ATUALIZAÇÃO
fRANCISCO lopes paulo- TSBCP
Lopes Paulo F. Atualização. Nifedipina Tópica vs. Giceril-Trinitrato Tópico no Tratamento da Fissura Anal Crônica.
Rev bras Coloproct, 2004; 24(1):68-69
ABSTRATO
A fissura anal crônica é uma patologia
orificial comum, associada a hipertonia do esfíncter interno
do ânus1. O princípio de seu tratamento consiste
em diminuir o tônus esfincteriano, seja por dilatação
anal ou por secção da porção inferior do esfíncter
interno2. Recentemente têm sido propostas
"esfincterotomias" químicas, através de drogas que diminuem o
tônus desse esfíncter, sendo a mais conhecida delas o
gliceril trinitrato. Este estudo foi realizado para verificar
a eficácia da nifedipina, uma droga bloqueadora
dos canais de cálcio das células musculares lisas,
no tratamento da fissura anal crônica, assim
como comparar seus resultados com os do gliceril
trinitrato, que já vem sendo utilizado com essa finalidade
há algum tempo3.
Pacientes e métodos
Foi realizado um estudo prospectivo duplo cego em 52 pacientes portadores de fissura anal
crônica. Aqui foi definida como fissura anal crônica,
aquela que apresentasse fibras do esfíncter interno visíveis
em sua base ou plicoma sentinela, com evolução
mínima de quatro semanas, com o paciente referindo dor
anal espontânea, com piora durante e após as evacuações.
Os pacientes foram aleatoriamente alocados em dois grupos, para receber tratamento tópico
com pomada de gliceril trinitrato a 0,2 % ou gel de
nifedipina a 0,2 %, aplicados quatro vezes ao dia, até a
cicatrização da fissura ou até o término do período de
tratamento, que poderia se estender por no máximo até 24
semanas. Foram comparados a idade, sexo, tipo e duração
dos sintomas nos dois grupos, intensidade da dor,
assim como os resultados do tratamento.
Resultados
Não foi observada diferença significativa
na distribuição por idade e sexo, nos sintomas
relacionados à fissura e na duração do tratamento,
quando comparados os dois grupos. O grupo tratado
com nifedipina apresentou maior índice de cicatrização
(89 %) quando comparado ao grupo tratado com
gliceril trinitrato (58 %) (p < 0,04). Os efeitos colaterais
do tratamento, principalmente cefaléia e rubor
cutâneo, foram mais freqüentes com gliceril trinitrato (40
%) quando comparados com o grupo tratado com nifedipina (5 %) (p < 0,01). Os índices de dor
foram significativamente menores nos dois grupos ao
final do tratamento (p< 0,03), porém não
diferiam significativamente entre os grupos. A taxa de
recidiva foi de 31 % no grupo tratado com gliceril trinitrato
e 42 % no grupo tratado com nifedipina, num
período de 12 a 18 semanas após terminado o
tratamento. Dentre os pacientes cujo tratamento não obteve
sucesso ou apresentaram recidiva, três foram tratados
por injeção de toxina botulínica no grupo gliceril
trinitrato e quatro receberam o mesmo tratamento no
grupo nifedipina. Quatro pacientes em cada grupo
foram operados após o insucesso do tratamento tópico.
Todos os pacientes tratados com toxina botulínica ou
cirurgia apresentaram cicatrização completa da fissura.
Quatro pacientes do grupo gliceril trinitrato e três do
grupo nifedipina foram submetidos a novo tratamento
com as mesmas substâncias iniciais, sendo que dois em
cada grupo apresentaram cicatrização completa da fissura.
Conclusões
Esse estudo conclui que o uso da
nifedipina tópica no tratamento da fissura anal crônica é
mais eficaz do que o gliceril trinitrato tópico,
apresentando também menor incidência de efeitos colaterais.
Conclui ainda que a taxa de recidiva é alta com ambas
as medicações.
Comentários
Esse estudo revelou mais uma vez a inconsistência dos resultados da chamada
"esfincterotomia química". No entanto mostrou
resultados interessantes sobre o uso da nifedipina tópica.
São dignos de nota o alto índice de cicatrização (89
%), podendo inclusive ser mais alto, conforme
evidenciado em outros estudos, e o baixo índice de efeitos
colaterais (5 %). Apesar de uma alta taxa de recidiva (42 %),
um número significativo de pacientes (58 %) pode
evitar a cirurgia, considerada como tratamento padrão da
fissura anal crônica4. É possível que a utilização de
outros critérios de seleção de pacientes aumente a eficácia
e durabilidade desses resultados. Finalmente faltou a
esse estudo a comparação com o tratamento
clínico convencional, com amolecedores fecais e
pomadas anestésicas, que tem sido usado amplamente
como tratamento inicial dessa patologia, com índices
de cicatrização em torno de
50%5. Seriam os resultados desse estudo significativamente superiores aos
do tratamento clínico convencional ?
Bibliografia Recomendada
1. Watson SJ, Kamm MA, Nicholis RJ, Phillips RK.
Topical glyceryl trinitrate in the treatment of chronic anal
fissure. Br J Surg 1996;83:771-5.
2. Khubchandani IT, Reed JF. Sequelae of internai
sphincterotomy for chronic fissure in ano. Br J Surg
1989;76: 431-4.
3. Wasvary HJ, Hain J, Mosed-Vogel M, Bendick P, Barkel
DC, Klein SN. Randomized, prospective, double-blind,
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Long-term results of open and closed sphincterotomy for anal
fissure. Dis Colon Rectum 1988; 31: 368-71.
5. Lock MR, Thomson JPS. Fissure-in-ano: the initial
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