RELATOS DE CASO
RESUMO: Os autores relatam o caso de um paciente de 52 anos, cirrótico, com traumatismo crânio encefálico pós queda da própria altura que, no segundo dia de internação, apresentou quadro clínico de obstrução intestinal baixa. Após 48 horas de tratamento ocorreu piora da distensão abdominal e dos vômitos, apresentando ainda febre, irritação peritoneal e leucocitose. Com impressão diagnóstica de Síndrome de Ogilvie complicada, indicamos laparotomia exploradora na qual encontramos: acentuada distensão do intestino delgado e grosso com o ceco medindo 14 cm e confirmamos ainda a ausência de obstrução intestinal mecânica. Optamos por realizar transversostomia em alça no ângulo hepático, com maturação precoce. A evolução pós-operatória foi satisfatória.
Unitermos: Síndrome de Ogilvie, Obstrução intestinal
INTRODUÇÃO
Síndrome de Ogilvie ou
pseudo-obstrução aguda do cólon é uma entidade rara, que
geralmente ocorre em pacientes hospitalizados portadores
de alguma doença clínica ou cirúrgica. É
caracterizada principalmente por acentuada distensão do
grosso intestino com ausência de qualquer mecanismo
de obstrução mecânica. Se este processo não for de
alguma maneira interrompido, o ceco, que é a área que
atinge maior grau de dilatação, poderá romper-se
e conseqüentemente evoluir para um gravíssimo
quadro de sepse abdominal.
RELATO DO CASO
Paciente branco, 52 anos, etilista e cirrótico
deu entrada no Serviço de Emergência do
Hospital Universitário Antônio Pedro com
hemorragia subaracnóide por queda da própria altura após
crise convulsiva. No segundo dia de internação
apresentava-se desorientado, com "dellirium tremes",
distensão abdominal, vômitos e parada de eliminação de
flatos e fezes. Foi instalada cateterização nasogástrica
e reposição hidroeletrolítica. No quarto dia
de tratamento foi solicitado parecer ao Serviço
de Cirurgia Geral. Na ocasião encontramos o
paciente com: pulso radial de 105 bpm, freqüência
respiratória de 26 ipm, pressão arterial de 140 x 90 mmHg
e temperatura axilar de 38º C. O abdômen
estava bastante distendido e hipertimpânico à percussão.
À ausculta notou-se peristaltismo diminuído em
timbre e freqüência. A palpação profunda era
difusamente dolorosa, acompanhada de sinais de irritação
peritoneal no quadrante inferior direito. O toque
retal evidenciava apenas dor no fundo de saco. O hemograma revelava leucometria global de
21.800 células (17 bastões e nenhum eosinófilo) e
o ionograma era normal (potássio sérico de 4,7 mEq/l).
O estudo radiológico do tórax mostrava elevação
das cúpulas diafragmáticas, enquanto o do
abdômen apresentava volumosa distensão de intestino
delgado e grosso, com presença de ar até na ampola
retal (Figura-1). Verificamos ainda que o ceco media
cerca de 14 cm. Com suspeita diagnóstica de Síndrome
de Ogilvie complicada por isquemia do ceco,
indicamos laparotomia exploradora. Aberta a cavidade
abdominal por acesso mediano supra e infra-umbilical
encontramos acentuada distensão de intestino delgado e grosso,
onde sobressaia volumoso ceco, íntegro, mas com suas
paredes extremamente delgadas. Este achado tornava a
sua manipulação muito perigosa pela possibilidade
de ruptura. Não detectamos qualquer processo de
obstrução intestinal mecânica. Diante de tal fato, optamos
por realizar transversostomia em alça no ângulo hepático
do cólon, com maturação precoce após síntese da
parede abdominal. A evolução pós-operatória foi
satisfatória, com alta hospitalar no
7o dia. Sessenta dias depois, o trânsito intestinal foi reconstituído, sem
nenhuma intercorrência.
Figura 1 - Distensão acentuada de Intestino delgado, ceco e cólons. |
COMENTÁRIOS
Descrita pela primeira vez em 1948 por Heneage
Ogilvie8, esta síndrome, que leva seu nome,
permanece até hoje com sua exata fisiopatologia ainda
desconhecida, parecendo ser conseqüência de alguma alteração
no equilíbrio dos estímulos simpático e parassimpático,
da inervação autônoma dos
cólons11, 12.
A dificuldade em estabelecer sua real
incidência, também foi relatada por Stephenson e
col11, em decorrência de que alguns casos podem ter
resolução espontânea.
As mais variadas formas de doenças têm
sido descritas na literatura como sendo capazes
de ocasionar as alterações que desencadeiam
este problema. Cirurgia recente em qualquer órgão
ou sistema3, 4, 10,,
queimaduras6, trauma1, 7 (o
paciente aqui referenciado apresentava traumatismo
craniano recente), miocardiopatia
severa12, infarto12,
septicemia5, entre outras, foram as mais citadas.
A Síndrome de Ogilvie é mais relatada
em pacientes idosos, independentemente da
raça3 e com predomínio no sexo
masculino12. O quadro clínico é caracterizado pela distensão abdominal
aguda, progressiva e universal. Náuseas, vômitos,
parada de eliminação de flatos e fezes e
hipertimpanismo à percussão também compõem o quadro. A
ausculta do abdômen traduz como regra uma diminuição
de peristaltismo tanto no timbre quanto na sua freqüência. A palpação mostra
sensibilidade aumentada, porém quando associada a sinais
de irritação peritoneal, a possibilidade de isquemia
ou ruptura do ceco deve ser sempre considerada. Outros sinais ou sintomas que indicam
esta complicação são febre alta, agravamento da dor
e leucocitose.
Radiologicamente observa-se acentuada distensão entérica principalmente as custas de
todo o intestino grosso, porém sem nenhuma
evidência de obstrução mecânica. Ainda pelo
exame radiológico podemos mensurar a área do ceco,
que quando atinge a marca de 12 cm, aumenta em
muito a possibilidade de ruptura1, 5, 7, 9,
12 deste segmento.
O diagnóstico é feito por exclusão,
baseado nos achados clínicos e exames complementares
de imagens, devendo sempre afastar qualquer
processo oclusivo de natureza mecânica.
A abordagem terapêutica desta enfermidade é eminentemente clínica fundamentada na
reposição hidroeletrolítica adequada, na aspiração
por cateterismo nasogástrico e no tratamento da
doença básica. Medicamentos que possam diminuir
o peristaltismo devem ser descartados. O uso de parassimpático mimético obtém
resultados satisfatórios, segundo
Ponec9, Laine7, e
Stephson11 . Entretanto, estes autores chamam a atenção para
os efeitos colaterais que estes fármacos podem
acarretar (bradicardia, broncoespasmo, aumento da
salivação e das secreções das vias aéreas entre outras),
e advertem ainda que devam ser contra indicados em pacientes com infarto do miocárdio, ou em uso
de betabloqueadores.
A colonoscopia é de grande
importância2 nestes pacientes, pois além de confirmar a
inexistência de processo obstrutivo mecânico, pode ainda
propiciar a aspiração do conteúdo dos cólons, diminuindo
assim o grau de distensão abdominal. Entretanto,
este procedimento além de fracassar em cerca de 40%
dos casos não é isento de riscos. A dificuldade técnica
em realizá-lo devido à ausência de preparo e a
grande distensão do intestino pode ter como conseqüência
uma perfuração
colônica7.
Nos casos em que fracassam a abordagem clínica ou colonoscopia, ou ainda em vigência
de sinais e sintomas compatíveis com isquemia
ou perfuração do ceco, a laparotomia exploradora se
faz necessária. A abordagem mais utilizada tem sido
a cecostomia com tubo 1, 3, 12. Entretanto nos
pacientes com isquemia ou ruptura do ceco, impõe-se
a ressecção da área isquêmica ou perfurada. No
presente caso, optamos por realizar colostomia em alça
no ângulo hepático, com maturação imediata
em decorrência da fragilidade da parede do ceco.
Esta alternativa ao nosso ver se justifica, a fim de evitar
a sua manipulação com conseqüente ruptura,
que certamente seria danosa para o paciente. O
resultado por nós obtido foi bastante satisfatório.
SUMMARY: The authors report a case of a 52 years old, cirrhotic male patient, with clinical manifestations of acute colonic obstruction suggesting Ogilvie Syndrome. After 48 hours of non operative therapy with fluid and eletrolyte replacement, a progressive marked abdominal distension with signs of peritonitis and leucocytosis was installed. Abdominal surgical exploration demonstrated small bowel and colon distension, cecum with 14 cm in extension, without mechanical intestinal occlusion. Proximal diverting colostomy (on right colon) was performed with a post operative outcome without complications.
Key words: Ogilvie Syndrome, Intestinal oclusion
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Endereço para correspondência:
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Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro