OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
JÚLIO CÉSAR MONTEIRO DOS SANTOS JÚNIOR - TSBCP
SANTOS JUNIOR JCM.Laxantes e Purgativos - O Paciente e a Constipação
Intestinal. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):130-134
Resumo: Estão bem estabelecidos os critérios clínicos para o tratamento da constipação intestinal infantil no adulto ou no idoso. Contudo, o uso popular de laxativos e purgativos sustentado por propagandas de cunho meramente comercial veiculadas pela mídia e, às vezes, indevidamente sustentado por orientação médica, persiste como forma de "tratamento" medicamentoso de escolha daquele "sintoma", com significante prejuízo para os pacientes. Os laxantes e purgantes não se prestam para o tratamento de doença alguma e, em casos excepcionais, sob orientação médica criteriosa, podem ser prescritos para a evacuação intestinal abrupta, em geral necessária como preparo pré-operatório, para procedimentos radiológicos e endoscópicos intestinais, entre outros motivos. Excepcionalmente, sob adequada orientação médica, os laxantes e congêneres serão aconselháveis, como adjuvante inicial, no tratamento da constipação intestinal crônica.
Unitermos: laxantes, purgantes, constipação intestinal crônica
Introdução
São incríveis a freqüência e a facilidade
com que os laxantes ou purgantes são prescritos para
tratar a constipação intestinal de pacientes idosos, jovens
e crianças.
Não fora a reconhecida procedência dos
responsáveis, poderíamos dizer que se trata de
curiosos impressionados com a propaganda que alguns
segmentos da industria fazem, pela mídia, conferindo aos
laxantes propriedades curativas e cosméticas com
qualidades fundamentais para o "tratamento" da
constipação intestinal e da acne vulgar, para o
embelezamento da pele facial, num tom barulhento, mas que não
impressiona os que deveriam ter responsabilidades
com o que se propaga comercialmente a respeito do
que um produto é ou não é capaz de proporcionar ao
usuário em termos de saúde.
Substancias que alteram funções
motoras, absortivas e secretórias do trato gastrintestinal
podem produzir constipação ou diarréia, desidratação e
má-nutrição. Não se prestam para o tratamento de
doença alguma e, em casos excepcionais, sob orientação
médica, podem ser prescritas para a evacuação
intestinal abrupta, em geral necessária como preparo
pré-operatório, para procedimentos radiológicos e endoscópicos
intestinais, entre outros motivos. Assim, não tem nada
a ver com acne vulgar e não tem propriedades
terapêuticas para a constipação intestinal, mesmo porque a
constipação pode não ser doença e, como sintoma, na
maioria das vezes, deve ser orientador para busca de sua
causa básica e, portanto, não tratada como doença.
A constipação intestinal de causa
funcional pode, efetivamente, ser tratada com aumento da
ingestão de dietas ricas em fibras ou complementada com
fibras vegetais, líquidos e
exercícios1, a que se associa
uma criteriosa reeducação do hábito intestinal.
A constipação intestinal da criança, do
adulto e do idoso na sua mais variada etiologia e
complexidade é motivo relevante para consulta ao médico.
Na faixa etária infantil, cerca de 25% do
movimento nos consultórios dos gastrenterologistas
pediátricos está relacionado a queixas referentes à
constipação intestinal. Poucas dessas crianças sofrem
de doença orgânica justificadora do
sintoma.2-4
A maioria dos adultos que padece de mal semelhante acabam sendo, também, enquadrados no
grupo da constipação intestinal simples, raramente
exigindo modalidades sofisticadas de investigação,
principalmente quando o médico não se esquece de
afastar as causas malignas de constipação intestinal.
Aspectos fisiológicos
O volume de líquido que entra no intestino
é variável e dependente de diversos fatores. Em
geral, no adulto, um volume médio de 9 litros de
líquidos entra no intestino delgado como resultado da soma
de volumes ingeridos (2 litros) e de secreções próprias
do tubo gastrintestinal (7 litros). Oitenta por cento
desse volume é absorvido na parte alta do trato
digestório; 1,5 litros no íleo e o volume restante, menos o que
fica nas fezes - cerca de 100 ml - é absorvido no
intestino grosso. Conclusão: mais ou menos 8 litros de água
são absorvidos pelo intestino delgado (representa 50%
de sua capacidade de absorção). Qualquer perturbação
que reduza a absorção intestinal sobrecarrega o cólon
que pode absorver até 5 litros de água por dia. Se a
entrada de líquido no ceco excede esse volume produzirá
diarréia; ao contrário, excessiva absorção de água
provocará a formação de fezes ressecadas, viabilizando
uma situação que se denomina de
constipação1.
A absorção de água, nos cólons, é
secundária ao transporte ativo de sódio, de caráter
primariamente eletrogênico. O sódio é absorvido na forma de
cloreto de sódio, sendo que o cloreto é absorvido por um
mecanismo eletricamente neutro, isto é, o cloreto é
trocado pelo ácido carbônico.
A absorção de nutrientes pelo intestino
grosso é desprezível, mas ele pode absorver ácidos graxos
de cadeia curta que por sua vez estimula a absorção
de água e eletrólitos, ao contrário do que ocorre com
ácidos graxos de cadeia longa (mais de 12 carbonos) e
os ácidos biliares que diminuem a absorção de água
e eletrólitos e contribuem para a
diarréia.
Vários hormônios e neurotransmissores,
incluindo a somatostatina, os opióides, os agonistas
dopaminérgicos e adrenérgicos, o hormônio antidiurético,
os peptídeos intestinais vasoativos, as prostaglandinas e
os agonistas colinérgicos influenciam o fluxo de água
e eletrólitos pela parede dos cólons, de tal forma que
qualquer substancia que interfira com esses hormônios
ou enzimas modifica a capacidade de absorção dos cólons.
São vários os medicamentos que podem,
por diferentes mecanismos de ação, ser provocadores
de constipação intestinal. Dentre eles, alguns mais
conhecidos estão agrupados na Tabela-1.
Tabela 1 - Principais produtos que causam constipação intestinal
antiácidos | 1.hidróxido alumínio 2. carbonato de cálcio |
anticolinérgicos | |
antidiarréicos | 1.pectina 2.caseina |
antiparkinsonianos | |
antidepressivos | 1. tricíclicos 2. lítio |
antihipertensivos/antiarrítimicos | bloqueadores do canal de cálcio |
metais | 1. bismuto 2. ferro 3. metais pesados |
opióides | |
laxativos | uso crônico |
antiinflamatórios não esteroidais | |
simpatomiméticos | pseudo-efedrina |
Outros, por mecanismos semelhantes ou por outros meios, podem provocar resultados
contrários, seja aumentando a capacidade secretória intestinal
ou diminuindo a absorção e estimulando o peristaltismo.
Além desses aspectos físico-químicos, há os
fatores que facilitam ou impedem o trânsito intestinal;
esses são diversos e envolvem diferentes tipos de
doenças. Há, entre eles, um que não caracteriza uma
moléstia, mas pode ser considerado importante para ênfase
aos propósitos desse artigo. Trata-se da educação e
condicionamento da função evacuatória dos intestinos,
seguida de constipação.
Esse destaque nos deixa a salvo, qualquer
que seja o critério usado para classificar as causas da
constipação, que são muitas, para reforçar a idéia de
que laxante não é remédio para tratar constipação,
algumas simples e outras complicadas.
A constipação pode ter como causas as seguintes:
1. Hábitos e dietas
a. dieta sem fibras;
b. uso excessivo de alimentos constipantes (ricos em pectina e caseína);
c. inanição;
d. inibição da função fisiológica
da defecação;
e. uso sistemático de laxantes.
2. Desordens funcionais e estruturais
a. obstrução do cólon;
b. obstrução anal;
c. miopatias ou neuropatias viscerais (congênitas e adquiridas).
3. Anomalias neurológicas extra-intestinais
a. centrais;
b. periféricas.
4. Distúrbios psiquiátricos
a. depressão;
b. psicose;
c. anorexia nervosa.
5. Doenças endócrinas ou metabólicas
a. do adulto;
b. da criança.
6. Iatrogênicas
a. "fármacos" (codeína, laxantes,
antidepressivos, ferro, anticolinérgicos, etc).
Em cada uma dessas circunstâncias é bem
pouco provável que o uso sistemático de laxantes seja
uma opção de "tratamento".
Os medicamentos que agem na função
absortiva e secretória intestinal e modificam a
consistência, forma e a quantidade das fezes, popularmente são
divididos em laxantes e purgantes ou catárticos, de
acordo com a rapidez e o produto de sua ação. Os
laxantes são mais suaves e demoram mais para agir (de 6
horas a 3 dias); os purgantes são drásticos e agem
rapidamente (de 1 a 3 horas). Aqueles promovem fezes
macias ou pastosas, eventualmente diarréicas e,
estes, evacuação aquosa e volumosa.
Essa divisão não segue a classificação
farmacológica que usa apenas a denominação genérica de
laxantes para agrupar essas substâncias,
independente de seu mecanismo de ação e seu poder "laxativo"
ou "catártico". Nessa concepção, elas são agrupadas
de acordo com o padrão de efeito e o tempo que leva
para que o efeito seja produzido, com uma dose clínica
habitual, como no agrupamento da Tabela-2.
Tabela 2 - Grupos de laxativos segundo a velocidade de ação e o resultado
Fezes macias | Fezes semilíquidas | Fezes líquidas |
Formadores de fezes volumosas e macias | Laxativos estimulantes | Laxativos osmóticos |
Farelo | Derivados do difenilmetano | Fostato de sódio |
Psilium | a. fenolftaleina | Sulfato de magnésio |
Plantago | b. bisacodil | Citrato de magnésio |
Goma Guar | Sorbitol | |
Manitol | ||
Surfactantes | Derivados antraquinonicos | Óleos surfactantes |
a. sene | Óleo de rícino | |
Lactulose | b. cascara sagrada | |
c. aloe | ||
d. ruibarbo |
Pretendo separar desse grupo (Tabela-2),
para fins de raciocínio que se prende aos objetivos
desse artigo, as substâncias que são formadoras de
fezes macias e volumosas, particularmente as fibras de
origem vegetal, que serão doravante referidas
apenas como "fibras" para distinguí-las dos outros, que
serão simplesmente denominados de "laxantes".
A constipação intestinal simples, ou seja,
não decorrente de doenças, deve receber tratamento
especial no qual há pouco lugar para os "purgantes" ou
"laxantes", que podem eventualmente ser usados
com parcimônia, em caráter excepcional, para, numa
fase inicial, auxiliar na mudança do hábito intestinal
que deve ser incentivado com exercícios físicos e com
a reeducação da função, caracterizando o que
podemos denominar mudança no "estilo de vida".
Definindo a constipação como evacuação
incompleta e difícil de fezes sistematicamente
ressecadas, qualquer que seja a freqüência em um determinado
período de tempo, para não confundir como constipada
a pessoa que evacua bem, a cada 3 ou 4 dias, resta
determinar os fatores de risco para a obstipação
intestinal, que podem ser assim enumerados:
1. Dieta
2. Ingestão de líquidos
3. Exercícios
4. Medicamentos e outros fatores
1. Dieta
A constipação tem sido um problema que
prevalece em diferentes culturas, associada a hábitos
alimentares que incluem alimentos industrializados,
altamente refinados, conseqüentemente pobres em
fibras vegetais, provavelmente por que elas estão
associadas com o aumento da freqüência dos movimentos
intestinais, da massa fecal e com a diminuição do
transito intestinal5-8, entre outros efeitos favorecendo o
melhor estado de saúde8-12.
2. Ingestão de líquidos
A baixa ingestão de líquidos tem sido
associada à constipação intestinal pela observação de que
esse fato se relaciona a um trânsito intestinal
lento13 (cólico) e a diminuição da exoneração
fecal14, em adultos sadios. Isso ocorre particularmente com os idosos que,
em geral, bebem pouca água15,16, mas pode ser estendido
a um segmento maior da
população10. Contudo, além
de estudos limitados17,1, não há nenhum grande
trabalho que nos traga conclusões contundentes a respeito
da efetividade da maior ingestão de água no trato da
constipação intestinal.
3. Exercícios
A constipação intestinal é mais comum entre as
pessoas que têm hábito de vida sedentário ou são
inativas 10,19,20.
4. Medicamentos e outros fatores
Vários medicamentos agem como
constipantes e entre eles podem ser destacados, paradoxalmente,
os laxativos usados de maneira sistemática; os
anticolinérgicos, antiácidos, antidepressivos, os
antiinflamatórios não esteroidais, além de outros fatores, tais como
os estados psicológicos de ansiedade e depressão
bem como as situações que se caracterizam por
perturbações das funções
cognitivas21-25.
Para todos esses casos, exceto os que
poderiam ser representados por pessoas definitivamente
acamadas, o uso de laxativos não é apropriado.
A mudança no estilo de vida, que inclui
modificações na dieta, a maior atividade física, a
ingestão de maior quantidade de líquidos, reeducação
intestinal e o auxilio de preparados de "fibras vegetais"
podem ser os componentes de terapêutica de sucesso para
a maioria dos casos de constipação intestinal crônica.
Em situações mais graves, mesmo no paciente adulto
ou jovem, numa fase inicial da abordagem, o concurso
dos "laxativos" pode ser necessário e aconselhável,
desde que o médico se preocupe em excluir uma doença
que possa ser alinhada como fator
causal26,27. Somente uma minoria de pacientes constipados crônicos,
refratários aos tratamentos habituais, será submetida a outros
tipos de investigações clínicas e para eles poderá
restar terapêutica agressiva que poderia incluir a
colectomia subtotal ou total27.
Summary: Defecation can be promoted by laxative. However, its public overuse as a self medication is based on
individuals' perception of constipation reflecting a "misconception of what frequency of bowel movement is normal, desirable or necessary.
In addition to perpetuating dependence on drugs, the laxative habits may provide the basis for serious gastrointestinal
disturbances".1
Key words: laxatives, intestinal constipation
Referências Bibliográficas
1. Brunton LL. Agents affecting gastrointestinal water flux
and motility; emesis and antiemetics; bile acids and
pancreatic enzymes. In Goodman & Gilman's (eds.) The
pharmacological basis of therapeutics. Ninth Edition. International
Edition McGraw-Hill;1995,917-28.
2. Molnar D, Taitz LS, Urwin OM, et al. Anorectal manometry
results in defecation disorders. Arch Dis
Child; 1983,58:257-61.
3. Weaver LT, Steiner H. The bowel habits of young
chindren. Arch Dis Child; 1983,59:649-52.
4. Baker SS, Liptak GS, Colletti RB, et al. Constipation in
infants and children: evaluation and treatment - a medical
position statement of the North American Society for
Pediatric Gastroenterology and Nutrition.
http://www.naspghan.org/PDF/constipation.pdf
5. Heaton KW. Cleave and the fibre story.
J R Nav Med Serv; 1980,66:5-10.
6. Gear JS, Brodribb AJ, Ware A, et al. Fibre and bowel
transit times. Br J Nutr; 1981,45:77-82.
7. Taylor R. Management of constipation: high fibre diets
work. BMJ; 1990,300:1063-4.
8. Spiller RC. Pharmacology of dietary fibre.
Pharmacol Ther;1994,62:407-27.
9. Muller-Lissner SA. Effect of wheat bran on weight of stool
and gastrointestinal transit time: a meta-analysis.
Br J Clin Res; 1988,296:615-7.
10. Sandler RS, Jordan MC, Shelton BJ. Demographic and
dietary determinants of constipation in the US population.
Am J Public Health; 1990,80:185-9.
11. Bennett WG, Cerda JJ. Dietary fiber: fact and fiction.
Dig Dis; 199614(1):43-58.
12. Nair P, Matberry IF. Vegetarianism, dietary fibre and
gastro-intestinal disease. Dig Dis;1996,12:177-85.
13. 13Towers AL, Burgio KL, Locher R, et al. Constipation
in the elderly: influence of dietary, psychological, and
physiological factors. J Am Geriatr Soc; 199442:701-6.
14. 14Klauser AC, Beck A,Schindlbeck NE, et al. Low fluid
intake fluid intake lowers stool output in healthy male
volunteers. Z Gastroenterol; 1990,28:606-9.
15. Richards -Hall G, Rakel B, Kartens M, et al. Managing
constipation using a research based protocol. Medsurg
Nursing;1995,4:11-21.
16. Maestri-Banks A, Burns D. Assessing constipation.
Nursing;1996,92:28-30.
17. Sculati O, Giampiccoli G. Clinical trial of a new
preparation with high concentration of dietary fibre.
Curr Ther Res; 1984,36:261-65.
18. Andorsky I, Goldner F. Colonic lavage solution
(polyetylene glycol electrolyte lavage solution) as a treatment for
chronic constipation: A double-blind, placebo controlled study.
Am J Gastroenterol;1990,85:261-65.
19. Romero Y, Evans JM, Fleming KC, et al. Constipation
and fecal incontinence in the ederly population.
Mayo Clin Proc;1996,71:81-92 .
20. Lederle FA. Epidemiology of constipation in the elderly
patients. Drug utilization and cost-containment strategies.
Drugs Aging;1995,6:565-9.
21. Monane M, Avorn J, Beers MH, et al. Anticholinergic
drug use and bowel function in nursing home patients.
Arch Intern Med;1993,53:633-8.
22. Harari D, Gutwitz JH, Minaker KL. Constipation in the
elderly. J Am Geriatr Soc;1993,41:1130-40.
23. Gattuso JM, Kamm MA. Adverse effects of drugs used in
the management of constipation and diarrhoea. Drug
Saf; 1994,l0:47-65.
24. Canty SL. Constipation as a side effect of opiods.
Oncol Nurs Fórum; 1994,21:739-45.
25. Jones RH, Tait CL Gastrointestinal side-effects of NSAIDs
in the community. Br J Clin Pract;1995,49:67-70.
26. Kamm MA. Constipation. Br J Hosp
Med;1989,41:244-50.
27. Camilleri M, Thompson WG, Pleshman JW, Pemberton
JH. Clinical management of intractable constipation.
Ann Intern Med;1994,121:520-8.
Endereço para correspondência:
Júlio César Monteiro dos Santos Júnior
Instituto de Medicina
Av. Min. Urbano Marcondes, 516 - Vila Paraíba
12.515-230 - GUARATINGUETÁ (SP)