paredes endurecidas, sem sinais de implantes no
peritônio abdominal ou pélvico (Figura-3A).
Figura 3A |
Foi realizada uma hemicolectomia direita
com anastomose íleo-transversa látero-lateral por
duplo grampeamento.
O laudo histopatológico revelou tratar-se
de um cistadenoma mucinoso do apêndice, com cerca
de 2,2 cm de diâmetro e com uma leve
hiperplasia reacional dos linfonodos da cadeia linfática
adjacente (Figura-3B).
Figura 3B |
A paciente evoluiu satisfatoriamente no
pós-operatório, sem complicações cirúrgicas.
Atualmente encontra-se no 2º. ano de seguimento
pós-operatório, com exame físico, de imagem e laboratorial de
rotina dentro dos padrões de normalidade .
Discussão
A mucocele do apêndice é um termo
descritivo e inespecífico utilizado para descrever uma
dilatação deste órgão, devida ao acúmulo de
secreção
mucóide.1,2,3,4 Esse acúmulo é lento e gradual,
sem sinais de infecção, tornando o apêndice dilatado,
de paredes finas e com uma massa cística no seu interior.
Inicialmente descrita por Rokitansky em
18421,4, pensava-se que a mucocele do apêndice
era devida a um processo inflamatório ou obstrutivo
da luz do apêndice, causada por fecalitos. Hoje
sabe-se que, na maioria dos casos, a mucocele é resultante
de neoplasia que obstrue a luz apendicular.
As mucoceles de apêndice foram
classificadas por Higa et al5 em 3 categorias: 1) Hiperplasia
mucosa sem atipias (mucocele simples); 2)
Cistadenoma mucinoso (com algum grau de atipia) e
3) Cistadenocarcinoma mucinoso (com invasão
estromal ou implantes peritoniais)1,5.
A sua incidência varia entre 0,2% a 0,4%
das apendicectomias em geral, com uma ligeira predominância do sexo feminino, sendo mais
freqüente em idades acima dos 50 anos.2,4
A sintomatologia mais comum da mucocele de apêndice é a dor abdominal, de intensidade e
duração variáveis, podendo também ser observados a
presença de massa palpável em fossa ilíaca
direita, emagrecimento1,2,4,6 e outros sintomas
menos freqüentes. Embora cerca de 25% dos casos
sejam assintomáticos1,7, alguns estudos demonstram
a correlação entre uma sintomatologia mais
exuberante e um maior grau de
displasia2,6.
Em 60% dos casos, o diagnóstico é feito
no intra-operatório de laparotomias indicadas por
outras patologias, ou no pós-operatório durante o exame
histopatológico2,4,6. Exames de imagem, como
a tomografia computadorizada, ultrassonografia,
clister opaco e colonoscopia, podem sugerir a presença
de mucocele do apêndice, podendo auxiliar no
diagnóstico
pré-operatório1,8,9,10,11. Seu diagnóstico
diferencial inclui hidrossalpingite, cisto de ovário,
cisto mesentérico, linfocele, duplicação entérica e
linfoma3. A biópsia percutânea para a confirmação
diagnóstica pré-operatória é controversa, devido ao risco de
uma disseminação de células neoplásicas no trajeto
da punção ou no peritônio, podendo
comprometer definitivamente a possibilidade de
cura.1,2
A sobrevida em 5 anos nos casos benignos de mucocele é próxima dos 100% e nos casos
de malignidade fica em torno de 45%.1
O Pseudomixoma peritoneii, que é o comprometimento do peritônio por células
neoplásicas disseminadas, provenientes do conteúdo da
luz apendicular, é a pior complicação dessa patologia
e tem íntima correlação com a malignidade da
mucocele do apêndice1,2,3,6,12. O seu tratamento envolve
cirurgia radical do peritônio, associada a
quimioterapia intraperitoneal e sistêmica, com baixo índice de cura
e péssimo prognóstico.
Aproximadamente 20% dos casos de mucocele de apêndice têm associação com o
câncer colorretal1,2,6,9. No entanto, outras neoplasias como
os carcinomas de ovário, endométrio, mama,
próstata, bexiga e rim também podem estar
presentes2.
A elevação do nível de marcadores
tumorais, como o CEA e o CA 50, tanto no pré-operatório
quanto no acompanhamento pós-operatório, pode
sugerir malignidade de cólon ou ovário concomitante à
mucocele do apêndice.
Em uma revisão de 135 casos de mucocele
de apêndice, tratados na Mayo Clinic no período de
1976 a 2000, verificou-se que cerca de 1/3 dos casos
eram malignos (cistadenocarcinoma mucinoso). Esse
estudo também evidenciou que a maioria dos pacientes
com sintomatologia mais exuberante no pré-operatório
eram portadores de carcinoma, e que as lesões maiores
que 2 cm deveriam ser removidas cirurgicamente,
por apresentarem maior risco de
malignidade6.
Ainda segundo esse estudo, quanto ao tratamento, nos trabalhos mais antigos e nos
primeiros pacientes dessa série, optava-se por fazer uma
apendicectomia simples nos casos suspeitos de mucocele,
com resultado satisfatório, quando se tratava de
cistadenoma. No entanto, se o exame histopatológico
apontasse malignidade, o tratamento era complementado por
uma ressecção radical do território acometido,
aumentando a morbidade e a mortalidade, além de aumentar a
chance de disseminação neoplásica para o peritônio. Por isso,
o tratamento inicial padrão para a mucocele de
apêndice, passou a ser a hemicolectomia
direita6.
A apendicectomia videolaparoscópica é
contra indicada pelo mesmo risco de disseminação
de implantes, devido à manipulação e pela
maior possibilidade de ruptura do apêndice durante
o procedimento.1,2,4,6,13
A hemicolectomia direita
videolaparoscópica pode ser uma boa opção cirúrgica, embora
devamos ter cuidados com a manipulação das pinças durante
o procedimento, no sentido de se evitar a ruptura
do apêndice, que se encontra friável e dilatado
nesta patologia.
No caso relatado, indicamos no
pré-operatório a realização de uma hemicolectomia direita
e ileocoloanastomose, conforme recomendado nos trabalhos mais
recentes1,2,4,6, por duas razões: 1.
A colonoscopia mostrava uma lesão polipoide no
óstio apendicular, sem definição histológica, com
suspeita de mucocele do apêndice. 2. Esse procedimento
permite uma manipulação mais segura do
apêndice, minimizando o risco de ruptura acidental do mesmo,
o que poderia levar à disseminação de células
malignas no peritônio. Além disso , proporciona
margens cirúrgicas seguras, objetivando uma maior
possibilidade de cura2,6, diante da possibilidade de um
cistadenocarcinoma.
Por ser uma patologia rara, de
sintomatologia muito variável, e ter seu diagnóstico confirmado
na maioria dos casos apenas no pós-operatório,
muitas vezes a conduta tomada durante o ato cirúrgico não
é a adequada. É importante ter em mente a
possibilidade desse diagnóstico quando o cirurgião se depara
com uma tumoração apendicular com essas
características, a fim de evitar a realização de uma
apendicectomia isolada. Caso haja impedimentos técnicos para
a realização da colectomia, que removeria o
apêndice em bloco com o segmento íleo-cólico, a conduta
mais prudente seria a sua realização em outro
tempo cirúrgico, eletivo, com equipe cirúrgica habilitada
a fazê-lo. Essa conduta reduziria a morbidade
e mortalidade cirúrgicas e aumentaria as chances
de cura.
SUMMARY: A rare entity of the vermiform appendix that occurs in 0,2%-0,4% among appendicectomies, appendiceal
mucocele (AM) is characterized by gross enlargement of the lumen from accumulation of mucin. It can be present in benign conditions like
a simple mucocele and a mucinous cystadenoma or like malignant disease: the cystadenocarcinoma. The preoperative diagnosis
is dificult by the variety of nonspecific signs and symptoms. It is usually made during operations for some other diseases or
histopathologic finds. There is some doubts about the best choice of surgical resection in AM. Image studies may suggest the diagnosis and
is important for patient management. Biopsy should be avoided to preserve integrity of the cyst and prevent the peritoneal
dissemination of neoplasic cels developing as consequence the Pseudomixoma peritonei : the most fearful complication.
Right hemicolectomy is the best surgical choice but sometimes appendicectomy is perfomed, increasing the risk of
peritoneal dissemination and making worse the chance of cure.
This is a case report and review of recent literature about the importance of a right surgical resection in a case
management of AM.
Key words: Mucocele of the appendix, Apendicecal mucocele, Pseudomixoma peritonei, Cystadenoma, Surgical treatment
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Endereço para correspondência:
Yuri Diaz Yamane
E-mail: yyasmine@ig.com.br
Recebido em 28/06/2005
Aceito para publicação em 08/08/2005
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, HUPE, Rio de Janeiro, RJ, Brasil