Descritores: Megacólon chagásico, laparoscopia, cirurgia minimamente invasiva.
INDRODUÇÃO
O megacólon chagásico é a complicação
mais freqüente da doença de Chagas. A infecção
ocasiona a destruição dos plexos mioentérico e submucoso,
especialmente em seu componente parassimpático,
levando ao surgimento de um obstáculo funcional à
passagem das fezes (1). Apesar de difusas, as lesões
predominam no reto e sigmóide, promovendo
obstipação crônica. Enquanto em uma fase incipiente o
tratamento clínico pode aliviar os sintomas e melhorar a
qualidade de vida dos pacientes, o tratamento cirúrgico
é geralmente necessário na fase avançada da doença
e na falha do manejo clínico.
Dentro deste contexto, surgiu uma ampla gama de opções cirúrgicas. Ressecções abrangentes
como a retossigmoidectomia, a sigmoidectomia, a
colectomia esquerda e a colectomia subtotal foram propostas.
Estas cirurgias se mostraram ineficazes em um
grande número de pacientes devido aos altos índices de
recidiva ou de complicações (2). Surgiram então
as retocolectomias anteriores com abaixamento do
cólon. Estas apresentaram resultados superiores e
passaram a ser as mais utilizadas. A cirurgia de Duhamel (3)
para tratamento da doença de Hirschsprung foi
posteriormente modificada por Haddad 4 e passou a ser a
opção mais difundida em nosso meio. Essa técnica
apresenta a desvantagem da anastomose ser realizada em
dois tempos cirúrgicos distintos. Modificações
posteriores surgiram com o emprego de grampeadores
mecânicos e permitiram a realização da cirurgia em tempo
único (5, 6). Mais recentemente, Nahas et al
(7) demonstraram que a realização de uma retossigmoidectomia
abdominal com anastomose mecânica colorretal
término-lateral posterior em tempo cirúrgico único traz
excelentes resultados a curto e médio prazos.
Visando menor trauma tecidual com dor
pós-operatória reduzida, menor estresse metabólico,
resolução mais rápida do íleo pós-operatório e redução
das taxas de complicações infecciosas e respiratórias,
a videolaparoscopia determinou uma revolução dentro
da cirurgia gastrointestinal, trazendo avanços também
no tratamento das moléstias colorretais. As primeiras
cirurgias colorretais laparoscópicas foram realizadas
na década de 90 e, apesar do ceticismo inicial, sua
aceitação tem sido crescente desde então, especialmente
para as patologias benignas.
Quanto à sua aplicação no
megacólon chagásico, poucos são os trabalhos na literatura
que abordam esse tema e não há uniformidade quanto
à técnica a ser empregada ou mesmo quanto a
variações táticas dentro de uma mesma técnica.
Dentro deste contexto apresentaremos a técnica e tática
cirúrgicas que empregamos habitualmente e uma
revisão da literatura a respeito dos resultados da
correção laparoscópica do megacólon chagásico.
TÉCNICA OPERATÓRIA
A respeito do preparo intestinal, utilizamos o PEG ou a fosfosoda associados ao enema
glicerinado na maioria dos casos. A vantagem destes métodos
sobre o manitol a 10% repousa na menor distensão
gasosa e no menor peristaltismo por eles promovidos.
Após anestesia geral, o paciente deve ficar
em posição de Lloyd-Davis e Trendelemburg com
lateral direita, visando facilitar o deslocamento das alças
intestinais da região a ser operada.
O pneumoperitônio é realizado pela
técnica fechada, exceto naqueles pacientes com
operações abdominais prévias.
Empregamos quatro trocartes, um na cicatriz umbilical (10 mm), um na fossa ilíaca direita
(12mm), um no hipocôndrio esquerdo (5mm) e um
no hipocôndrio direito (5mm).
Iniciamos a operação com o pinçamento
do mesentério do sigmóide medialmente. Realiza-se a
tração anterior e caudal deste, observando-se a
formação de uma tenda com uma estrutura que se
inicia cranialmente a 4 cm aproximadamente do local
inferido da bifurcação da aorta. O peritônio visceral é
então dissecado em sua face medial, pouco acima e
paralelamente à artéria ilíaca comum direita. Neste
momento, ao nível do promontório aparece o tecido
areolar retro-retal. A dissecação prossegue cranialmente,
mantendo-a em paralelo à artéria ilíaca direita e,
posteriormente, à aorta.
Realiza-se então a identificação da
emergência da artéria mesentérica inferior que é isolada,
ligada com clipes metálicos e seccionada entre os
clipes. Dessa maneira, obtém-se uma abertura ampla da
região posterior ao mesentério do cólon descendente
e sigmóide, visualizando-se o retroperitônio e a fáscia
da gordura peri-renal. Neste plano retroperitoneal
prossegue-se dissecando de medial para lateral até a
goteira parietocólica, obtendo-se a identificação do
ureter esquerdo e dos vasos gonadais esquerdos.
Continuamos a dissecação, agora em
sentido cranial, até a borda inferior do pâncreas. No ponto
de mesentério em sua porção medial com a borda
inferior do pâncreas se localiza a veia mesentérica inferior
que é então dissecada, individualizada e seccionada
após ligadura com clipes metálicos.
Após a ligadura da veia mesentérica inferior,
a dissecação prossegue no sentido do corpo para a
cauda do pâncreas, sendo realizada de forma romba
entre o tecido areolar da porção posterior do mesentério
do cólon descendente e a parte superior do corpo
pancreático.
Identificamos o espaço entre a
retrocavidade dos epíplons, estômago e cólon na região do
ângulo esplênico e prosseguimos liberando a borda
superior do pâncreas do mesocólon transverso em direção
ao ângulo esplênico. Neste momento, iniciamos
o descolamento da goteira parietocólica ao nível dos
vasos ilíacos à esquerda, seguindo cranialmente até
o ângulo esplênico, com liberação deste.
Com a exposição do cólon descendente e
transverso esquerdo, realizamos a liberação do
ligamento intercolo-epiplóico. Após esta manobra o cólon
descendente e transverso encontram-se livres para o
abaixamento.
Voltamos a visualizar a pelve e seguimos a dissecação caudalmente a partir do promontório.
Assim podemos imediatamente visualizar a bifurcação
dos nervos hipogástrios junto ao promontório e a
pelve. Dissecamos o espaço pélvico retro-retal em direção
à musculatura dos elevadores do ânus. Com a
tração anterior e lateral do reto o plano areolar da
gordura peri-retal posterior fica evidente.
Neste tempo cirúrgico esvaziamos o pneumoperitônio e realizamos a incisão
transversa suprapúbica, acessando a cavidade abdominal
e seccionando o reto abaixo do promontório com
um grampeador linear (o número de cargas utilizadas
varia conforme o diâmetro retal). O cólon é trazido
para fora da cavidade abdominal e seccionado proximalmente. Uma sutura em bolsa é realizada
com o auxílio da pinça de Furniss e atada com a ogiva
do grampeador circular já alocada na luz intestinal,
preparando o cólon para a anastomose.
O pneumoperitônio é refeito e o
grampeador circular introduzido através do ânus. Posicionamos
o grampeador quase verticalmente e perfuramos a
parede retal posterior perpendicularmente (Figura 1).
A ogiva é conectada ao grampeador e o mesmo é
disparado e retirado, confeccionando a anastomose
colorretal término-lateral posterior. A prova do borracheiro é
realizada neste tempo cirúrgico.
Realiza-se então a revisão hemostática, a
lavagem da cavidade com soro fisiológico e aloca-se
um dreno siliconado na pelve.
A respeito da técnica aqui descrita
gostaríamos de ressaltar alguns pontos. Em relação à
dissecação tradicionalmente utilizada na
retossigmoidectomia aberta, dita lateral para medial, a abordagem aqui
utilizada, medial para lateral (8), é mais fácil e rápida
de ser realizada (9).
Figura 1 - Confecção da anastomose colorretal término-lateral posterior com grampeador circular. |
Ao adiarmos a liberação da goteira
parietocólica e dissecar primeiramente os vasos mesentéricos
inferiores, evitamos que o cólon caia constantemente
sobre a óptica e instrumental cirúrgico. Enquanto
essa vantagem é observada em
retossigmoidectomias laparoscópicas por diversas patologias, é no
megacólon que ela se torna mais evidente devido às grandes
proporções cólicas.
A secção retal somente após sua
dissecação permite que a tração do sigmóide facilite a
exposição do plano a ser dissecado. Quando comparamos
a secção retal com um grampeador linear (através
da incisão suprapúbica), à sua realização
com grampeadores laparoscópicos, notamos uma
diminuição nos custos e no tempo cirúrgico.
Quanto à anastomose, esta deve ficar o
mais próximo possível da linha pectínea, ficando
a anastomose amplamente atingível ao toque retal
(Figura 2). Creditamos as estenoses descritas por
alguns autores ao fato da anastomose ficar muito alta,
próxima da linha de fechamento da cúpula retal,
criando uma região pouco vascularizada.
Figura 2 - Aspecto final da anastomose. |
RESULTADOS
Como citado previamente, quase não há
trabalhos a respeito do tema na literatura e as
técnicas empregadas são variadas. Em casuística publicada
em 2001, incluindo os dados de 14 equipes brasileiras
que se dedicam à cirurgia laparoscópica colorretal,
notamos que o megacólon chagásico foi responsável
por quase 20% das laparoscopias colorretais em
doenças benignas e 11,6% de todas as indicações, ficando
atrás apenas das indicações por doença maligna e
doença diverticular colorretal. Nessa casuística não
foram especificadas quais as cirurgias realizadas no
tratamento do megacólon chagásico (10).
Martins et al (11), em uma casuística com
14 pacientes portadores de megacólon chagásico,
realizaram o abaixamento colorretal posterior com
anastomose mecânica com grampeador circular pela
via laparoscópica em tempo único. Os autores
utilizaram quatro trocartes para acesso à cavidade, o
fechamento do reto foi realizado na altura da reflexão
peritoneal com grampeador linear e a peça retirada através
de mini-laparotomia, ampliando a incisão do trocarte
introduzido no quadrante inferior esquerdo do
abdome. Dentre as complicações intra-operatórias, os
autores tiveram uma secção parcial do ureter e uma
perfuração do cólon. O tempo cirúrgico médio foi de
179,3 minutos com média de permanência hospitalar de
5,1 dias. Não houve casos de deiscência da
anastomose (investigada através de estudo radiológico com
contraste hidrossolúvel no 5º dia pós-operatório). Não
houve necessidade de conversão cirúrgica em nenhum
caso e a mortalidade foi nula. Os autores concluem que
o método é seguro e eficaz em curto prazo
(seguimento máximo de 7 meses), permitindo um fácil controle
da dor pós-operatória e comparam o acesso
laparoscópico à cirurgia convencional, relatando um menor tempo
de permanência hospitalar e melhor resultado estético
com a via minimamente invasiva, além de um tempo
cirúrgico similar.
Reis Neto et al (12) operaram 56 pacientes com megacólon chagásico utilizando a técnica
de Duhamel modificada (com anastomose no mesmo tempo cirúrgico) com acesso pela via laparoscópica.
Eles utilizaram três trocartes na maioria dos seus
pacientes, lançando mão de um quarto em alguns casos de
maior dificuldade. A peça foi retirada pelo canal anal,
evitando estender a incisão de um dos trocartes. O
tempo cirúrgico médio foi de 142 minutos, com tempo
médio de internação hospitalar de 3 dias. Dentre as
complicações possíveis, os autores observaram
um sangramento sacral (1,78% dos casos) e uma
perfuração de sigmóide (1,78%). Houve uma conversão
cirúrgica para a via laparotômica (1,78%) no já
citado caso da perfuração e em 2 casos (3,57%) foi
necessária uma incisão complementar suprapúbica para
retirada da peça. Houve uma incidência de 3,57% de
infecção urinária e de 1,78% de trombose venosa
profunda. Três pacientes (5,35%) apresentaram
incontinência parcial temporária (gases e fezes líquidas) por um
período máximo de quatro meses, ficando
assintomáticos após esse período de tempo. Os autores seguiram
49 pacientes e observaram que destes um (1,78%)
passou a necessitar o uso esporádico de laxativos.
Não houve deiscência do fechamento da ampola retal,
nem necrose do cólon abaixado. Os autores terminam
o estudo comparando esses resultados à casuística
própria com 912 pacientes operados com a técnica
de Duhamel convencional e concluem que os
resultados são similares quanto à resolução da sintomatologia,
com menor índice de complicações pelo emprego da
via laparoscópica.
No presente momento, estamos revisando nossos casos visando publicar esses resultados. Vale
citar a casuística de Dainezi (um dos autores desta
revisão) que juntamente à sua equipe realizou 66
abaixamentos colorretais com pequenas modificações
técnicas em relação àquela aqui descrita. A equipe
vem realizando essa cirurgia desde abril de 1995 com
seguimento mínimo de 8 meses e máximo de 11
anos (média de 6,7 anos). O tempo cirúrgico médio foi
de 160 minutos, enquanto o tempo médio de
internação foi de 4,5 dias. Houve necessidade de conversão
em 12,2% dos casos, sendo mais comum nos primeiros 30 casos, podendo este fato ser creditado à curva
de aprendizado. Houve uma complicação
intra-operatória (1,51%) com lesão do ureter esquerdo. A
incidência de complicações precoces foi de 15,15% com
3 seromas, 2 deiscências de anastomose, 2
tromboses mesentéricas, 1 embolia pulmonar, 1 íleo
prolongado e 1 hematoma de parede. Já as complicações
tardias ocorreram em 6,06% dos pacientes sendo 2
estenoses da anastomose e 2 hérnias incisionais. Ocorreram
3 óbitos (mortalidade de 4,54%), sendo estes devido
a 2 tromboses mesentéricas e uma embolia
pulmonar, os 3 pacientes eram cardiopatas. Até o presente
momento não se observou recidiva do megacólon
em nenhum dos pacientes.
ABSTRACT: The role of laparoscopy in colorectal diseases is still expanding. The method is accurate and safe in a variety
of diseases. However, the applicability of this procedure for the treatment of chagasic megacolon still raises doubts concerning
the best operative technique and its outcomes. This uncertainties come both from the lack of studies about this subject and
the absence of a uniformly performed surgical technique even during conventional surgery. In this paper we present our
surgical tactic and a review of the current literature about the laparoscopic management of chagasic megacolon.
Key words: Chagasic megacolon, laparoscopy, minimally invasive surgery.
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12. Reis Neto JA, Pedroso MA, Lupinacci RA,
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Megacolo adquirido - Perspectivas fisiopatológicas para o
tratamento laparoscópico. Rev bras Coloproct,
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Endereço para correspondência:
Sérgio Carlos Nahas
Rua Jabebira, 136.
05602-020 - São Paulo (SP) - Brazil
E-mail: sergionahas@uol.com.br
Recebido em 04/12/2006
Aceito para publicação em 08/12/2006
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) e no Hospital São Joaquim e Santa Casa de Franca (SP).