RELATOS DE CASOS
TUMOR DE CÉLULAS GRANULARES NO CANAL ANAL: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA
Granular Cell Tumor in the Anal Canal: Case Report and Literature Review
Bianca Andreucci Lima Moreira Santoni1; Fabio Eduardo Souza Pinto1; Leonardo Machado1; Edna Delabio Ferraz 1, 3; Gisela Gutierrez Del Cueto1; Cristine Maria Quintas2; Ronaldo Coelho Salles1, 4
1 Médico do Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro, Brasil; 2. Médico do Hospital Universitário/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; 3. Médico do Hospital da Lagoa, Rio de Janeiro, Brasil; 4. Chefe do Serviço de Coloproctologia, HMMC, Rio de Janeiro, Brasil
Descritores: Tumor de células granulares; Mioblastoma de células granulares; Trato gastrointestinal; Reto; Canal anal.
INTRODUÇÃO
O tumor de células granulares (TCG) do
cólon é uma lesão mesenquimal incomum. É um tumor
relativamente raro que pode estar localizado em
qualquer parte do corpo. Comumente surge na cavidade oral
e tecido subcutâneo sendo, porém, incomum no
colon, reto e canal anal.
No trato gastrointestinal, o esôfago é o local
mais acometido1 em ocorrência. Na maioria dos casos, o
TCG gastrointestinal é achado acidental durante a
endoscopia2. O local mais comum é a região anorretal e cólon
ascendente. O tumor é benigno, aparece como um
nódulo submucoso menor que dois centímetros de diâmetro.
O relato do caso chama a atenção para a
rara apresentação em canal anal. Baseamos esta
afirmação em uma revisão da literatura mundial sobre o
tema, utilizando os sistemas MEDLINE DATABASE, COCHRANE, LILACS, além de mecanismos de
busca da rede global de computadores mais conhecidos.
RELATO DO CASO
CQS, 28 anos, sexo feminino, negra, solteira, apresentou-se no ambulatório com queixa de dor
em ânus iniciada há seis meses, acompanhada de
alteração do hábito intestinal (evacuações com intervalos
de três dias). Negou eliminação de secreção, muco,
pus ou sangue pelas fezes. Referiu que há nove meses
teve início de dor em fossa ilíaca esquerda. Não havia
história de neoplasia na família. Relatou exame VDRL
positivo em 2001, sendo submetida a tratamento clínico.
Exame Proctológico
A inspeção era normal. Ao toque,
apresentava tumoração de consistência firme e lobulada,
medindo cerca de 2 cm de diâmetro em parede anterior do
canal anal. À anuscopia, notava-se revestimento anal
de coloração avermelhada, com elevação nítida.
Realizada retossigmoidoscopia que evidenciou outra lesão
semelhante, elevada, a cerca de 10 cm da margem
anal, em parede posterior do reto .
Conduta inicial _ Biópsia excisional
Em dezembro de 2004 foi realizada
biópsia excisional em nódulo de canal anal, e foram
visualizadas outras lesões nodulares, endurecidas, submucosas,
de coloração amarelo-brancacenta em toda
circunferência do canal anal (em número aproximado de sete).
O resultado histopatológico foi de tumor de células
granulares.
Colonoscopia
Em fevereiro de 2005, foi submetida à colonoscopia:
· canal anal _ lesões sésseis, de
aspecto brancacento, submucosos e de tamanhos variados
(cerca de sete lesões);
· retossigmóide _ uma lesão de
aspecto submucoso medindo 1 cm de diâmetro, séssil
e brancacenta;
· cólon transverso _ lesão polipóide,
séssil, brancacenta, de 0,5 cm, que foi biopsiada. O
laudo histopatológico foi de pólipo hiperplásico.
Ressonância Magnética
Em maio de 2005, foi realizada
ressonância magnética de pelve que visualizou apenas um
mioma uterino. Gordura peri-retal e fossa isquiática não
apresentavam alterações apreciáveis.
Tratamento cirúrgico
Em junho de 2005, foi submetida ao último
procedimento cirúrgico que consistiu em exérese de
lesão em canal anal, indicada pelo aumento indiscutível
de seu volume. Foi realizada através de acesso
transanal, com incisão transversal logo acima da linha
pectínea, exérese desta que se encontrava bem aderida
à submucosa. A lesão foi pouco difícil de ser
enucleada (Figura 1).
Figura 1 - Aspecto da lesão em canal anal, tratada com excisão cirúrgica. Note a coloração amarelo-brancacenta característica. |
Histopatológico
Confirmou o laudo anterior de tumor de
células granulares, que se caracteriza por células
granulares de forma ovóide com núcleo pequeno e
abundante citoplasma eosinófílico, contendo inúmeros
grânulos. (Figuras 2, 3 e 4).
Figura 2 - Corte histológico da peça, evidenciando detalhamento dos planos em relação ao tumor. Nota-se o plano muscular do canal anal, seu epitélio glandular à direita, e o tecido tumoral à esquerda (aumento 10 x). |
Figura 3 - Característica celularidade do tumor de células granulares (aumento 10 x). |
Figura 4 - Detalhe do citoplasma abundantemente granular eosinofílico, confirmando o diagnóstico histopatológico (aumento 40x). |
A imunohistoquímica demonstra uma expressão de vimetina, proteína S-100, enolase
neuronal-específica e PGP (produto do gene da proteína).
Evolução e seguimento
Em sua mais recente consulta (4º mês de
pós-operatório) apresentava-se sem queixas. Ao exame,
a parede em que foi realizada a excisão tinha
aparência de tecido fibrótico. Nenhuma outra alteração foi
encontrada no canal anal e reto inferior.
A paciente segue em acompanhamento ambulatorial semestral, com avaliação
colonoscópica anual programada.
DISCUSSÃO
O tumor de células granulares foi
inicialmente descrito por Abri Kossoff em 1926, que relatou
poder surgir virtualmente em qualquer parte do corpo,
mas raramente encontrada no trato
gastrointestinal3.
Parece surgir das células de Schwann.
Logo foi observada uma relação íntima do TGI com os
nervos periféricos4. Mais recentemente, a teoria da
célula de Schwann foi constatada pela coloração positiva
do citoplasma e núcleo de células granulares para
proteína S-100. As colorações adicionais para as células
granulares de proteína mielina e glicoproteína
mielo-associadas confirmam esta
hipótese5.
A incidência é maior no sexo feminino do
que no masculino (1,3:1) e a idade média é de 31 a 49
anos3.
O TCG geralmente se apresenta como um nódulo pequeno, pobremente circunscrito,
submucoso, com diâmetro menor que 2 cm, com curso clínico
benigno. É múltiplo em apenas 10-20% dos
casos.1 Apresenta recidiva em torno de 5-10% após sua
ressecção cirúrgica. 4,5
O diagnóstico na maioria das vezes é
acidental, feito através da endoscopia. A
aparência endoscópica do TCG assemelha-se a um
pólipo séssil (menos frequentemente como
pólipo pediculado), localizado em qualquer parte entre
o reto e o ceco, preferencialmente na área
anorretal e cólon direito5, 8. As descrições de
TCG gastrointestinal na literatura mundial têm
apontado com raridade a apresentação em canal anal
(Tabela 1).
CONCLUSÕES
Concluímos que, nos casos em que sejam
encontradas lesões nodulares de TCG menores que 2
cm, o melhor tratamento é a ressecção endoscópica
ou transanal, com um seguimento a curtos intervalos,
além de realização de colonoscopia, anualmente.
A endoscopia alta, visto que há maior probabilidade
de surgimento de TCG no esôfago, deve ser
lembrada sempre.
A maioria dos autores sugere colectomia total em casos de múltiplos tumores ao longo dos
cólons. Nos casos de localização pontual, a colectomia é
mencionada como boa proposta quando se encontra
lesão maior que 4 cm, devido ao seu alto risco
de malignização.
De acordo com a revisão da literatura, o
presente caso trata de uma forma rara de
apresentação do TCG.
ABSTRACT: The authors report a case of a 28-years-old female patient in which were diagnosed multiples granular cell
tumors in anal canal with no relationship to the complain. Granular cell tumor is incomum, usually a benign lesion that can
appear anywhere in the body. It has a rare presentation in the gastrointestinal tract. On the literature we were able to find out only
two cases in the anal canal. The discussion is about the diagnostic aspect of granular cell tumor in gastrointestinal tract, mainly
in rectum and anal canal, diagnostic methods and the recommended therapy. It's either shown a review based on the
world literature, emphasizing the granular cell tumor on anal canal.
Key words: Granular cell tumor; Granular cell Myoblastoma; Gastrointestinal tract; Rectum; Anal canal.
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tumorectomy for gastrointestinal submucosal tumor restricted to
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surgery. Gastrointest Endosc 1997;45(3):322-4.
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Endereço para correspondência:
Bianca Andreucci Lima Moreira Santoni
Avenida Epitácio Pessoa, 4.180 - bl. 01 - apt. 501
22.471-001 - Rio de Janeiro (RJ)
Fax: (21) 2266-0777
E-mail : bianca.santoni@uol.com.br
Recebido em 14/06/2006
Aceito para publicação em 24/07/2006
Trabalho realizado no Hospital Municipal Miguel Couto - Serviço de Coloproctologia - Rio de Janeiro, Brasil.