RELATOS DE CASO


SÍNDROME DE OGILVIE TRATADA POR TRANSVERSOSTOMIA - RELATO DE CASO

ITALO ACCETTA
PIETRO ACCETTA
ACCYOLI MOREIRA MAIA
ALFREDO JORGE VASCONCELOS DUARTE
ANTONIO CARLOS ACCETTA
ANDRÉ FIGUEIREDO ACCETTA

ACCETTA I; ACCETTA P; MAIA AM, DUARTE AJV; ACCETTA AC; ACCETTA AF. Síndrome de Ogilvie Tratada por Transversostomia - Relato de Caso. Rev Bras Coloproct, 2004; 24(1): 65-67.

RESUMO: Os autores relatam o caso de um paciente de 52 anos, cirrótico, com traumatismo crânio encefálico pós queda da própria altura que, no segundo dia de internação, apresentou quadro clínico de obstrução intestinal baixa. Após 48 horas de tratamento ocorreu piora da distensão abdominal e dos vômitos, apresentando ainda febre, irritação peritoneal e leucocitose. Com impressão diagnóstica de Síndrome de Ogilvie complicada, indicamos laparotomia exploradora na qual encontramos: acentuada distensão do intestino delgado e grosso com o ceco medindo 14 cm e confirmamos ainda a ausência de obstrução intestinal mecânica. Optamos por realizar transversostomia em alça no ângulo hepático, com maturação precoce. A evolução pós-operatória foi satisfatória.

Unitermos: Síndrome de Ogilvie, Obstrução intestinal

INTRODUÇÃO
Síndrome de Ogilvie ou pseudo-obstrução aguda do cólon é uma entidade rara, que geralmente ocorre em pacientes hospitalizados portadores de alguma doença clínica ou cirúrgica. É caracterizada principalmente por acentuada distensão do grosso intestino com ausência de qualquer mecanismo de obstrução mecânica. Se este processo não for de alguma maneira interrompido, o ceco, que é a área que atinge maior grau de dilatação, poderá romper-se e conseqüentemente evoluir para um gravíssimo quadro de sepse abdominal.

RELATO DO CASO
Paciente branco, 52 anos, etilista e cirrótico deu entrada no Serviço de Emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro com hemorragia subaracnóide por queda da própria altura após crise convulsiva. No segundo dia de internação apresentava-se desorientado, com "dellirium tremes", distensão abdominal, vômitos e parada de eliminação de flatos e fezes. Foi instalada cateterização nasogástrica e reposição hidroeletrolítica. No quarto dia de tratamento foi solicitado parecer ao Serviço de Cirurgia Geral. Na ocasião encontramos o paciente com: pulso radial de 105 bpm, freqüência respiratória de 26 ipm, pressão arterial de 140 x 90 mmHg e temperatura axilar de 38º C. O abdômen estava bastante distendido e hipertimpânico à percussão. À ausculta notou-se peristaltismo diminuído em timbre e freqüência. A palpação profunda era difusamente dolorosa, acompanhada de sinais de irritação peritoneal no quadrante inferior direito. O toque retal evidenciava apenas dor no fundo de saco. O hemograma revelava leucometria global de 21.800 células (17 bastões e nenhum eosinófilo) e o ionograma era normal (potássio sérico de 4,7 mEq/l). O estudo radiológico do tórax mostrava elevação das cúpulas diafragmáticas, enquanto o do abdômen apresentava volumosa distensão de intestino delgado e grosso, com presença de ar até na ampola retal (Figura-1). Verificamos ainda que o ceco media cerca de 14 cm. Com suspeita diagnóstica de Síndrome de Ogilvie complicada por isquemia do ceco, indicamos laparotomia exploradora. Aberta a cavidade abdominal por acesso mediano supra e infra-umbilical encontramos acentuada distensão de intestino delgado e grosso, onde sobressaia volumoso ceco, íntegro, mas com suas paredes extremamente delgadas. Este achado tornava a sua manipulação muito perigosa pela possibilidade de ruptura. Não detectamos qualquer processo de obstrução intestinal mecânica. Diante de tal fato, optamos por realizar transversostomia em alça no ângulo hepático do cólon, com maturação precoce após síntese da parede abdominal. A evolução pós-operatória foi satisfatória, com alta hospitalar no 7o dia. Sessenta dias depois, o trânsito intestinal foi reconstituído, sem nenhuma intercorrência.

Figura 1 - Distensão acentuada de Intestino delgado, ceco e cólons.


COMENTÁRIOS
Descrita pela primeira vez em 1948 por Heneage Ogilvie8, esta síndrome, que leva seu nome, permanece até hoje com sua exata fisiopatologia ainda desconhecida, parecendo ser conseqüência de alguma alteração no equilíbrio dos estímulos simpático e parassimpático, da inervação autônoma dos cólons11, 12.
    A dificuldade em estabelecer sua real incidência, também foi relatada por Stephenson e col11, em decorrência de que alguns casos podem ter resolução espontânea.
    As mais variadas formas de doenças têm sido descritas na literatura como sendo capazes de ocasionar as alterações que desencadeiam este problema. Cirurgia recente em qualquer órgão ou sistema3, 4, 10,, queimaduras6, trauma1, 7 (o paciente aqui referenciado apresentava traumatismo craniano recente), miocardiopatia severa12, infarto12, septicemia5, entre outras, foram as mais citadas.
    A Síndrome de Ogilvie é mais relatada em pacientes idosos, independentemente da raça3 e com predomínio no sexo masculino12. O quadro clínico é caracterizado pela distensão abdominal aguda, progressiva e universal. Náuseas, vômitos, parada de eliminação de flatos e fezes e hipertimpanismo à percussão também compõem o quadro. A ausculta do abdômen traduz como regra uma diminuição de peristaltismo tanto no timbre quanto na sua freqüência. A palpação mostra sensibilidade aumentada, porém quando associada a sinais de irritação peritoneal, a possibilidade de isquemia ou ruptura do ceco deve ser sempre considerada. Outros sinais ou sintomas que indicam esta complicação são febre alta, agravamento da dor e leucocitose.
    Radiologicamente observa-se acentuada distensão entérica principalmente as custas de todo o intestino grosso, porém sem nenhuma evidência de obstrução mecânica. Ainda pelo exame radiológico podemos mensurar a área do ceco, que quando atinge a marca de 12 cm, aumenta em muito a possibilidade de ruptura1, 5, 7, 9, 12 deste segmento.
    O diagnóstico é feito por exclusão, baseado nos achados clínicos e exames complementares de imagens, devendo sempre afastar qualquer processo oclusivo de natureza mecânica.
    A abordagem terapêutica desta enfermidade é eminentemente clínica fundamentada na reposição hidroeletrolítica adequada, na aspiração por cateterismo nasogástrico e no tratamento da doença básica. Medicamentos que possam diminuir o peristaltismo devem ser descartados. O uso de parassimpático mimético obtém resultados satisfatórios, segundo Ponec9, Laine7, e Stephson11 . Entretanto, estes autores chamam a atenção para os efeitos colaterais que estes fármacos podem acarretar (bradicardia, broncoespasmo, aumento da salivação e das secreções das vias aéreas entre outras), e advertem ainda que devam ser contra indicados em pacientes com infarto do miocárdio, ou em uso de betabloqueadores.
    A colonoscopia é de grande importância2 nestes pacientes, pois além de confirmar a inexistência de processo obstrutivo mecânico, pode ainda propiciar a aspiração do conteúdo dos cólons, diminuindo assim o grau de distensão abdominal. Entretanto, este procedimento além de fracassar em cerca de 40% dos casos não é isento de riscos. A dificuldade técnica em realizá-lo devido à ausência de preparo e a grande distensão do intestino pode ter como conseqüência uma perfuração colônica7.
    Nos casos em que fracassam a abordagem clínica ou colonoscopia, ou ainda em vigência de sinais e sintomas compatíveis com isquemia ou perfuração do ceco, a laparotomia exploradora se faz necessária. A abordagem mais utilizada tem sido a cecostomia com tubo 1, 3, 12. Entretanto nos pacientes com isquemia ou ruptura do ceco, impõe-se a ressecção da área isquêmica ou perfurada. No presente caso, optamos por realizar colostomia em alça no ângulo hepático, com maturação imediata em decorrência da fragilidade da parede do ceco. Esta alternativa ao nosso ver se justifica, a fim de evitar a sua manipulação com conseqüente ruptura, que certamente seria danosa para o paciente. O resultado por nós obtido foi bastante satisfatório.

SUMMARY: The authors report a case of a 52 years old, cirrhotic male patient, with clinical manifestations of acute colonic obstruction suggesting Ogilvie Syndrome. After 48 hours of non operative therapy with fluid and eletrolyte replacement, a progressive marked abdominal distension with signs of peritonitis and leucocytosis was installed. Abdominal surgical exploration demonstrated small bowel and colon distension, cecum with 14 cm in extension, without mechanical intestinal occlusion. Proximal diverting colostomy (on right colon) was performed with a post operative outcome without complications.

Key words: Ogilvie Syndrome, Intestinal oclusion

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bassen, W.M.; Jonatan, B.B.; Lee, M.; Cisapride as a successful treatment for acute intestinal pseudo-obstruction; www.sma.org/smj/96ang19.htm ou Southern Medical Journal; 1996; Aug. 19.
2. Bode, W.E.; Beart, R. W. Jr.; Spencer, R.J.; Culp, C.E.; Wolff, B.G.; Taylor, B.M.; Colonoscopic descompression for acute pseudo-obstruction of the colon (Ogilvie's Syndrome); Report of 22 cases and review of the literature; Am. J. Surg. 1984, Feb, 147 (2): 243-5.
3. Carptenter, S.; Holmstrom, B.; Ogilvie Syndrome; www.emedicine.com/med/topic2699.htm .
4. Clarke, H.D.; Berry, D.J.; Larson, D.R.; Acute pseudo-obstruction of the colon as a postoperative complication of hip arthroplasty. J. Bone Joint Surg. Am. 1997, 79:1642-7.
5. Cross, J.M.; Marvin, R.G.; Acute pseudo-obstruction in a patient with a signifcant closed head injury. The Internet Journal of Emergency and Intensive Care Medicine 200; Volume 4, Number 1: http://www.ispub.com/journals/ijeicm/vo14n1/ogilvie.htm
6. Kadesky, K.; Purde, G.F.; Hunt, J.L.; Acute pseudo-obstruction in critically ill patients with burns.; J. Burn. Care. Rehabil. 1995; 16; 132-5.
7. Laine, L.; Management of acute colonic pseudo-obstruction; The New Engl. J. Med. 341 (3); 192-3, 1999.
8. Ogilvie, H.; Large intestine colic due to sympathec deprivation: a new clinical syndrome. Br. Med. J. 1948; 2:671-3.
9. Ponec, R.J.; Saunders, M.D.; Kimmey, M.B. Neostigmine for the tratment of acute colonic pseudo-obstruction; The New Eng. J. Med. 341 (3); 137-41,1999.
10. Ravo, B.; Pollane, M.; Ger, R.; Pseudo-obstruction of the colon follwing cesarean section: a review. Dis. Colon Rectum, 1983; 26:440-4.
11. Stephenson, B.M.; Morgan, A.R.; Salaman, J.R.; Wheeler, M.H.; Ogilvie Syndrome: A new aproach to an old problem. Dis. Colo rectum 38 (4); 424-7, April, 1995.
12. Vaner, V.; Al-Salti, M.; Acute pseudo-obstruction of the colon (Ogilvie Sindrome): an analysis of 400 cases. Dis. Colon Rectum, 1986; 29:203-10.

Endereço para correspondência:
Italo Accetta
Rua Mariz e Barros 51/ 1201, Icaraí
24.220-120 - Niterói ( RJ
Tel.: (21) 2710-3691
E-mail: italo@urbi.com.br 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro