ARTIGOS ORIGINAIS


TRATAMENTO CLÍNICO CONSERVADOR E CIRÚRGICO DA FISSURA ANAL

HÉLIO MOREIRA - TSBCP
JOSÉ PAULO TEIXEIRA MOREIRA - ASBCP
HÉLIO MOREIRA JÚNIOR - FSBCP
LEONEL REIS LOUSA - TSBCP
ENIO CHAVES DE OLIVEIRA - TSBCP


MOREIRA H; MOREIRA JPT; MOREIRA JUNIOR H; LOUSA LR; OLIVEIRA EC. Tratamento Clínico Conservador e Cirúrgico da Fissura Anal. Rev bras Coloproct, 2003;23(2):89-99

RESUMO : Os autores consideram que para se otimizar o tratamento da fissura anal é necessário definir, antes de mais nada, se estamos diante de um caso de fissura aguda ou crônica. No período compreendido entre 1995 a 1999, todos os pacientes portadores de fissura anal e que foram atendidos pelos autores, foram submetidos a um protocolo de tratamento. Os pacientes portadores de fissura aguda foram tratados com um creme à base de vitamina A ou com uma pomada anestésica de uso tópico, enquanto que para aqueles com fissura crônica foi indicado o uso de diltiazen tópico ou cirurgia (esfincterotomia lateral interna ELI ). 180 pacientes portadores de fissura aguda receberam tratamento conservador, sendo que 90 deles usaram um creme à base de vitamina A e os outros 90 usaram uma pomada anestésica. O grupo que usou o creme à base de vitamina A apresentou maior índice de cura, maior número de pacientes assintomáticos após o tratamento e baixa incidência de persistência dos sintomas da doença, quando comparados com aqueles que usaram apenas a pomada anestésica tópica (90% vs 66%, 82% vs 60 e 4,5 vs 17,5%, respectivamente - ( p < 0.05 ).No entanto, o sucesso alcançado nos resultados não se correlacionou com a baixa da pressão do canal anal, nos pacientes que foram submetidos a estudos de eletromanometria. 74 (setenta e quatro) pacientes eram portadores de fissura crônica, destes, 42 destes pacientes usaram a pomada de diltiazen, enquanto que outros 49 (quarenta e nove) foram submetidos a esfincterotomia lateral interna , ( 17 que não se curaram com o uso do diltiazen e 32 outros, para os quais, foi indicada, como primeira alternativa de tratamento a cirurgia). Após 6 meses de seguinento, os pacientes que foram submetidos a ELI, apresentaram maior índice de cura, com maior número destes pacientes se apresentando assintomáticos, além de terem incidência mais baixa de persistência dos sintomas da doença, quando comparados com aqueles que usaram apenas o diltiazen ( 97% vs 60%, 91% vs 48% * e 0 % vs 40%, respectivamente - p < 0,05; * p< 0,01 ). Incontinência fecal foi relatada, aos 6 meses de seguimento ambulatorial, em 2% dos pacientes submetidos à cirurgia. Concluem que a fissura anal aguda pode, na maioria dos casos, ser tratada, com sucesso, com a instituição de medidas clínicas conservadoras: o uso tópico de um creme à base de vitamina A pode exercer um importante papel na sua cura. Bloqueadores de canal de cálcio se apresentam como drogas promissoras no tratamento da fissura anal crônica, porem, para serem usados em grupo selecionado de pacientes. A esfincterotomia lateral interna continua a ser o "padrão de ouro " no tratamento destes pacientes.

Unitermos: fissura anal, tratamento clínico, tratamento cirúrgico, vitamina A, diltiazen

INTRODUÇÃO
A fissura anal é uma lesão benigna com significativa prevalência nos ambulatórios de Coloproctologia.
    O seu sintoma mais comum é a dor anal que normalmente se exacerba com o ato evacuatório. A lesão da fissura anal assemelha-se a uma ulceração, dando a impressão de que houve uma laceração longitudinal, no sentido da pele para a linha anorretal.
    O seu diagnóstico normalmente é muito fácil de ser feito, o paciente refere uma história de dor intermitente que se exacerba no ato evacuatório, persistindo por alguns minutos e que vai diminuindo gradativamente de intensidade à medida que o tempo passa, chegando a ficar praticamente sem sintomas durante o restante do tempo, com reagudização do quadro por ocasião de nova evacuação. Chama a atenção o fato de que as evacuações são sempre acompanhadas por sangramento, normalmente não muito intenso, geralmente algumas gotas de sangue vermelho vivo.
    Devido a este quadro doloroso o paciente muitas vezes procrastina o ato evacuatório, advindo como conseqüência o endurecimento do bolo fecal e a sua expulsão levará a uma maior lesão tecidual e maior dor local. Muitos pacientes entram neste ciclo vicioso, adquirindo verdadeiro trauma psicológico com o ato evacuatório.
    A fissura anal pode estar localizada em qualquer posição da circunferência do canal anal, porém usualmente ela é localizada nas comissuras anterior e posterior.
    No sexo masculino, na grande maioria das vezes, a lesão está localizada na comissura anal posterior; em apenas 5% dos casos esta se localiza na anterior.
    Entretanto, devido ao fato de que na mulher o segmento do canal anal anterior não se apresente com boa proteção tecidual, a incidência de fissura nesta topografia pode chegar a 20% neste grupo de pacientes 1.
    É importante lembrar que se a localização da fissura anal estiver fora destes dois sítios (comissura anterior e posterior) a lesão objeto de estudo pode ser causada por alguma outra doença.
    Dentre estas deve ser lembrada a tuberculose, a doença de Crohn, a sífilis, ou mesmo uma neoplasia incipiente; nestas oportunidades a lesão fissurária pode estar localizada na comissura lateral, pode ser múltipla e muitas vezes são indolores.
    No diagnóstico diferencial entre fissura anal aguda e crônica não pode ser levado em consideração apenas o tempo de evolução da doença.
    A presença de hipertonia do esfíncter interno do ânus associado com a exposição do mesmo no leito fissurário e que à medida que este vai se tornando mais profundo, possibilita que aquele músculo se torne gradativamente mais evidente, surgindo então, com muita clareza, um plano entre este músculo e a mucosa do canal anal.
    À custa da mucosa, que se tornou saliente, surge uma elevação anatômica, que nada mais é do que uma hipertrofia desta mesma mucosa, cuja denominação está convencionada como "mamilo sentinela". Seqüencialmente, no ápice distal do leito fissurário (dentro do canal anal), surge uma papila hipertrófica.
    Muitas vezes encontramos, juntamente com o quadro fissurário, uma doença hemorroidária, fístulas ou abscessos perianais.
    Para se confirmar o diagnóstico de fissura anal é necessário levar em consideração não somente os sintomas clássicos já descritos (dor e sangramento), como também é necessário e fundamental o exame físico do paciente.
    A inspeção do canal anal, que geralmente fecha o diagnóstico, é feita após um gentil e cuidadoso afastamento das nádegas; é sempre bom lembrar que o paciente está, na maioria das vezes, atemorizado pela possibilidade de ter que ser examinado em local que está lhe provocando tanto traumatismo.
    Na maioria dos pacientes, consegue-se, se houver interesse ou mesmo necessidade, com luvas bem lubrificadas, geralmente com cremes contendo soluções anestésicas, fazer-se, com delicadeza, o toque retal. Por este exame conseguimos perceber o tônus do esfíncter anal e principalmente teremos a possibilidade de, em algumas oportunidades, identificar alguma outra lesão associada.
    O exame endoscópico (anuscopia e retoscopia), que são exames essenciais na avaliação de todo paciente proctológico, normalmente não são indicados nesta fase, aguardando-se uma outra oportunidade para realizá-las.

PACIENTES E MÉTODOS
Foram incluídos neste estudo, de maneira randomizada, todos os pacientes com diagnóstico de fissura anal, aguda ou crônica, atendidos, de acordo com um protocolo, no período compreendido entre os anos de 1995 a 1999.
    O diagnóstico clínico de fissura anal aguda era feito inicialmente pela sintomatologia (dor anal e sangramento às evacuações, seguida de acalmia nos intervalos, para repetição do mesmo quadro na próxima evacuação).
    O exame físico consistia de inspeção da região anal, com afastamento cuidadoso e delicado das nádegas, quando normalmente consegue-se visualizar a ulceração fissurária característica. Normalmente não se faz o toque retal, pela possibilidade de provocar dor, às vezes acentuada; quando isto é possível ou necessário, deve-se usar luvas bem lubrificadas, de preferência com uma pomada anestésica. Nesta oportunidade pode-se perceber que o esfíncter interno se apresenta com a sua tonia normal.
    Deve-se realçar o fato de que o esfíncter, na maioria das vezes, não está exposto na lesão fissurária; quando isto raramente ocorre, este se apresenta com aspecto brilhante, com coloração avermelhada.
    No diagnóstico da fissura anal crônica o tempo de evolução do quadro clínico não era o parâmetro definitivo a ser considerado; era sempre levada em consideração, também, a presença de hipertonia espástica do esfíncter interno do ânus, associada com a exposição de fibras musculares no leito da ferida fissurária.
    Como sabemos, à medida que a úlcera torna-se progressivamente mais profunda, começam a ser expostas as porções distais das fibras musculares do esfíncter interno do ânus, evidenciando, com muita clareza, um plano entre este músculo e a mucosa do canal anal.
    Uma elevação da mucosa, à custa de sua hipertrofia, também denominada de mamilo sentinela, surge na extremidade distal da ferida, enquanto que uma papila, localizada na extremidade proximal da mesma ferida, também se hipertrofia.
    O quadro clínico é superponível ao da fissura anal aguda (dor e sangramento retal); a inspeção normalmente define o diagnóstico.
    Como foi salientado anteriormente, também aqui o toque retal, quando possível de ser realizado, possibilita o avanço na hipótese diagnóstica, pela presença do aumento do tônus muscular.
    Anuscopia e proctoscopia, embora sejam essenciais como métodos investigativos, necessitam ser e são frequentemente postergados.
    Todos os pacientes, quer se tratasse de portadores de fissura anal aguda ou crônica, recebiam, como orientação geral de tratamento, indicação para realizarem banhos de assento com água morna e medidas dietéticas a fim de facilitar o ato evacuatório, ou seja, aumento da ingestão de fibras e líquidos.
    Quando se tratava de fissura anal aguda, era acrescentado, randomizadamente a esta orientação o uso tópico de uma pomada à base de Vitamina A ou uma outra com base anestésica.
    Os pacientes que não respondiam a esta orientação após transcorrido um período mínimo de 3 semanas ou aqueles que se apresentavam à primeira consulta já com o diagnóstico firmado de fissura anal crônica, eram tratados agora, também randomizadamente, com uma outra pomada à base de diltiazen ou então com uma esfincteromia lateral interna do ânus, ambas as terapêuticas visando à diminuição da pressão do canal anal.
    Na análise estatística do material, utilizou-se, para fazer comparação entre os diferentes grupos, os testes Qui-quadrado, Student`s, t-test ou o teste da exata probalidade de Fisher`s.
    Somente valores de p menores que 0,05 foram considerados significantes.

RESULTADOS
Todos os pacientes, em número de 254, foram atendidos no Instituto de Gastroenterologia de Goiânia
    O estudo demográfico e os achados clínicos dos pacientes portadores de fissura anal aguda, no momento da primeira consulta, estão descritos na Tabela-1.

Tabela 1 - Dados demográficos de 180 pacientes portadores de fissura anal aguda
  Creme à base de Vit. A Anestésico tópico
  (n=90) (n=90)
Sexo (M/F) (38/52) (43/47)
Idade   38 + 12 anos 34 + 15 anos
Sangramento anal (%)* 80  74
Dor anal (%)* 100  100
Doenças anorretais associadas (%)*   24  29
* Achados clínicos na inclusão. p= NS

 

    Cento e oitenta pacientes se apresentavam com o quadro de fissura anal aguda. Para todos eles foi instituído, inicialmente, o tratamento conservador ou clínico; randomizadamente foram divididos em dois grupos (A e B) de 90 (noventa) pacientes cada, sendo que os pacientes de ambos os grupos foram orientados no sentido de fazerem uso de banhos de assento com água morna, com o intuito de relaxar e possivelmente diminuir a hipertonia esfincteriana, além de dieta à base de fibras e bastante líquidos para facilitar o ato evacuatório.
    Para os pacientes do grupo A era indicado, também, o uso tópico de uma pomada com base anestésica, enquanto que os do grupo B, usavam uma outra pomada à base de Vitamina A.
    Os pacientes do grupo A (pomada anestésica) apresentaram um índice de cicatrização da ferida fissurária de 66% (n-59), enquanto que nos pacientes do grupo B (pomada à base de Vitamina A) este índice foi de 90% (n-81), conforme está demonstrado na Tabela-2.

Tabela 2 - Tratamento médico conservador de 180 pacientes que se apresentavam com fissura anal aguda - resultados
  Creme à base de Vit. A Anestésico tópico
  (n=90)   (n=90)
Índice de sucesso na cicatrização (%) 90 66*
Assintomáticos (%) 82  60*
Sintomas menores (%)** 13,5 22,5*
Sintomas persistentes (%) 4,5 17,5*
*p<0,05; ** Sangramento ou desconforto anal para grandes esforços.

 

    Trinta e dois destes cento e oitenta pacientes foram submetidos, antes e após o tratamento, à manometria anorretal. Não foram verificados aumentos da pressão esfincteriana em nenhum paciente, antes da instituição do tratamento.
    Verificou-se, também, que o sucesso do resultado do tratamento, não era acompanhado por uma possível diminuição destas pressões, como pode ser visto na Tabela-3.

Tabela 3 - Pressão anal média dos pacientes que se apresentavam com fissura anal aguda
  Pré-tratamento clínico Pós-tratamento clínico
Creme à base de Vit. A (n=18) 65 mmHg (dp= + 4,5) 59mmHg (dp=+ 5,2)*
Anestésico tópico (n=14) 67mmHg (dp=+ 6) 63mmHg (dp=+ 8)*
* p= NS


    Setenta e quatro pacientes com fissura anal crônica (40 advindos daqueles que eram portadores de fissura anal aguda e que foram tratados clinicamente, porém, não responderam ao tratamento instituído e 34 outros que já se apresentavam, no momento da primeira consulta, com o diagnóstico de fissura anal crônica) foram tratados de acordo com um algorítimo que será a seguir demonstrado.
    Quarenta e dois pacientes receberam, além do tratamento conservador já discutido anteriormente (banhos de asssento com água morna, dieta com fibras e aumento da ingestão de líquidos), a indicação para o uso de uma pomada à base de diltiazen.
    O índice de cicatrização deste grupo de pacientes foi de 60% (n-25).
    Quarenta e nove pacientes foram submetidos à esfincterotomia lateral interna (17 que não se curaram com o uso de diltiazen e 32 outros, para os quais foi indicada, como primeira alternativa, a cirurgia). A Tabela-4 define os dados demográficos e os achados clínicos destes pacientes.

Tabela 4 - Dados demográficos e achados clínicos dos pacientes que se apresentavam com fissura anal crônica
  Diltiazen  Esfincterotomia Lateral Interna
  (n=42) (n=49)
Sexo (M/F) (18/24) (21/28)
Idade 41 + 12 anos 33 + 11 anos
Sangramento retal (%)* 71  73
Dor anal (%)* 100  100
Doenças anorretais associadas (%)* 28  31
* Achados clínicos na inclusão p = NS

 

    O índice de cicatrização do grupo que foi submetido à cirurgia foi de 95% (n-47), enquanto que para o grupo de pacientes que usou a pomada de diltiazen este índice foi de 60% (verificar estes resultados nas Tabelas 5 e 6).

Tabela 5 - Tratamento dos pacientes que se apresentavam com fissura anal crônica (Resultados)
  Diltiazen tópico Esfincterotomia Lateral Interna
  (n=42) (n=49)
Índice de sucesso na cicatrização (%) 60  97*
Assintomáticos (%) 48    91*
Sintomas menores (%) ** 12 9
Sintomas persistentes (%) 40 0***
*p<0,05; ***p<0,01;** Sangramento retal ou desconforto anal para grandes esforços.


Tabela 6 - Acompanhamento dos pacientes que foram submetidos à esfincterotomia lateral interna para tratamento de fissura anal crônica  
  1 mês 3 meses 6 meses
  (n=46) (n=34) Entrevista por telefone (n=47)
Ferida cicatrizada (%) 98 97  -
Assintomáticos (%)   91  97  91
Sintomas menores (%)*   6,5 2 9
Sintomas persistentes (%) 1,5 - -
Incontinência fecal (%) - 3 2
* Sangramento retal ou desconforto anal para grandes esforços defecatórios.

 

    Um paciente referiu incontinência fecal pós operatória; no entanto esta queixa estava presente apenas para gases 6 meses após o ato cirúrgico (Tabela-7).

Tabela 7 - Incontinência fecal após tratamento cirúrgico para fissura anal aguda  
  No. de pacientes Gases (%) Fezes sólidas (%) Escape fecal (%)
Abcarian - 1980 (15) 150 0 0 0
Gingold - 1987 (37) 86 0 0 0
Gordon - 1997 (59) 265 0,4 0,4 0,4
Khubchandani - 1989 (36) 1355 35 5,3 22
Nyan - 1999 (26) 585 6 1 8
Presente estudo 49 2 0 2

 

DISCUSSÃO
O intuito deste trabalho é analisar os vários ângulos da doença fissura anal, desde sua apresentação clínica, diagnóstico, fisiopatologia e principalmente as modalidades de tratamento discutidas na literatura, apresentando, durante esta discussão, o ponto de vista e principalmente os resultados alcançados pelos autores no seu tratamento.
    A etiologia da fissura anal ainda é motivo de discussão; muitas teorias têm sido propostas para tentar explicar a história natural desta doença. Em uma revisão da literatura, observamos que um grande numero de autores por nós consultados, não fazem distinção, na análise dos seus resultados e muitas vezes no processo de discussão dos seus trabalhos, entre pacientes portadores de fissura anal aguda ou crônica, considerando estas duas situações clinicas como um processo único, com fisiopatologias semelhantes.
    Provavelmente o processo fissurário deve iniciar-se por um traumatismo, geralmente causado por fezes muito endurecidas que provocariam, pela sua passagem, uma lesão inicial no canal anal. Outros autores acreditam que a fissura anal se inicia por um processo inflamatório no canal anal, geralmente uma criptite, uma papilite ou genericamente uma proctite, que facilitariam, pela diminuição da resistência dos tecidos da região, provocada pelo processo inflamatório, a ação do traumatismo desencadeador. Esta teoria permite explicar a razão de a diarréia, em algumas oportunidades, estar também associada com a fissura anal.
    Se esta lesão não cicatrizar com a instituição de tratamento clinico conservador, a manutenção e a repetição do traumatismo do canal anal, acabará por expor as fibras do esfíncter interno do ânus, na medida que o leito fissurário vai se tornando mais profundo. Seqüencialmente, o músculo esfincteriano torna-se espástico, hipertônico, desenvolvendo, por conseqüência, um aumento da pressão de repouso do canal anal. Este aumento da pressão a este nível irá piorar o já deficiente suprimento sanguíneo na linha média posterior.
    Klosterhalfen e cols2, estudando a anatomia do canal anal, demonstraram algumas particularidades interessantes acerca do sistema capilar da artéria hemorroidária inferior, a nível da comissura posterior do ânus. Estes autores concluem que a porção posterior do anoderma, quando comparada com os outros quadrantes do canal anal, é absolutamente hipoperfundida. Notaram também que as ramificações arteriolares daquela artéria cruzam o esfíncter interno do ânus, o que facilitaria, sobremaneira, obstruções do lúmen destes vasos, quando da contração deste músculo.
    Existe a hipótese, bastante discutida na literatura, de que um aumento da atividade do esfíncter interno do ânus, levaria também a uma diminuição do suprimento sangüíneo a nível do canal anal, especialmente na comissura anal posterior.
    Schouten e cols3 fizeram uma avaliação da relação entre a pressão do canal anal e o fluxo sangüíneo no anoderma. O uso de um doppler fluxímetro a laser permitiu quantificar a perfusão sanguínea do anoderma na linha média posterior do canal anal. Concluíram que as úlceras da fissura anal são, sob o ponto de vista vascular, isquêmicas.
    Vários trabalhos têm documentado que a pressão anal de repouso, em pacientes portadores de fissura anal, são mais elevadas do que na população não fissurária4-6. Este aumento da pressão do esfíncter interno do ânus, provavelmente, levará a uma restrição de suprimento sangüíneo do anoderma, levando a uma conseqüente, embora relativa, isquemia da região.
    Por outro lado a configuração anatômica do canal anal (forma elíptica), predisporia a formação de fissuras, justamente na linha média posterior.
    A combinação destes fenômenos facilitaria o desenvolvimento de fissuras anais, especialmente na linha média posterior.
    Um trauma inicial no canal anal, associado com o espasmo do esfíncter interno do ânus e a isquemia tecidual, completariam o ciclo que possibilitaria o aparecimento da fissura.
    A escassez de trabalhos na literatura mostrando uma possível distinção entre indivíduos portadores de fissura anal aguda e crônica como duas condições clínicas diferentes, dificulta a interpretação dos resultados que são divulgados, uma vez que as respostas ao tratamento também são diferentes.
    O presente trabalho se preocupa com esta distinção, empregando formas de tratamentos que respondem, a nosso ver, à fisiopatologia da doença de acordo com o estádio da lesão.

Fissura anal aguda
A terapêutica a ser instituída não precisa, para ser eficaz, necessariamente levar em consideração a necessidade de reduzir a pressão do esfíncter interno do ânus, de acordo com o que imaginamos (Tabela-3).
    Consentâneo com estes princípios, achamos que nestes casos se deva indicar uma terapêutica conservadora, que se baseia na instituição de uma dieta à base de fibras vegetais, banhos de assento com água morna, uso de analgésicos, quer por via sistêmica, geralmente por via oral, acrescido do uso de pomadas à base de anestésicos, para uso tópico na região afetada.
    Desde o ano de 1966, temos usado nestes casos, em substituição a pomada anestésica, uma composição, também sob a forma de pomada, cujo principio ativo é a Vitamina A. Nossos resultados clínicos têm se mostrado plenamente favoráveis (Tabela-2).

Fissura anal crônica
O tratamento desta entidade deve ser focado no sentido de se reduzir a pressão do canal anal. Este desiderato pode ser atingido por intermédio de cirurgia, quer seja a esfincterotomia lateral interna, a esfincterotomia interna posterior com avanço de retalho cutâneo ou por intermédio de dilatação manual do canal anal, como sugere a América Society of Colon and Rectal Surgeons7.
    A esfincterotomia lateral interna foi descrita por Eisenhammer em 19518, sendo que Ribeiro9 publicou em 1960, seus resultados preliminares em 112 pacientes, utilizando esta mesma técnica, que aliás ele entendia como sendo original, com resultados favoráveis (cicatrização do leito fissurário) em 98% dos casos.
    Em 1969 Notaras10 fez uma modificação técnica neste procedimento; pessoalmente, temos utilizado esta cirurgia (esfincterotomia lateral interna) desde 1972, época em que fizemos o Curso de Pós-graduação no Hospital São Marcos de Londres11, 12.
    Esta cirurgia apresenta, sob nosso ponto de vista, algumas vantagens que julgamos pertinentes serem divulgadas:
a) Reduz a pressão de repouso do canal anal 13.
b) Pode ser realizada em regime ambulatorial.
c) A incisão da parede lateral do canal anal é primariamente fechada, cicatrizando, por conseqüência, com bastante rapidez.
d) Provavelmente o ponto mais importante a ser levado em consideração é o fato de que a fissura anal crônica cicatriza em índice elevado de casos, cerca de 95%11-17.
    Embora estes resultados se mostrem tão favoráveis, devemos considerar o fato de que haverá uma lesão permanente do esfíncter, cuja conseqüência será o aparecimento de deformidade anatômica do canal anal e o mais preocupante, o possível aparecimento de incontinência anal, particularmente nos pacientes idosos e do sexo feminino, principalmente para gases, mas também para fezes líquidas e eventualmente para fezes sólidas.
    Na última década, algumas novas drogas foram introduzidas no arsenal terapêutico, com o desiderato de ajudar no tratamento destas lesões. Os princípios ativos destes medicamentos seriam capazes de promover o relaxamento do esfíncter interno do ânus.
    Destaca-se dentre estes medicamentos a toxina botulínica, os nitratos orgânicos e os bloqueadores de canal de cálcio18-28.

Toxina botulínica
Sua ação se dá a nível da junção neuromuscular, evitando que as fibras pré-sinápticas autonômicas liberem acetilcolina, bloqueando a sua neurotransmissão.
    A injeção intra-esfincteriana da toxina botulínica provoca uma temporária paralisia do esfíncter26, 29, também chamada de esfincterotomia química; com isto, desaparece o espasmo esfincteriano, devido a esta desnervação química não permanente. Esta ação se mantém por um período não superior a 3 meses, tempo suficiente para cicatrizar a fissura27.
    Embora seja um procedimento invasivo, este método tem uma grande vantagem: a simplicidade da sua aplicação, podendo ser utilizado no próprio consultório.
    Existem, no entanto, alguns questionamentos ainda não completamente respondidos, bem como não equacionados, quais sejam: a definição do sitio anatômico a ser injetada a droga, a sua dosagem e a necessidade de, eventualmente, repetir as injeções, naqueles casos em que não ocorreu a cicatrização da ferida fissurária no tempo de ação da droga.
    Apesar destas colocações, existem estudos mostrando bons resultados com o uso desta droga, destacando-se o trabalho prospectivo desenvolvido por Casseta e cols29, onde é descrito um índice de bons resultados (cicatrização da ferida), em praticamente 100% dos casos tratados.
    São descritos, com muita freqüência, efeitos colaterais ao seu uso, destacando-se a trombose na região perineal em mais ou menos 20% dos casos, além de que, cerca de 10% dos pacientes que se submeterem a este tratamento irão desenvolver anticorpos específicos à toxina botulínica, embora isto possa ocorrer apenas com o uso prolongado da droga e principalmente se forem administradas altas doses.

Nitratos orgânicos
O óxido nítrico, um importante modulador do sistema nervoso entérico que atua desde o esôfago até o ânus, é também o mais importante inibidor dos neurotransmissores do esfíncter interno do ânus.
    A nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida podem reduzir a pressão do esfíncter interno do ânus, quando aplicados localmente, sob a formulacão de pomada20 ou por intermédio de spray22, uma vez que este músculo liso se apresenta em constante contração tônica.
    Vários estudos demonstraram que há uma liberação de óxido nítrico em resposta a um estímulo não adrenérgico ou de neurônios não colinérgico do esfíncter interno do ânus21.
    Considerando o fato de que pacientes portadores de fissura anal crônica apresentam o esfíncter interno hipertônico e que estas drogas podem provocar o seu relaxamento, a cicatrização do processo fissurário deverá ser facilitada, levando-se em consideração ainda que o fluxo sangüíneo a este nível é restaurado, voltando aos níveis normais.
    Não existe dúvida de que o uso de algumas destas substâncias, cujas formulações são à base de nitratos orgânicos, é capaz de provocar a esfincterotomia química, conseguindo, por conseqüência, também a cura da fissura anal20-25. No entanto precisamos levar em consideração que o tratamento é dose dependente e que em alguns casos será necessária a utilização de mais de uma sessão de tratamento, além de que podem surgir reações colaterais, tais como cefaléia, sensação de escotomas, existindo também a possibilidade de recidivas, algumas vezes até em índices um pouco preocupantes23.

Bloqueadores do canal de cálcio
A atividade espontânea do músculo e o seu tônus de repouso são dependentes do cálcio extracelular e o seu fluxo através das células.
    Estudos recentes, realizados in vivo, mostraram que o bloqueio dos canais de cálcio produz uma abolição do tônus de repouso do músculo esfíncter interno do ânus e atenuam a contração agonista-induzida.
    As drogas nifedipina e diltiazen, rotineiramente utilizadas para algumas desordens cardiovasculares, são algumas destas drogas que possuem estas atividades, por isto têm sido indicadas no tratamento de pacientes portadores de fissura anal, tanto por via oral22 como sob a forma de gel18, 19.
    As vantagens destas drogas, quando comparadas com a nitroglicerina ou o dinitrato de isossorbida, são a sua estabilidade e a sua longa "meia-vida". Quando usada sob a forma de gel, a absorção da nifedipina alcança valores menores do que é alcançada quando é utilizada por via oral, além de não apresentar efeitos colaterais.
    A diferença fundamental entre fissura anal aguda e crônica é a presença, nos casos definidos como crônicos, de hipertonia do esfíncter interno do ânus, causando, por conseqüência, aumento da pressão do canal anal nestes pacientes.
    Esta diferença explica porque estes mesmos pacientes, com diagnóstico de fissura anal crônica, quando submetidos a um tratamento conservador, não apresentam bons resultados a longo prazo.
    No período compreendido entre 1995 a 1999, duzentos e cinqüenta e quatro pacientes portadores de fissura anal foram tratados, prospectiva e randomizadamente, por cinco cirurgiões.
    O tratamento clínico conservador foi indicado para 180 pacientes portadores de fissura anal aguda, que foram randomizados em dois grupos (A e B) de 90 pacientes cada um.
    Os pacientes dos dois grupos receberam a recomendação de passarem a usar uma dieta ricas em fibras vegetais, no sentido de facilitar o ato evacuatório, além da necessidade de fazerem banhos de assento com água morna, para induzir o relaxamento muscular.
    O primeiro grupo (A) recebeu a indicação para fazer uso de uma pomada anestésica na região anal, enquanto que o segundo grupo (B), usou uma pomada à base de Vitamina A, com o intuito de que esta vitamina tivesse ação na epitelização do leito fissurário.
    O grupo A (uso de pomada anestésica), apresentou um índice de cicatrização da ferida de 66% (n-59), enquanto que no grupo B (uso da pomada à base de Vit. A) este índice foi de 90% (n-81).
    É difícil comparar nossos resultados com outros citados na literatura, uma vez que, como assinalamos anteriormente, nem sempre é muito clara e provavelmente não necessária para os diversos autores, fazer a diferenciação entre fissura anal aguda e crônica. Observamos que alguns autores apresentam seus resultados, englobando as duas entidades em uma única condição clínica.
    Nosso material, pelo contrário, procura separar as duas entidades e tratá-las de maneira diferente.
    O uso da Vitamina A promoveu, em nossos casos, melhores resultados quanto à cicatrização da ferida, embora não se possa comprovar se realmente esta droga levaria a uma aceleração da cicatrização tecidual, como sugerem os nossos dados. Novas investigações serão necessárias para confirmar ou mesmo infirmar estes resultados.
    Setenta e quatro pacientes portadores de fissura anal crônica (40 que foram atendidos inicialmente com o diagnóstico de fissura anal aguda e que foram mal sucedidos na tentativa de tratamento clínico conservador e 34 outros novos casos que já se apresentavam, no momento da consulta, com o diagnóstico de fissura anal crônica foram indicados para nova modalidade de tratamento.
    Quarenta e dois destes pacientes receberam, além do tratamento clínico conservador (dieta com bastante fibra, banhos de assento com água morna), a indicação para fazerem uso de uma pomada à base de diltiazen (Bloqueador de canal de cálcio). O índice de cicatrização da ferida fissurária neste grupo foi de 60% (n-25).
    A nifedipina e o diltiazen, ambos bloqueadores do canal de cálcio, podem modular o tônus do esfíncter interno do ânus, mesmo que este se apresente com o tônus considerado normal31, 32. Existem poucos estudos reportando o uso destas drogas no tratamento da fissura anal crônica. Antropoli e cols18 mostram os resultados preliminares de um estudo multicêntrico em que se usou a nifedipina para o tratamento de pacientes com fissura anal aguda. Reforçando nosso ponto de vista anteriormente esposado de que diversos autores costumam confundir, sob nosso ponto de vista, as duas entidades (aguda e crônica), um dos critérios para inclusão de pacientes neste grupo de estudo, era a necessidade de que estes pacientes (portadores de fissura anal aguda) apresentassem hipertonia do esfíncter interno do ânus. Os critérios de exclusão eram os casos de pacientes com fissura recidivada e aqueles que apresentassem, alem da fissura, complicações que requeressem cirurgia imediata. Foram feitos estudos manométricos, comparando a pressão de repouso, antes e após o tratamento, entre o grupo que recebeu nifedipina e o controle.
    Antes da instituição do tratamento, foi verificado que as pressões de repouso nos dois grupos estudados eram similares. Vinte e um dias após o tratamento, os pacientes que receberam a droga nifedipina apresentaram uma redução média de 30% nas suas pressões de repouso do canal anal. Entretanto, não houve diferença estatísticamente significativa entre os dois grupos (nifedipina e controle). Concluem que a remissão total da lesão ocorreu em 95% dos pacientes tratados com nifedipina contra 50% no grupo controle ( p< 0,01).
    Apesar destes bons resultados, é necessário levar em consideração o fato de que, a nosso ver, não foi adotado um critério clínico correto para inclusão dos pacientes, no que diz respeito à separação dos casos agudos dos crônicos.
    De acordo com a nossa experiência32 a pressão de repouso do canal anal não se modifica, antes e após a instituição do tratamento clínico conservador, em pacientes portadores de fissura anal aguda (Tabela-3).
    Houve, na experiência de Antropoli e cols (18) uma evidente melhora clínica (dor) e manométrica (pressão de repouso e squeeze) com o uso de nifedipina.
    Os índices de cicatrizacão do leito fissurário descritas por estes autores são superiores aos de nossa casuística, não podendo ser descartado, para discussão, o fato de a droga por nós usada, embora tenha o mesmo principio ativo, ou seja, um bloqueador de canal de cálcio, é diferente da que foi usada pelos mesmos.
    Finalmente, é necessário realçar o fato de que todos os pacientes incluídos no protocolo dos citados autores receberam, alem de orientação dietética visando facilitar a evacuação, a indicação para o uso de uma pomada à base de nifedipina, foram submetidos a dilatação anal.
    Quarenta e nove pacientes da nossa casuística, portadores de fissura anal crônica foram submetidos a esfincterotomia lateral (17 que não responderam ao tratamento com diltiazen e 32 que foram operados como primeira opção de tratamento).
    O índice de cicatrização deste grupo de pacientes foi de 95% (n=47).
    Nosso grupo do Serviço de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás usa, para tratamento da fissura anal crônica, esta técnica cirúrgica (esfincterotomia lateral), como rotina, sendo que um dos autores (HM) a pratica desde 197211; o esfíncter interno do ânus é incisado, sob visão direta, em mais ou menos 50% de sua extensão; a incisão, feita geralmente na lateral direita do canal anal e que permite expor o esfíncter que será incisado; a ferida é fechada após o procedimento com o uso de um fio absorvível. A nossa preferência para o uso da técnica fechada, deve-se exclusivamente à manutenção da nossa experiência, uma vez que não existem dados indicativos definindo qual a melhor técnica (aberta ou fechada).
    Nelson e cols33 encontraram resultados similares quando analisaram o índice de cicatrização e a presença de incontinência fecal pós-operatória, em pacientes operados pelas duas modalidades técnicas (aberta e fechada).
    Nossos resultados são superponíveis aos das mais recentes publicações16, 34, altos índices de cicatrização da ferida e resolução do quadro doloroso, normalmente ao redor de 95%, além de baixa incidência de complicações pós-operatórias.
    Embora nossos pacientes que foram submetidos à cirurgia não tenham sido randomizados quanto a idade e sexo, não encontramos na literatura qualquer referência de que estes dois parâmetros são preditívos para o sucesso do tratamento ou para desenvolvimento de incontinência pós-operatória
    Observamos que apenas um paciente da nossa série desenvolveu algum grau de incontinência, principalmente para gases e que era persistente por 6 meses após o tratamento cirúrgico.
    Acompanhamos esta paciente por um período de quase dois anos; foi instituído tratamento (bio-feedback), com resultados satisfatórios. Não podemos perder de vista que esta paciente e mesmo outros pacientes, poderão apresentar, quando estiverem na idade senil, problemas de continência fecal, tendo em vista o fato de que haverá, neste grupo etário, uma normal flacidez da musculatura perineal. Este fato, acrescido da esfincterotomia, poderá levar a algum tipo de incontinência.
    A literatura por nós consultada mostra que o problema da incontinência fecal deve ser observado com atenção, pois poderá estar presente no pós-operatório, tanto imediato como tardio.
    Os resultados da nossa presente série são superponíveis aos da literatura14, 31, 29, 15, com exceção do trabalho de Khubchandani30, pois este autor encontrou, no estudo de 1.355 pacientes por ele operados, um índice de incontinência pós operatória até certo ponto surpreendente, ou seja, 35% para gases, 5,3% para fezes sólidas e 22% para escape fecal.
    Provavelmente, segundo nosso ponto de vista, a causa desta incidência tão alta de incontinência poderia ser explicada pela técnica cirúrgica utilizada por aquele autor, pois sabemos que ele faz, simultâneamente, esfincterotomia do esfincter interno do ânus em dois pontos diferentes do canal anal. Como sabemos que este músculo tem, pela sua própria estrutura, a tendência de separar os seus dois cabos no local onde foi seccionado, podemos entender que, se o cortamos em dois pontos diferentes, esta separação será mais acentuada, facilitando, por conseguinte, o aparecimento da diminuição do seu tônus.
    De toda maneira é necessário realçar o fato de que, até para efeitos de implicações legais, o cirurgião deve estar consciente e será necessário passar esta informação para o paciente, de que toda vez que se realiza uma esfincterotomia do esfíncter interno do ânus para tratamento de uma fissura anal crônica, iremos provocar, a curto ou a longo prazo, algum tipo de incontinência fecal

CONCLUSÕES
A fissura anal aguda pode ser tratada, na maioria absoluta de casos, com terapêutica clínica conservadora. O uso de uma pomada à base de Vitamina A poderá melhorar estes resultados.
    Os bloqueadores do canal de cálcio são drogas promissoras e podem ser úteis no tratamento de pacientes portadores de fissura anal crônica, em casos selecionados. Entretanto, a esfincterotomia interna continua sendo o padrão ouro para o tratamento destas fissuras.

SUMMARY: In order to optimize the treatment of anal fissure, it is important to determine weather it is an acute or a chronic anal fissure. To assess the clinical outcome of patients suffering from an acute or chronic anal fissure, patients were prospectively randomized into a clinical or surgical treatment protocol. From 1995 to 1999, all patients suffering from anal fissure were prospectively randomized into a specific acute or chronic anal fissure protocol. Acute anal fissure patients were treated either with topic vitamin A - based cream or topic anesthetic, while chronic anal fissure patients were treated with either topic Diltiazen or surgery. 180 patients suffering from an acute anal fissure were conservatively treated either with a Vitamin A - based cream (n=90) or topic anesthetic (n=90). Demographic data were similar for both groups of patients. Vitamin A - based cream presented with a higher successful healing rate, a higher number of asymptomatic patients, and a lower incidence of persistent symptoms when compared to only topic anesthetic (90% vs 66%, 82% vs 60% and 4,5% vs 17,5%, respectively - p<0.05). Moreover, the successful results were not correlated to a drop of the pressure of the anal canal. 74 patients were treated due to a chronic anal fissure. 42 patients received topic Diltiazen, while 49 patients were submitted to a lateral internal sphincterotomy(LIS). Demographic data and pre-medical or surgical treatment symptoms were similar for both groups of patients. After 6 months of follow-up, LIS presented with a higher successful healing rate, a higher number of asymptomatic patients, and a lower incidence of persistent symptoms when compared to only topic diltiazen (97% vs 60%, 91% vs 48%# and 0% vs 40%*, respectively # p<0..05; *p<0.01). Fecal incontinence was reported in 2% of patients who underwent LIS at 6 months of follow-up. Acute anal fissure can, in the majority of the cases, be successfully conservatively treated. Topic Vitamin a - based cream may play an important role on healing an acute anal fissure. Calcium channel blockers are promising drugs and may be useful in selective patients with chronic anal fissure. Lateral internal sphincterotomy remains the gold standard procedure for these patients.

Key words: anal fissure, treatment, A Vitamine, diltiazen


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Endereço para correspondência:
Hélio Moreira
Av. B, nº 435 - St. Oeste
74110-030
Goiania-GO

Trabalho realizado no serviço de coloprocotologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goias.