ARTIGOS ORIGINAIS
TRATAMENTO CIRÚRGICO DO CÂNCER COLORRETAL: RESULTADOS A LONGO PRAZO E ANÁLISE DA QUALIDADE
Surgical
Mauro de Souza Leite Pinho1 e 2; Luís Carlos Ferreira1 e 2; Harry Kleinubing Jr.
1Cirurgião do Setor de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinvile, SC; 2Professor da Disciplina de Clínica Cirúrgica do Departamento de Medicina da UNIVILLE - Joinvile, SC - Brasil.
RESUMO: A obtenção de resultados cada vez melhores no tratamento do câncer colorretal apresenta-se hoje como um desafio devido à sua crescente prevalência em todo o mundo. Diversos estudos têm demonstrado que a qualidade do tratamento cirúrgico instituído representa um dos principais fatores prognósticos, podendo ser esta avaliada através de aspectos como mortalidade operatória, preservação esfincteriana, recorrência local e sobrevida. O objetivo do presente trabalho é apresentar os resultados obtidos a longo prazo no tratamento cirúrgico do câncer colorretal pelo Grupo de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, em Joinville, e confrontá-los com a literatura a respeito, visando obter uma avaliação crítica da qualidade do tratamento instituído. Foi realizada uma análise prospectiva de uma série consecutiva de 97 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico do câncer colorretal, com perspectivas curativas e tempo de seguimento médio de 80,8 meses. Foi observada mortalidade operatória em seis pacientes (6,1%), recidiva local para câncer retal e colônico em seis (12,5%) e quatro (9,7%) pacientes, respectivamente, e a necessidade de realização de colostomia definitiva no câncer retal em 14 casos (27%). A sobrevida geral média foi de 48,9 meses. A sobrevida geral de cinco anos para o seguimento oncológico (n=63) foi de 52%, sendo 89% para pacientes estágio 1, 70% para pacientes estágio 2 e 20% para pacientes estágio 3. Concluímos que o tratamento instituído encontra-se dentro dos padrões aceitáveis do ponto de vista da literatura, demonstrando, no entanto, a necessidade de aprimoramento em alguns aspectos específicos.
Descritores: Neoplasias colorretais, cirurgia, controle de qualidade.
A obtenção de resultados cada vez
melhores no tratamento cirúrgico do câncer colorretal
apresenta-se hoje como um desafio permanente, devido à
sua crescente prevalência em todo o mundo. Embora
tenha ocorrido uma importante redução da morbidade
e mortalidade operatórias ao longo das últimas
décadas em conseqüência de melhores cuidados pré e pós
operatórios, os resultados oncológicos a longo prazo
não apresentaram uma variação semelhante, persistindo
os níveis de sobrevida bastante próximos àqueles
observados no início do século passado. Visando
melhorar estes resultados, sucessivas alterações têm sido
propostas em diferentes aspectos do
tratamento1.
No que diz respeito à técnica operatória,
tentativas de ampliação da radicalidade através de
ligaduras vasculares altas ou linfadenectomias
pélvicas alargadas mostraram-se controversas quanto à
sua efetividade 2, enquanto a ressecção do
mesorreto intacto representou um real avanço no sentido de
reduzir a incidência de recidivas locais
3.
Outros importantes benefícios em relação
à obtenção de melhores resultados oncológicos tem
sido obtidos através do aprimoramento de
terapias adjuvantes incluindo a quimioterapia e radioterapia
4. Inicialmente pouco eficazes, estas terapias
representam hoje um papel fundamental e indispensável no
tratamento do câncer colorretal, em especial após a
instituição de doses maiores de radioterapia e pela
compreensão de seu efeito sinérgico com a
quimioterapia. A introdução da terapia neo-adjuvante representou
outro marco no tratamento do câncer retal, oferecendo
a possibilidade de uma regressão tumoral parcial ou
total, vindo a se constituir como um elemento
terapêutico capaz de reduzir índices de recidiva local e
sobrevida. O desenvolvimento de técnicas de biologia
molecular representa hoje ainda uma importante perspectiva
através de uma melhor caracterização da neoplasia e
o desenvolvimento de medicamentos específicos,
em especial através de terapias monoclonais
5.
Entretanto, talvez a maior ênfase atual a
respeito dos fatores prognósticos relevantes no tratamento
do câncer colorretal esteja relacionada à qualidade do
tratamento cirúrgico instituído. Diversos estudos têm
demonstrado um benefício significativo em relação a
aspectos como mortalidade operatória, preservação
esfincteriana, recorrência local e sobrevida em centros nos quais
cirurgiões especialistas em cirurgia colorretal realizam um
volume maior de casos do que aquele observado em
centros não especializados e com um menor volume
6-8.
Neste sentido, torna-se de grande relevância
o conhecimento dos resultados obtidos a curto e
longo prazo nos diferentes centros que realizam o
tratamento do câncer colorretal, visando uma melhor
definição dos critérios de qualidade a partir de estudos
comparativos com aqueles obtidos em outros centros.
O objetivo do presente trabalho é
apresentar os resultados obtidos a longo prazo no tratamento
cirúrgico do câncer colorretal pelo Grupo
de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia do
Hospital Municipal São José, em Joinville, Santa
Catarina, assim como confrontá-los com a literatura a
respeito, visando obter uma avaliação crítica da qualidade
do tratamento instituído, assim como detectar a
necessidade de eventuais revisões de conduta.
MÉTODOS
Foi feita uma análise prospectiva de uma
série consecutiva de pacientes submetidos ao tratamento
cirúrgico do câncer colorretal no Departamento de Cirurgia
do Hospital Municipal São José com perspectivas curativas
e com tempo de seguimento mínimo de 24 meses. 97
pacientes preencheram estes critérios e foram incluídos no
estudo atingindo um tempo de seguimento médio de 80,8 meses
ou 6,7 anos. Todos os pacientes foram operados pelos
dois primeiros autores (MP 86 - LCF 11) ou por residentes
sob sua supervisão direta no campo operatório.
Todos os casos foram inseridos desde o
início da casuística em uma planilha contendo os dados
mais relevantes, sendo os pacientes seguidos ambulatorialmente através de revisões periódicas
com intervalos não superiores a seis meses, incluindo no
mínimo um exame físico, dosagem de CEA sanguíneo,
radiografias simples de tórax e ultrassonografia
abdominal. Pacientes faltantes ao seguimento foram
rastreados através de contatos telefônicos e solicitados a
retornar para avaliação. Duas pacientes foram perdidas do
controle e foram excluídas das análises de sobrevida,
sendo conseqüentemente possível um seguimento até a
presente data de 95 pacientes ou 98% da casuística.
O tratamento cirúrgico instituído em todo o
grupo obedeceu ao padrão convencional de
ressecções, seguindo os princípios oncológicos que incluem
a linfadenectomia e, no caso dos tumores retais, a ressecção do mesorreto intacto. Não foram
realizadas ressecções por via laparoscópica na presente casuística.
A terapia adjuvante foi indicada para a maior parte dos tumores colônicos estágio 2b ou superior e
a terapia neoadjuvante foi utilizada em pacientes
portadores de tumores retais fixos ou volumosos.
A análise da curva de sobrevida foi
realizada através da utilização do programa SSPS®.
RESULTADOS
Observou-se neste grupo um discreto predomínio do sexo masculino (n=51) sobre o sexo
feminino (n=46) e a média de idade foi de 61 anos (28 _ 87).
A localização mais freqüente foi no reto (52,5%),
conforme demonstrado na tabela 1.
As operações realizadas estão
demonstradas na tabela 2, havendo um amplo predomínio
das retosigmoidectomias abdominais (45,3%). Nos
pacientes portadores de câncer retal (n=51) houve a
necessidade de realização de
retosigmoidectomia abdominoperineal em 14 casos (27%) devido
ao comprometimento do canal anal ou ausência de
margem de segurança oncológica.
O estadiamento pela classificação TNM
demonstrou a presença de tumores estágio 1 em 21
pacientes (21,6%), estágio 2 em 40 (41,2%), estágio 3
em 33 (34%) e em três pacientes não foi possível
estadiar adequadamente a partir do laudo anatomopatológico.
Mortalidade operatória
Na presente série ocorreram seis óbitos
(6,1%) no período pós-operatório, sendo três destes em
decorrência de peritonite e os outros três por
problemas de natureza clínica (embolia pulmonar, pneumonia
e insuficiência cardíaca). A média de idade entre
estes pacientes foi de 75,5 anos (63 _ 87).
Recidiva
Dentre os 89 pacientes avaliados a longo prazo o seguimento médio foi de 81 meses (24 _
142). Destes, 56 pacientes não apresentaram sinais de
recidiva (62,9%), enquanto em 33 pacientes ocorreu recorrência da doença (37,1%). Ao analisarmos
de acordo com o estadiamento, observamos para os
estágios 1, 2 e 3 os índices de recidiva de 10%, 25%
e 64,5%, respectivamente.
A recidiva local foi observada em seis pacientes submetidos ao tratamento do câncer retal
(12,5%) e em quatro pacientes portadores de câncer
colônico (9,7%).
Sobrevida geral
No presente momento, 51 (53,6%) pacientes permanecem vivos, sendo que quatro destes
encontram-se com recidiva da doença.
A sobrevida média em todos os 89
pacientes avaliados a longo prazo foi de 48,6 meses. Nos
pacientes portadores de tumores estágio 1, a sobrevida
média foi de 65 meses, sendo que um paciente faleceu
de outra causa, sem evidência de recidiva. Nos casos
estágio 2 e 3 esta sobrevida foi de 57,7 e 34,8
meses, respectivamente, sendo que cinco pacientes estágio
2 e três pacientes estágio 3 faleceram de outras
causas. As curvas de sobrevida total e de acordo com o
estágio estão demonstradas na figura 1.
Figura 1 - Curvas de sobrevida. |
|
Geral |
Por estágios |
Sobrevida de cinco anos
Ao analisarmos os 63 pacientes desta
série com seguimento mínimo de 60 meses ou cinco
anos, veremos que 37 (58,7%) já faleceram, sendo seis
destes no pós-operatório imediato e sete, de causas
não relacionadas à doença ou ao tratamento cirúrgico.
Vinte e seis pacientes (41,2%) permanecem vivos,
nenhum deles com sinais de recidiva da doença,
sendo, portanto esta a sobrevida geral, não corrigida, de
cinco anos. Ao corrigirmos este cálculo de
sobrevida através da exclusão dos óbitos pós-operatórios e
mortes por causas não relacionadas à doença a fim
de obtermos uma avaliação dos resultados
oncológicos a longo prazo observaremos uma sobrevida geral
de cinco anos de 52%, sendo 89% para pacientes
estágio 1, 70% para pacientes estágio 2 e 20% para
pacientes estágio 3.
DISCUSSÃO
Diversos estudos têm sido realizados com
o objetivo de definir o impacto do cirurgião como
fator prognóstico no tratamento do câncer colorretal 6 -31. Para atingir este objetivo, tem-se buscado analisar
seu potencial qualitativo para a realização deste
tratamento e confrontá-lo com os resultados efetivamente
obtidos.
A qualidade do tratamento tem sido avaliada através de alguns parâmetros potencialmente
relacionados ao tratamento cirúrgico, incluindo a
mortalidade operatória, ocorrência de deiscências
anastomóticas, número de colostomias definitivas, recidivas
tumorais no local da ressecção e índices de sobrevida de
cinco anos 14, 18, 21, 23.
O potencial qualitativo do cirurgião para o
tratamento do câncer colorretal tem sido avaliado
através de dois aspectos inter-relacionados, sendo estes
a especificidade de sua formação e a regularidade
de sua experiência, usualmente quantificada a partir
do número de ressecções colorretais anuais 8, 13-15.
Para avaliar o valor prognóstico da
formação do cirurgião, diversos estudos têm sido realizados
comparando-se os resultados obtidos por
cirurgiões colorretais especializados com aqueles operados
por cirurgiões em fase de formação ou
não-especialistas.
Smith e cols 14 realizaram uma
auditoria prospectiva em 5.173 pacientes portadores de
câncer colorretal e observaram resultados
significativamente melhores obtidos por cirurgiões especialistas,
quando comparados ao tratamento realizado por não
especialistas referentes à mortalidade operatória (OR
0.67), deiscências anastomóticas (OR 0.46), recorrência
local (OR 0.44) e sobrevida (OR 0.76).
Read e cols 15 publicaram uma revisão
retrospectiva realizada por médicos radioterapêutas,
incluindo 384 pacientes submetidos ao tratamento
cirúrgico do câncer retal após radioterapia neoadjuvante, com
o objetivo de comparar resultados obtidos por
cirurgiões colorretais (n=251) e não colorretais (n=133). Os
pacientes operados por especialistas apresentaram
melhores resultados em relação à sobrevida de cinco anos
(77% x 68%, p<0,005) e ao controle local da
doença (93% x 84%, p<0,005).
Resultados semelhantes foram observados por Meagher 6 em uma revisão sistemática
no MEDLINE em um período de nove anos,
concluindo o autor que as informações atuais sugerem
fortemente que o cirurgião realmente representa um
importante fator prognóstico no tratamento do
câncer colorretal.
Quanto aos resultados obtidos por
cirurgiões em treinamento sob supervisão direta de
especialistas, estudos realizados por Renwick e cols 10 e Chester e cols 13 não foram capazes de
demonstrar diferenças significativas em relação àqueles
resultantes do tratamento realizado pelos próprios
especialistas.
A série apresentada neste estudo
representa a casuística do Departamento de Cirurgia de um
hospital público, classificado como universitário pelo
Ministério da Saúde e que inclui atividades de ensino
a nível de Graduação e Residência Médica. O Grupo
de Coloproctologia realiza atualmente uma média
aproximada de 70 operações colorretais abdominais por
ano, das quais cerca de metade refere-se a ressecções
relacionadas ao câncer colorretal.
Embora essencial para a avaliação dos
resultados do tratamento adequado de neoplasias
malignas, o seguimento a longo prazo destes pacientes
representa um grande desafio, requerendo o
estabelecimento de rotinas rígidas e permanente
reavaliação dos procedimentos. Três aspectos nos parecem
particularmente importantes para atingir este objetivo.
O primeiro deles é a existência de um único banco
de dados, independentemente do cirurgião
responsável pelo caso. O segundo refere-se a um ambulatório
de fácil acesso aos pacientes deste banco de dados,
em horário fixo e não submetido a mudanças
freqüentes, o qual deverá ser realizado, se possível, pelo
mesmo cirurgião responsável pela inserção e manutenção
do banco de dados. Finalmente, deve-se dar uma
extrema atenção em cada consulta à atualização de
informações capazes de permitir a localização de
pacientes eventualmente faltantes, como telefones,
endereços, parentes ou outras pessoas de referência.
Deve-se destacar que o grande crescimento do acesso
por parte da população de baixa renda à telefonia fixa
ou celular ao longo da última década representou
uma importante contribuição para o seguimento de
pacientes em nosso país.
O estabelecimento desta rotina permitiu alcançarmos um seguimento de 98% dos
pacientes com uma duração média de 6,7 anos. Para
preservar a integridade de nosso protocolo, incluímos
neste seguimento apenas pacientes operados por
cirurgiões do Grupo de Coloproctologia, não sendo
considerados pacientes operados por outros
cirurgiões do Departamento, incluindo operações eletivas
ou de urgência.
A análise destes dados forneceu algumas
informações bastante relevantes para uma
avaliação qualitativa do tratamento instituído, em particular
através da comparação com a literatura, como
discutiremos a seguir:
Proporção de ressecções abnominoperineais
Meyerhardt e cols 29 observaram, a partir
de um estudo multicêntrico com 1330 pacientes, que a
proporção de ressecções abdominoperineais e a
conseqüente realização de colostomias definitivas no
tratamento do câncer retal está relacionada ao volume
de casos operados em cada serviço, sendo estas
realizadas em 46,3% naqueles de baixo volume, 41,3%
nos serviços de volume intermediário e 31,8% em
serviços de alto volume. Penninckx 19, em uma revisão da literatura, afirma que a incidência de
ressecções abdominoperineais em portadores de câncer retal
varia entre 23-58% em centros especializados e
43-57% em serviços de cirurgia geral e sugere que níveis
abaixo de 40% sejam desejáveis para a ocorrência
deste procedimento.
Na presente série, apesar de esforços
bastante determinados em ampliar ao máximo o
número de operações com preservação
esfincteriana, otimizando a dissecção retal até o nível do
canal anal e empregando em alguns casos recursos
técnicos alternativos como a anastomose por
via transanal, eversão do reto ou
rebaixamento endoanal, não foi possível evitar a colostomia
definitiva em 27% dos tumores definidos como
retais, demonstrando a elevada incidência de
neoplasias que comprometem parte do canal anal ou com
grande proximidade a este.
Mortalidade operatória
Dimick e cols 18 realizaram um
importante estudo analisando os registros de 20 862
pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico do
câncer colorretal nos Estados Unidos no ano de 1997,
com ênfase especial sobre a mortalidade operatória,
idade do paciente e volume de casos operados em
cada hospital. A mortalidade operatória geral para os
842 hospitais foi de 3,1%. A análise por faixa etária
revelou uma variação dos níveis de mortalidade
que oscilou de 0,8% para pacientes com idade abaixo
de 50 anos até 6,9% para aqueles com mais de 80 anos.
Hospitais com grande volume de casos operados (>150 casos/ano) apresentaram uma
mortalidade operatória significativamente menor do que
aqueles com menor volume (<55 casos/ano) (2,5% x
3,7%, p=0,006). Esta diferença foi resultante dos
resultados obtidos em pacientes mais idosos,
observando-se uma mortalidade maior nos hospitais de
menor volume para pacientes acima de 65 anos (4,5%
x 3,1%, p=0,03) e acima de 80 anos (7,3% x 4,6%, p=0,04).
Esta relação entre a idade e a
mortalidade operatória mostrou-se também bastante
relevante na série aqui apresentada. Embora a
mortalidade operatória geral de 6,1% entre os 97 pacientes
esteja em um nível discretamente acima da faixa
de 2-5% presente na maior parte das estatísticas,
ela é o resultado de uma grande discrepância entre
a mortalidade operatória obtida nas diferentes
faixas etárias, tendo esta sido de 0% em pacientes até
50 anos (n=24), 4,9% para os pacientes entre 51 e
75 anos (n=61) e 25% para aqueles com idade superior a 75 anos (n=12). A elevada mortalidade
operatória neste último grupo revela a necessidade
de revisão dos cuidados pré, intra e
pós-operatórios destes pacientes uma vez que deverão estar
mais relacionados à ocorrência de complicações do
que à técnica operatória propriamente dita, realizada
de forma padronizada em pacientes de todas as
faixas etárias.
Recidivas locais
A incidência de recidivas locais é
considerada como um dos principais aspectos
potencialmente capazes de revelar a acuidade da
técnica operatória empregada. No que diz respeito
às ressecções de tumores colônicos, os relatos
sobre a recorrência locorregional é bastante difícil de
ser analisada devido à grande variabilidade entre
os diferentes relatos, os quais apresentam
números que podem variar entre 6% e 28%. Neste
sentido, a ocorrência de recidiva locorregional em 9,7%
dos tumores colônicos incluídos nesta série
parecem situar-se dentro de uma faixa compatível com
os resultados esperados.
Ao contrário dos tumores do cólon, a
recidiva local no tratamento cirúrgico dos tumores do reto
tem sido tema de um grande número de estudos ao
longo dos últimos anos, em particular pela introdução e
desenvolvimento de novos conceitos como a
ressecção total do mesorreto e a utilização de terapia
neo-adjuvante com resultados cada vez mais efetivos. Com a
utilização destes recursos de forma adequada,
observou-se uma progressiva redução da incidência de recidiva
local nos relatos da literatura, sendo hoje
considerada como aceitável a obtenção de níveis situados entre
5% e 10%.
Em nossa casuística, a incidência de 12,5%
de recidivas locais, embora bastante próxima aos
níveis considerados aceitáveis, pode ter sido influenciada
pela utilização de bomba de cobalto como equipamento
para a realização de radioterapia, uma vez que o número
de respostas completas mostrou-se bastante inferior
àqueles relatados pela literatura em geral com a
utilização dos modernos aparelhos aceleradores lineares.
Esta questão deverá ser resolvida em breve através da
instalação de um equipamento destes em nosso
Serviço de Oncologia. Além disto, novos esforços
técnicos deverão ser cumpridos no sentido de obter-se
uma maior redução da recidiva local, incluindo relatos
recentes que sugerem a realização de uma dissecção
mais alargada no terço inferior do reto, como aquele
publicado por Nagtegaal e cols 32.
Sobrevida
Ao observarmos as curvas de sobrevida na presente série, observamos uma estreita correlação
com o estadiamento da doença, apresentando em sua
maioria níveis compatíveis com aqueles relatados na
literatura em geral. A análise corrigida do grupo com
seguimento superior a cinco anos demonstrou uma
sobrevida geral de cinco anos de 52%.
A análise comparativa deste resultado com
a literatura representa um grande desafio devido à
ampla variabilidade entre os diferentes autores. De
uma forma geral, análises de sobrevida em
centros especializados com grande volume tendem a
demonstrar níveis mais elevados quando comparados a
hospitais e grupos com menor volume e/ou nível de
especialização. Neste sentido, nossa sobrevida de cinco
anos mostrou-se dentro da faixa média aceitável na
maior parte da literatura, embora em seu limiar inferior,
uma vez que esta irá variar entre 50 e 65 %, conforme
observado na Tabela 3. Uma análise mais detalhada
desta sobrevida geral nos revela que ela foi
negativamente influenciada por um resultado insatisfatório a longo
prazo especificamente observado nos pacientes estágio
3, cuja sobrevida de 20% foi bastante inferior ao
esperado, usualmente relatado na faixa de 30%-40%.
Em relação aos pacientes portadores de tumores estágio
1 e 2, obtivemos uma sobrevida de cinco anos de 89%
e 70%, sendo estes compatíveis com a maior parte
dos relatos da literatura.
Assim sendo, concluímos que a presente
revisão da experiência a longo prazo no tratamento
do câncer colorretal em nosso Departamento logrou
seu objetivo de possibilitar uma avaliação de sua
qualidade. De uma forma geral, obtivemos como
resposta que o tratamento instituído encontra-se dentro
dos padrões aceitáveis do ponto de vista da literatura,
demonstrando ainda, no entanto, alguns aspectos específicos sobre os quais necessitamos dedicar
alguma atenção no sentido de obter um
aprimoramento dos resultados.
Além disto, gostaríamos de destacar a
validade do esforço desempenhado no sentido de manter
um rigoroso seguimento a longo prazo dos pacientes, o
qual possibilitou o conhecimento de nossos resultados,
como base para o constante aprimoramento, estratégia
obrigatória não apenas para serviços de grande
volume, mas pertinente a todo cirurgião dedicado ao
tratamento do câncer colorretal, independentemente de seu
volume pessoal e institucional.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem ao Dr. Cristian Garcia pela colaboração na elaboração das curvas
de sobrevida.
ABSTRACT: Improvement of results in treatment of colorectal cancer remains a major challenge due to its increasing
worldwide prevalence. Several studies have demonstrated the quality of surgical treatment as one of the most important prognostic
factors, assessed by parameters such as operative mortality, sphincter preservation, local recurrence and survival rates. The aim of
this study is to present the long term results of Coloproctology Group of Department of Surgery of Hospital Municipal São José,
in Joinville, Brazil, as well as its quality analysis according to the accepted standards from literature. A prospective analysis of
a consecutive series of 97 colorectal cancer patients operated for curative purpose was undertaken, with a mean follow up of
80,8 months. Operative mortality occurred in six patients (6,1%), local recurrence for recatl and colon cancer in six (12,5%) and
four (9,7%) patients, respectively, and abdominoperineal resection was performed in 14 cases (27%) for rectal cancer. Mean
overall survival was 48,9 months. Five-year overall oncological survival (n=63) was 52%, including 89% for stage1, 70% for stage 2
and 20% for stage 3 patients. We conclude that the results obtained are acceptable for literature standards, but some
specific parameters need to be improved.
Key words: Colorectal neoplasms, surgery, quality control.
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Endereço para Correspondência:
Mauro Pinho
Rua Palmares 380 - Atiradores
89.203-230 - Joinville (SC)
E-mail:mauro.pinho@terra.com.br
Recebido em 14/09/2006
Aceito para publicação em 04/10/2006
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinville(SC) e Disciplina de Clínica Cirúrgica,
Departamento de Medicina, UNIVILLE, Joinville (SC).