RELATOS DE CASOS
SÍNDROME DE CHILAIDITI ASSOCIADA A VOLVO DE CÓLON SIGMÓIDE _RELATO DE CASO
Chilaiditi's Syndrome with Sigmoid Colon Volvulus - Case Report
Marcelo Wilson Rocha Almeida1; Bruno Hellwig2; Ricardo Lanzetta Haack3;AndrÉ Rodrigues da Silva4
1Médico-Residente em Cirurgia Geral do Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP). 2Títular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e professor adjunto da Clínica Cirúrgica da Escola de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). 3Cirurgião Oncológico do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas e Cirurgião do Pronto Socorro de Pelotas. 4Acadêmico da Escola de Medicina da Universidade Católica de Pelotas - RS - Brasil.
Descritores: Síndrome de Chilaiditi; volvo; cólon; sinal de Chilaiditi.
INTRODUÇÃO
A interposição temporária ou permanente
do cólon, intestino delgado (raro) ou estômago
(raríssimo) no espaço hepatodiafragmático é conhecida como
sinal de Chilaiditi, sendo geralmente
assintomática(1). É evidenciada normalmente em um exame
radiológico de abdome de rotina. A sua incidência é de
0,025% nos exames de raios-X em qualquer faixa etária,
aumentando levemente nos maiores de 60 anos, sendo mais comum em homens do que em mulheres na
relação de 4:1(1-4).
Demetrius Chilaiditi em 1910 relatou 3
(três) casos de pacientes assintomáticos com
interposição hepatodiafragmática do
cólon(1-7). A associação do
sinal de Chilaiditi com sintomas, como dor
abdominal, náuseas, dor retroesternal, sintomas respiratórios,
vômitos, distensão abdominal, obstrução ou
suboclusão intestinal caracteriza a Síndrome de
Chilaiditi(1-7).
A associação de volvo de cólon com
a Síndrome de Chilaiditi é rara, tendo sido publicados
7 (sete) casos na literatura internacional (língua
inglesa), 6 (seis) adultos em sua maioria homens e 1 (um)
numa criança de 12 anos(1).
O presente relato apresenta um novo caso
da síndrome de Chilaiditi associada a volvo de cólon
sigmóide, tratado cirurgicamente no Serviço de
Cirurgia Geral do HUSFP em 2006.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, branco, solteiro, 51 anos, natural e residente em Pelotas, RS. Procurou o
Pronto-Socorro de Pelotas (PSP) com queixa de
constipação, inapetência gradual e progressiva, aceitando
somente dieta liquida há 5 (cinco) dias. Relatava
parada de eliminação de gases, dor abdominal difusa,
vômitos e aumento do volume abdominal nas últimas 24hs.
Ao exame físico, apresentava-se desidratado, com
fácies de sofrimento, distensão abdominal
importante, timpânico, ruídos hidroaéreos ausentes, dor à
palpação superficial e profunda com sinais de irritação
peritonial difusamente. Toque retal sem fezes na ampola retal
e/ ou alterações ao alcance do dedo.
Familiar referia que o paciente apresenta-se, desde a adolescência, com quadro de constipação
intestinal, com fezes de consistência endurecida,
sem muco, pús ou sangue. Relatava que o paciente
era medicado, por conta de familiares, com laxativos
na freqüência de 1 a 2 vezes por semana. Há
aproximadamente 2 anos, iniciou, conforme orientação
medica, dieta rica em fibras e cereais e há 8 meses parou o
uso de laxativos.
Apresenta diagnóstico de retardo mental
feito aos 8 anos de idade e desde então faz uso de
haloperidol 5 mg/dia. Desde a infância tem dificuldade para
comunicar-se, deambular sozinho, sem controle
esfincteriano. Nega cirurgia e internação prévia. Referia também
que a mãe era hipertensa, nefropata e constipada
crônica, tendo sido submetida a cirurgia abdominal com
realização de colostomia, não sabendo o porquê. Pai
faleceu de infarto agudo do miocárdio fulminante.
Foi solicitado hemograma que evidenciou hemácias 5.09, hemoglobina 13.4, hematócrito
40.3%, VCM 79, leucócitos 13.900, bastões 1%,
segmentados 85%, eosinófilos 1%, monócitos 4%, linfócitos 9%.
Foi realizado Rx de abdome agudo, sendo
evidenciada distensão de cólon, sugestiva de volvo de sigmóide,
com imagem de cólon transverso entre o fígado e o
diafragma. (Figuras 1, 2, 3).
Figura 1 - Rx de abdome agudo evidenciando cólon transverso entre o fígado e o diafragma. |
Figura 2 - Rx de abdome agudo evidenciando cólon transverso entre o fígado e o diafragma. |
Figura 3 - Rx de abdome agudo evidenciando volvo de sigmóide. |
O paciente foi submetido a laparotomia exploradora com incisão mediana, sendo
constatado megacólon com volvo de sigmóide, e interposição
do cólon transverso entre o fígado e o diafragma.
(Figuras 4 e 5). Procedeu-se a colectomia subtotal,
com colostomia terminal em cólon ascendente e
fechamento do coto retal remanescente. (Figura 6). O
paciente evolui favoravelmente recebendo alta no 9º dia de
pós-operatório.
Figura 4 - Megacólon com volvo de sigmóide. |
Figura 5 - Megacólon com volvo de sigmóide. |
Figura 6 - Megacólon. |
A histopatologia evidenciou cólon com
acentuada atrofia mural e áreas de infarto hemorrágico.
Células ganglionares mioentéricas presentes e
inalteradas. Linfonodos com intensa congestão e linfangectasias.
Paciente no sexto mês de pós-operatório
sem intercorrências. Foi lhe sugerido o restabelecimento
do trânsito intestinal e ele ainda não concordou com
tal conduta que, obviamente, é a adequada.
DISCUSSÃO
Na literatura médica, são descritos três
tipos de interposição hepatodiafragmática: interposição
do cólon transverso e/ou intestino delgado no espaço
sub-frênico anterior direito, interposição do cólon ou
estômago no espaço extraperitoneal direito e
interposição do cólon transverso no espaço sub-frênico
posterior direito.(3)
São descritos muitos fatores
predisponentes, os mais freqüentes relacionados com possíveis
alterações anatômicas entre fígado, cólon e diafragma,
como: diminuição do tamanho do fígado, defeitos
congênitos dos ligamentos hepáticos, má-rotação ou
mobilidade anormal do intestino, alongamento do cólon
ou estreitamento da inserção no mesentério, alteração
do nervo frênico, eventração diafragmática e aumento
do diâmetro torácico.(4) Outros fatores também
relatados: constipação crônica, cirurgia abdominal prévia,
obesidade e aerofagia.(5)
Geralmente assintomática, esta
circunstância é relatada como um achado ocasional em exame
radiológico, sendo denominada de Sinal de Chilaiditi,
mas pode ser acompanhada de dor abdominal,
náuseas, vômitos, anorexia, constipação e menos
geralmente associada a complicações severas, como
obstrução intestinal aguda, sendo denominada de Síndrome
de Chilaiditi.(2)
Em adultos, a síndrome costuma ser
associada a cirrose, ascite(6), enfisema, hipotireoidismo com
constipação crônica, hipertensão arterial,
coronariopatias, apendicite, ectopia renal, síndrome de
Cushing(9), esquizofrenia, retardo mental e uso de
drogas antipsicóticas.(7)
Nas crianças, parece existir relação com
presença de alterações anatômicas
congênitas.(4) A incidência dessa patologia varia de 0,025% a 0,28%
na população, (8) sendo 4 vezes mais freqüente em
homens e acima de 65 anos.(2)
Em nosso caso, o paciente apresentava-se com retardo mental, uso crônico de
medicação antipsicótica, constipação intestinal crônica e
alongamento do cólon.
O volvo de cólon é uma conhecida
causa de obstrução intestinal; aproximadamente 3%
- 5% de todos os casos de obstrução intestinal
são produzidos por volvo de cólon e de todos os
segmentos o cólon sigmóide está envolvido em 40
a 60%.(10)
O volvo de sigmóide ocorre em pacientes
com cólon sigmóide alongado e redundante e
com estreitamento em nível de mesentério. Sua
elevada prevalência em pacientes internados em
instituições psiquiátricas é um fator a ser considerado, devido
à constipação crônica e medicações que
normalmente são usadas nesses pacientes. No Brasil, a doença
de Chagas com megacólon é uma causa importante
de volvo de cólon.(11)
Atualmente a descompressão endoscópica é
o procedimento de escolha para tratamento do volvo
de sigmóide em paciente estável e sem sinais de
isquemia ou perfuração do intestino,
(12,13) e pode resolver o quadro agudo em 70 a 90% dos casos, principalmente
devido ao diagnóstico e tratamento precoce. Falhando
a descompressão endoscópica ou havendo sinais
de isquemia intestinal, a ressecção do segmento
comprometido se impõe (procedimento de Hartman para
urgência e não preparo colônico é a técnica
cirúrgica mais utilizada).(14)
Embora a síndrome de Chilaiditi possa ser
tratada de forma conservadora, com repouso no
leito, descompressão nasogástrica, dieta líquida e enemas,
o procedimento cirúrgico deve ser considerado,
quando os sintomas não respondem à terapia conservadora
ou há sinais de
complicação. (15,16)
CONCLUSÃO
A interposição do cólon entre o fígado e a
cúpula diafragmática (síndrome de Chilaiditi),
associada a volvo de cólon sigmóide, constitui causa rara de
abdome agudo obstrutivo, embora o volvo de
sigmóide seja uma das principais causas de obstrução
intestinal mecânica no Brasil. A maioria dos pacientes é
constipada crônica. A síndrome está associada a
cirrose, ascite, enfisema, obesidade, hipertensão
arterial, hipotireoidismo, esquizofrenia, apendicite, rim
ectópico, síndrome de Cushing e retardo mental. Geralmente
o tratamento é clínico, porém se aparecem
complicações o tratamento é cirúrgico.
ABSTRACT: Introduction: This study aims at reporting a case of Chilaiditi Syndrome associated to sigmoid colon volvulus.
Case report: Male patient, white, 51 years old, arrives at an emergency hospital in Pelotas with complaints of stoping the
elimination of gases, diffuse abdominal pain, increase of abdominal volume, gradual and progressive inappetence, accepting only liquid.
He is diagnosed with mental retardation and a situation of intestinal constipation. An acute abdomen Rx highlighted a diffuse
colon distension, suggestive of sigmoid volvulus with tranversum colon image between the liver and the diaphragm. The patient
was submitted to exploratory laparotomy being highlighted sigmoid volvulus, diffuse megacolon and interposition of the
transverse colon between the liver and the diaphragm. Subtotal colectomy with terminal ascending colon colostomy was proceeded.
The patient evolved satisfactorily being discharged on the
9th day. Discussion: The interposition of the colon between the liver and
the diaphragmatic cupula (Chilaiditi syndrome) associated to sigmoid colon volvulus constitutes a rare cause of obstructive
acute abdomen, though the sigmoid volvulus is one of the main causes of mechanic intestinal obstruction in Brazil. Usually a
clinical treatment is done, although when associated to complications the treatment is surgical.
Key words: Chilaiditi syndrome; volvulus; colon; Chilaiditi sign.
REFERÊNCIAS
1. Chilaiditi D. Zur Frage der Hepatostose und Ptose
im allgemeinem im Anschuss na Fälle von temporärer,
partieller. Lebervelagung. Fortschr Geb Röntgenstr
Nuklearmed Erganzungsband 1910; 16: 173-208.
2. Flores N; Ingar C; Sánchez J; Fernández J; Lazarte
C; Málaga J; et al, Síndrome de Chilaiditi complicada
com Vólvulo de Colon Transverso. Rev Gastroenterologia
2005; 25:279-284.
3. Van Everdingen KJ; Feldberg MA. Diagnostic image
Chilaiditi syndrome. Ned Tijdschr Geneeskd 2001; 145 (42): 2026.
4. Katagiri Y; Onitsuka A; Miyauchi T; Mimoto H; Hirose
M; Shimazaki M; et al.. A case of hypogenisis of the
median segment of the liver complicated with Chilaiditi
syndrome. Nippon S G Zasshi 2001; 98 (1): 48-52.
5. Matthews J, Beck GW, Bowley DM. Chilaiditi
syndrome and recurrent colonic volvulus. R Nav Med Serv 2001;
87 (2):111-2.
6. Bhattacharya PC, Bhattacharya AK, Dutta S, Mahanta
N, Talukdar R. Chilaiditi syndrome with ascites. J
Assoc Physicians India 2002;50(6):860-1.
7. Miyaoka T; Seno H; Itoga M; Ohshiro R; Inagaki T;
Horiguchi J; et al. Chilaiditi´s syndrome associated to schizophrenia:
3 case reports. J Clin Psychiatry 2001; 62:58-29.
8. Orangio GR, Fazio VW, Winkelman E, McGonagle BA.
The Chilaiditi syndrome and associated volvulus of the
transverse colon. An indication for surgical therapy. Dis Colon
Rectum 1986; 29:653-656.
9. Pranava V, Rathod NR. Chilaiditi syndrome with
hipertension. J Assoc Physicians India 2001; 49 (5):589.
10. Frizelle EA, Wolff BG. Colonic volvulus. Adv Surg
1996; 29:131-9.
11. Hiltunen KM, Syrjä H, Matikainen M: Colonic
volvulus. Diagnosis and results of treatment in 82 patients. Eur J
Surg 1992; 158:607-611
12. Méndez AL, Castillo AC, Martinez AG. Obstrucción
intestinal secundaria a vólvulo del ángulo esplénico del colon.
Rev Esp Enf Dig 1998; 90 (2): 128-9.
13. Chiulli RA, Swantkowski TM. Sigmoid volvulus treated
with endoscopic sigmoidopexy. Gast Endoscopy 1993; 39:194-6.
14. Friedman JD, Odland MD, Bobrick Mp. Experience
with colonic volvulus. Dis Colon & Rectum 1989; 32:607-611.
15. Altomare DF; Rinaldi M; Petrolino M; Sallustio PL;
Guglielmi A; Pannarale OC, Chilaiditi´s syndrome. Successful
surgical correction by colopexy. Tech Coloproctol 2001; 5:173-175.
16. White JJ, Chavez EP, Souza J. Internal hernia of the
transverse colon _ Chilaiditi syndrome in a child. J Pediatr Surg
2002; 37(5): 802-4.
Endereço para correspondência:
Marcelo Wilson Rocha Almeida
Rua Santos Dumont, 548 - apto 301 - Ed. Camila.
96.020-380 - Pelotas, RS, Brasil
Tel.: (53) 3225-7151.
E-mail: mwralmeida@brturbo.com.br
Recebido em 06/09/2006
Aceito para publicação em 22/11/2006
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário São Francisco de Paula - UCPEL.