Como eu faço?


Manuseio do paciente com anismus

Por: Luciana Marzan




A constipação intestinal é uma queixa frequente, que acomete entre 2 e 28% da população adulta1. Ela pode ser secundária à condições sistêmicas, mas na maioria dos pacientes, nenhuma causa estrutural ou bioquímica pode ser identificada. A constipação funcional recai em uma das categorias: inércia colônica ou anismus. A prevalência de cada uma é difícil de determinar já que o diagnóstico é muitas vezes incerto e as duas condições podem coexistir.

Estima-se que a prevalência do anismus esteja entre 36 e 52% das crianças com encoprese, e entre 25 e 53% dos adultos constipados2.O anismus é mais comum nas mulheres do que nos homens, e sua prevalência aumenta com a idade.

O termo anismus, tem sido utilizado para descrever a síndrome de defecação obstruída caracterizada por contração inapropriada do músculo puborretal ou o não relaxamento do mesmo durante o esforço evacuatório. A síndrome do assoalho pélvico espástico ou a dissinergia do assoalho pélvico, são outros termos utilizados para essa condição.3

O anismus, faz parte da categoria da constipação funcional e seus sintomas incluem esforço evacuatório, sensação de evacuação incompleta, sensação de obstrução ou bloqueio anorretal e manobras manuais para facilitar a exoneração. Os pacientes com anismus se apresentam com sintoma de evacuação retal incompleta associados à falta de relaxamento ou contração paradoxal da musculatura do assoalho pélvico durante a evacuação, na presença de forças propulsivas adequadas. Outras formas de obstrução de saída são a retocele, prolapso retal, síndrome do períneo descendente...4

A avaliação da dissinergia pode ser alcançada com alguns testes fisiológicos ou de imagem. A precisa contribuição da dissinergia para o bloqueio evacuatório é imprecisa porque ela também é vista em pacientes assintomáticos ou com dor retal, motivo pelo qual é um desafio a simulação da evacuação em laboratório1.  Quando a dissinergia e anormalidades estruturais se sobrepõem (retoceles, intussuscepação), é difícil determinar a contribuição de cada qual para os sintomas (figura 1)1.

Testes como manometria anorretal convencional ou de alta resolução, eletroneuromiografia, defecografia, ressonância magnética dinâmica (defecorressonância), ultrassonografia 2D e 3D5 e teste da expulsão do balão, podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico de anismus. Infelizmente, não há um único teste capaz de diagnosticar a presença e extensão do anismus.

O treinamento com biofeedback é um método fisiológico, onde o paciente toma consciência de como relaxar a musculatura do assoalho pélvico e a concordância dos movimentos de contração. Uma série de artigos tem sido descritos sobre o biofeedback no anismus, com taxas de sucesso variando de 9 a 100%. Os resultados são inconsistentes, os estudos com pequenos números e mal controlados. Indicado para tratamento do anismus com nível II e grau B de evidência6,7

O uso da toxina botulínica tipo A, potente neurotoxina, tem sido descrito em pacientes com anismus refratários ao biofeedback 8,9. Atua inibindo a liberação de acetilcolina na junção pré-sinaptica, com consequente redução da contração da musculatura durante a evacuação]. A dose recomendada é variável na literatura, mas doses maiores de 100 u , divididas em 30 u nas alças do puborretal às 3 e 9 h e 40 u às 6h, mostram melhores resultados. A agulha é direcionada com a ajuda do toque retal e confirmada por ultrassonogradia 3D em alguns serviços. A toxina botulínica tem resultados promissores ao relaxar o puborretal, aumentar o ângulo anorretal durante o esforço e permitir a evacuação. No entanto, seu resultado é temporário e talvez mais aplicações sejam necessárias.

Cirurgia não tem papel no tratamento do anismus.

Como eu faço?

O paciente com queixa de constipação crônica é avaliado através de anamnese detalhada, visando hábito alimentar, ingesta hídrica, exercícios físicos, trauma físico ou psíquico (e nesse quesito, precisamos de uma boa relação médico- paciente).

A otimização da função intestinal, com o objetivo de deixar as fezes moldadas e macias, são inicialmente o primeiro passo para uma melhor evacuação, orientando quanto a fisiologia da evacuação, posicionamento no sanitário, ingesta hídrica, uso de fibras e laxativos (na grande maioria das vezes necessário).

A queixa persistente de bloqueio evacuatório, esforço, uso de manobras digitais e sensação de evacuação incompleta, sugerem uma defecação obstruída. O exame proctológico já nos mostra algumas possíveis alterações (dissinergia do assoalho pélvico, retocele...). Nesse momento, um exame complementar será necessário para evidenciar alterações de relaxamento ou não relaxamento ao esforço evacuatório (manometria anorretal, ultrassonografia endoanal 2D ou 3D, defecografia, defecorressonância, eletromiografia), além de identificar outras alterações anatômicas. O exame de eleição será aquele disponível em cada serviço. Em algumas situações a associação de exame de imagem e testes fisiológicos é importante para avaliarmos alterações concomitantes ao anismus.

Uma vez diagnosticado o anismus, o paciente é encaminhado para sessões de biofeedback, com fisioterapeutas treinadas para essa função. O paciente tem que estar motivado para as sessões. A adesão ao tratamento é muito importante para o seu sucesso.

Nos pacientes refratários, a outra possibilidade é o uso da toxina botulínica, associada ao biofeedback. O biofeedback vai trazer a consciência corporal do paciente, o que é muito importante para que ele possa coordenar a contração abdominal e o relaxamento do assoalho pélvico.

Em alguma situações, há necessidade de orientação à psicoterapia.

Figura 1 Exemplos representativos de evacuações normais e anormais através da Ressonância magnética dinâmica (imagens acima) e manometria anorretal de alta resolução (imagens abaixo).



Bibliografia

  1. Adil E. Bharuchaand Brian E. Lacy. 2020 Apr; 158(5): 1232–1249.e3. Mechanisms, Evaluation, and Management of Chronic Constipation. Gastroenterology. 2020 Apr; 158(5): 1232–1249.e3.

  2. Mugie SM, Benninga MA, Di Lorenzo C. Epidemiology of constipation in children and adults: a systematic review. Best Pract Res Clin Gastroenterol2011;25:3–18.

  3. Preston DM, Lennard-Jones JE. Anismus in chronic constipation. Dig Dis Sci1985;30:413–418.

  4. Palit S, Thin N, Knowles CH, et al. Diagnostic disagreement between tests of evacuatory function: a prospective study of 100 constipated patients. Neurogastroenterol Motil2016;28:1589–1598.

  5. M. Murad-Regadas, F. S. P. Regadas, R. G. L. Barreto‡, L. V. Rodrigues and

  6. H. L. P. de Souza. A novel two-dimensional dynamic anal ultrasonography technique to assess anismus comparing with three-dimensional echodefecography

  7. Satish S.C. Rao,  Marc A Benninga, ,Adil E Bharucha, Giuseppe Chiarioni,  Carlo Di Lorenzo,  and William E Whitehead, Neurogastroenterol Motil. 2015 May; 27(5): 594–609. ANMS-ESNM Position Paper and Consensus Guidelines On Biofeedback Therapy for Anorectal Disorders

  8. Hite, M., & Curran, T. (2020). Biofeedback for Pelvic Floor Disorders. Clinics in Colon and Rectal Surgery.

  9. Yong ZhangZhen-Ning WangLei HeGe GaoQing ZhaiZhi-Tao Yin, and Xian-Dong Zeng. World J Gastroenterol.2014 Sep 21; 20(35): 12602–12607. Botulinum toxin type-A injection to treat patients with intractable anismus unresponsive to simple biofeedback training

  10. Maria, G., Brisinda, G., Bentivoglio, A. R., Cassetta, E., & Albanese, A.Dis Colon Rectum. 2000 Mar;43(3):376-80. Botulinum toxin in the treatment of outlet obstruction constipation caused by puborectalis syndrome


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