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Câncer de reto

Artigo comentado pelo Dr. Rodrigo Gomes da Silva




Arabachalam L, O’Grady H, Hunter I, Killeen S. A Systematic Review of Outcomes After Transanal Mesorectal Resection for Rectal Cancer. Dis Colon Rectum 2016;59:340-350


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A cirurgia do câncer de reto é tecnicamente difícil por qualquer via que se escolha para realizar a excisão total do mesorreto (ETM). A técnica da ETM aberta preconizada pelo Dr. Richard Heald nos possibilitou adquirir novos conceitos. A importância de se ter a fáscia visceral intacta e o papel da margem circunferencial foram reconhecidos como variáveis fundamentais ao se avaliar o risco de recorrência local no câncer de reto.

Com o desenvolvimento das técnicas minimamente invasivas, foi natural que os cirurgiões iniciassem a experiência com a colectomia laparoscópica. Estudos clínicos randomizados determinaram a segurança oncológica dessa abordagem e esse procedimento rapidamente se tornou prática clínica. Porém, a dificuldade técnica da operação sobre o reto ainda coloca dúvidas do papel da cirurgia laparoscópica no câncer retal. Dois estudos prospectivos randomizados recentes mostraram resultados que nos levam a questionar o papel da ETM laparoscópica.

Devido a essa dificuldade técnica, a robótica, com seu potencial de facilitar as manobras cirúrgica, entrou como uma esperança de reverter essa desconfiança. Vários estudos de centros especializados mostraram bons resultados, mas o maior estudo até então não conseguiu mostrar superioridade da ETM robótica sobre a ETM laparoscópica. Além disso, a disponibilidade escassa dos sistemas robóticos faz com que sua propagação não seja universal.

Mais recentemente, para diminuir as dificuldades técnicas da ETM, tem sido proposta a dissecção do mesorreto no sentido caudal para cranial. Esse procedimento tem sido denominado ressecção mesorretal transanal ou TaTME (transanal total mesorectal excision). Essa nova operação tem sido realizada em centros especializados em cirurgia minimamente invasiva, com grande experiência em cirurgia laparoscópica, robótica e ressecção transanal de tumores de reto iniciais. Há, porém, grande interesse de todos os cirurgiões em facilitar a dissecção do reto porque todos sabemos as dificuldades de uma pelve estreita, de um tumor que não regrediu após a neoadjuvancia e da dificuldade de operar um paciente obeso. Por isso, o estudo de revisão sistemática de Arabachalam e cols, de 2016, é importante para nos situar em relação a essa nova técnica.

Nessa revisão sistemática, os autores avaliaram 79 potenciais artigos sobre o tema TaTME. Após avaliação dos critérios de inclusão, apenas 15 artigos foram avaliados, com 449 pacientes operados com essa técnica. A maioria dos artigos eram provenientes de centros europeus e foram publicados entre 2012 e 2015. O número médio de pacientes foi de 17 (variação entre 3 e 140 pacientes), refletindo a experiência inicial e a curva de aprendizado desses centros. O IMC médio foi de 23,4 kg/m2 (variação: 18-41 kg/m2). A distância média do tumor da borda anal foi de 5,6 cm. A maior parte dos pacientes recebeu terapia neoadjuvante (72%). A grande maioria dos estudos excluíram tumores T4, mas três estudos incluíram pacientes estadiados como T4.

O tempo operatório mediano foi de 254 minutos (91-495 minutos). A sequencia de dissecção variou entre os estudos, refletindo falta do modelo ideal. Alguns cirurgiões começaram a dissecção pelo reto e outros iniciaram pela dissecção abdominal. Um terceiro grupo de cirurgiões iniciou com duas equipes, com dissecção abdominal e pélvica simultâneas. Além disso, a parte abdominal variou entre as séries: aberta, laparoscópica (incluindo single-port) e robótica. Ressaltam também que foram utilizados 6 tipos diferentes de portais para a dissecção pélvica caudal para cranial da TaTME. Alguns serviços utilizaram 3 diferentes tipos de portais.

Como a técnica cirúrgica é nova, é de se esperar que os resultados oncológicos sejam escassos ou ainda não disponíveis. Como substituto, avalia-se então os dados anátomo-patológicos das peças cirúrgicas da TaTME. Nove estudos entre os 15 incluídos avaliaram a margem circunferencial. Essa margem foi negativa em 98%. O número médio de linfonodos foi de 16 linfonodos. Esse número parece adequado e deve-se lembrar que a maioria dos pacientes recebeu terapia neoadjuvante. A avaliação do mesorreto mostrou que em 87% dos casos a fáscia visceral do mesorreto estava intacta. Porém, ressalta-se que um estudo com 17 pacientes mostrou taxa de mesorreto intacto menor que 50%, refletindo a diferença da experiência entre os grupos de cirurgiões que se propuseram a iniciar essa técnica.

Os resultados quanto à morbimortalidade foram semelhantes àqueles das séries de operação convencional (ETM cranial para caudal). A taxa de morbidade foi de 34,6%, com taxa de reoperação de 9,1%. A taxa de fístula foi também dentro do esperado, 9,1%. É importante salientar que a maioria das anastomoses foram manuais. Questiona-se aqui se a dissecção fosse a tradicional, a taxa de anastomose coloanal manual seria a mesma observada? Como se sabe, a síndrome da ressecção anterior do reto (LARS), cada vez mais estudada, é mais comum em anastomoses coloanais e em pacientes irradiados. Estaríamos mudando o tipo de anastomose para adequar à TaTME? De fato, a anastomose pode ser grampeada mesmo se feita a dissecção caudal para cranial, mas esse tipo de anastomose tem o mesmo resultado funcional da anastomose por duplo grampeamento feita por via abdominal? Essas questões não foram ainda respondidas.

Os resultados oncológicos são escassos para se tirar uma conclusão e os funcionais também não estão disponíveis. Além disso, os custos não foram calculados nos estudos. Além do custo da plataforma de dissecção, que pode ser descartável ou permanente, o custo dos honorários médicos tem de ser considerado. Se a dissecção simultânea com duas equipes for a melhor, teríamos a necessidade de 5 cirurgiões, 3 na parte abdominal e 2 na dissecção transanal, com dois instrumentadores cirúrgicos, um para cada equipe. Isso aumentaria o custo e tabelas de honorários no sistema de reembolso teria de ser implementada.

Na melhor prática clínica atual, devemos considerar, portanto, que a TaTME é uma técnica promissora, mas que mais estudos são necessários para se recomendar sua aceitação rotineira. Idealmente, como é feito na Inglaterra, os cirurgiões devem registrar prospectivamente seus resultados em um banco de dados central para que os dados sejam cuidadosamente avaliados e que não se prejudiquem os pacientes com a introdução de uma técnica nova.


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