ARTIGOS ORIGINAIS


ESQUISTOSSOMOSE RETAL
ASPECTOS CLÍNICOS E ENDOSCÓPICOS

Mário Augusto do Nascimento Vidal - ASBCP
Juvenal da Rocha Torres Neto - TSBCP
Nelma Maria Barbosa Santana - FSBCP
Scheilla Kristina Mesquita Salviano
Roberto de Góis Déda


VIDAL M.A.N., TORRES NETO J.R., SANTANA N.M.B., SALVIANO S.K.M., DÉDA R.G. - Esquistossomose Retal - Aspectos Clínicos e Endoscópicos. - Rev bras Coloproct, 2001; 21(2): 70-74.

RESUMO: Estudo retrospectivo de 2.464 exames retossigmoidoscópicos realizados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, no Hospital Governador João Alves Filho e em Clínicas Particulares de Aracaju - Sergipe, no período compreendido entre Janeiro de 1991 a Dezembro de 1999. Em 442 exames foram observados processos inflamatórios, dos quais houve comprovação de retocolite esquistossomótica em 55 casos. Foram analisadas variáveis como idade, sexo, manifestações clínicas, procedência, localização das alterações, patologias associadas e impressão diagnóstica ao exame endoscópico. Houve predomínio do sexo masculino, com 76% do total. A idade variou de 9 a 77 anos, com média de 37. A terceira década de vida foi a mais acometida no sexo feminino, enquanto que no masculino foi a quinta. Cerca de 44% da população provinha do interior de Sergipe. Foi observada predominância das manifestações da retocolite ulcerativa exclusivamente na porção retal, com 80%. O sangramento foi a principal indicação para a realização dos exames (35%). Num total de 47 patologias associadas encontradas, as mais freqüentes foram hemorróida, papilite e plicoma. Em 76% dos pacientes não houve suspeita de parasitose como etiologia da retocolite ao exame retossigmoidoscópico. Os resultados deste trabalho demonstraram que a esquistossomose deve ser pesquisada, em Sergipe e em regiões onde esta seja endêmica, como importante diagnóstico diferencial em pacientes com processos inflamatórios intestinais.

UNITERMOS: Esquistossomose, Retite, Colite

Retocolites são processos inflamatórios do cólon e reto, que podem ser classificados como específicos ou inespecíficos. As principais causas de colites agudas são: colite ulcerativa, doença de Crohn, colite isquêmica, colite infecciosa e colite induzida por drogas2. Dentre os processos inflamatórios específicos, encontramos os causados por bactérias, fungos, vírus, protozoários e helmintos.
    O parasitismo pelo Shistosoma mansoni representa um dos mais sérios problemas de saúde pública na Brasil. Em termos gerais, esta helmintose determina, em vastas áreas tropicais e subtropicais no mundo, uma grande causa de morbidade e mortalidade, além de que, do ponto de vista econômico, representa causa de incapacidade laborativa em uma grande população em fase produtiva1,17.
    O Nordeste, particularmente os Estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, apresentou-se como a principal região hiperendêmica. Em Sergipe, a infecção pelo S. mansoni foi de 29,80%, sendo que a zona central do Estado, com média de 61,99% para resultados positivos de esquistossomose, foi a região mais atingida13.
    A esquistossomose mansoni apresenta um amplo espectro patológico, variando desde casos inaparentes ou leves, até formas graves irreversíveis que podem culminar com a morte dos pacientes. É caracterizada por duas fases evolutivas: uma inicial e outra crônica13.
    O acometimento do aparelho digestivo se faz presente em todas as formas de apresentação, sendo o reto e o sigmóide os segmentos mais afetados5. Neste trabalho daremos ênfase à forma intestinal, em especial à retocolite esquistossomótica.
    A sintomatologia geral pode incluir desânimo, indisposição para o trabalho, emagrecimento, tonturas, cefaléia e sintomas neurastênicos ou distônicos5. A digestiva é diversificada; ora os pacientes são oligossintomáticos, com sintomas predominantemente dispépticos (anorexia, empachamento pós-prandial, flatulência), ora exibem raramente uma sintomatologia gástrica dolorosa, atípica, ora freqüentemente apresentam os sintomas intestinais em perfeita correlação com a localização principal da parasitose e responsáveis pela designação dessas formas clínicas. Esses sintomas se apresentam seja pela forma de surtos diarreicos e, por vezes, disenteriformes (acompanhados ou não de dores abdominais em cólica ou sem característica especial e localização precisa e, raramente, de tenesmo retal), seja alternando-se com crises diarreicas ou, em caráter permanente, de constipação crônica4.
    A suspeita de esquistossomose mansônica é em função do quadro clínico e dos dados epidemiológicos e o diagnóstico é confirmado pelos exames laboratoriais, que podem ser por métodos diretos (exames de fezes, biópsia retal, biópsia hepática e pesquisa de anticorpos circulantes) ou indiretos (intradermorreação - IDR, reações sorológicas, hemograma, ultrassonografia do abdome, radiologia, retossigmoidoscopia) 4,7,8,11,14,16,18.
    O tratamento da infecção e da doença esquistossomótica pode ser geral, específico ou profilático.
    O tratamento geral é feito com um conjunto de medidas destinadas a melhorar o estado geral e a sintomatologia dos indivíduos infectados, a fim de permitir a utilização posterior da terapêutica específica e a sua melhor tolerância, controlando as alterações hepáticas, a subnutrição crônica, as parasitoses intestinais e outras medidas4.
    O tratamento específico se constitui no tratamento básico da doença, pois combate diretamente o parasito, visando a sua extinção em cada doente e, consequentemente, a parada de produção de ovos, que são os principais elementos patogênicos4. Podem ser utilizadas drogas como o Oxamniquine (Mansil) e o Praziquantel (Cestox, Cisticid). Nos casos graves intestinais com múltiplos pólipos do intestino grosso, particularmente retossigmoidianos, com freqüentes e abundantes sangramentos, com anemia profunda, espoliação proteica, emagrecimento acentuado pela diarréia mucossanguinolenta, a indicação cirúrgica se faz necessária. Atualmente, com novos esquistossomicidas, abriram-se as perspectivas promissoras para se retirar do âmbito da cirurgia dos cólons e mesmo da polipectomia através da colofibroscopia (pólipos pouco numerosos ou isolados) certo número de pacientes que seriam tratados exclusivamente com os quimioterápicos10, sendo a eficácia em média de 50 a 95%5.
    O tratamento profilático utiliza certas medidas preventivas, como a terapia específica, o saneamento básico coletivo e domiciliar, água domiciliar tratada, educação para a saúde, controle ambiental, uso de moluscida. Existem pesquisas voltadas à viabilização de uma vacina antiesquistossomótica4.

OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica da esquistossomose mansônica, enfocando suas alterações intestinais, e fazer uma análise comparativa de dados com relação à incidência de retocolite esquistossomótica diagnosticada por exames retossigmoidoscópicos e estudo anátomo-patológico realizados de Janeiro de 1991 a Dezembro de 1999, no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, no Hospital Governador João Alves Filho e em Clínicas Particulares de Aracaju (SE).

MATERIAL E MÉTODOS
Estudo retrospectivo de 2.464 exames retossigmoidoscópicos realizados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, no Hospital Governador João Alves Filho e em Clínicas Particulares de Aracaju (SE), no período compreendido entre Janeiro de 1991 a Dezembro de 1999.
    Foram observados, através do exame retossigmoidoscópico, 442 processos inflamatórios intestinais. Dentre os resultados dos estudos anátomo-patológicos, em 55 casos houve comprovação de retocolite esquistossomótica, que foram analisados neste trabalho. Foram excluídos os exames realizados em pacientes previamente diagnosticados, com finalidade de seguimento.
    As variáveis analisadas foram: idade, sexo, profissão, procedência, manifestações clínicas, localização das alterações, patologias associadas, presença de pólipo inflamatório parasitário, e impressão diagnóstica ao exame endoscópico.
    Os achados foram registrados em planilhas, transformados em bancos de dados e com auxílio dos programas Excell 97 e Word 97, realizaram-se cruzamentos apresentados sobre a forma de gráficos e tabelas. Quando necessário, foi feita análise dos dados utilizando-se os testes Qui - quadrado ou teste de diferença de proporções, através do programa PEPI, versão 2.05 de 1993-96. Os dados encontrados obtiveram significância estatística quando apresentaram p > 0,05.

RESULTADOS
Dos 2.464 exames retossigmoidoscópicos revisados, 442 apresentaram processos inflamatórios intestinais, sendo que houve a confirmação de retocolite esquistossomótica através do exame anátomo - patológico em 55 casos, constituindo este o grupo analisado.
    Na distribuição por sexo, houve um predomínio do sexo masculino com 76% dos casos.
    A idade variou de 9 a 77 anos, sendo a faixa etária mais acometida no total dos casos e no sexo masculino de 40 a 49 anos e no sexo feminino de 20 a 29. A média de idade foi de 38,3 no sexo feminino, 34,3 no masculino e 35 no geral.
    A porção retal apresentou 80% das manifestações da retocolite esquistossomótica ao exame retossigmoidoscópico, enquanto que as manifestações do retossigmóide perfizeram um índice de 20%. Observa-se que 78% do sexo masculino tinham comprometimento apenas retal, sendo 22% o índice dos que tinham envolvimento do reto e do sigmóide. Já no sexo feminino, o índice de comprometimento apenas do reto foi de 85%. A relação da localização da manifestação ao exame retossigmoidoscópico e a idade do paciente está mostrada na TABELA 1.

 

TABELA 1

Idade (anos) x Localização das Manifestações

IDADE 

RETAL  RETOSSIGMOIDE
0 _ 9  2% 0%
10 _ 19 11% 2%
20 _ 29 18% 6%
30 _ 39 15% 4%
40 _ 49 15% 9%
50 _ 59 6% 4%
60 _ 69 4% 2%
70 _ 79 2%  0%

  

Em nossa casuística computamos um total de 72 manifestações clínicas. O sangramento foi o mais freqüente, representando 35% do total de queixas. Em seguida encontramos diarréia (14%), dor ano-retal (12%), tenesmo (11%), tumoração ano-retal (10%), cólica (6%), prurido (4%), dor pélvica e constipação (3%), mucorréia e ardor anal (1%). No sexo masculino as manifestações clínicas mais freqüentes foram sangramento (35%) e diarréia (15%), enquanto que no feminino foram sangramento (26%) e dor ano-retal (23%).
    Houve relato de afecções que cursavam concomitantemente com a retocolite esquistossomótica em 30 pacientes, perfazendo um total de 47 patologias associadas encontradas, que foram: hemorróida (48,9%), papilite (14,9%), plicoma (10,6%), hipertonia esfincteriana e retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) (6,4%), fissura e hipotonia esfincteriana (4,3%), AIDS e fístula (2,1%). Quando houve associação com a doença hemorroidária, a manifestação mais comum foi o sangramento, com 35%, seguida de tenesmo (17%), dor ano-retal (15%) e diarréia (8%). Já no plicoma foi sangramento e dor ano-retal (30%), seguida de tenesmo (10%), não havendo diarréia. Quando associado à papilite, houve uma distribuição igualitária para dor ano-retal, sangramento e tenesmo, perfazendo um índice de 21%, ficando diarréia com índice de 8%. Ao relacionar com o sexo, foi observado que, no feminino, as patologias associadas mais freqüentes foram doença hemorroidária (52%) e plicoma (24%) e no masculino foram doença hemorroidária (48%) seguindo-se de papilite (20%). A relação entre patologias associadas e idade está relacionada na TABELA 2.

 
TABELA 2

Patologias Associadas x Idade ( anos )

Patologia  10 - 19 20 - 29 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 - 69
Hemorróida  40% 38% 68% 56% 50% 50%
Papilite  20%  10% 32% 10% 20% 18%
Plicoma 0% 18% 0%  0%  20% 18%
Fissura  10% 0% 0% 10% 0% 18%
Fístula  0% 8% 0% 0%  0%  18%
Hipotonia  2%  8% 0%  0%  0% 0%
esfincteriana
Hipertonia 0% 19% 0% 10%  0% 0%
esfincteriana
AIDS 0% 0% 0% 10% 0% 0%
RCUI 2% 0% 0% 10% 10%  0%

    Em faixas etárias abaixo dos 50 anos, o sangramento, a diarréia, a dor ano - retal e o tenesmo foram as manifestações clínicas mais freqüentemente encontradas. Já acima dos 50, foi mais observada a constipação, seguida da dor ano - retal e do sangramento.
    Foi observada a presença de pólipo inflamatório parasitário em 25% dos casos.
    Com relação à procedência dos pacientes, 45% provinham da capital (Aracaju), enquanto que 44% eram do interior, e 11% tiveram procedência ignorada. Em relação à profissão, 18,2% eram estudantes, 16,4% donas-de-casa, 14,5% agricultores, 7,3% aposentados, 3,6% cozinheiros, motoristas e professores (cada) e 1,8% eram vaqueiros, sendo que 31,0% tiveram seus dados relativos à profissão ignorados.
    Houve um total de 59 impressões diagnósticas aos exames retossigmoidoscópicos, para 55 casos. Em 76% dos pacientes não houve suspeita da parasitose como etiologia da retocolite ao exame retossigmoidoscópico. Das impressões diagnósticas, 45% foram de processos inflamatórios intestinais (PII), 24% de parasitose, 15% de RCUI, 10% de pólipo, 7% de neoplasias, 2% de DST e trauma.
    As manifestações clínicas nos pacientes com suspeita de parasitose à retossigmoidoscopia foram: sangramento (32%), diarréia (16%), dor ano-retal, tenesmo e tumoração ano-retal (12%), cólica, prurido, mucorréia e constipação (4%).

DISCUSSÃO
A presença de ovos do S. mansoni nas paredes do intestino grosso ocasiona alterações histopatológicas traduzidas fundamentalmente por processo inflamatório, que pode ser do tipo granulomatoso. O aumento da trama vascular, a friabilidade da mucosa e a presença de pontilhados hemorrágicos são observados rotineiramente.
    Em 1923 já era colocada em destaque a presença de esquistossomose em Sergipe, sendo que, em 1950, Aracaju revelou ser a capital de maior incidência da doença no país13. Conforme relação do Programa de Controle da Esquistossomose de 1996, cerca de 63% dos municípios de Sergipe são considerados áreas endêmicas.
    Em nosso trabalho, foram revisados 2.464 exames retossigmoidoscópicos, sendo que 442 apresentaram processos inflamatórios intestinais. Em 55 casos houve confirmação de retocolite esquistossomótica pelo estudo anátomo-patológico, representando 2,23% do total de casos e 12,44% dos processos inflamatórios intestinais, constituindo este o nosso grupo analisado.
    O predomínio do sexo masculino, com 76% dos casos, apresentou significância estatística (p = 0,0001). Anteriormente, Pereira12 já havia observado este predomínio em uma localidade em Olinda, atribuído em virtude provavelmente da maior liberdade que têm os meninos em manter contato com os focos de transmissão.
    A variação da idade apresentou um comportamento bimodal, apresentando dois picos de incidência (nas terceira e quinta décadas), mas sem diferença significativa (p = 0,1). Provavelmente devido ao tamanho da amostra, não houve significância estatística (p = 0,054) na análise da relação entre a idade mais acometida e o sexo do paciente. Foi relatado por Bicalho1 e Souza17 o fato da infecção atingir grande parte da população na idade reprodutiva.
    São mais conhecidas as lesões do reto e do sigmóide distal, por serem regiões do intestino grosso que estão ao alcance do retossigmoidoscópio rígido, conforme já relatado por Cerri et al3. Em nosso estudo foi observada predominância significativa das manifestações da porção retal, em acometimento do retossigmóide (p = 0,0001). Não houve diferença estatisticamente significante quanto à localização do processo inflamatório quando comparados os sexos (p = 0,94) e as faixas etárias (p > 0,1). O acometimento retal, em associação ou não com o do sigmóide, faz com que a principal indicação para a realização do exame seja o sangramento vermelho vivo, tipo hematoquesia ou enterorragia. Segundo Prata13, cerca de 95% dos casos de esquistossomose assumem a forma crônica inaparente, leve ou moderada, chamando atenção pela enterorragia e desaparecimento da sintomatologia após tratamento específico.
    Não houve diferença estatística entre as manifestações clínicas (sangramento, diarréia, dor ano-retal e tenesmo) no total de casos (p = 0,11), nem quando comparados os sexos (p > 0,1).
    Habitualmente não se inclui a esquistossomose na discussão do diagnóstico diferencial das diarréias agudas6; todavia, deve-se suspeitar de retocolite aguda por S. mansoni, principalmente se o paciente referir banhos de rios em regiões endêmicas. Em nosso estudo, a diarréia foi responsável por 14% das manifestações clínicas da retocolite esquistossomótica. Se fosse feita uma pesquisa inicial com parasitológico de fezes utilizando-se 3 amostras fecais e o método de Kato-Katz, segundo Rabello et al.14, a esquistossomose poderia ser diagnosticada precocemente, com baixos custos e alta sensibilidade.
    A dor ano-retal e o tenesmo podem ser explicados pelo desconforto causado pelo reto inflamado e por patologias associadas que o paciente porventura possa ter apresentado.
    Dentre os pacientes investigados, 55% eram portadores de doenças associadas, num total de 47 afecções. Dentre estas, destacamos a doença hemorroidária (49%), seguida da papilite e do plicoma, havendo diferença significante entre elas (p = 0,001). A doença hemorroidária predominou em todas as faixas etárias que apresentaram infecções concomitantes à retocolite esquistossomótica.
    Na presença de doença hemorroidária associada à retocolite esquistossomótica, a principal manifestação foi sangramento; na papilite, foi sangramento associado à dor ano-retal e tenesmo; no plicoma, foi sangramento e dor ano-retal. Não foi possível a distinção das afecções responsáveis pela manifestações encontradas, cabendo ao médico a suspeição da doença inflamatória e pesquisa da sua etiologia.
    Os dados obtidos pela relação da patologia associada com o sexo do paciente não apresentaram diferença estatística significativa (p = 0,45).
    As manifestações clínicas encontradas em pacientes abaixo de 50 anos são em muito semelhantes às encontradas na retocolite ulcerativa inespecífica conforme monografia de Santos15, apresentada para conclusão de curso de Medicina, em 1997.
    A presença de pólipo inflamatório em 25% do total de casos tem significado estatístico importante (p = 0,0001), podendo concluir mais um fator de suspeição desta parasitose, associado às demais características inflamatórias da retocolite esquistossomótica ao exame retossigmoidoscópico, já anteriormente citadas. O pólipo pode ser explicado pela grande concentração de ovos em algumas áreas, levando à reação fibrosante exagerada9.
    Cerca de 44% dos pacientes investigados eram provenientes do interior do Estado de Sergipe. Não foi possível colher dados sobre antecedentes pessoais de banhos de rio em locais com presença de caramujo.
    Quanto à profissão, houve predominância de estudantes, seguidos pelas donas _ de - casa e agricultores. Podemos supor que: houve predomínio dos estudantes pelo maior tempo disponível para ter acesso aos locais de contaminação; em seguida as donas _ de - casa, por utilizarem a água para serviços domésticos; os agricultores, por entrarem em contato direto com possíveis locais de contaminação em seu ambiente de trabalho.
    Em 76% dos casos não houve suspeita de parasitose como etiologia da retocolite ao exame retossigmoidoscópico (p = 0,0001), demonstrando a relevância do estudo anátomo - patológico na comprovação do diagnóstico e instituição do tratamento específico. Analisando-se dois grupos de pacientes _ o primeiro formado por aqueles cuja impressão diagnóstica foi de parasitose ao exame retossigmoidoscópico e o outro no qual a parasitose não foi cogitada _ observou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre as manifestações clínicas observadas em ambos os grupos (p > 0,5); podendo supor que a suspeita possa ter sido levantada, provavelmente, por dados epidemiológicos não superados neste estudo.
    Em 15% dos pacientes houve suspeita de RCUI e, em 7%, de neoplasia. Considerando que o tratamento intempestivo destas patologias _ que incluem ressecção de segmentos intestinais _ e levando em conta o estresse emocional que a comunicação da suspeita clínica errônea possa acarretar ao paciente, sugerimos que em todos os exames retossigmoidoscópicos seja realizada biópsia para confirmação do diagnóstico com o exame anátomo-patológico.
    Pelos resultados deste trabalho, ficou clara a importância da suspeita e pesquisa da esquistossomose como causa etiológica de retocolite em regiões endêmicas, como é o caso de Sergipe.

CONCLUSÕES
Houve incidência de retocolite esquistossomótica em 2,23% do total de 2.464 exames retossigmoidoscópicos revisados, representando 12,44% do total de processos inflamatórios intestinais, sendo relevante a pesquisa da esquistossomose como diagnóstico diferencial dos processos inflamatórios intestinais, em áreas endêmicas, assim como a comprovação das suspeitas clínicas com a realização da biópsia e estudo anátomo-patológico.

SUMMARY: Retrospective study of 2,464 sigmoidoscopic exams conducted between January, 1991 and December, 1999. The exams were made at the Sergipe Federal University Hospital, Governador João Alves Filho Hospital and private clinics in Aracaju _ Sergipe. In 442 exams, inflammatory processes were observed, from which 55 cases had proved diagnosis of Colorectal Schistosomiasis. Several items were analysed such as age, sex, clinical manifestations, origin, places of alterations, associated pathologies and diagnosis impressions at the endoscopic exam. Most of the patients were of the masculine sex (76%). Age varied from 9 to 77 years of age, with an average of 37. The 3rd decade of life was the most attacked in the female sex, whereas the 5th prevailed in the masculine sex. Around 44% of the group came from the countryside of Sergipe. There was a predominance of exclusive manifestations of ulcerative retocolitis in the rectum, with 80%. Bleeding was the main indication to realize the exams (35%). From a total of 47 associated pathologies found, the most frequent were hemorroids, papilitis and plicoma. There was no suspicion of parasitosis as the ethiology of the rectocolitis in the sigmoidoscopic exam in 76% of the patients. The results of this work showed that Schistosomiasis must be researched in Sergipe and in other regions where it is endemic as an important differential diagnosis in patients with intestinal inflammatory processes.

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Endereço para correspondência:
Mário Vidal
Av. Anízio Azevedo, 351, Edf. Carlos Gomes, Apto 1202
13 de julho
Aracaju _ SE
CEP _ 49020-240

Universidade Federal de Sergipe, Hospital Universitário, Aracaju / SE