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Avanços e mudanças no tratamento da diverticulite

Artigo comentado por Dr. Leonardo Alfonso Bustamante Lopez (SP) e Dr. Fabio G. Campos (SP)




Introdução

A Doença Diverticular do cólon afeta mais de metade dos indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, só 20% dos doentes desenvolvem doença sintomática.

A diverticulite aguda é responsável por uma elevada taxa de internações hospitalares, estando associada a um custo médico muito alto.

A Doença Diverticular tem mudado muito nos últimos anos em vários aspectos. Alguns trabalhos da literatura trazem novas informações sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da doença, com a consequente modificação das Recomendações Internacionais.

As principais alterações da conduta foram em relação ao tipo de tratamento tanto clínico como cirúrgico. No ambulatório de Doença Diverticular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, atendemos mais de 250 pacientes por ano, tentando oferecer as melhores e os mais atualizados parâmetros de conduta.

Nosso artigo apresenta um resumo das recentes mudanças e controvérsias relacionadas ao diagnóstico e manuseio da Doenca Diverticular em suas diversas formas.

 

AVALIAÇÃO DA DIVERTICULITE

A avaliação inicial da diverticulite se mantém como classicamente é conhecida, com predominância do exame físico e ajuda dos exames laboratoriais.

Quanto aos exames de imagem, a tomografia se consolida como o padrão ouro, com 95% de especificidade e sensibilidade ainda sem contraste, melhorando as porcentagens quando o contraste for utilizado.

O objetivo do diagnóstico por imagem é classificar possíveis complicações e por outro lado excluir os diferentes diagnósticos diferenciais como calculose renal, doença Inflamatória Pélvica, ruptura de cisto ovariano, torção de ovário, doença inflamatória intestinal, colite infecciosa, apendicite aguda e o câncer colorretal.

 

TRATAMENTO CLÍNICO

As mudanças recentes no tratamento clínico são os temas mais controversos na literatura nos últimos anos.

Alguns trabalhos randomizados têm abordado a ideia de fazer o tratamento clínico SEM antibioticoterapia. As conclusões dos trabalhos foram que não existe diferença entre os grupos de pacientes tratados com ou sem antibioticoterapia enquanto a  mortalidade, recorrência, taxa de reinternação e cirurgia.

Em alguns países da Europa como Holanda, os pacientes com diverticulite Não complicada são tratados ambulatorialmente e sem antibióticos com ótimos resultados. Tudo isso baseado na premissa: Diverticulite é principalmente um processo inflamatório e não infeccioso no início do quadro"

Porém, a chave está na seleção dos pacientes, que são geralmente pacientes na primeira crise, Hinchey 1a, jovens, sem comorbidades.

Por outro lado, na realidade latinoamericana, seria interessante pensar nas consequências éticas e legais de se instituir o tratamento da Diverticulite sem Antibioticoterapia.

Nos mesmos Guidelines, foi certificado o tratamento com antibioticoterapia como o PADRÃO OURO para o tratamento da diverticulite aguda. Com discussão sobre a importância de ser via oral ou endovenosa e por outro lado trabalhos comparando 4 dias de antibiótico com outro grupo de 7 dias, sem diferença significativa.

O tratamento com mesalazina, probióticos e rifaximina não são recomendados para evitar recorrências nos pacientes com Doenca Diverticular, porém podem ter alguma função na melhora dos sintomas crônicos dos pacientes.

Em relação àsalterações no estilo de vida que precisam ser feitas para evitar as complicações em paciente com doença diverticular, as mais importantes dizem respeito a:

  1. Cigarro

  2. Consumo de Carne Vermelha (50g/dia)

  3. Pouca atividade física

  4. Sobrepeso / Obesidade


 

TRATAMENTO DO ABSCESSO

O tratamento dos abscessos na diverticulite aguda, em paciente estável, está baseado em drenagem percutânea associada  a  antibioticoterapia. Qualquer abscesso maior do que 3 cm deve ser drenado, com a ajuda do ultrassom ou tomografia. No caso de não se conseguir a drenagem ou não ser possível pelos diferentes métodos, a cirurgia deve ser indicada.

Isso está baseado nas taxas de recorrências de abscesso maiores que 3 cm tratados só com antibioticoterapia, que são superiores a 60%, porém quando drenados por via percutânea, diminuem para menos que 20%.

 

AVALIAÇÃO APÓS REGRESSÃO DA FASE AGUDA

 Após uma crise de Diverticulite aguda, pode ser necessário realizar uma colonoscopia no caso do paciente não ter realizado este exame recentemente.  A recomendação é fazer 6 semanas após a fase aguda. Alguns trabalhos na literatura tentam diminuir o tempo entre a fase aguda e a colonoscopia, porém os guidelines mantêm o tempo médio de 6 semanas. Por outro lado, a indicação do procedimento seria mais importante após Diverticulite complicada com abscesso. A incidência de câncer colorretal em pacientes após diverticulite aguda sobre de 1% após diverticulite não complicada para 11% após Diverticulite aguda complicada com abscesso, independente do tamanho.

 

INDICAÇÃO DE CIRURGIA ELETIVA

 Após o primeiro episódio, 13,3% dos doentes têm um segundo episódio e 29,3% têm outro após o segundo. Contudo, na última recomendação da ASCRS, a cirurgia depois de um episódio agudo deve ser ponderada caso a caso. O número de episódios não é o único fator decisivo, a idade, condições médicas, gravidade do episódio e sintomas persistentes também têm um papel preponderante. Essa mudança de paradigma ocorreu pois a maioria dos episódios recorrentes apresentou um curso benigno e só 5,5% necessitaram de cirurgia urgente. Esses episódios parecem reduzir o risco de perfuração pela formação de aderências causadas pela inflamação. A qualidade de vida, número de internações e possibilidade de recorrência são fatores que podem ser avaliados individualmente no momento de tomar a decisão de indicar cirurgia eletiva.

A intervenção cirúrgica recomendada para a cirurgia eletiva é a colectomia via laparoscópica que pode ser realizada após 6 semanas da última  crise.

A indicação de recomendar cirurgia de rotina para pacientes jovens (menos de 50 anos) foi invalidada pelos novos guidelines, atualmente se recomendando tratamento clínico e individualizado para cada caso.

As indicações para esse tipo de cirurgia são doentes com drenagem do abscesso na fase aguda, estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente.

Outras indicações em discussão na literatura constituem pacientes imunodeprimidos depois de terapêutica conservadora e incapacidade de se excluir carcinoma.

A abordagem laparoscópica eletiva está associada a menor taxa de mortalidade no geral, de íleo paralítico, oclusão intestinal, infecção da ferida, deiscência de sutura, abcessos intra-abdominais, menor tempo de internação, menos dor e mais rápida recuperação funcional em relação à via laparotômica.

 

CIRURGIA DE URGÊNCIA PARA DIVERTICULITE

As indicações para cirurgia de urgência na diverticulite aguda são mais específicas, sendo a principal  a peritonite difusa ou purulenta.

Além disso, a piora do quadro após tratamento clínico, é uma das indicações mais frequentes.

Após resseção, a decisão para anastomose inclui: a condição clínica do paciente, os achados no intra-operatório e as preferências do cirurgião.

A cirurgia de Hartmann, está sendo indicada só em pacientes com instabilidade hemodinâmica ou no caso de falência de múltiplos órgãos.

A lavagem laparoscópica NÃO é recomendada para peritonite fecal, e no caso de peritonite purulenta a colectomia é a melhor indicação. Sendo que a lavagem peritoneal só teria alguma indicação em casos extremos, com uma alta chance de reintervenção e recorrência.

CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS

Alguns detalhes são relevantes no tratamento cirúrgico da doença Diverticular.

A extensão da ressecção eletiva deve incluir o cólon sigmoide, sendo o extremo proximal um segmento sem evidência de inflamação, ainda que fiquem alguns divertículos.

O extremo distal seria o reto superior saudável, não sendo recomendado fazer anastomose colo-cólica (deve ser sempre colorretal).

Enquanto a discussão da mobilização do ângulo esplênico a literatura mundial conclui que é preferível ser realizada, porem depende da preferencia do cirurgião e dos achados intra-operatórios.

Por último, a via laparoscópica seria recomendada, sempre que possível, com cirurgiões capacitados, e com os aparelhos apropriados. A utilização da via robótica está sendo estudada, porém o valor ainda é um problema nas maiorias dos centros hospitalares.

Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM et al (2020) The American Society of colon and rectal surgeons clinical practice guidelines for the treatment of left-sided colonic diverticulitis. Dis Colon Rectum 63(6):728–747

  2. Schuster KM, Holena DN, Salim A, Savage S, Crandall M (2019) American Association for the Surgery of Trauma emergency general surgery guideline summaries 2018: acute appendicitis, acute cholecystitis, acute diverticulitis, acute pancreatitis, and small bowel obstruction. Trauma Surg Acute Care Open. 4(1):e000281

  3. Francis NK, Sylla P, Abou-Khalil M, Arolfo S, Berler D, Curtis NJ et al (2019) EAES and SAGES 2018 consensus conference on acute diverticulitis management: evidence-based recommendations for clinical practice. Surg Endosc 33(9):2726–2741

  4. Strate LL, Morris AM (2019) Epidemiology, pathophysiology, and treatment of diverticulitis. Gastroenterology 156(5):1282-1298.e1

  5. Lee JM, Bai P, Chang J, El Hechi M, Kongkaewpaisan N, Bonde A, Mendoza AE et al (2019) Hartmann’s procedure vs primary anastomosis with diverting loop ileostomy for acute diverticulitis: nationwide analysis of 2,729 emergency surgery patients. J Am Coll Surg. 229(1):48–55






Dr. Leonardo Bustamante-Lopez (SP)

ASBCP. Doutor pela FMUSP
Médico-Assistente voluntário do Servico de Cirurgia Colorretal do HC-FMUSP

Dr. Fabio G. Campos (SP)

Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva
Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia


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