RELATO DE CASO


LEIOMIOSSARCOMA RETAL: RELATO DE CASO

SANDRA PEDROSO DE MORAES - TSBCP
FLÁVIO QUILICI - TSBCP
JOSÉ ALFREDO DOS REIS NETO - TSBCP
JOÃO FRANCISCO GABRIELE
THAÍS MENDONÇA ITAPEMA ALVES
MARCELLO BIANCHI TRIVINO


MORAES SP; QUILICI F; REIS NETO JA; GABRIELE JF; ALVES TMI; TRIVINO MB. Leiomiossarcoma retal- relato de caso _ Rev Bras Coloproct, 2002;22(3): 190-192

RESUMO: Desde 1908, pouco mais de cem pacientes com leiomissarcoma de reto foram relatados pela literatura. Geralmente o diagnóstico é tardio, porque os sintomas freqüentemente só aparecem quando o tumor está localmente avançado, o que resulta em alta taxa de recidiva local, mesmo com a ressecção abdominoperineal do reto. Também pode apresentar metástases hepáticas ou pulmonares e o tratamento adjuvante com radioterapia ou quimioterapia apresenta pouca eficácia. Neste trabalho, além da revisão da literatura é relatado caso clínico de um paciente de 46 anos, masculino, branco, com queixa de dor e sangramento anal às evacuações, acompanhado de tenesmo, inapetência e emagrecimento de 8 kg em 6 meses. Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral e descorado ++. Ao exame proctológico identificava-se lesão estenosante endurecida, com superfície irregular, fixa, aderida a planos profundos, dolorosa, à 4 cm da margem anal. A biópsia revelou ser leiomiossarcoma de baixo grau de malignidade. No estadiamento pré-operatório a tomografia computadorizada identificou grande tumoração (810 cm3) deslocando estruturas pélvicas lateralmente, sem plano de clivagem. O paciente foi encaminhado para radioterapia onde recebeu 50 Gy em 20 sessões, sem melhora. Foi internado com obstrução intestinal, necessitando colostomia derivativa. Há 6 meses está realizando quimioterapia. Atualmente apresenta-se em regular estado geral, em acompanhamento ambulatorial.

Unitermos: leiomiossarcoma, neoplasia de reto

Leiomiossarcoma raramente é encontrado no intestino grosso. Em revisão de registro americano, de 1918 pacientes com neoplasias malignas de reto, este tumor representou apenas 0,3% dos casos1. Hatch et al.,2 em levantamento de toda literatura mundial, encontraram 480 leiomiossarcomas de reto e ânus, no período compreendido entre 1881 a 1996.
    O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de leiomiossarcoma de reto, acompanhado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Celso Pierro (PUC-Campinas), e baseado na literatura, orientar meios diagnósticos e terapêuticos frente à suspeita dessa enfermidade.

Relato do Caso
G.T., 46 anos, masculino, branco. Referia, há 6 meses, sangue vivo e dor retal às evacuações, tenesmo, inapetência e emagrecimento de 8 quilogramas. Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral e descorado (++). Ao exame proctológico palpava-se lesão a 4 centímetros (cm) da margem anal, dolorosa, endurecida, com superfície irregular, fixa a planos profundos, envolvendo toda a circunferência retal, ocluindo a luz, não sendo possível progredir com o dedo além de 6 cm. A biópsia realizada por anuscopia revelou ser leiomiossarcoma de baixo grau de malignidade. A tomografia computadorizada mostrou grande tumoração (810 cm3), deslocando estruturas pélvicas lateralmente, sem plano de clivagem (Figura-1). O paciente foi encaminhado para radioterapia onde recebeu 50 Gy em 20 sessões, sem melhora. Trinta dias após o início da radioterapia foi internado com obstrução intestinal, necessitando colostomia derivativa. Após a operação iniciou quimioterapia, sem melhora, necessitando suspensão do tratamento há um mês pela piora do estado geral.

 

Figura 1 - Tomografia computadorizada mostrando grande tumoração deslocando estruturas pélvicas lateralmente e sem plano de clivagem.

 

Discussão
Leiomiossarcoma de reto pode ser encontrado em qualquer faixa etária3, inclusive há relato em criança com 5 anos de idade4. Mas é mais freqüente na faixa etária entre 50 a 70 anos, no sexo masculino e predomina no reto baixo2,3,5, local do tumor no presente caso.
    Origina-se na musculatura lisa da parede da alça intestinal e pode crescer em direção luminal, perirretal ou ambos3, o que determina os sintomas encontrados, como enterorragia, dor, tenesmo e mudança do hábito intestinal2,3,5,6. Com freqüência os sintomas só aparecem quando o tumor está localmente avançado ou com metástases2,3,6.
    O primeiro exame realizado geralmente é o endoscópico e se não houver crescimento tumoral intraluminal, a biópsia superficial não confirma o diagnóstico, necessitando realizá-la profundamente. É importante ressaltar a importância de se realizar biópsias, também dos pequenos tumores parietais extra-mucosos, pois só assim é possível obter o diagnóstico precoce. Os exames de imagem, destacando-se a tomografia computadorizada de abdome, são recursos importantes para se avaliar as características do tumor como tamanho, margens tumorais, extensão local e detectar metástases. Ressonância magnética tem sido pouco usada.7 Enema opaco geralmente não traz nenhuma informação adicional.
    Tseng et al.8 ressaltam a importância do ultrassom endoscópico para avaliação precisa da localização, margens, extensão e ecogenicidade do tumor. Segundo os autores esse exame é uma ferramenta auxiliar na decisão da conduta cirúrgica entre ampla excisão local e ressecção abdominoperineal do reto. Mas a literatura mundial não tem utilizado ultrassom endoscópico na escolha da conduta cirúrgica e poucos serviços nacionais dispõem desse recurso diagnóstico.
    Alguns autores utilizam classificação própria para leiomiossarcoma, com o objetivo de se avaliar a evolução e o prognóstico desses tumores, baseados nos exames de imagem e de microscopia disponíveis. Astarjian et al.9, definem como estágio I (tumor confinado à parede intestinal ), II (com invasão extra-intestinal) e III (tumor com metástases). O grau de diferenciação, variação da classificação de Broders para leiomiossarcoma, tem sido utilizada na Clínica Mayo10, sendo grau 1 (quando encontra-se à microscopia atividade mitótica mínima, sem pleiomorfismo ou anaplasia), grau 2 (mitoses em um dos cinco campos de grande aumento), grau 3 (mitoses em todos campos de grande aumento), grau 4 (grande celularidade, pleiomorfismo e três ou mais mitoses por campo de grande aumento). Às vezes pode ser difícil diferenciar leiomiossarcoma grau 1 de leiomioma. Este caso foi classificado como grau 1.
    Wang et al.5, avaliando a efetividade de diferentes tratamentos para 12 pacientes de um hospital, verificaram recidiva em 100% dos pacientes que foram submetidos à excisão local ampla e em 20% daqueles submetidos à ressecção abdominoperineal do reto. Concluíram que só deveria ser indicada a excisão local ampla quando o tumor fosse menor que 2cm de diâmetro.
    Neste caso clínico optou-se somente pela colostomia derivativa em razão da extensão local do tumor e pelos maus resultados relatados pela literatura.
    O tratamento adjuvante tem sido frustante. Kiffer et al.11 recomendam a radioterapia no período pós-operatório, porque a raridade desse tumor dificulta a realização de trabalhos prospectivos randomizados e essa terapia apresenta morbidade pequena. Mas não foram encontrados trabalhos que referem benefício com a radioterapia.
    Várias drogas (vincristina, actinomicina D, ciclofosfamida) têm sido indicadas no tratamento quimioterápico dessa enfermidade, mas os resultados também são desanimadores. 3
   
Portanto, apesar do leiomiossarcoma de reto ser considerado tumor de baixa malignidade, a sobrevida não ultrapassa a 20%. Geralmente o diagnóstico é tardio, quando já há metástase para fígado e/ou pulmão ou quando o tumor apresenta grande extensão local, dificultando a remoção completa e facilitando a recidiva local. O diagnóstico precoce e a ampla remoção do tumor são o melhor caminho para a cura.

SUMMARY: Since 1908, little more than one hundred cases of rectal leiomyosarcoma have been reported in the literature. In general the diagnosis is late, because the symptoms often appear when the tumor is locally at an advanced stage, therefore results in high rate of local recurrence even after abdominoperineal rectal resection. More over, hepatic and pulmonary metastasis maybe present and the adjuvant therapy with radiotherapy or chemotherapy show little effectiveness. This study reviews the literature and shows a clinical report of a 46 year old patient, male, white with complaints of anal pain and bleeding at voids associated with tenesmus, lack of appetite and weight loss of 8 kg in 6 months. The physical examination reported regular general status and poor coloration (++). The proctologic examination identified a stenosant hardened injury with irregular surface, fixed, adhered to deep layers, painful and located 4 cm from the anal rim. The biopsy showed that the leiomyosarcoma had low malignant level. In the preoperative staging the CT scan identified a large tumefaction (810 cm3) laterally displacing pelvic structures, with no cleavage plan. The patient was referred to radiotherapy and received 50 Gy in 20 sessions without improvement. He was admitted to the hospital with bowel obstruction and needed a derivative colostomy. He has been undergoing chemotherapy for 6 months. Currently his general status is regular and he is under outpatient management services.

key words: leiomyosarcoma, rectal neoplasia

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Feldtman RW, Oram-Smith JC, Teears RJ, Kircher T. Leiomyosarcoma of the rectum: the military experience. Dis Colon Rectum 1981; 24:402-3.
2. Hatch KF, Blanchard DK, Hatch GF 3rd, Wertheimer-Hatch L, Davis GB, Foster RS Jr, Skandalakis JE. World J Surg 2000; 24(4):437-43.
3. Corman ML. Colon & Rectal Surgery. 3rd ed., Philadelphia, JB Lippincott Company, 1993.
4. Mederos Guzmán TE, López Sánchez R, Trinchet R, Torrens R. Leiomiosarcoma del recto en el niño: presentación de 1 caso. Rev Cuba Cir 1986; 25(1):99-103.
5. Wang HS, Chen WS, Lin TC, Lin JK, Hsu H. Leiomyosarcoma of the rectum: a series of twelve cases. Zhonghua yi Xue Za Zhi (Taipei) 1996; 57(4):280-3.
6. Ramos JR, Pinho M, Ramos RP, Magalhães KMC, Baptista AS. Leiomiossarcoma do reto - relato de um caso. Rev Bras Colo-proct 1987; 7(3):107-9.
7. Lee SH, Ha HK, Byun JY, Kim AY, Cho KS, Lee YR, Park HW, Kim PN, Lee MG, Auh YH. Radiological features of leiomyomatous tumors of the colon and rectum. J Comput Assist Tomogr 2000; 24(3):407-12.
8. Tseng LJ, Mo LR, Jao YT, Tsai CC, Young TM, Cho CY. Rectal leiomyosarcoma diagnosed by endoscopic ultrasonography. Hepatogastroenterology 1999; 46(29):2845-8.
9. Astarjian NK, Tseng CH, Keating JÁ. Leiomyosarcoma of the colon: report of a case. Dis Colon Rectum 1977; 20:139.
10. Akawri OE, Dozois RR, Weiland RH, Beahrs OH. Leiomyosarcoma of the small and large bowel. Cancer 1978; 42:1375.
11. Kiffer JD, Castles L, Quong GG, Feigen M. Leiomyosarcoma of the rectum: what role does adjuvant therapy play? Australas Radiol 1999; 43(2):262-5.

Endereço para Correspondência:
Sandra Pedroso de Moraes
Rua Boaventura do Amaral, 684/131
13015-191 Campinas, SP, Brasil
E-mail: grapas@terra.com.br 

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Celso Pierro - PUC - Campinas