ARTIGOS ORIGINAIS
COMPARAÇÃO DAS CONTAGENS DAS CÉLULAS DE LANGERHANS DE TECIDOS CONTENDO CARCINOMA ANAL EM DOENTES COM E SEM INFECÇÃO PELO HIV
Comparison of Langerhans Cells Counts from Tissues Containing Anal Carcinoma of Patients With and Without HIV Infection
SIDNEY ROBERTO NADAL 1,2; EDENILSON EDUARDO CALORE 1; SYLVIA HELOISA ARANTES CRUZ 2; SÉRGIO HENRIQUE COUTO HORTA 1; CARMEN RUTH MANZIONE 1; FANG CHIA BIN 2; PERETZ CAPELHUCHNIK 2; WILMAR ARTUR KLUG 2
1. Médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. 2. Médico da Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Brasil.
RESUMO: INTRODUÇÃO: As células de Langerhans (LC) são derivadas da medula óssea e constituem-se nas principais apresentadoras de antígeno da pele.conferindo desta forma, a resposta imune cutânea. Seu número está reduzido nos imunodeprimidos, incluindo na infecção pelo HIV, e a presença do tumor inibe sua migração, impedindo que os linfócitos T promovam regressão das células neoplásicas. OBJETIVO: Conhecer as diferenças entre as contagens de LC no tecido tumoral de doentes de carcinomas anais com e sem AIDS. MÉTODO: Avaliamos 24 doentes, sendo 14 com HIV e 10 outros sem HIV . O tratamento para o carcinoma foi semelhante nos dois grupos. Cortes retirados de blocos parafinados submetidos ao teste imunoistoquímico com anticorpo anti-CD68. Contamos as LC com método da histometria e os comparamos aos números obtidos com amostras previamente conhecidas de doentes sem doença infecciosa anorretal ou infecção pelo HIV. Revisamos também a evolução e as contagens séricas de linfócitos T CD4+ de doentes HIV-positivos. RESULTADOS: Observamos que o carcinoma anal foi mais freqüente em mulheres HIV-negativas e em homens HIV-positivos e que esses ultimos eram mais jovens. As LC foram menos numerosas nos doentes HIV-positivos e as maiores contagens estavam associadas com pior evolução. Os doentes HIV-positivos com os níveis mais baixos de linfócitos T CD4+ também tiveram as piores evoluções. CONCLUSÃO: Concluímos que as LC estavam diminuídas nos doentes HIV-positivos, portadores de carcinoma anal, quando comparados aos soronegativos.
Descritores: Carcinoma anal, Células de Langerhans, Células dendríticas, Infecção pelo HPV, Infecção pelo HIV, AIDS.
INTRODUÇÃO
A incidência do carcinoma anal
corresponde a 1,5% dos tumores do aparelho digestivo e entre
2 e 4% de todas as neoplasias malignas do
intestino grosso.1,2 Predominava no sexo feminino na
proporção de 5:1.3 Entretanto, após o surgimento da
AIDS, esse tipo de tumor tem freqüência 25 a 50
vezes maior nos infectados pelo HIV, quando
comparados com a população soronegativa, o que
demonstra mudança importante na epidemiologia
dessa neoplasia.2,4 Esse aumento vem sendo
observado desde os anos 80, especialmente entre
praticantes de sexo anal receptivo,5 e parece
estar intimamente relacionado com a infecção pelo Papilomavirus
humano (HPV).6,7 Além disso, acredita-se que o
aumento do tempo de expectativa de vida desses doentes, proporcionado pelo atual esquema de
drogas antirretrovirais, possa predispor o aparecimento
de maior número de tumores. 8,9
Avaliando a literatura, observamos a
existência de alguns fatores de risco para o aparecimento do
câncer. São eles, a imunodepressão provocada pelo HIV, a
associação com infecção pelo HPV, a presença dos
linfócitos T CD4+ abaixo de 100/mm³, a carga viral HIV
elevada, que sugere tratamento ineficaz ou ausente e
denota imunodepressão iminente, e a presença de
displasias.10-12 Além desses, outros também podem estar presentes,
tais como trauma, inflamação local e
tabagismo.2
A importância da depressão imunológica e
da infecção pelo HIV se mostra quando observamos
que o tumor, antes mais freqüente em mulheres acima
da sexta década da vida, 3,13 começa a incidir em
homens, na terceira e quarta décadas.14
Como a freqüência do câncer anal é baixa na população soronegativa e
vem aumentando em doentes com AIDS, talvez o HIV
seja o co-fator que o HPV necessite para induzir à
displasia que poderá evoluir para
carcinoma.4
A prevalência das lesões provocadas pelo
HPV entre doentes HIV-positivos aumenta enquanto a
contagem dos linfócitos T CD4+
diminui.15 Entretanto, a razão da transformação tumoral dessas lesões
permanece incerta. Como a infecção pelo HPV e a
imunodepressão elevam o risco para desenvolvimento do carcinoma
anal, podemos sugerir dois passos envolvendo essa
situação. O primeiro é caracterizado pelo HPV, em sua
forma latente, remanescente na mucosa anal, mesmo após
a erradicação dos condilomas. O segundo aspecto
deve-se às alterações encontradas nas células dendríticas
quando os condilomas reincidem. 16
As células de Langerhans (LC) são
células dendríticas derivadas da medula óssea que
representam as principais apresentadoras de antígeno da
pele (APC). Elas detectam antígenos na epiderme,
migram para os linfonodos que drenam a região e os
apresenta aos linfócitos T, conferindo, desta forma, a
resposta imune cutânea.17 Para tanto, precisam ser ativadas,
o que depende do interferon (IFN-gama), do fator
de necrose tumoral (TNF-alfa) produzidos pelos
linfócitos natural killer (NK) e de outros possíveis fatores
adicionais.18 Todavia, as interações entre LC e NK
podem se alterar em situações nas quais
a imunodeficiência requer ativação imediata dessas
duas células.19 As LC ativadas são estáveis, resistentes
aos fatores supressores relacionados ao tumor e
mostram capacidade aumentada de induzir resposta
imune.20
LC também têm função nos mecanismos
de defesa contra neo-antígenos nos tumores de pele.
A população destas células reduz com a idade, com
alguns agentes farmacológicos, incluindo
corticosteróides, ciclosporina e
retinóides,17 com a radiação ultravioleta,
e a maioria das drogas imunossupressoras diminui o
número e a função dessas células, predispondo ao
aparecimento do câncer.21 Com o estabelecimento da AIDS, há
aumento das LC imaturas,22 e a infecção pelo HIV
estimula a atividade do HPV pela redução das LC ativadas
no tecido.23 Entretanto, maior infiltração de LC foi
observada em carcinomas pulmonares de infectados pelo
HPV do que naqueles não contaminados por esse vírus,
embora o posterior crescimento do número dessas células
no tecido pulmonar esteja associado com melhor
prognóstico.24 Especificamente nas lesões da cérvix
uterina provocadas pelo HPV, sua diminuição parece estar
ligada ao grau de atipia.12 Além disso, a inibição da sua
função migratória pelos fatores derivados do tumor
parece incapacitá-las a promover a imunidade
protetora antitumoral.25 A infecção pelo HPV não pode
explicar isoladamente a carcinogênese. De fato, o HIV
determina imunodepressão local, causando resposta imune
deficiente à infecção viral, o que pode explicar o aumento
das taxas de displasia e câncer na área perianal.
26
A função dessas células infiltrando os
carcinomas anais e atuando na resposta inflamatória ainda é pouco
conhecida. Parece que seu número está aumentado,
porém não ocorre ativação, provavelmente por bloqueio
determinado por algum fator tumoral. Sabe-se também que a
incidência desses tumores é maior em doentes
imunodeprimidos, nos quais os linfócitos T CD4+ estão diminuídos.
27 Com objetivo de conhecer as diferenças entre os
carcinomas anais em situações de imunocompetência e
imunodepressão, comparamos as contagens de LC no tecido tumoral
de doentes com e sem AIDS.
MÉTODO
Utilizamos os blocos de parafina contendo carcinomas anais de 24 doentes, sendo 14 portadores
do HIV e 10 outros não infectados por esse vírus. Os
doentes HIV-positivos eram 12 homens e duas
mulheres com média etária de 41,1 anos (limites entre 29 e
55 anos) e os soronegativos eram 8 mulheres e dois
homens com média de idade de 57 anos (limites entre
37 e 82 anos). O tratamento realizado consistiu de radio
e quimioterapia, sempre que as condições clínicas
permitiram, seguidas de operações de resgate. O
esquema terapêutico foi semelhante nos dois grupos.
As lâminas foram revistas para
comprovação diagnóstica e os blocos de parafina dos casos
confirmados sofreram cortes com micrótomo, e
posteriormente foram fixados em lâminas e submetidos à
reação imunohistoquímica com anticorpo anti-CD68. Após,
identificamos e contamos, por método da histometria, as
células de Langerhans, em 10 áreas em três campos
diferentes de cada lâmina. Anotamos as médias
matemáticas para cada um, que comparamos com amostras
conhecidas de indivíduos sem HIV ou doença infecciosa
anorretal. Utilizamos números proporcionais a esses controles.
Posteriormente, avaliamos os prontuários
dos 24 doentes para verificar a evolução da doença e
sua relação com o número das células estudadas.
Avaliamos os dados encontrados com o
método estatístico de Kruskall-Wallis com índice de tolerância de 5%.
RESULTADOS
A análise estatística mostrou que o
carcinoma anal foi mais freqüente nos homens
HIV-positivos e em mulheres HIV-negativas
(p=0,003) e que o grupo dos soropositivos foi o mais
jovem (p=0,002).
Os testes imunohistoquímicos revelaram
que as médias das LC variaram de zero a 59 por
campo entre os doentes HIV-positivos e de 11 a 39
por campo para os HIV-negativos. As médias
foram maiores no grupo dos soronegativos, com significância estatística
(p = 0,032) Nesse grupo de pacientes, o número correspondeu a 50%
do encontrado nas amostras-padrão. Já, em
metade dos portadores do HIV, essas células eram
raras ou ausentes e, nos que as possuíam, as
contagens mostraram-se entre 25 e 50% dos valores normais.(Tabela 1).
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A análise estatística mostrou evoluções
semelhantes em ambos os grupos (p=0,697). Os
doentes HIV-positivos que apresentaram os piores resultados tinham contagens séricas de
linfócitos T CD4+ entre 4 e 21/mm³, embora o número
das LC tenha sido estimado entre 25 e 75%, superiores àqueles com boa evolução.(Tabela 2).
Também, entre os soronegativos, a freqüência
dessas células não diferiu conforme a evolução.
(Tabela 3).
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DISCUSSÃO
Nossa casuística mostrou a diferença
entre sexo e idade relatada na literatura entre
portadores de carcinoma anal. 3,4,13,14 Entre
os soronegativos, a incidência foi de quatro
mulheres para um homem e, para os soropositivos para o
HIV, foi seis vezes mais freqüente no sexo
masculino. Já quanto à idade, nos HIV-positivos a faixa
etária mais acometida esteve entre a terceira e
quinta décadas e entre os HIV-negativos, nas quinta
e sétima décadas.
Segundo a literatura, o número das LC na
pele perianal está reduzido pela metade nos imunodeprimidos pelo
HIV,12,23 favorecendo a evolução da infecção pelo
HPV.23 Sabe-se, também, que o aparecimento de lesões pelo HPV é decorrente
da diminuição da
imunidade.24 Desta forma, podemos concluir que a presença do carcinoma anal está
relacionada à imunodepressão e que a redução das
LC tissulares é esperada,16 fato confirmado pelo
nosso estudo. Porém, não sabemos se essa ocorrência
determina ou apenas acompanha esse tipo de tumor.
Em nosso estudo, o número de LC estava
reduzido nos doentes HIV-positivos quando comparados aos soronegativos. É provável que a redução
da resposta imunológica seja responsável pelo menor
número de LC nesse grupo de doentes. Todavia,
observamos as piores evoluções em doentes
HIV-positivos com as maiores contagens de LC. Acreditamos
que fatores tumorais impeçam sua ativação e
migração. De fato, a produção de TGF-beta-1 por tumores
de pele é suficiente para imobilização das LC,
impedindo sua migração para os linfonodos, reduzindo o
número de células T que infiltrariam o tumor,
evitando sua regressão.27
Nossa casuística revelou que os doentes HIV-positivos com pior evolução tinham as
menores contagens séricas de linfócitos T CD4+.
Revisando a literatura, observamos que a presença
dessas células abaixo de 100/mm³ e a carga viral
HIV elevada, que sugerem tratamento ineficaz ou
ausente e denotam imunodepressão, são fatores de
risco para o aparecimento do câncer.
10-12 E, na presença deste, o prognóstico será pior nos
doentes imunodeprimidos nos quais há aumento da
incidência de metástases linfonodais e de recidivas, e
diminuição do tempo de
sobrevivência10,28 e da resposta à radio e
quimioterapia.12
Análise multivariada publicada notou que o HIV foi o único fator de risco para a
diminuição das LC e que a carga viral do HIV, e não as
contagens séricas de linfócitos T CD4+, foi o
fator preditivo de risco para a redução dessas
células.16 Os mesmos autores referiram que o HPV
aumenta o número de LC na mucosa anal em
indivíduos HIV-negativos e que o HIV altera as
células dendríticas, conduzindo ao aumento do risco
para câncer anal.16
Ainda são poucos os trabalhos que avaliam
a importância das contagens de LC no carcinoma
anal. Acreditamos que serão necessários mais estudos
para averiguar se o número dessas células pode ter valor
no prognóstico dos portadores desse tipo de câncer.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos no presente estudo permitem concluir que as LC estavam
diminuídas nos doentes imunodeprimidos portadores de
carcinoma anal, quando comparados aos imunocompe-tentes.
ABSTRACT: Langerhans cells (LC) are bone marrow derived dendritic cells that represent the major antigen-presenting cells (APC) in the skin, thus representing an integral part of the cutaneous immune response. Immunossupression decreases their number, including HIV infection, and skin tumors products are sufficient to immobilize LC within the tumor, preventing their migration to lymph nodes. This reduces the number of T cells that infiltrate the tumor, preventing regression. OBJETIVE: Our proposal was to know what are the differences among LC counts comparing HIV-positive and _negative patients with anal carcinoma. METHOD: We evaluated 24 patients, 14 with HIV and 10 HIV-negative. Treatment for carcinoma was similar in both groups. Paraffin blocks containing biopsies were cut and stained with antibody anti-CD68. LC were counted in a histometrical way and number were compared to previous known specimens of HIV-negative patients without infectious anorectal diseases. We also studied cancer evolution and T CD4+ lymphocytes blood counts of HIV-positive patients. RESULTS: Statistics showed that anal carcinomas were more frequent in females HIV-negative and in seropositive males. HIV-positive patients were younger than seronegative ones. LC were decreased in seropositive patients and the most numerous counts were associated to worse prognosis. HIV-positive patients who had the most decreased T CD4+ counts had the worst prognosis, too. CONCLUSION: We conclude that LC were decreased in HIV-positive patients with anal carcinoma rather than in seronegative.
Key words: Anal carcinoma anal, Langerhans cells, Dendritic cells, HPV infection, HIV infection, AIDS.
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Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 apto 23
05.415-030 - São Paulo (SP)
Fone/FAX: (0xx11) 3223 8099 e 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 31/03/2006
Aceito para publicação em 01/08/2006
Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (1) e pela Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (2) - São Paulo - Brasil.