ARTIGOS ORIGINAIS
HÉLIO MOREIRA - TSBCP
JOSÉ PAULO TEIXEIRA MOREIRA - ASBCP
HÉLIO MOREIRA JÚNIOR - FSBCP
LEONEL REIS LOUSA - TSBCP
ENIO CHAVES DE OLIVEIRA - TSBCP
MOREIRA H; MOREIRA JPT; MOREIRA JUNIOR H; LOUSA LR; OLIVEIRA EC. Tratamento Clínico Conservador e Cirúrgico
da Fissura Anal. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):89-99
RESUMO : Os autores consideram que para se otimizar o tratamento da fissura anal é necessário definir, antes de mais nada,
se estamos diante de um caso de fissura aguda ou crônica. No período compreendido entre 1995 a 1999, todos os pacientes
portadores de fissura anal e que foram atendidos pelos autores, foram submetidos a um protocolo de tratamento. Os pacientes portadores
de fissura aguda foram tratados com um creme à base de vitamina A ou com uma pomada anestésica de uso tópico, enquanto que
para aqueles com fissura crônica foi indicado o uso de diltiazen tópico ou cirurgia (esfincterotomia lateral interna ELI ). 180
pacientes portadores de fissura aguda receberam tratamento conservador, sendo que 90 deles usaram um creme à base de vitamina A e
os outros 90 usaram uma pomada anestésica. O grupo que usou o creme à base de vitamina A apresentou maior índice de cura,
maior número de pacientes assintomáticos após o tratamento e baixa incidência de persistência dos sintomas da doença, quando
comparados com aqueles que usaram apenas a pomada anestésica tópica (90% vs 66%, 82% vs 60 e 4,5 vs 17,5%, respectivamente - ( p <
0.05 ).No entanto, o sucesso alcançado nos resultados não se correlacionou com a baixa da pressão do canal anal, nos pacientes que
foram submetidos a estudos de eletromanometria. 74 (setenta e quatro) pacientes eram portadores de fissura crônica, destes, 42
destes pacientes usaram a pomada de diltiazen, enquanto que outros 49 (quarenta e nove) foram submetidos a esfincterotomia
lateral interna , ( 17 que não se curaram com o uso do diltiazen e 32 outros, para os quais, foi indicada, como primeira alternativa
de tratamento a cirurgia). Após 6 meses de seguinento, os pacientes que foram submetidos a ELI, apresentaram maior índice de
cura, com maior número destes pacientes se apresentando assintomáticos, além de terem incidência mais baixa de persistência dos
sintomas da doença, quando comparados com aqueles que usaram apenas o diltiazen ( 97% vs 60%, 91% vs 48% * e 0 % vs
40%, respectivamente - p < 0,05; * p< 0,01 ). Incontinência fecal foi relatada, aos 6 meses de seguimento ambulatorial, em 2%
dos pacientes submetidos à cirurgia. Concluem que a fissura anal aguda pode, na maioria dos casos, ser tratada, com sucesso, com a
instituição de medidas clínicas conservadoras: o uso tópico de um creme à base de vitamina A pode exercer um importante papel
na sua cura. Bloqueadores de canal de cálcio se apresentam como drogas promissoras no tratamento da fissura anal crônica,
porem, para serem usados em grupo selecionado de pacientes. A esfincterotomia lateral interna continua a ser o "padrão de ouro "
no tratamento destes pacientes.
Unitermos: fissura anal, tratamento clínico, tratamento cirúrgico, vitamina A, diltiazen
INTRODUÇÃO
A fissura anal é uma lesão benigna com
significativa prevalência nos ambulatórios de Coloproctologia.
O seu sintoma mais comum é a dor anal
que normalmente se exacerba com o ato evacuatório.
A lesão da fissura anal assemelha-se a uma
ulceração, dando a impressão de que houve uma laceração
longitudinal, no sentido da pele para a linha anorretal.
O seu diagnóstico normalmente é muito
fácil de ser feito, o paciente refere uma história de dor
intermitente que se exacerba no ato evacuatório,
persistindo por alguns minutos e que vai diminuindo
gradativamente de intensidade à medida que o tempo passa, chegando
a ficar praticamente sem sintomas durante o restante
do tempo, com reagudização do quadro por ocasião de
nova evacuação. Chama a atenção o fato de que as
evacuações são sempre acompanhadas por sangramento,
normalmente não muito intenso, geralmente algumas
gotas de sangue vermelho vivo.
Devido a este quadro doloroso o paciente
muitas vezes procrastina o ato evacuatório, advindo como
conseqüência o endurecimento do bolo fecal e a sua
expulsão levará a uma maior lesão tecidual e maior dor
local. Muitos pacientes entram neste ciclo vicioso,
adquirindo verdadeiro trauma psicológico com o ato evacuatório.
A fissura anal pode estar localizada em
qualquer posição da circunferência do canal anal,
porém usualmente ela é localizada nas comissuras anterior
e posterior.
No sexo masculino, na grande maioria das
vezes, a lesão está localizada na comissura anal posterior;
em apenas 5% dos casos esta se localiza na anterior.
Entretanto, devido ao fato de que na mulher
o segmento do canal anal anterior não se apresente
com boa proteção tecidual, a incidência de fissura nesta
topografia pode chegar a 20% neste grupo de pacientes
1.
É importante lembrar que se a localização
da fissura anal estiver fora destes dois sítios
(comissura anterior e posterior) a lesão objeto de estudo pode
ser causada por alguma outra doença.
Dentre estas deve ser lembrada a
tuberculose, a doença de Crohn, a sífilis, ou mesmo uma
neoplasia incipiente; nestas oportunidades a lesão fissurária
pode estar localizada na comissura lateral, pode ser
múltipla e muitas vezes são indolores.
No diagnóstico diferencial entre fissura
anal aguda e crônica não pode ser levado em
consideração apenas o tempo de evolução da doença.
A presença de hipertonia do esfíncter
interno do ânus associado com a exposição do mesmo no
leito fissurário e que à medida que este vai se
tornando mais profundo, possibilita que aquele músculo se
torne gradativamente mais evidente, surgindo então,
com muita clareza, um plano entre este músculo e a
mucosa do canal anal.
À custa da mucosa, que se tornou saliente,
surge uma elevação anatômica, que nada mais é do
que uma hipertrofia desta mesma mucosa, cuja
denominação está convencionada como "mamilo
sentinela". Seqüencialmente, no ápice distal do leito
fissurário (dentro do canal anal), surge uma papila hipertrófica.
Muitas vezes encontramos, juntamente com o quadro fissurário, uma doença hemorroidária,
fístulas ou abscessos perianais.
Para se confirmar o diagnóstico de fissura
anal é necessário levar em consideração não somente os
sintomas clássicos já descritos (dor e sangramento),
como também é necessário e fundamental o exame físico
do paciente.
A inspeção do canal anal, que geralmente
fecha o diagnóstico, é feita após um gentil e
cuidadoso afastamento das nádegas; é sempre bom lembrar
que o paciente está, na maioria das vezes, atemorizado
pela possibilidade de ter que ser examinado em local
que está lhe provocando tanto traumatismo.
Na maioria dos pacientes, consegue-se, se
houver interesse ou mesmo necessidade, com luvas
bem lubrificadas, geralmente com cremes contendo
soluções anestésicas, fazer-se, com delicadeza, o
toque retal. Por este exame conseguimos perceber o
tônus do esfíncter anal e principalmente teremos a
possibilidade de, em algumas oportunidades, identificar
alguma outra lesão associada.
O exame endoscópico (anuscopia e
retoscopia), que são exames essenciais na avaliação de todo
paciente proctológico, normalmente não são indicados nesta
fase, aguardando-se uma outra oportunidade para realizá-las.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram incluídos neste estudo, de
maneira randomizada, todos os pacientes com diagnóstico
de fissura anal, aguda ou crônica, atendidos, de
acordo com um protocolo, no período compreendido entre
os anos de 1995 a 1999.
O diagnóstico clínico de fissura anal aguda
era feito inicialmente pela sintomatologia (dor anal
e sangramento às evacuações, seguida de acalmia
nos intervalos, para repetição do mesmo quadro na
próxima evacuação).
O exame físico consistia de inspeção da
região anal, com afastamento cuidadoso e delicado das
nádegas, quando normalmente consegue-se visualizar a
ulceração fissurária característica. Normalmente não
se faz o toque retal, pela possibilidade de provocar
dor, às vezes acentuada; quando isto é possível ou
necessário, deve-se usar luvas bem lubrificadas, de
preferência com uma pomada anestésica. Nesta
oportunidade pode-se perceber que o esfíncter interno se
apresenta com a sua tonia normal.
Deve-se realçar o fato de que o esfíncter,
na maioria das vezes, não está exposto na lesão
fissurária; quando isto raramente ocorre, este se apresenta
com aspecto brilhante, com coloração avermelhada.
No diagnóstico da fissura anal crônica o
tempo de evolução do quadro clínico não era o
parâmetro definitivo a ser considerado; era sempre levada em
consideração, também, a presença de hipertonia
espástica do esfíncter interno do ânus, associada com a
exposição de fibras musculares no leito da ferida fissurária.
Como sabemos, à medida que a úlcera
torna-se progressivamente mais profunda, começam a ser
expostas as porções distais das fibras musculares do
esfíncter interno do ânus, evidenciando, com muita clareza,
um plano entre este músculo e a mucosa do canal anal.
Uma elevação da mucosa, à custa de
sua hipertrofia, também denominada de mamilo
sentinela, surge na extremidade distal da ferida, enquanto
que uma papila, localizada na extremidade proximal
da mesma ferida, também se hipertrofia.
O quadro clínico é superponível ao da
fissura anal aguda (dor e sangramento retal); a inspeção
normalmente define o diagnóstico.
Como foi salientado anteriormente,
também aqui o toque retal, quando possível de ser
realizado, possibilita o avanço na hipótese diagnóstica, pela
presença do aumento do tônus muscular.
Anuscopia e proctoscopia, embora sejam essenciais como métodos investigativos, necessitam
ser e são frequentemente postergados.
Todos os pacientes, quer se tratasse de
portadores de fissura anal aguda ou crônica, recebiam,
como orientação geral de tratamento, indicação para
realizarem banhos de assento com água morna e
medidas dietéticas a fim de facilitar o ato evacuatório, ou
seja, aumento da ingestão de fibras e líquidos.
Quando se tratava de fissura anal aguda,
era acrescentado, randomizadamente a esta orientação
o uso tópico de uma pomada à base de Vitamina A
ou uma outra com base anestésica.
Os pacientes que não respondiam a esta
orientação após transcorrido um período mínimo de 3
semanas ou aqueles que se apresentavam à primeira
consulta já com o diagnóstico firmado de fissura anal
crônica, eram tratados agora, também randomizadamente,
com uma outra pomada à base de diltiazen ou então com
uma esfincteromia lateral interna do ânus, ambas as
terapêuticas visando à diminuição da pressão do canal anal.
Na análise estatística do material, utilizou-se,
para fazer comparação entre os diferentes grupos,
os testes Qui-quadrado, Student`s, t-test ou o teste da
exata probalidade de Fisher`s.
Somente valores de p menores que 0,05
foram considerados significantes.
RESULTADOS
Todos os pacientes, em número de 254,
foram atendidos no Instituto de Gastroenterologia de Goiânia
O estudo demográfico e os achados clínicos
dos pacientes portadores de fissura anal aguda, no
momento da primeira consulta, estão descritos na Tabela-1.
Tabela 1 - Dados demográficos de 180 pacientes portadores de fissura anal aguda
Creme à base de Vit. A | Anestésico tópico | |
(n=90) | (n=90) | |
Sexo (M/F) | (38/52) | (43/47) |
Idade | 38 + 12 anos | 34 + 15 anos |
Sangramento anal (%)* | 80 | 74 |
Dor anal (%)* | 100 | 100 |
Doenças anorretais associadas (%)* | 24 | 29 |
* Achados clínicos na inclusão. p= NS |
Cento e oitenta pacientes se apresentavam
com o quadro de fissura anal aguda. Para todos eles foi
instituído, inicialmente, o tratamento conservador ou
clínico; randomizadamente foram divididos em dois
grupos (A e B) de 90 (noventa) pacientes cada, sendo que
os pacientes de ambos os grupos foram orientados no
sentido de fazerem uso de banhos de assento com
água morna, com o intuito de relaxar e possivelmente
diminuir a hipertonia esfincteriana, além de dieta à base
de fibras e bastante líquidos para facilitar o ato
evacuatório.
Para os pacientes do grupo A era
indicado, também, o uso tópico de uma pomada com base
anestésica, enquanto que os do grupo B, usavam uma
outra pomada à base de Vitamina A.
Os pacientes do grupo A (pomada
anestésica) apresentaram um índice de cicatrização da
ferida fissurária de 66% (n-59), enquanto que nos
pacientes do grupo B (pomada à base de Vitamina A) este
índice foi de 90% (n-81), conforme está demonstrado na
Tabela-2.
Tabela 2 - Tratamento médico conservador de 180 pacientes que se apresentavam com fissura anal aguda - resultados
Creme à base de Vit. A | Anestésico tópico | |
(n=90) | (n=90) | |
Índice de sucesso na cicatrização (%) | 90 | 66* |
Assintomáticos (%) | 82 | 60* |
Sintomas menores (%)** | 13,5 | 22,5* |
Sintomas persistentes (%) | 4,5 | 17,5* |
*p<0,05; ** Sangramento ou desconforto anal para grandes esforços. |
Trinta e dois destes cento e oitenta
pacientes foram submetidos, antes e após o tratamento, à
manometria anorretal. Não foram verificados aumentos
da pressão esfincteriana em nenhum paciente, antes
da instituição do tratamento.
Verificou-se, também, que o sucesso do
resultado do tratamento, não era acompanhado por
uma possível diminuição destas pressões, como pode
ser visto na Tabela-3.
Tabela 3 - Pressão anal média dos pacientes que se apresentavam com fissura anal aguda
Pré-tratamento clínico | Pós-tratamento clínico | |
Creme à base de Vit. A (n=18) | 65 mmHg (dp= + 4,5) | 59mmHg (dp=+ 5,2)* |
Anestésico tópico (n=14) | 67mmHg (dp=+ 6) | 63mmHg (dp=+ 8)* |
* p= NS |
Setenta e quatro pacientes com fissura
anal crônica (40 advindos daqueles que eram portadores
de fissura anal aguda e que foram tratados
clinicamente, porém, não responderam ao tratamento instituído e
34 outros que já se apresentavam, no momento da
primeira consulta, com o diagnóstico de fissura anal
crônica) foram tratados de acordo com um algorítimo que
será a seguir demonstrado.
Quarenta e dois pacientes receberam, além
do tratamento conservador já discutido anteriormente
(banhos de asssento com água morna, dieta com fibras
e aumento da ingestão de líquidos), a indicação para
o uso de uma pomada à base de diltiazen.
O índice de cicatrização deste grupo de
pacientes foi de 60% (n-25).
Quarenta e nove pacientes foram
submetidos à esfincterotomia lateral interna (17 que não se
curaram com o uso de diltiazen e 32 outros, para os
quais foi indicada, como primeira alternativa, a cirurgia).
A Tabela-4 define os dados demográficos e os
achados clínicos destes pacientes.
Tabela 4 - Dados demográficos e achados clínicos dos pacientes que se apresentavam com fissura anal crônica
Diltiazen | Esfincterotomia Lateral Interna | |
(n=42) | (n=49) | |
Sexo (M/F) | (18/24) | (21/28) |
Idade | 41 + 12 anos | 33 + 11 anos |
Sangramento retal (%)* | 71 | 73 |
Dor anal (%)* | 100 | 100 |
Doenças anorretais associadas (%)* | 28 | 31 |
* Achados clínicos na inclusão p = NS |
O índice de cicatrização do grupo que foi
submetido à cirurgia foi de 95% (n-47), enquanto que
para o grupo de pacientes que usou a pomada de
diltiazen este índice foi de 60% (verificar estes resultados
nas Tabelas 5 e 6).
Tabela 5 - Tratamento dos pacientes que se apresentavam com fissura anal crônica (Resultados)
Diltiazen tópico | Esfincterotomia Lateral Interna | |
(n=42) | (n=49) | |
Índice de sucesso na cicatrização (%) | 60 | 97* |
Assintomáticos (%) | 48 | 91* |
Sintomas menores (%) ** | 12 | 9 |
Sintomas persistentes (%) | 40 | 0*** |
*p<0,05; ***p<0,01;** Sangramento retal ou desconforto anal para grandes esforços. |
Tabela 6 - Acompanhamento dos pacientes que foram submetidos à esfincterotomia lateral interna para tratamento de fissura anal crônica
1 mês | 3 meses | 6 meses | |
(n=46) | (n=34) | Entrevista por telefone (n=47) | |
Ferida cicatrizada (%) | 98 | 97 | - |
Assintomáticos (%) | 91 | 97 | 91 |
Sintomas menores (%)* | 6,5 | 2 | 9 |
Sintomas persistentes (%) | 1,5 | - | - |
Incontinência fecal (%) | - | 3 | 2 |
* Sangramento retal ou desconforto anal para grandes esforços defecatórios. |
Um paciente referiu incontinência fecal pós operatória; no entanto esta queixa estava presente apenas para gases 6 meses após o ato cirúrgico (Tabela-7).
Tabela 7 - Incontinência fecal após tratamento cirúrgico para fissura anal aguda
No. de pacientes | Gases (%) | Fezes sólidas (%) | Escape fecal (%) | |
Abcarian - 1980 (15) | 150 | 0 | 0 | 0 |
Gingold - 1987 (37) | 86 | 0 | 0 | 0 |
Gordon - 1997 (59) | 265 | 0,4 | 0,4 | 0,4 |
Khubchandani - 1989 (36) | 1355 | 35 | 5,3 | 22 |
Nyan - 1999 (26) | 585 | 6 | 1 | 8 |
Presente estudo | 49 | 2 | 0 | 2 |
DISCUSSÃO
O intuito deste trabalho é analisar os
vários ângulos da doença fissura anal, desde sua
apresentação clínica, diagnóstico, fisiopatologia e
principalmente as modalidades de tratamento discutidas na
literatura, apresentando, durante esta discussão, o ponto de
vista e principalmente os resultados alcançados pelos
autores no seu tratamento.
A etiologia da fissura anal ainda é motivo
de discussão; muitas teorias têm sido propostas para
tentar explicar a história natural desta doença. Em
uma revisão da literatura, observamos que um grande
numero de autores por nós consultados, não fazem
distinção, na análise dos seus resultados e muitas
vezes no processo de discussão dos seus trabalhos, entre
pacientes portadores de fissura anal aguda ou
crônica, considerando estas duas situações clinicas como
um processo único, com fisiopatologias semelhantes.
Provavelmente o processo fissurário deve
iniciar-se por um traumatismo, geralmente causado
por fezes muito endurecidas que provocariam, pela
sua passagem, uma lesão inicial no canal anal. Outros
autores acreditam que a fissura anal se inicia por um
processo inflamatório no canal anal, geralmente
uma criptite, uma papilite ou genericamente uma
proctite, que facilitariam, pela diminuição da resistência
dos tecidos da região, provocada pelo processo
inflamatório, a ação do traumatismo desencadeador. Esta
teoria permite explicar a razão de a diarréia, em algumas
oportunidades, estar também associada com a fissura anal.
Se esta lesão não cicatrizar com a instituição
de tratamento clinico conservador, a manutenção e a
repetição do traumatismo do canal anal, acabará por
expor as fibras do esfíncter interno do ânus, na medida que
o leito fissurário vai se tornando mais
profundo. Seqüencialmente, o músculo esfincteriano
torna-se espástico, hipertônico, desenvolvendo, por
conseqüência, um aumento da pressão de repouso do canal
anal. Este aumento da pressão a este nível irá piorar o já
deficiente suprimento sanguíneo na linha média posterior.
Klosterhalfen e cols2, estudando a anatomia
do canal anal, demonstraram algumas particularidades
interessantes acerca do sistema capilar da artéria
hemorroidária inferior, a nível da comissura posterior do ânus.
Estes autores concluem que a porção posterior do
anoderma, quando comparada com os outros
quadrantes do canal anal, é absolutamente hipoperfundida.
Notaram também que as ramificações arteriolares
daquela artéria cruzam o esfíncter interno do ânus, o que
facilitaria, sobremaneira, obstruções do lúmen destes
vasos, quando da contração deste músculo.
Existe a hipótese, bastante discutida na
literatura, de que um aumento da atividade do esfíncter
interno do ânus, levaria também a uma diminuição
do suprimento sangüíneo a nível do canal anal,
especialmente na comissura anal posterior.
Schouten e cols3 fizeram uma avaliação da
relação entre a pressão do canal anal e o fluxo
sangüíneo no anoderma. O uso de um doppler fluxímetro a
laser permitiu quantificar a perfusão sanguínea do
anoderma na linha média posterior do canal anal. Concluíram
que as úlceras da fissura anal são, sob o ponto de
vista vascular, isquêmicas.
Vários trabalhos têm documentado que a
pressão anal de repouso, em pacientes portadores de
fissura anal, são mais elevadas do que na população
não fissurária4-6. Este aumento da pressão do esfíncter
interno do ânus, provavelmente, levará a uma restrição
de suprimento sangüíneo do anoderma, levando a uma
conseqüente, embora relativa, isquemia da região.
Por outro lado a configuração anatômica
do canal anal (forma elíptica), predisporia a formação
de fissuras, justamente na linha média posterior.
A combinação destes fenômenos facilitaria
o desenvolvimento de fissuras anais, especialmente
na linha média posterior.
Um trauma inicial no canal anal, associado
com o espasmo do esfíncter interno do ânus e a
isquemia tecidual, completariam o ciclo que possibilitaria o
aparecimento da fissura.
A escassez de trabalhos na literatura
mostrando uma possível distinção entre indivíduos
portadores de fissura anal aguda e crônica como duas
condições clínicas diferentes, dificulta a interpretação dos
resultados que são divulgados, uma vez que as respostas
ao tratamento também são diferentes.
O presente trabalho se preocupa com esta
distinção, empregando formas de tratamentos que
respondem, a nosso ver, à fisiopatologia da doença de
acordo com o estádio da lesão.
Fissura anal aguda
A terapêutica a ser instituída não precisa,
para ser eficaz, necessariamente levar em consideração
a necessidade de reduzir a pressão do esfíncter
interno do ânus, de acordo com o que imaginamos (Tabela-3).
Consentâneo com estes princípios,
achamos que nestes casos se deva indicar uma terapêutica
conservadora, que se baseia na instituição de uma dieta
à base de fibras vegetais, banhos de assento com
água morna, uso de analgésicos, quer por via sistêmica,
geralmente por via oral, acrescido do uso de pomadas
à base de anestésicos, para uso tópico na região afetada.
Desde o ano de 1966, temos usado nestes casos, em substituição a pomada anestésica, uma
composição, também sob a forma de pomada, cujo
principio ativo é a Vitamina A. Nossos resultados
clínicos têm se mostrado plenamente favoráveis (Tabela-2).
Fissura anal crônica
O tratamento desta entidade deve ser
focado no sentido de se reduzir a pressão do canal anal.
Este desiderato pode ser atingido por intermédio de
cirurgia, quer seja a esfincterotomia lateral interna, a
esfincterotomia interna posterior com avanço de
retalho cutâneo ou por intermédio de dilatação manual do
canal anal, como sugere a América Society of Colon
and Rectal Surgeons7.
A esfincterotomia lateral interna foi descrita
por Eisenhammer em 19518, sendo que
Ribeiro9 publicou em 1960, seus resultados preliminares em 112
pacientes, utilizando esta mesma técnica, que aliás ele
entendia como sendo original, com resultados favoráveis
(cicatrização do leito fissurário) em 98% dos casos.
Em 1969 Notaras10 fez uma modificação
técnica neste procedimento; pessoalmente, temos
utilizado esta cirurgia (esfincterotomia lateral interna)
desde 1972, época em que fizemos o Curso de
Pós-graduação no Hospital São Marcos de
Londres11, 12.
Esta cirurgia apresenta, sob nosso ponto
de vista, algumas vantagens que julgamos pertinentes
serem divulgadas:
a) Reduz a pressão de repouso do canal anal
13.
b) Pode ser realizada em regime ambulatorial.
c) A incisão da parede lateral do canal anal
é primariamente fechada, cicatrizando, por
conseqüência, com bastante rapidez.
d) Provavelmente o ponto mais importante
a ser levado em consideração é o fato de que a
fissura anal crônica cicatriza em índice elevado de casos,
cerca de 95%11-17.
Embora estes resultados se mostrem tão
favoráveis, devemos considerar o fato de que haverá uma
lesão permanente do esfíncter, cuja conseqüência será o
aparecimento de deformidade anatômica do canal anal e o
mais preocupante, o possível aparecimento de
incontinência anal, particularmente nos pacientes idosos e do sexo
feminino, principalmente para gases, mas também para
fezes líquidas e eventualmente para fezes sólidas.
Na última década, algumas novas drogas
foram introduzidas no arsenal terapêutico, com o
desiderato de ajudar no tratamento destas lesões. Os
princípios ativos destes medicamentos seriam capazes
de promover o relaxamento do esfíncter interno do ânus.
Destaca-se dentre estes medicamentos a
toxina botulínica, os nitratos orgânicos e os
bloqueadores de canal de
cálcio18-28.
Toxina botulínica
Sua ação se dá a nível da junção
neuromuscular, evitando que as fibras pré-sinápticas autonômicas
liberem acetilcolina, bloqueando a sua neurotransmissão.
A injeção intra-esfincteriana da toxina
botulínica provoca uma temporária paralisia do
esfíncter26, 29, também chamada de esfincterotomia química;
com isto, desaparece o espasmo esfincteriano, devido a
esta desnervação química não permanente. Esta ação
se mantém por um período não superior a 3 meses,
tempo suficiente para cicatrizar a
fissura27.
Embora seja um procedimento invasivo, este método tem uma grande vantagem: a simplicidade da
sua aplicação, podendo ser utilizado no próprio consultório.
Existem, no entanto, alguns
questionamentos ainda não completamente respondidos, bem como
não equacionados, quais sejam: a definição do sitio
anatômico a ser injetada a droga, a sua dosagem e a
necessidade de, eventualmente, repetir as injeções,
naqueles casos em que não ocorreu a cicatrização da
ferida fissurária no tempo de ação da droga.
Apesar destas colocações, existem estudos
mostrando bons resultados com o uso desta droga,
destacando-se o trabalho prospectivo desenvolvido
por Casseta e cols29, onde é descrito um índice de
bons resultados (cicatrização da ferida), em
praticamente 100% dos casos tratados.
São descritos, com muita freqüência,
efeitos colaterais ao seu uso, destacando-se a trombose na
região perineal em mais ou menos 20% dos casos,
além de que, cerca de 10% dos pacientes que se
submeterem a este tratamento irão desenvolver anticorpos
específicos à toxina botulínica, embora isto possa
ocorrer apenas com o uso prolongado da droga e
principalmente se forem administradas altas doses.
Nitratos orgânicos
O óxido nítrico, um importante modulador
do sistema nervoso entérico que atua desde o esôfago
até o ânus, é também o mais importante inibidor
dos neurotransmissores do esfíncter interno do ânus.
A nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida
podem reduzir a pressão do esfíncter interno do ânus,
quando aplicados localmente, sob a formulacão de
pomada20 ou por intermédio de
spray22, uma vez que este
músculo liso se apresenta em constante contração tônica.
Vários estudos demonstraram que há uma
liberação de óxido nítrico em resposta a um
estímulo não adrenérgico ou de neurônios não colinérgico
do esfíncter interno do
ânus21.
Considerando o fato de que pacientes portadores de fissura anal crônica apresentam o
esfíncter interno hipertônico e que estas drogas podem
provocar o seu relaxamento, a cicatrização do
processo fissurário deverá ser facilitada, levando-se em
consideração ainda que o fluxo sangüíneo a este nível é
restaurado, voltando aos níveis normais.
Não existe dúvida de que o uso de
algumas destas substâncias, cujas formulações são à base
de nitratos orgânicos, é capaz de provocar a
esfincterotomia química, conseguindo, por conseqüência,
também a cura da fissura
anal20-25. No entanto precisamos levar em consideração que o tratamento é dose
dependente e que em alguns casos será necessária a
utilização de mais de uma sessão de tratamento, além de
que podem surgir reações colaterais, tais como
cefaléia, sensação de escotomas, existindo também a
possibilidade de recidivas, algumas vezes até em índices
um pouco preocupantes23.
Bloqueadores do canal de cálcio
A atividade espontânea do músculo e o
seu tônus de repouso são dependentes do cálcio
extracelular e o seu fluxo através das células.
Estudos recentes, realizados in vivo, mostraram que
o bloqueio dos canais de cálcio produz uma abolição
do tônus de repouso do músculo esfíncter interno do
ânus e atenuam a contração agonista-induzida.
As drogas nifedipina e diltiazen,
rotineiramente utilizadas para algumas desordens
cardiovasculares, são algumas destas drogas que possuem estas
atividades, por isto têm sido indicadas no tratamento de
pacientes portadores de fissura anal, tanto por via
oral22 como sob a forma de gel18,
19.
As vantagens destas drogas, quando comparadas com a nitroglicerina ou o dinitrato de isossorbida,
são a sua estabilidade e a sua longa "meia-vida".
Quando usada sob a forma de gel, a absorção da nifedipina
alcança valores menores do que é alcançada quando é
utilizada por via oral, além de não apresentar efeitos colaterais.
A diferença fundamental entre fissura
anal aguda e crônica é a presença, nos casos definidos
como crônicos, de hipertonia do esfíncter interno do
ânus, causando, por conseqüência, aumento da pressão
do canal anal nestes pacientes.
Esta diferença explica porque estes mesmos
pacientes, com diagnóstico de fissura anal
crônica, quando submetidos a um tratamento conservador,
não apresentam bons resultados a longo prazo.
No período compreendido entre 1995 a
1999, duzentos e cinqüenta e quatro pacientes portadores
de fissura anal foram tratados, prospectiva e
randomizadamente, por cinco cirurgiões.
O tratamento clínico conservador foi
indicado para 180 pacientes portadores de fissura anal
aguda, que foram randomizados em dois grupos (A e B) de
90 pacientes cada um.
Os pacientes dos dois grupos receberam a
recomendação de passarem a usar uma dieta ricas em
fibras vegetais, no sentido de facilitar o ato
evacuatório, além da necessidade de fazerem banhos de assento
com água morna, para induzir o relaxamento muscular.
O primeiro grupo (A) recebeu a indicação
para fazer uso de uma pomada anestésica na região
anal, enquanto que o segundo grupo (B), usou uma
pomada à base de Vitamina A, com o intuito de que esta
vitamina tivesse ação na epitelização do leito fissurário.
O grupo A (uso de pomada anestésica),
apresentou um índice de cicatrização da ferida de 66%
(n-59), enquanto que no grupo B (uso da pomada à
base de Vit. A) este índice foi de 90% (n-81).
É difícil comparar nossos resultados com
outros citados na literatura, uma vez que, como
assinalamos anteriormente, nem sempre é muito clara e
provavelmente não necessária para os diversos autores,
fazer a diferenciação entre fissura anal aguda e
crônica. Observamos que alguns autores apresentam seus
resultados, englobando as duas entidades em uma
única condição clínica.
Nosso material, pelo contrário, procura
separar as duas entidades e tratá-las de maneira diferente.
O uso da Vitamina A promoveu, em nossos casos, melhores resultados quanto à cicatrização
da ferida, embora não se possa comprovar se
realmente esta droga levaria a uma aceleração da
cicatrização tecidual, como sugerem os nossos dados. Novas
investigações serão necessárias para confirmar ou
mesmo infirmar estes resultados.
Setenta e quatro pacientes portadores de
fissura anal crônica (40 que foram atendidos inicialmente
com o diagnóstico de fissura anal aguda e que foram
mal sucedidos na tentativa de tratamento clínico
conservador e 34 outros novos casos que já se apresentavam,
no momento da consulta, com o diagnóstico de
fissura anal crônica foram indicados para nova
modalidade de tratamento.
Quarenta e dois destes pacientes receberam,
além do tratamento clínico conservador (dieta com
bastante fibra, banhos de assento com água morna), a
indicação para fazerem uso de uma pomada à base de
diltiazen (Bloqueador de canal de cálcio). O índice de
cicatrização da ferida fissurária neste grupo foi de 60% (n-25).
A nifedipina e o diltiazen, ambos
bloqueadores do canal de cálcio, podem modular o tônus do
esfíncter interno do ânus, mesmo que este se apresente com
o tônus considerado normal31, 32. Existem poucos
estudos reportando o uso destas drogas no tratamento da
fissura anal crônica. Antropoli e
cols18 mostram os resultados preliminares de um estudo multicêntrico em que se
usou a nifedipina para o tratamento de pacientes com
fissura anal aguda. Reforçando nosso ponto de vista
anteriormente esposado de que diversos autores costumam
confundir, sob nosso ponto de vista, as duas entidades
(aguda e crônica), um dos critérios para inclusão de
pacientes neste grupo de estudo, era a necessidade de que
estes pacientes (portadores de fissura anal aguda)
apresentassem hipertonia do esfíncter interno do ânus.
Os critérios de exclusão eram os casos de pacientes
com fissura recidivada e aqueles que apresentassem,
alem da fissura, complicações que requeressem cirurgia
imediata. Foram feitos estudos manométricos,
comparando a pressão de repouso, antes e após o tratamento, entre
o grupo que recebeu nifedipina e o controle.
Antes da instituição do tratamento, foi
verificado que as pressões de repouso nos dois grupos
estudados eram similares. Vinte e um dias após o
tratamento, os pacientes que receberam a droga nifedipina
apresentaram uma redução média de 30% nas suas pressões
de repouso do canal anal. Entretanto, não houve
diferença estatísticamente significativa entre os dois
grupos (nifedipina e controle). Concluem que a remissão
total da lesão ocorreu em 95% dos pacientes tratados
com nifedipina contra 50% no grupo controle ( p< 0,01).
Apesar destes bons resultados, é
necessário levar em consideração o fato de que, a nosso ver,
não foi adotado um critério clínico correto para
inclusão dos pacientes, no que diz respeito à separação dos
casos agudos dos crônicos.
De acordo com a nossa
experiência32 a pressão de repouso do canal anal não se modifica, antes e após
a instituição do tratamento clínico conservador, em
pacientes portadores de fissura anal aguda (Tabela-3).
Houve, na experiência de Antropoli e cols (18)
uma evidente melhora clínica (dor) e
manométrica (pressão de repouso e squeeze) com o uso de nifedipina.
Os índices de cicatrizacão do leito
fissurário descritas por estes autores são superiores aos de
nossa casuística, não podendo ser descartado, para
discussão, o fato de a droga por nós usada, embora tenha o
mesmo principio ativo, ou seja, um bloqueador de canal de
cálcio, é diferente da que foi usada pelos mesmos.
Finalmente, é necessário realçar o fato de
que todos os pacientes incluídos no protocolo dos
citados autores receberam, alem de orientação dietética
visando facilitar a evacuação, a indicação para o uso de uma
pomada à base de nifedipina, foram submetidos a
dilatação anal.
Quarenta e nove pacientes da nossa
casuística, portadores de fissura anal crônica foram submetidos
a esfincterotomia lateral (17 que não responderam
ao tratamento com diltiazen e 32 que foram
operados como primeira opção de tratamento).
O índice de cicatrização deste grupo de
pacientes foi de 95% (n=47).
Nosso grupo do Serviço de
Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás usa, para tratamento da fissura anal crônica,
esta técnica cirúrgica (esfincterotomia lateral), como
rotina, sendo que um dos autores (HM) a pratica
desde 197211; o esfíncter interno do ânus é incisado, sob
visão direta, em mais ou menos 50% de sua extensão;
a incisão, feita geralmente na lateral direita do canal
anal e que permite expor o esfíncter que será incisado;
a ferida é fechada após o procedimento com o uso
de um fio absorvível. A nossa preferência para o uso
da técnica fechada, deve-se exclusivamente à
manutenção da nossa experiência, uma vez que não existem
dados indicativos definindo qual a melhor técnica
(aberta ou fechada).
Nelson e cols33 encontraram resultados
similares quando analisaram o índice de cicatrização e
a presença de incontinência fecal pós-operatória,
em pacientes operados pelas duas modalidades
técnicas (aberta e fechada).
Nossos resultados são superponíveis aos das
mais recentes publicações16,
34, altos índices de cicatrização da ferida e resolução do quadro doloroso,
normalmente ao redor de 95%, além de baixa
incidência de complicações pós-operatórias.
Embora nossos pacientes que foram submetidos à cirurgia não tenham sido randomizados quanto
a idade e sexo, não encontramos na literatura
qualquer referência de que estes dois parâmetros são
preditívos para o sucesso do tratamento ou para
desenvolvimento de incontinência pós-operatória
Observamos que apenas um paciente da nossa série desenvolveu algum grau de incontinência,
principalmente para gases e que era persistente por 6
meses após o tratamento cirúrgico.
Acompanhamos esta paciente por um
período de quase dois anos; foi instituído tratamento
(bio-feedback), com resultados satisfatórios. Não
podemos perder de vista que esta paciente e mesmo outros
pacientes, poderão apresentar, quando estiverem na
idade senil, problemas de continência fecal, tendo em
vista o fato de que haverá, neste grupo etário, uma
normal flacidez da musculatura perineal. Este fato,
acrescido da esfincterotomia, poderá levar a algum tipo de
incontinência.
A literatura por nós consultada mostra que
o problema da incontinência fecal deve ser
observado com atenção, pois poderá estar presente no
pós-operatório, tanto imediato como tardio.
Os resultados da nossa presente série
são superponíveis aos da
literatura14, 31, 29, 15, com
exceção do trabalho de
Khubchandani30, pois este autor encontrou, no estudo de 1.355 pacientes por ele operados,
um índice de incontinência pós operatória até
certo ponto surpreendente, ou seja, 35% para gases,
5,3% para fezes sólidas e 22% para escape fecal.
Provavelmente, segundo nosso ponto de
vista, a causa desta incidência tão alta de incontinência
poderia ser explicada pela técnica cirúrgica utilizada
por aquele autor, pois sabemos que ele faz,
simultâneamente, esfincterotomia do esfincter interno do ânus
em dois pontos diferentes do canal anal. Como
sabemos que este músculo tem, pela sua própria estrutura, a
tendência de separar os seus dois cabos no local onde
foi seccionado, podemos entender que, se o cortamos
em dois pontos diferentes, esta separação será mais
acentuada, facilitando, por conseguinte, o aparecimento
da diminuição do seu tônus.
De toda maneira é necessário realçar o fato
de que, até para efeitos de implicações legais, o
cirurgião deve estar consciente e será necessário passar esta
informação para o paciente, de que toda vez que se
realiza uma esfincterotomia do esfíncter interno do
ânus para tratamento de uma fissura anal crônica,
iremos provocar, a curto ou a longo prazo, algum tipo de
incontinência fecal
CONCLUSÕES
A fissura anal aguda pode ser tratada, na
maioria absoluta de casos, com terapêutica clínica
conservadora. O uso de uma pomada à base de Vitamina
A poderá melhorar estes resultados.
Os bloqueadores do canal de cálcio são
drogas promissoras e podem ser úteis no tratamento
de pacientes portadores de fissura anal crônica, em
casos selecionados. Entretanto, a esfincterotomia interna
continua sendo o padrão ouro para o tratamento
destas fissuras.
SUMMARY: In order to optimize the treatment of anal fissure, it is important to determine weather it is an acute or a chronic anal fissure. To assess the clinical outcome of patients suffering from an acute or chronic anal fissure, patients were prospectively randomized into a clinical or surgical treatment protocol. From 1995 to 1999, all patients suffering from anal fissure were prospectively randomized into a specific acute or chronic anal fissure protocol. Acute anal fissure patients were treated either with topic vitamin A - based cream or topic anesthetic, while chronic anal fissure patients were treated with either topic Diltiazen or surgery. 180 patients suffering from an acute anal fissure were conservatively treated either with a Vitamin A - based cream (n=90) or topic anesthetic (n=90). Demographic data were similar for both groups of patients. Vitamin A - based cream presented with a higher successful healing rate, a higher number of asymptomatic patients, and a lower incidence of persistent symptoms when compared to only topic anesthetic (90% vs 66%, 82% vs 60% and 4,5% vs 17,5%, respectively - p<0.05). Moreover, the successful results were not correlated to a drop of the pressure of the anal canal. 74 patients were treated due to a chronic anal fissure. 42 patients received topic Diltiazen, while 49 patients were submitted to a lateral internal sphincterotomy(LIS). Demographic data and pre-medical or surgical treatment symptoms were similar for both groups of patients. After 6 months of follow-up, LIS presented with a higher successful healing rate, a higher number of asymptomatic patients, and a lower incidence of persistent symptoms when compared to only topic diltiazen (97% vs 60%, 91% vs 48%# and 0% vs 40%*, respectively # p<0..05; *p<0.01). Fecal incontinence was reported in 2% of patients who underwent LIS at 6 months of follow-up. Acute anal fissure can, in the majority of the cases, be successfully conservatively treated. Topic Vitamin a - based cream may play an important role on healing an acute anal fissure. Calcium channel blockers are promising drugs and may be useful in selective patients with chronic anal fissure. Lateral internal sphincterotomy remains the gold standard procedure for these patients.
Key words: anal fissure, treatment, A Vitamine, diltiazen
Referências Biliográficas
1. Greenfield LJ, Mulholland MM, Oldhankt KI, Zekenock
GB. Ed. Surgery: Scientific Principles and
practice. Philadelphia, J.B. - Lippincott Company, 1953: 1071-3.
2. Kosterhalfen B, Vogel H, Mitter Mayer C. Topography of the
inferiror rectal artery: a possible cause of chronic, primary anal fissure. Dis Colon Rectum,
32: 43-52, 1989.
3. Schouten WR, Briel JW, Auwerda JJA. Relationship
between anal pressure and anodermal blood flow. The vascular pathogenesis of
anal fissure. In: 92nd Annual convention of
the American Society of Colon and Rectum Surgeons. Chicago, IL, May 2-7, 1993.
4. Northmann BJ, Schuster MM. Internal anal sphincter
derangement with anal fissure.
Gastroenterology, 67: 216-20, 1974.
5. Farouk R, Duthie GS, MacGregor AB, Bartolo DC. Sustained internal
sphincter hypertonia in patients with chronic anal fissure. Dis Colon Rectum,
37: 424-9, 1994.
6. Keck JO, Staniunas RJ, Coller JÁ. Computer generated
profiles of the anal canal in pacients with anal fissure.
Dis Colon Rectum, 38: 72-79, 1995.
7. Rosen L, Abel ME, Gordon PH. Practice parameters for
the management of anal fissure: The standard task force
American Society of Colon and Rectum Surgeons. Dis Colon
Rectum, 35: 206-208, 1992.
8. Eisenhammer J. The surgical correction of chronic anal
sphincter contrature. S. Afr. Med. J., 25: 486-9, 1951.
9. Ribeiro MC. Esfincterotomia sub-cutaneo-mucosa
no tratamento da fissura anal (técnica original). In: anais do
I Congresso Latino-Americano de Coloproctologia.São
Paulo ( Brasil), 1960.
10. Notaras MJ. Lateral sub-cutaneous sphincterotomy for
anal fissure. A new technique. Proc. R. Soc.
Med., 62:713, 1969.
11. Moreira H. Tratamento da fissura anal crônica
pela esfincterotomia lateral. In: Proceeding of the Argentine
and International Meeting of Proctology. Mar del Plata (Argentina), 1973.
12. Moreira, H.; Sebba, F.; Mendonça, T.; Azevedo,
IF. Tratamento da fissura anal crônica pela esfincterotomia
lateral. Rev. Goiana de Med., 21: 57-60, 1975.
13. McNamara MJ, Perryl JP, Fielding IR. A manometric study
of anal fissure treated by subcutaneous lateral internal sphincterotomy. Ann. Surg., 211:
235-8, 1990.
14. Bailey RV, Rubin RJH, Salvati EP. Lateral internal sphincterotomy. Dis Colon Rectum,
21: 584, 1978.
15. Abcarian H. Surgical correction of chronic anal fissure:
results of lateral internal sphincterotomy vs. Fissurectomy-midline sphincterotomy. Dis. Colon
Rectum, 23: 31-6, 1980.
16. Nyan DCNK, Pemberton JH. Long-term results of lateral
internal sphincterotomy for chronic anal fissure with particular reference to incidence
of fecal incontinence.
Dis Colon Rectum, 10: 1306-10, 1999.
17. Frahia, A; Habr Gama, A; Verani, E.; Goffi,
FS. Esfincterotomia lateral no tratamento de fissura anal -
técnica e resultados . Rev. Hosp.Clin. Fac.Med.-S.Paulo 30(2)161-164, 1975
18. Antropoli C, Perrotti P, Rubino M, Martino A, Destefano
G, Miglione G, Antropoli M, Piazza P. Nifedipine for local use
in conservative treatmente of anal fissures. Preliminary results
of a multicenter study. Dis Colon Rectum, 42: 1011-5, 1999.
19. Valarini, R.; Trotta, AC.; Rydyger.,RM.; Bourscheid,
T.; Virmond Neto, FGK.. - Uso local de nifedipina gel para tratamento conservador
de fissura anal. Rev. Bras. Coloproctologia,21:Supl. no.1, pag.72, 2000 (resumo)
20. Loder PB, Kamm MA, Nicholls RJ, Phillips RK. Reversible chemical sphincterotomy
by local application of
glyceryl trinitrate. Br J Surg, 81: 1386-1389, 1994.
21. Lund JN, Scholefield JH. Glyceryl trinitrate is an
effective treatment for anal fissure. Dis Colon
Rectum, 40: 468-470, 1997.
22. Lysy J, Israelit-Yatzkan Y, Sestiere-Ittah M, Keret D,
Goldin E. Treatment of chronic anal fissure with isossorbide dinitrate. Dis Colon Rectum, 41:
1406-1410, 1998.
23. Watson Sj, Kamm MA, Nicholls RJ, Phillips RK.
Topical glyceryl trinitrate in the treatment of chronic anal fissure.
Br. J. Surg., 83: 771-775, 1996.
24. Habr Gama, A ; Sapucahy, MV; Neves Jorge, JM.; Souza Jr, AHS; Vieira,
MJF.; Jacob, CE.; Roncaratti, E.; Arruda
Alves, PR. Avaliação da eficácia e segurança do glyceryl
trinitrato tópico no tratamento de fissura anal. Rev. Bras. Coloproctologia, 19:
supl. No. 1,pag. 29, 1999 ( resumo ).
25. Ruediger, RR; Heibel,M; Mota, ARTCS; Marques, HPV; Lemos,
R; Brecken Feld, DC; Rey, SD; Kotze,PG. Uso de glyceryl trinitrato no tratamento de
fissura anal. Rev .Bras.de Coloproctologia,19: supl. no 1, pag.44, 1999 ( resumo
).
26. Jost WH, Schimrigk K. Use of botulinun toxin in anal
fissure. Dis Colon Rectum, 36: 947, 1993.
27. Jost WH. One hundred cases of anal fissure treated
with botulinun toxin: early and long-term results.
Dis Colon Rectum, 40: 10299-32, 1997.
28. Araujo, SEA; Atui, FC; Sat Jr, NH; Habr Hama, A. -
Fissura anal - tratamento medicamentoso - Atualização em
Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia - Gastrão (São
Paulo) -Anais, pag. 268-276, 2000.
29. Maria G, Casseta E, Gui D, Brisinda G, Bentovoglio
AR, Albanese AA. Comparison of botulinun toxin and saline
for the treatment of chronic anal fissure. N. Eng. J.
Med., 338: 217-229, 1998.
30. Chrysos E, Xynos E, Tzovaras G, Zoras OJ, Tsiaoussis
J, Vassilakis SJ. Effect of nifedipine on rectoanal motility.
Dis Colon Rectum, 39(2): 212-16, 1996.
31. Cook TA, Branding AF, Mortensen NJ. Effects of
nifedipine on anorrectal smooth muscle in vitro.
Dis Colon Rectum, 42(6): 782-7, 1999.
32. Moreira Jr. H, Teixeira-Moreira JP, Lousa LR, Moreira
H Estudo pela eletromanometria, pacientes portadores de
fissura anal aguda. Rev. Goiana Med, in press, 2000.
33. Nelson RL. Meta-analysis of operative techniques for
fissure-in-ano. Dis Colon Rectum, 42(11): 1424-1429, 1999.
34. Richard CS, Gregoire R, Plewes EA, Silverman R, Burul
C, Buie D, Reznick R, Ross T, Burnstein M, O'Connor BI,
Mukraj D, McLeod RS. Internal sphincterotomy is superior to
topical nitroglycerin in the treatment of chronic anal fissure.
Dis Colon Rectum, 43(08): 1948-1958, 2000.
35. Hananel N, Gordon PH. Lateral internal sphincterotomy
for fissure-in-ano - Revisited. Dis Colon
Rectum, 5: 597-602, 1997.
36. Khubchandani IT, Reed JF. Sequelae of internal
sphincterotomy for chronic fissure-in-ano. Br. J.
Surgery, 76: 431-34, 1989.
37. Gingold BS. Simple in-office sphincterotomy with
partial fissurectomy for chronic anal fissure. Surg. Gynecol
Obstet, 165: 475-8, 1987.
Endereço para correspondência:
Hélio Moreira
Av. B, nº 435 - St. Oeste
74110-030
Goiania-GO
Trabalho realizado no serviço de coloprocotologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goias.