ARTIGOS ORIGINAIS
CORRELAÇÃO ENTRE A SENSIBILIDADE RETAL E REFLEXO INIBITÓRIO RETO-ANAL COM AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DO ESVAZIAMENTO RETAL EM MEGACÓLON ADQUIRIDO
Correlation Between Rectal Sensitivity and Anorectal Inhibitory Reflex with Defecography in the Functional Evaluation of Acquired Megacolon
Chia Bin Fang1; Wilmar Artur Klug2; Jorge Alberto Ortiz3; Peretz Capelhuchnik4
1 Professor Associado; 2 Professor Titular; 3 Mestre em Cirurgia; 4 Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - SP - Brasil.
RESUMO: Pacientes com megacólon adquirido sofrem dupla disfunção: a)discinesia e dilatação do cólon, levando-o à inércia e b) a falha na inervação e sensibilidade retal, abolição do reflexo inibitório reto-anal e acalasia. Há vários métodos para quantificar a disfunção da defecação, e os resultados permitem avaliar o grau do distúrbio. Do ponto de vista da fisiologia anal, os métodos existentes são avaliação de sensibilidade por distensão por balão, pesquisa do reflexo reto-anal e proctografia quantitativa. O objetivo foi comparar estes métodos em 29 pacientes com megacólon avançado. Foram examinadas a sensibilidade retal, o reflexo inibitório reto-anal e feitas proctografias. Resultou que o reflexo inibitório reto-anal estava ausente em 79%, e a sensibilidade retal estava prejudicada em todas as medidas. Contudo, não houve correlação entre as alterações da sensibilidade e a presença ou ausência do reflexo. A sensibilidade foi comparada à medida do esvaziamento retal à proctografia. Também aqui o teste de correlação entre a perda de sensibilidade e porcentual de esvaziamento retal não mostrou significância estatística (p=0,382). Concluímos que, embora a quantificação da defecação seja melhor expressada pela proctografia, os exames de fisiologia nestes casos não são correlatos.
Descritores: Sensibilidade retal, reflexo inibitório, defecografia, megacolon.
INTRODUÇÃO
As lesões descritas no intestino grosso dos
portadores de megacólon são as mesmas que as
do esôfago e outros órgão afetados. A alteração
fundamental, da qual derivam as demais, é a destruição
do sistema nervoso autônomo. A intensidade das
lesões dos gânglios e dos plexos de Auerbach e
Meissner variam não só de caso a caso, como também em
um mesmo doente. É comum a preservação de um
gânglio e a destruição de outro, ou então, no mesmo gânglio
o encontro de neurônios aparentemente íntegros
com outros profundamente lesados 1. Há lesões em
outros órgãos e em todo o tubo digestivo , mas as do
sistema nervoso autônomo são mais intensas no esôfago
onde a dilatação é mais comum, e no cólon. Nestes órgãos
a maior intensidade das lesões nervosas é observada
nas porções mais dilatadas, ocasionando estase e
discinesia. A estase, por outro lado, poderia secundariamente
contribuir para maior lesão nervosa, por inflamação
secundária. Haveria então lesão adicional do plexo
de Meissner e a seguir do plexo de Auerbach,
fibrose, hipertrofia e alterações regressivas das fibras
musculares, e ainda outro ciclo de lesões nervosas
1. As alterações descritas são observadas em especial no
reto, onde a dilatação, hipertrofia da parede e danos
das estruturas nervosas são bem evidentes. Do
ponto de vista clínico, doentes com doença de longa
duração, com constipação grave e resistente às
medicações, com episódios eventuais de formação
de fecaloma ou antecedentes de volvo são os que
podem ter as mais graves lesões. São eles
mais freqüentemente enviados para considerar
indicação cirúrgica, após longo tempo de terapêutica
clínica insatisfatória.
BASES FISIOPATOLÓGICAS DA PESQUISA
A dificuldade em evacuar decorre de uma dupla alteração funcional: a discinesia e a dilatação
do cólon extensamente afetado o faz comportar-se
como inerte; e a falta de integridade nervosa retal leva
à diminuição da sensibilidade e à distensão e abolição
do reflexo inibitório reto-anal, e com conseqüente falta
de relaxamento ao evacuar, à acalasia.
Vários métodos permitem quantificar
o comprometimento da função. Em pacientes com
história clínica de constipação prolongada, há uso
repetido e intensivo de drogas laxativas e necessidade
de clisteres, formação de fecalomas e
esvaziamentos, operações pregressas por volvo, presença de
fecalomas ao exame, exagerada amplitude retal à
reto-sigmoidoscopia, imagens radiográficas de
mega-reto, ou ainda biópsia da parede retal mostrando
ausência de gânglios. Estas características podem variar
em cada caso, mas a associação delas é indicativa da
gravidade da doença.
Do ponto de vista da fisiologia anal,
porém, estudos de sensibilidade retal por insuflação de
balão, pesquisas do reflexo inibitório reto-anal e
proctografias, avaliando numericamente a capacidade do
esvaziamento de contraste rádio-opaco podem ser realizados.
Não há, para megacólon, muitos estudos funcionais
adequados utilizando estes métodos. São importantes
para avaliar comparativamente sua precisão, mas
também visam achar formas simples e reprodutíveis
de quantificação da perturbação funcional.
O objetivo do trabalho, com estas bases,
é comparar a sensibilidade retal por insuflação de
balão e a pesquisa do reflexo inibitório reto-anal com
a avaliação quantitativa do esvaziamento retal
por proctografia em megacólon avançado, tendo em
vista ainda a possibilidade de separar os doentes por
nível de gravidade.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Vinte e nove pacientes foram examinados. O estudo visou avaliar a sensibilidade retal, a
presença ou ausência do reflexo inibitório reto-anal, e a
correlação dos dados com o esvaziamento retal à
proctografia. Para tanto empregamos os métodos padronizados
pela Área de Fisiologia Anal da Disciplina de
Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
PESQUISA DA SENSIBILIDADE RETAL
Um balão para insuflação com ar era
introduzido no reto, e a distensão da ampola realizada
mediante insuflação com ar até a primeira sensação
retal (VPS). A seguir prosseguiu-se a insuflação até obter
a sensação constante de plenitude retal, sendo
registrado o volume de sensação constante (VSC).
Prosseguiu-se até à sensação imperiosa de evacuação,
quando foi registrado o volume máximo tolerado (VMT).
REFLEXO INIBITÓRIO RETO-ANAL
Durante este exame colocava-se um balão
independente no canal anal, na zona de maior
pressão, para medir a pressão anal em repouso e à
insuflação do balão retal, para constatar a presença ou
ausência do reflexo inibitório reto-anal
TÉCNICA DA PROCTOGRAFIA
Usava-se equipamento radiográfico
Seriscoph (Siemens). Em assento sanitário acomodavam-se
os doentes em posição sentada propícia à evacuação,
após esvaziamento retal. Preparava-se mistura de aveia
e sulfato de bário na proporção de 90/150ml,
introduzida no reto por sonda. Foram marcadas a posição do
ânus, região sacral e púbis. Com o doente posicionado
em posição sentada, eram realizadas proctografias em
repouso, contração anal e evacuação, além de
radiografia para avaliar esvaziamento do reto.
AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DO ESVAZIAMENTO RETAL
As radiografias em repouso e após
esvaziamento retal facultaram o cálculo de áreas para
obter estimativa do volume do contraste retal, antes e após
a evacuação. O cálculo foi feito pela sobreposição
de um retículo quadriculado para medida das áreas
em cm². O cálculo do esvaziamento retal era feito
subtraindo a quantidade da imagem contrastada antes e
após a evacuação. Assim, o porcentual de evacuação
foi obtido pela fórmula:
% de esvaziamento = volume inicial - final X 100
volume inicial
Os valores para esvaziamento retal foram:
áreas de contraste antes do esvaziamento retal, após
um minuto do esvaziamento e porcentual de
esvaziamento. Usou-se também para cálculo o porcentual residual.
MÉTODO ESTATÍSTICO
Média e desvio padrão foram calculados.
O teste t de Student foi usado para análise de
significância entre as variâncias. Adotado o nível 0,05.
RESULTADOS
REFLEXO INIBITÓRIO RETO-ANAL (RIRA)
A pesquisa do reflexo foi realizada em 29 doentes. Ausente em 23 dos 29 (79%), presente em
um homem em dez e cinco das 19 mulheres. Quando
presente, o volume necessário para desencadeá-lo variou
entre 50 e 180 ml de ar.
SENSIBILIDADE RETAL
Avaliou-se a sensibilidade retal pelos seguintes ítens: Volume da primeira sensação (VPS),
volume da sensação constante (VSC) e volume máximo
tolerado (VMT). Os valores obtidos constam da Tabela
1. O volume de ar insuflado para desencadear o
primeira sensação variou de 50 a 180 ml (VPS= 89,2 ±
41,0). Foram necessários volumes entre 90 e 360 ml
para desencadear a sensação constante de desejo de
evacuar (VSC= 266,8 ± 198,3). O volume máximo
tolerado oscilou entre 150 e 1500 ml (VMT= 485,6 ± 369,2).
DISCUSSÃO
Há mais estudos sobre a terapêutica que
a fisiopatologia do megacólon chagásico. Durante
muito tempo prevaleceu a ênfase na descoberta de
processos cirúrgicos mais eficientes e de menor
morbidez, relegando-se estudos fisiopatológicos. As
vias neurais e o mecanismo exato de reflexo
inibitório, bem como seu desaparecimento no megacólon
carece de estudos. Sua ausência foi constatada
há muito 2,3,4. O achados de 79% de
desaparecimento do reflexo corresponde às citações da literatura
5,6 . Sabe-se que estimulação simpática do
nervo hipogástrico reduz a pressão de repouso do ânus
7, e que após a ação de drogas á e â bloqueadoras
este efeito deixa de ocorrer 8. Também foi
demonstrado que o mesmo não ocorre com o reflexo
inibitório8. A ausência do reflexo no megacólon congênito
sugere que ele depende de vias neurais intramurais
intactas, em especial os plexos mioentéricos, sendo ele
mediado por vias intrínsecas situadas na parede
retal, sendo efeito do sistema nervoso extramural
apenas a modulação5. Ao considerar então que a
ausência de reflexo denotaria maior grau de lesão,
procuramos correlacioná-la com a sensibilidade.
Observamos, porém, que a ausência do reflexo não
é correlata às medições da sensibilidade por
insuflação do balão. Por serem os valores de insuflação
para desencadear sensações em indivíduos normais
muito menores que os encontrados para megacólon,
fica claro que as medidas que fizemos são alteradas
pela existência de doença avançada. Falta estudar
comparativamente doentes em vários graus
evolutivos do megacólon, para saber-se da possibilidade
de graduá-los com base em sensibilidade à
distensão, pois houve muita variação na tolerância à
insuflação, atingindo valor extremo de 1.500 ml.
A proctografia é exame já consagrado
para estudos de fisiologia anal, sendo que muitos autores
o empregaram com variadas modalidades
9,10. A avaliação quantitativa do esvaziamento também é
objeto de inúmeras técnicas, incluindo diversos
equipamentos, estudos cinéticos, variações da consistência
no conteúdo injetado, etc. , bem como estudos
de cintilografia 11 . Com o exame que praticamos,
observamos aumento de retenção, tempo mais
prolongado que o normal para exoneração, em vista da
acalasia, se fossem comparados com assintomáticos
12. A crítica a ser feita a esse tipo de exame está
na artificialidade do procedimento de laboratório, pois
as condições de execução exigem uma qualidade de
preparação ambiental e emocional difíceis de
transpor. Ademais, ao tentarmos correlacionar os resultados
da retenção com base no cálculo das áreas
radiográficas contrastadas com os volumes de ar injetado no
balão no teste de sensibilidade, não obtivemos êxito.
Contudo, ressaltamos que estudos visando avaliar
estes métodos de fisiologia anal confirmaram
sua reprodutibilidade 13 e coerência interpretativa
14.
CONCLUSÕES
Embora nos exames a variação de
medidas foi muito grande, com elevados desvios-padrão,
optamos pela proctografia como a melhor opção de
avaliação do distúrbio funcional da defecação em
megacólon. Concluímos que estes exames não são correlatos,
com base na casuística utilizada, bem como não foi
possível quantificar os doentes por ordem de gravidade.
ABSTRACT: Patients with acquired megacolon suffer from a double dysfunction: a) dilatation and inertia of the colon and b) low rectal sensitivity, inhibition of the anorectal reflex and achalasia. There are several methods to evaluate dysfunctions in defecation. However, from an anal physiology point of view, the most appropriate methods are: rectal sensitivity measurement with an air baloon, anorectal reflex verification and quantitative defecography. Our objective was to compare these methods in 29 patients with severe acquired megacolon. The results depicted that the anorectal reflex was absent in 79% of the cases and the rectal sensitivity was reduced in all cases. However, there was no correlation between the inhibition of the anorectal reflex, loss of sensitivity and defecography. The conclusion was that quantitative defecography was a more reliable method for these patients.
Key words: Rectal sensibility, inhibitory reflex, defecography, megacolon.
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Endereço para correspondência:
Wilmar Artur Klug
Alameda Ribeirão Preto, 487
São Paulo - SP
01331-001
Email: klug@doctor.com
Recebido em 29/10/2007
Aceito para publicação em 18/02/2008
Trabalho realizado na Área de Fisiologia Anal da Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia - Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo - Brasil.