ARTIGOS ORIGINAIS


ESTADIAMENTO ULTRASONOGRÁFICO DE TUMORES NO RETO: ASPECTOS TÉCNICOS DO EXAME E REVISÃO DA LITERATURA

Sthela Maria Murad Regadas - ASBCP
FRANCISco Sérgio PINHEIRO Regadas - TSBCP
Lusmar Veras Rodrigues - TSBCP
Pedro Henrique Saraiva Leão - TSBCP
Miguel Augusto Arcoverde Nogueira -


Regadas S.M.M., REGADAS F.S.P., RODRIGUES L.V., LEÃO P.H.S., NOGUEIRA M.A.A. _ Estadiamento ultra sonográfico de tumores no reto: Aspectos Técnicos do exame e revisão da literatura. _ Rev bras Coloproct, 2001; 21(2): 65-69.

resumo: O ultrasom endorretal tem sido amplamente utilizado no estadiamento das neoplasias retais no que concerne ao grau de invasão parietal e comprometimento de linfonodos. O objetivo deste trabalho é comentar sobre a técnica do exame e apresentar revisão da literatura com relação às indicações e eficácia no estadiamento das neoplasias malignas. O ultrasom endorretal deve ser realizado com sonda rotatoria com imagem de 360 graus para demonstrar circunferencialmente as cinco camadas da parede do reto. (mucosa, muscular da mucosa, submucosa, muscular própria, gordura peri-retal). Os tumores são estadiados ultrasonograficamente em UT0 (invasão da mucosa e muscular da mucosa), UT1 (submucosa), UT2 (muscular própria), UT3 (gordura periretal), UT4 (órgãos adjacentes) e com relação ao comprometimento ganglionar, em N0 (sem metástase) e N1 (com metástase). A vantagem do estadiamento da neoplasia retal é possibilitar o planejamento cirúrgico, decidindo com relação a ressecção local ou segmentar. Com relação à invasão parietal, o ultrasom é o mais eficaz, no percentual de 85 % porquanto a tomografia computadorizada identifica 70 % das lesões e a ressonância magnética sem contraste também apresenta percentual inferior ao ultrasom. Quanto aos linfonodos comprometidos, o ultrasom é eficaz em 85,7 % e a tomografia computadorizada em 37,5 %. Em conclusão, o ultrasom é um exame de imagem de fácil realização, baixo custo e que possibilita o estadiamento dos tumores quanto à invasão parietal e ao comprometimento de linfonodos, contribuindo desta maneira no planejamento do tratamento cirúrgico.

Unitermos: Câncer colorretal, ultra-som.

INTRODUÇÃO
Existem inúmeras técnicas operatórias para o tratamento dos tumores no reto. A escolha da técnica depende da distância do tumor com relação à borda anal, ao grau de invasão parietal, à diferenciação celular, à presença de linfonodos comprometidos, metástase à distância e concomitância de tumores sincrônicos. A importância do ultrasom endo-retal no estadiamento de tumores no reto é na avaliação do grau de invasão parietal e no comprometimento de linfonodos através de biopsias. A eficácia neste estadiamento varia de 72 a 90% (1-10 ) e 72 a 83 % (1,3,7,9,11) respectivamente. O toque retal é um exame essencial na propedêutica proctológica e possibilita o diagnóstico de 75% dos tumores retais. Entretanto, trata-se de um método subjetivo ao avaliar a invasão parietal. Se comparado ao ultrasom endo-retal, a eficácia é de 39% e 79% dos casos respectivamente (12). O objetivo deste trabalho é comentar a respeito da técnica do exame e apresentar uma revisão da literatura com relação às indicações e eficácia no estadiamento das neoplasias retais.

ASPECTOS TÉCNICO-ANATÔMICOS
É necessário que o ultrasom endo-retal seja realizado com aparelho provido com sonda que proporcione imagem de 360 graus, possibilitando portanto a avaliação circunferencial das camadas do reto. Ultrasonograficamente, o reto é dividido em camadas circulares, circunjacentes e concêntricas, alternadas entre imagens hiperecoicais (brancas) e hipoecoicas (escuras). São visualizadas 5 camadas, sendo a mais interna a mucosa, seguida da muscular da mucosa, submucosa, muscular própria e gordura peri-retal. Dessas, três camadas são hiperecoicas (mucosa, submucosa e gordura peri-retal) e duas camadas hipoecoicas (muscular da mucosa e muscular própria) (Figura 1). A imagem é hipoecoica nas camadas formadas por músculo liso pois contém maior concentração de água.

 

Fig. 1: As 5 camadas da parede do reto ( seta)

ESTADIAMENTO ULTRA-SONOGRÁFICO
Em 1984, HILDEBRANDT e FIELFE (13) preconizaram o estadiamento ultra-sonográfico dos tumores no reto baseados na classificação TNM.
T0 - Lesão não-invasiva acometendo a mucosa e muscular da mucosa
T1 _ Invasão da submucosa
T2 _ Invasão da muscular própria
T3 _ Invasão da gordura peri-retal
T4 _ Invasão de órgãos adjacentes
N0 _ Sem comprometimento de linfonodos
N1 _ Com comprometimento de linfonodos

A invasão das camadas hipoecoicas (escuras) é representada pelo espessamento destas camadas. Já nas hiperecoicas (brancas), a invasão é representada pela ruptura em um ou em vários locais da camada (figuras 2, 3, 4, 5, 6).

 

Fig. 2: Lesão UT0 _ Espessamento da camada muscular da mucosa

Fig. 3: Lesão UT1 _ Ruptura da camada submucosa (seta)

Fig. 4: Lesão UT2 _ Espessamento da camada muscular própria

 

Fig. 5: Lesão UT3 _ Ruptura da gordura peri-retal (seta)

Fig. 6: Lesão UT4 _ Invasão de orgãos adjacentes ( seta )

 

Fig. 7: Linfonodo peri-retal (seta)

Fig.8: Neoplasia extra-retal,sem invasão das paredes do reto.

COMENTÁRIOS
A vantagem do estadiamento ultrasonográfico é planejar o tratamento cirúrgico, possibilitando a escolha entre a ressecção local ou segmentar do reto.
    Nas lesões UT0 (restritas à mucosa e muscular da mucosa), é indicada somente a ressecção local da lesão. Em 53 pacientes portadores de adenoma viloso no reto submetidos a avaliação ultrasonográfica, foi observada semelhança nos resultados em 89% dos casos quando comparados ao exame anátomo-patológico. Em cinco pacientes, tratava-se de um tumor UT1 e um UT2 (14).
    Nas lesões UT1 (invasão da submucosa), é indicada também a ressecção local desde que o tumor seja menor que 3 cm, não haja linfonodos comprometidos, metástase à distância e mediante lesões moderada ou bem diferenciadas. HAGER et al (1983) (15) e MORSON (1966) (16) demonstraram índices de 6 a 11% de metástases em lesões UT1.Nas lesões UT2 (invasão da muscular própria), a incidência de linfonodos comprometidos varia de 10 a 35% (17) (18) . Semelhante às lesões UT3 e UT4, é indicada a ressecção segmentar do reto.
    A suspeita de invasão linfonodal é caracterizada por imagem hipoecóica peri-retal em virtude da ruptura da arquitetura glandular normal pela massa homogênea de células tumorais. Já os glânglios linfáticos inflamatórios são hiperecóicos devido a dispersão retrógrada da energia acústica pelo infiltrado sem homogeneidade das células inflamatórias, e pelo aumento e expansão da arquitetura normal dos gânglios linfáticos, especialmente os fóliculos (19). Quando a invasão dos gânglios linfáticos são por micrometástase o diagnóstico diferencial com gânglios normais pode ser díficil devido a alteração mínima na arquitetura glandular. No entanto, a confirmação é realizada pela análise histopatológica através de biopsia guiada pelo ultrasom .
    O ultrasom também está indicado nas neoplasias extra-retais para diagnosticar a relação das lesões com a parede do reto (fig.8).
    Com relação à invasão parietal, o ultrasom é o mais eficaz, no percentual de 85 % porquanto a tomografia computadorizada identifica 70 % das lesões ( 8, 20, 21, 22). A ressonância magnética sem contraste também apresentou percentual inferior ao ultrasom ( 23 ). Quanto aos linfonodos comprometidos, o ultrasom é eficaz em 85,7 % e a tomografia computadorizada em 37,5 % ( 24 ). Hodgman et al demonstraram que tanto a tomografia quanto a ressonância magnética são pouco eficazes na identificação de linfonodos acometidos por tecido neoplásico (25). Com relação ao diagnóstico precoce de recidiva, o ultrasom não é o mais indicado pois não diferencia a recidiva de fibrose pós-radioterapia.
    Alguns fatores podem alterar os resultados do exame, podendo ocorrer supra ou sub-estadiamento, sendo mais frequente o supra-estadiamento resultante da inflamação peri-tumoral, da radioterapia pré-operatória, e ao sangramento no local da biopsia, sendo a causa a mais comum a inflamação peri-tumoral, ocorrendo com maior frequência nas lesões UT2. Nas lesões minimamente invasivas, o diagnóstico definitivo só é possivel através do exame anatomo-patológico pois a avaliação ultrasonográfica pode resultar em sub-estadiamento.
    Em conclusão, o ultrasom é um exame de imagem de fácil realização, baixo custo e que possibilita o estadiamento dos tumores quanto a invasão parietal e ao comprometimento de linfonodos, contribuindo desta maneira no planejamento do tratamento cirúrgico.

SUMMARY: Rectal ultrasound has been widely used in staging rectal tumours concerning to rectal wall invasion and the limphonodes involvement. The aim of this paper is comment about the exames's technique and present a literature review about the indications and eficacy to stage the rectal malignant neoplasia. Rectal ultrasound must be done with a rotatory probe with 360 degrees image in order to demonstrate circunferentially the five layers of rectal wall (mucosa, muscularis mucosa, submucosa, muscular, perirectal fat). The rectal tumours are ultrasonografially staged in UTO (mucosa and muscularis mucosa invasion), UT1 (submucosa), UT2 (muscular layer), UT3 (perirectal fat), UT4 (adjacent organs) and concerning to limphonodes involvement, in N0 (no metastase) and N1 (with metastase). The advantage to stage rectal neoplasia is to plan the surgical treatment concerning to local or segmental resection. Concerning to rectal wall invasion, ultrasound is the most eficace method in the percentage of 85 percent while computorized tomography identifies 70 percent of the lesions and magnetic ressonance without contrast is also lesser eficace than ultrasound. Concerning to limphonodes involvement, ultrasound is eficace in 85,7 percent and computorized tomography in 37,5 percent. In conclusion, ultrasound is an exam technically easy to do, low cost and it's eficace to stage rectal tumours concerning to wall invasion and limphonodes involvement, contributing to plan the surgical treatment.

KEY WORDS: Colorectal cancer, ultrasound

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Endereço para Correspondência:
Sthela Maria Murad Regadas
Av. Edilson Brasil Soares, 1892
Bairro Aldeota
60834-220 _ Fortaleza _ CE

*Trabalho realizado no Centro de Colo-Proctologia do Ceará da Clínica São Carlos (Fortaleza - Ceará).