ARTIGOS ORIGINAIS
GERALDO MAGELA GOMES DA CRUZ -TSBCP
RENATA MAGALI RIBEIRO SILLUZIO FERREIRA - FSBCP
PETERSON MARTINS NEVES
CRUZ GMG; FERREIRA RMRS; NEVES PM. Cancer
Retal: Estudo Demográfico, Diagnóstico e Estadiamento de 380
Pacientes Acompanhados ao Longo de Quatro
Décadas. Rev bras Coloproct, 2004;24(3):208-224.
RESUMO: Em 31 anos de exercício profissional (1965 _ 1996), na área coloproctológica, o autor (Cruz, GMG) acumulou um fichário com 24.200 pacientes, 923 dos quais (3,8%) eram portadores de câncer no IG, sendo que 870 (94,3%) eram adenocarcinomas colorretais e 53 (5,7%) eram câncer anal. Dos 870 pacientes portadores de adenocarcinoma colorretal 490 (56,3%) eram colônicos e 380 (43,7%) eram retais. Este trabalho é um estudo dos recursos usados para o diagnóstico destes 380 pacientes, procurando determinar as incidências estatísticas globais e através do período de estudo e pelas décadas - 82 (21,6%) na década de 60 (1965 _ 1970), 140 (36,8%) na década de 70 (1971 _ 1980), 102 (26,8%) na década de 80 (1981 _ 1990) e 56 (14,8%) na década de 90 (1991_1996). A média de idade foi de 57,0 anos, notando-se um decréscimo significativo das médias de idades ao longo das quatro décadas - 60,9 anos (D-60), 58,1 anos (D-70), 55,0 anos (D-80) e 53,7 anos (D-90), sendo estatisticamente significativa a diminuição da média etária de incidência de câncer retal entre a primeira e a quarta décadas. A diferença de incidência entre sexos (53,1% de homens e 46,9% de mulheres) não foi estatisticamente significativa, da mesma forma que ao longo das quatro décadas. Os sintomas mais freqüentes foram sangue nas fezes (83,4%), sensações retais (67,6%), alterações de hábito intestinal (58,7%), alterações da matéria fecal (57,9%), sensações anais ao ato defecatório (57,1%), muco nas fezes (47,9%) e cólicas abdominais (39,2%), sem diferença estatisticamente significativa ao longo das quatro décadas. A incidência de complicações tumorais foi de 9,7%, com decréscimo estatisticamente significativo ao longo das quatro décadas: 15,9% (D-60), 10,7% (D-70), 7,8% (D-80) e 1,8% (D-90), provavelmente em decorrência de melhor assistência médica. O exame proctológico foi positivo em 100% dos casos. No tocante às alturas dos tumores dentro da ampola retal os tumores se localizaram mais freqüentemente no terço inferior (45,3%), seguindo-se o terço superior (33,1%) e o terço médio (21,6%). O enema opaco foi realizado em 88,4% (336 pacientes), ocorrendo uma diminuição de seu uso, de forma persistente e estatisticamente significativa ao longo da terceira (89,2%) e quarta (60,7%) décadas, tendo uma percentagem de acerto de 94,9%, sem significado estatístico ao longo das quatro décadas. A colonoscopia, inexistente nas duas primeiras décadas, foi usada em 12,1% dos pacientes, mas ocorrendo um aumento de seu uso, estatisticamente significativo, ao longo da terceira 21,6% e quarta 41,1% décadas, com 100% de acerto. O exame histopatológico de biópsias tumorais foi de 97,5% na primeira biópsia e 100% na segunda e terceira biópsias, sem diferença estatisticamente significativa ao longo das quatro décadas. O diagnóstico foi realizado de acordo com os parâmetros recomendados pela literatura médica de cada época.
Unitermos: Câncer retal, diagnóstico de câncer retal, diagnóstico, demografia de câncer retal.
introdução
O câncer retal (CR) é, no ocidente, um
dos principais tumores viscerais em prevalência,
ocupando o terceiro lugar em incidência de
malignidades, somente ultrapassado, em incidência, pelos
tumores malignos de mama e de próstata. Dezenas,
talvez centenas de explicações surgiram na tentativa
de esclarecer seu conteúdo etiopatogênico. No
decorrer dos anos, surgiram os defensores dos mais
variados fatores etiológicos: raça, dieta, idade,
habitat, alterações de estados neuropsicogênicos,
depressão, álcool, tabaco, bactérias, vírus, retocolite
ulcerativa, doença de Crohn, colelitíase e colecistectomia,
câncer na mama 1, 7-20 ,23, 25- 27, 31, 33-36, 39, 43, 44, 50, 54, 55,
58. Recentes estudos de mapeamento genético têm demonstrado,
em DNA de cromossomos, genes responsáveis pelo
CR, bem como componentes genéticos bloqueadores
dos genes causadores da
doença15-19. Apesar da palavra "câncer" ser genérica e se referir a todos os
tumores malignos passíveis de ocorrer no intestino grosso,
em decorrência de sua alta prevalência em relação
aos demais tipos histológicos de tumores, o termo
usado no presente texto refere-se aos cânceres
adenomatosos e aos adenocarcinomas. Entre os principais fatores
de risco relacionados ao desenvolvimento do
câncer colorretal, algumas condições hereditárias
são proeminentes, como a polipose familiar e o
câncer colorretal hereditário sem
polipose3, 15- 20, 23, 42, 51.
Além disto, os seguintes traços da história familiar
merecem ser ressaltados como fatores de risco: parentes
em primeiro grau com adenomas diagnosticados antes
dos 60 anos de idade, história pregressa de adenomas
ou câncer de mama, ovário ou endométrio, portadores
de RCUI ou doença de Crohn, bem como
hábitos alimentares com dieta pobre em fibras vegetais e
rica em gordura animal33, 34, 54. Com relação ao
hábito alimentar, a prevenção do CR já inclui a introdução
de dieta saudável rica em fibras vegetais e pobre
em gordura, além de outras recomendações, de acordo
com o Programa Nacional de Controle do Tabagismo
e Outros Fatores de Riscos para Câncer, do
Ministério da Saúde (2002). Apesar da gravidade da doença,
a história natural do câncer colorretal propicia
condições ideais à sua detecção precoce, uma vez que a
maioria dos casos evolui a partir de lesões benignas
(pólipos adenomatosos), por um período de 10 a 15
anos, existindo, portanto, uma fase pré-clínica
detectável longa, segundo Rosenberg et al.
(1990) 51. A detecção precoce do CR possibilita também a identificação e
a retirada de pólipos intestinais que, se
adequadamente tratados, podem elevar a taxa de sobrevida em
cinco anos para até 90%4, 7- 20, 22, 45, 46-
48.
Basicamente o diagnóstico do CR é feito
pelo exame clínico (subjetivo ou sintomatologia e
exame físico ou sinais), exame proctológico e
exame histopatológico de biópsias colhidas durante o
exame proctológico. O enema opaco e a colonoscopia,
além de corroborarem o diagnóstico feito pelo
exame proctológico, têm como finalidade diagnosticar
outras doenças associadas do intestino grosso,
mormente cânceres colorretais e pólipos colorretais
sincrônicos, além de outras doenças concomitantes.
A pesquisa de sangue oculto nas fezes
não integra o arsenal de diagnóstico, mas exames de
revisão periódica de pessoas acima de 40 anos de idade,
sendo sua positividade um indicador para colonoscopia.
O estadiamento da doença fica a cargo de vários outros exames (radiografias simples de
abdome, provas funcionais hepáticas e enzimas
plasmáticos, marcadores tumorais, radiografias de tórax e de
ossos, ultra-sonografias abdominais e pélvicas e
endorretais, tomografias abdominais e pélvicas,
ressonância magnética de imagem, cintilografia, citometria
de fluxo, radioimunoensaios), laparoscopia,
laparotomia exploradora, exame urológico, ginecológico
e neurológico e tantos outros específicos para cada caso.
Objetivo
O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar uma casuística de 380 pacientes
portadores de CR atendidos de 1965 a 1996, estratificados,
década a década, do ponto de vista de incidência,
dados demográficos e diagnóstico da doença - exame
clínico (sintomatologia e exame físico), exame
proctológico convencional e exame histopatológico de
biópsias colhidas durante o exame proctológico e enema
opaco e colonoscopia e estadiamento pré-operatório
através de exames disponíveis em cada época.
CASUÍSTICA - pacientes e métodos
No decurso de 31 anos de prática coloproctológica, de 1965 a 1996, acumulamos um
fichário com 24.200 pacientes, 923 (3,8%) dos quais
eram portadores de câncer no intestino grosso, e destes,
870 (94,3%) eram adenocarcinomas colorretais. Dos
870 casos de adenocarcinomas colorretais, 490
(56,3%) localizaram-se nos cólons e 380 (43,7%) no reto.
Este trabalho refere-se a estes 380 pacientes portadores de CR, analisando a incidência da
doença no contexto das doenças coloproctológicas, os
dados demográficos do paciente (idade e sexo), o
diagnóstico da doença - exame clínico (sintomatologia e
exame físico), exame proctológico convencional,
exame histopatológico de biópsias colhidas durante o
exame proctológico, enema opaco e colonoscopia _ e
o estadiamento pré-operatório, distribuídos ao longo
de quatro décadas em que foram seguidos: 82 (21,6%)
na década de 60 (D-60), entre 1965 e 1970; 140
(36,8%) na década de 70 (D-70), entre 1971 e 1980; 102
(26,8%) na década de 80 (D-80), entre 1981 e 1990; e
56 (14,8%) na década de 90 (D-90), entre 1991 e
1996. Todos os pacientes foram seguidos e operados
pelo mesmo médico e das cirurgias participou a
própria equipe do autor.
resultados
incidência de câncer retal
relacionada ao número de pacientes
atendidos em coloproctologia: No decurso de 31
anos de prática coloproctológica, acumulando um
fichário com 24.200 pacientes, 923 (3,8%) eram portadores
de câncer no intestino grosso, dos quais 870 (3,6%)
eram adenocarcinomas colorretais. Dos 870 casos de adenocarcinomas colorretais, 490 (56,3%)
localizavam-se nos cólons e 380 (43,7%) no reto.
Foram diagnosticados, destarte, 380 casos de câncer retal
em 24.200 pacientes atendidos, resultando em uma incidência de CR da ordem de 1,57%,
aproximadamente 1 caso de CR para cada 63 pacientes atendidos
(Tabela-1). Nota-se ainda nesta tabela a seguinte
distribuição dos 380 tumores retais por décadas: 82 (21,6%)
na década de 60 (D-60), 140 (36,8%) na década de 70
(D-70), 102 (26,8%) na década de 80 (D-80) e 56
(14,8%) na década de 90 (D-90).
Tabela 1 _ Incidência de câncer no intestino grosso, nos cólons e no reto relacionada às doenças
coloproctológicas, por décadas, em uma população de 24.200 pacientes atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo
Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas* | No de pacientes | No de casos de CR | % de casos de CR por pacientes | % de casos de CR por décadas |
D-60 | 5315 | 82 | 1,54 | 21,6 |
D-70 | 9098 | 140 | 1,54 | 36,8 |
D-80 | 6316 | 102 | 1,61 | 26,8 |
D-90 | 3471 | 56 | 1,61 | 14,8 |
Total | 24200 | 380 | 1,57 | 100,0 |
(*) Houve menos casos nas décadas (D) D-60 e D-90 por terem sido considerados, não 10 anos, mas 5 anos e 6 anos, respectivamente, em cada uma destas duas décadas. |
distribuição dos tumores por
altura de localização no reto:
Foi a seguinte a distribuição dos CR por altura de localizações no
reto (Tabela-2) com base no exame proctológico:
126 (33,1%) no terço superior, 82 (21,6%) no terço
médio e 172 (45,3%) no terço inferior do reto. Dos 82
casos de CR da D-60, 23 (28,0%) se localizavam no TS,
18 (22,0%) no TM e 41 (50,0%) no TI. Dos 140 casos
de CR da D-70, 48 (34,3%) localizavam-se no TS, 30 (21,4%) no TM e 62 (44,3%) no TI. Dos 102 casos
de CR da D-80, 36 (35,6%) localizavam-se no TS, 19 (18,6%) no TM e 47 (46,1) no TI. E, dos 56 CR da
D-90, 19 (33,9%) se localizavam no TS, 15 (26,8%)
no TM e 22 (39,3%) no TI.
Tabela 2 _ Distribuição de 380 casos de CR, por localizações anatômicas e por décadas, atendidos por
um mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas (D) | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Localizações* | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
TS | 23 | 28,0 | 48 | 34,3 | 36 | 35,3 | 19 | 33,9 | 126 | 33,1 |
TM | 18 | 22,0 | 30 | 21,4 | 19 | 18,6 | 15 | 26,8 | 82 | 21,6 |
TI** | 41 | 50,0 | 62 | 44,3 | 47 | 46,1 | 22 | 39,3 | 172 | 45,3 |
Total | 82 | 100,0 | 140 | 100,0 | 102 | 100,0 | 56 | 100,0 | 380 | 100,0 |
(*) Terço Superior do reto (TS); terço médio do reto (TM); terço inferior do reto (TI).
(**) Inclui os CR com invasão de canal anal e de períneo |
Dados demográficos: Incluem idade e sexo.
Testes Estatísticos: Os testes estatísticos
realizados foram o "teste F para a igualdade de médias de
idades" (Tabela-3) e o "teste qui-quadrado para as
variáveis categóricas" (Tabela-4).
A Tabela-3 mostra que a diferença entre as
idades médias está concentrada entre a primeira e a
última década, significando que existe uma
diferença significativa da idade média entre estas duas
décadas. A idade média é reduzida em cerca de 7 anos da
D-60 (1965-1970) para a D-90 (1991-2000).
Tabela 3 - Teste F para a igualdade de médias de idades: a diferença entre as idades médias está
concentrada entre a primeira e a última
década.
Décadas | Idades | Médias | Desvio-padrão | F |
D-60: 1965-1970 | 60,9 | 15,5 | 3,71 | (p<0,05) |
D-70: 1971-1980 | 58,1 | 15,2 | ||
D-80: 1981-1990 | 55,0 | 14,6 | ||
D-90: 1991-2000 | 53,7 | 12,6 |
Tabela 4 - Teste qui-quadrado para as
variáveis categóricas:
Variável | Valor-p |
Sexo | P=0,604 |
Terço superior | P=0,000 |
Terço médio | P=0,000 |
Terço inferior | P=0,000 |
Idade: A idade média dos 380 pacientes foi de
57,0 anos, ficando os extremos de idades entre 17 anos
e 96 anos, sobressaindo as idades entre 51 e 70
anos, perfazendo 53,9% (205 pacientes) (Tabela-5).
A Tabela-6 mostra, por décadas, as médias,
os limites de confiança e as amplitudes das idades.
Esta tabela apresenta os intervalos de 95% de confiança
para as médias de idade nas quatro décadas, sendo que
a Figura-1 mostra a representação gráfica
destes intervalos. Verifica-se que existe diferença
significativa entre as médias de idades da primeira década (D-60)
e da quarta década (D-90), pois os intervalos não
se interceptam. Nota-se, ainda, que a D-60 apresenta
a maior média de idade (60,9 anos) e a última
década, D-90, a menor média (49,9 anos).
Figura 1 - Representação gráfica das Médias e Limites de Confiança das idades dos pacientes, por décadas, de 380 pacientes portadores de câncer no reto, atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996, com base nos dados das Tabelas 5.5 e 5.6. Intervalo de 95% de Confiança para as médias de idade. |
Tabela 5 - Distribuição de 380 casos de câncer no reto, por faixas etárias e por décadas, atendidos por
um mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Faixas Etárias | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
11 - 20 anos | 2,4 | 02 | 1,4 | 01 | 1,0 | 01 | 1,8 | 06 | 1,6 | |
21 - 30 anos | 02 | 2,4 | 06 | 4,3 | 05 | 4,9 | 02 | 3,6 | 15 | 3,9 |
31 - 40 anos | 03 | 3,7 | 08 | 5,7 | 07 | 6,9 | 03 | 5,4 | 21 | 5,5 |
41 - 50 anos | 12 | 14,6 | 23 | 16,4 | 23 | 22,5 | 14 | 25,0 | 72 | 18,9 |
51 - 60 anos | 17 | 20,7 | 35 | 25,0 | 31 | 30,4 | 19 | 33,9 | 102 | 26,8 |
61 - 70 anos | 22 | 26,8 | 40 | 28,6 | 26 | 25,5 | 15 | 26,8 | 103 | 27,1 |
71 - 80 anos | 18 | 22,0 | 19 | 13,6 | 04 | 3,9 | 01 | 1,8 | 42 | 11,0 |
81 - 90 anos | 06 | 7,3 | 05 | 3,6 | 03 | 2,9 | 01 | 1,8 | 15 | 3,9 |
91 - 100 anos | 00 | 0,0 | 02 | 1,4 | 02 | 2,0 | 00 | 0,0 | 04 | 1,1 |
Total | 82 | 100,0 | 140 | 100,0 | 102 | 100,0 | 56 | 100,0 | 380 | 100,0 |
Tabela 6 - Médias e Limites de Confiança das idades dos pacientes, por décadas, de atendimento de 380
casos de câncer no reto, atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Decadas | Média | Limite de Confiança Superior | Limite de Confiança Inferior | Amplitude |
D-60 | 60,9 | 64,1 | 57,7 | 6,4 |
D-70 | 58,1 | 60,5 | 55,6 | 4,9 |
D-80 | 55,0 | 57,8 | 52,2 | 5,6 |
D-90 | 53,7 | 57,5 | 49,9 | 7,6 |
* p<0,05 (teste F) |
Sexo: Dos 380 pacientes 202 (53, 1%) eram do
sexo masculino e 178 (46,9%) do sexo feminino
(Tabela-7), não sendo a distribuição absoluta e por
décadas estatisticamente significante (p=0,604).
Tabela 7 - Distribuição de 380 casos de câncer no reto, por sexos e por décadas, atendidos por um
mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Sexos | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
Masculino | 40 | 48,8 | 72 | 51,4 | 57 | 55,9 | 33 | 58,9 | 202 | 53,1 |
Feminino | 42 | 51,2 | 68 | 48,6 | 45 | 44,1 | 23 | 41,1 | 178 | 46,9 |
Total | 82 | 100,0 | 140 | 100,0 | 102 | 100,0 | 56 | 100,0 | 380 | 100,0 |
diagnóstico
Sintomas: A Tabela-8 mostra os números absolutos
e os percentuais dos principais sintomas
apresentados pelos 380 pacientes portadores de CR.
Tabela 8 - Freqüência dos principais
sintomas observados em 380 pacientes com câncer no
reto, atendidos por um mesmo coloproctologista, em
Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
SINTOMAS | No | % |
Sangue nas fezes | 317 | 83,4 |
Sensações retais | 257 | 67,6 |
Alteração de hábito intestinal | 223 | 58,7 |
Alteração de matéria fecal | 220 | 57,9 |
Sensações anais ao ato defecatório | 217 | 57,1 |
Muco nas fezes | 182 | 47,9 |
Cólicas abdominais | 149 | 39,2 |
Queda do estado geral | 53 | 13,9 |
Exteriorização e invasão anoperineal do tumor | 38 | 10,0 |
Sangue nas roupas | 33 | 8,7 |
Obstrução intestinal | 20 | 5,6 |
Fístulas anais e retais | 11 | 2,9 |
Perfuração retal | 4 | 1,1 |
Exame físico: As principais alterações do estado
geral observados ao exame físico dos pacientes
foram: emagrecimento, anemia, edemas, caquexia e
mesmo anasarca, icterícia, elefantíase de membros
inferiores por obstrução linfática e venosa de origem
cancerígena e outros. A incidência de acometimento
do estado geral foi de 13,94% dos pacientes
portadores de CR (Tabela-8).
Exame proctológico: Sem uma única exceção,
todos os pacientes tiveram o diagnóstico do CR feito
pelo exame proctológico, que foi o exame, a partir do
qual, toda a propedêutica, estadiamento e
tratamento decorreram.
Complicações tumorais: Complicações
graves causadas pelos tumores foram verificadas em
37 pacientes (9,7%), conforme mostra a Tabela-9: 20
casos (5,3%) de obstrução retal, 11 (2,9%) (3 casos de
fístulas retovaginais, 2 casos de fístulas retouterinas, 4
casos de fístulas retovesicais, 2 casos de fístulas retoileais)
e 4 casos (1,1%) de perfuração intestinal com
peritonite fecal. Na distribuição por décadas verifica-se que
as incidências de complicações por décadas foram
as seguintes: 15,9% (13 casos) em D-60, 10,7% (15
casos) em D-70, 7,8% (8 casos) em D-80 e 1,8% (1 caso)
em D-90. Existe diferença estatística entre as
quatro décadas com relação às complicações dos
CR (p=0,044). A última década, D-90, difere das
demais (p=0,03), fato que explica a diferença. As três
primeiras décadas, todavia, não diferem (p=0,224) com
relação aos CR.
Tabela 9 - Distribuição de 380 casos de câncer no reto, por complicações dos tumores e por décadas,
atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Complicações | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
Não complicados | 69 | 84,1 | 125 | 89,3 | 94 | 92,2 | 55 | 98,2 | 343 | 90,3 |
Complicados | 13 | 15,9 | 15 | 10,7 | 8 | 7,8 | 1 | 1,8 | 37 | 9,7 |
Obst. Intestinal | (7) | (8,5) | (8) | (5,7) | (4) | (3,9) | (0) | (0,0) | (20) | (5,3) |
Perf. Intestinal | (2) | (2,4) | (1) | (0,7) | (1) | (1,0) | (0) | (0,0) | (4) | (1,1) |
Físt. Retovesical | (1) | (1,2) | (2) | (1,4) | (1) | (1,0) | (0) | (0,0) | (4) | (1,1) |
Físt. Retovaginal | (2) | (2,4) | (1) | (0,7) | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (3) | (0,8) |
Físt. Retouterina | (1) | (1,2) | (1) | (0,7) | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (2) | (0,5) |
Físt. Retoileal | (0) | (0,0) | (1) | (0,7) | (1) | (1,0) | (0) | (0,0) | (2) | (0,5) |
Obst. Ureteral | (0) | (0,0) | (1) | (0,7) | (1) | (1,0) | (0) | (0,0) | (2) | (0,5) |
82 | 100,0 | 140 | 100,0 | 102 | 100,0 | 56 | 100,0 | 380 | 100,0 | |
Os parêntesis representam os números e percentagens das complicações |
Exame histopatológico de biópsias
tumorais: Dos 380 pacientes, 370 tiveram os tumores retais
biopsiados no pré-operatório e tiveram o diagnóstico
de adenocarcinoma firmado. Destes, 13 tiveram o diagnóstico histopatológico de adenocarcinoma
feito em uma segunda colheita, e 2, em uma terceira
colheita de material.. Em 10 pacientes o diagnóstico foi
feito pelo exame histopatológico no peroperatório,
em decorrência de terem sido operados em urgência.
Dez pacientes não tiveram exame histopatológico
realizado, sendo 7 pelo fato de não terem sido operados e
três pelo fato de os tumores não terem sido
ressecados, como será melhor compreendido no item
"gradação tumoral". Não houve justificativa em se distribuir
os achados por décadas.
Em 10 pacientes não foi feita biópsia
tumoral, em decorrência do quadro de emergência em que
os pacientes foram atendidos. Dos 370 tumores
biopsiados no exame proctológico, o diagnóstico de CR foi
feito no primeiro material colhido em 355 casos; em 13
na segunda colheita de material e em dois na
terceira colheita de material Sem dúvida o
diagnóstico histopatológico não foi feito em todos os 370
casos por ocasião da primeira biópsia, em decorrência de
ter sido colhido material insuficiente, pois todos os
demais casos foram positivados em nova colheita de material.
Enema opaco: Dos 380 pacientes estudados,
336 (88,4%) foram submetidos ao enema opaco, que revelou o tumor em 319 (94,9%), tendo 17
(5,1%) tumores passado desapercebidos, como se vê
na Tabela-10. A incidência de enema opaco realizado
e não realizado foi estatisticamente
significativa (p=0,000), mas a incidência de erros diagnósticos
_ certos/errados _ não teve significância
estatística (p=0,563). À exceção dos 4 casos de
perfuração intestinal todos os 31 demais casos de
complicações foram diagnosticados pelo enema opaco: 20 casos
de obstrução intestinal, 4 casos de fístulas
retovesicais, 3 casos de fístulas retovaginais, 2 casos de
fístulas retouterinas e 2 casos de fístulas retoileais.
Nota-se que a realização de enema opaco em relação à
não realização, nas três primeiras décadas (D-60, 78:4
ou 95,1%; D-70, 133:7 ou 95,0%; e D-80, 91:80 ou 89,2%), não apresentou signficância
estatística (p=0,153); todavia foi estatisticamente
significante na última década (D-90, 34:22 ou 60,7%)
(p=0,000). Há diferença entre as quatro décadas com relação
à realização do enema opaco no diagnóstico
dos tumores retais (p<0,001). A D-90 difere das
demais décadas (p<0,001), fato que explica a diferença.
Tabela 10 - Exames de Enema Opaco realizados em 336 pacientes de um total de 380 pacientes com câncer
no reto, erros e acertos dos exames, por décadas, atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo
Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Enema Opaco | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
Não Realizados | 04 | 4,9 | 07 | 5,0 | 11 | 10,8 | 22 | 39,3 | 44 | 11,6 |
Realizados | 78 | 95,1 | 133 | 95,0 | 91 | 89,2 | 34 | 60,7 | 336 | 88,4 |
Acertos | (72) | (92,3) | (126) | (94,7) | (88) | (96,7) | (33) | (97,1) | (319) | (94,9) |
Erros | (06) | (6,7) | (07) | (5,3) | (03) | (3,3) | (01) | (2,9) | (17) | (5,1) |
Total | 82 | 140 | 102 | 56 | 380 | |||||
Os parêntesis representam os números e percentagens dos acertos e erros do enema opaco. |
Colonoscopia: A colonoscopia, inexistente nas
duas primeiras décadas, foi usada em 12,1% dos
pacientes, mas ocorrendo um aumento de seu uso,
estatisticamente significativo, ao longo da terceira 21,6% e quarta
41,1% décadas, com 100% de acerto.
Somente foi feita a partir da segunda
década, tendo 46 (12,1%) pacientes sido submetidos a ela, não
no sentido de diagnóstico do tumor retal, mas no sentido
de diagnóstico de pólipos concomitantes,
tumores sincrônicos e patologias afins. Além de terem
ratificado o diagnóstico de CR, as 46 colonoscopias
diagnosticaram patologias em 21 pacientes (45,7%), assim
distribuídas: pólipos colorretais concomitantes em 2 (4,3%)
pacientes, câncer sincrônico em 1 (2,2%) paciente,
doença diverticular em 16 (34,8%) pacientes, lipoma em 1
(2,2%) paciente e ectasia vascular em 1 (2,2%) paciente
(Tabela-11). Nenhum paciente foi submetido à colonoscopia
na D-60, e apenas um na D-70, no exterior, número este
sem qualquer significado estatístico e desprezado pela
própria conjuntura. Corrigindo-se as colonoscopias para as
duas últimas décadas (D-80 e D-90), a incidência
de colonoscopias referida para 158 pacientes (e não para
380 pacientes) passa a ser 28,5% (e não 12,1%, como
consta na Tabela). Na D-80 o número de colonoscopias
ficou abaixo desta média (22 colonoscopias para 102
pacientes ou 21,6%), subindo para 41,1% (23 colonoscopias
para 56 pacientes) na D-90. A positividade das
colonoscopias também subiu na D-90 (12 diagnósticos em 23
exames ou 52,2%) em relação à D-80 (8 diagnósticos em
22 pacientes ou 36,4%).
Tabela 11 -Colonoscopias realizadas em 55 pacientes de um total de 380 pacientes com câncer no reto,
doenças concomitantes encontradas (colonoscopias positivas), por décadas, atendidos por um mesmo
coloproctologista, em Belo Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Colonoscopias | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
Não Realizadas | 82 | 100,0 | 139 | 99,3 | 80 | 78,4 | 33 | 58,9 | 334 | 87,9 |
Realizadas | 0 | 0,0 | 1 | 0,7 | 22 | 21,6 | 23 | 41,1 | 46 | 12,1 |
Positivas | 0 | 0,0 | 0 | 8 | 36,4 | 12 | 52,2 | 21 | 45,7 | |
Pólipos | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (1) | (4,5) | (1) | (4,3) | (2) | (4,3) |
DDIG | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (6) | (27,3) | (9) | (39,1) | (16) | (34,8) |
Lipomas | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (1) | (4,3) | (1) | (2,2) |
Ectasia vascular | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (1) | (4,3) | (1) | (2,2) |
TU Sincrônico | (0) | (0,0) | (0) | (0,0) | (1) | (4,5) | (0) | (0) | (1) | (2,2) |
Total | 82 | 100,0 | 140 | 100,0 | 102 | 100,0 | 56 | 100,0 | 380 | 100,0 |
Os parêntesis representam N e % de diagnósticos feitos pela colonoscopia |
Estadiamento pré-operatório
da doença: O estadiamento tumoral antes do
ato cirúrgico foi realizado através dos mais
variados exames complementares disponíveis em cada
época (radiografias simples de abdome, tórax e ossos;
provas funcionais hepáticas, enzimas plasmáticos
e marcadores tumorais; ultra-sonografias
abdominais, pélvicas, endorretais e transretal; tomografias
abdominais e pélvicas; ressonância magnética de
imagem; cintilografia; citometria de fluxo;
radioimunoensaios; laparoscopia e laparotomia exploradora;
exames urológico, ginecológico e neurológico e tantos
outros específicos para cada caso) revelou que
quarenta pacientes (10,5%) do grupo D de Dukes, por
ocasião do diagnóstico do CR, apresentaram 50 sedes
de metástases, assim distribuídas: hepáticas isoladas
(22 casos), hepáticas e pulmonares (16), hepáticas
e pulmonares e outros órgãos (4), hepáticas e
cerebrais (2), ósseas (3), rins (2) e cerebrais (1). (Tabela-12).
Tabela 12 - Órgãos sedes de metástases cancerígenas em 50 pacientes de um total de 380 pacientes com
câncer no reto, por ocasião do diagnóstico, por décadas, atendidos por um mesmo coloproctologista, em Belo
Horizonte, MG, de 1965 a 1996.
Décadas | D-60 | D-70 | D-80 | D-90 | Total | |||||
Órgãos | No | % | No | % | No | % | No | % | No | % |
Fígado | 5 | 6,2 | 8 | 5,7 | 7 | 6,8 | 2 | 3,5 | 22 | 5,8 |
Fígado + pulmão | 4 | 5,0 | 6 | 4,3 | 4 | 3,9 | 2 | 3,5 | 16 | 4,2 |
Fígado + pulmão + outros | 1 | 1,2 | 2 | 1,5 | 1 | 1,0 | 0 | 0 | 4 | 1,1 |
Fígado + cérebro | 1 | 1,2 | 1 | 0,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 0,5 |
Ossos | 1 | 1,2 | 1 | 0,7 | 1 | 1,0 | 0 | 0 | 3 | 0,8 |
Rins | 1 | 1,2 | 1 | 0,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 0,5 |
Cérebro | 0 | 0 | 1 | 0,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0,3 |
Total | 13 | 15,9 | 20 | 14,3 | 13 | 12,7 | 4 | 7,0 | 50 | 13,2 |
Discussão
incidência de câncer retal
relacionada às doenças
coloproctológicas: Foram diagnosticados 380 casos de câncer retal
em 24.200 pacientes atendidos, resultando em uma incidência de CR de 1,57% (Tabela-1). Revisão
parcial da literatura mostra que este dado é desconsiderado
pela maioria, senão a totalidade dos autores
consultados. Todavia é de se supor que esta incidência deva
variar muito, em decorrência da especialidade e regime
de trabalho do médico atendente:
coloproctologista, cirurgião geral, gastrenterologista, internista
e plantonista. Evidentemente a incidência é mais
elevada entre os proctologistas, como em nosso caso.
Na revisão da literatura não há alusão às
incidências absoluta e relativa do CR.
distribuição e prevalÊNCIA de
Câncer Retal por décadas: No decurso de 31 anos
de prática coloproctológica, acumulando um fichário
com 24.200 pacientes, 923 (3,8%) eram portadores
de câncer no intestino grosso, dos quais 870 (3,6%)
eram adenocarcinomas colorretais e apenas 53 (0,2%)
eram tumores malignos de ânus e margem de ânus. Dos
870 casos de adenocarcinomas colorretais, 490
(56,3%) localizavam-se nos cólons e 380 (43,7%) no
reto (Tabela-2): Na D-60 o número de fichas de clientes
foi 5.200 (21,5%) contra 82 casos de CR (21,6%); na
D-70 o número de fichas de clientes foi 9.271
(38,1%) contra 140 casos de CR (36,8%); na D-80 o número
de fichas de clientes foi 6.398 (26,4%) contra 102
casos de CR (26,8%); e, na D-90 o número de fichas
de clientes foi 3.392 (14,0%) contra 56 casos de
CR (14,8%). Assim, estatisticamente, não
verificamos aumento de casos de CR por décadas.
A literatura, da mesma forma, não revela aumento progressivo de casos de CR.
distribuição dos tumores por
altura de localização no reto:
Foi, certamente, o terço inferior, o local de maior incidência (172
casos, 45,3%), secundado pelo terço superior (126
casos, 33,1%), sendo o terço médio o local de
menor incidência 82 casos, 21,6%) de CR (Tabela-4).
É interessante assinalar que, mesmo as medidas
tendo sido tomadas pelo mesmo médico, há uma
tendência de se catalogarem CR de terço inferior todos os
CR visíveis a olho nu ou detectáveis pelo toque retal
não forçado, e em se considerarem CR de terço
superior todos os tumores retais altos não tocados,
com tendência a se considerarem tumores de terço
médio os CR tocados com esforço e mais com base
em achados do enema opaco, fato este responsável
pela menor incidência dos CR de terço médio. Deve
ser ressaltado o fato de muitos autores, entre os
quais Antosen & Bromborg (1987)1 e Minton et
al.(1968)35, 36, 1968) considerarem baixos os CR tocáveis e
altos os não tocáveis.
Como as medidas das alturas dos CR são extremamente pessoais e empíricas, dependendo
de vários critérios do médico e até de seu próprio
biótipo (comprimento do dedo indicador e até mesmo da
força com que empurra o dedo para cima no momento
do toque), essa avaliação carece de maior
importância prática atualmente. Ademais o fator "altura do
tumor" está ligado também ao paciente, pois sendo o
períneo flácido (e.g., idosos e multíparas), o dedo que toca
vai mais além, tocando tumores mais altos, aumentando
a incidência de CR baixos.
Entretanto, este rótulo "altura" sempre
se revestiu de extrema importância histórica, pois, nas
D-60 e D-70 ainda prevalecia a "lei do dedo"
(tumor tocado, tumor amputado). Com o advento dos grampeadores os tumores passaram a ser
ressecados ou amputados, não mais em decorrência de suas
alturas no reto, mas em decorrência de seus
estadiamentos locais, no sentido de invasão periférica do reto.
A excisão do mesorreto ("peça cirúrgica gorda")
tornou-se mais importante que o excesso de resseccão
em altura ("peça cirúrgica comprida").
Todavia não há diferença entre nossos
achados e os de alguns autores sobre as alturas dos CR
(Goligher et al.25, 1965;
Larach31, 1992; Neville et
al.39, 1987; Nicholls et
al.40, 1982; Whitaker &
Goligher55, 1976), incluindo trabalhos publicados pelo próprio autor
(Cruz 10 - 14, 1998; Cruz 15 -
19, 1999; Cruz20, 2000).
Dados demográficos:
Idade: A idade média global dos 380 pacientes foi
de 61,5 anos, sobressaindo as idades entre 51 e 70
anos, com mais da metade de todos os pacientes
(205 pacientes, 53,9%). Foi verificada uma
diferença significativa entre as médias de idades da
primeira década (60,9%) e da quarta década (49,9%), pois
os intervalos de confiança não se interceptam
(Tabelas-5, 6 e Figura-1).
Certamente tal fato sinaliza uma tendência
aos diagnósticos mais precoces, fato que decorre, tanto
do maior nível de exigência dos pacientes, que procuram
e têm maior acesso aos médicos, quanto da adoção
de melhores técnicas e métodos propedêuticos surgidos
nas duas últimas décadas, sobretudo a
videocolonoscopia, o ultra-som endorretal e transretal, a
ressonância magnética de imagens, os marcadores tumorais e
o sangue oculto nas fezes10, 11- 20 ,23, 27, 31, 39, 43, 50,
54.
Recentes estudos de mapeamento genético
têm demonstrado, em DNA de cromossomos,
genes responsáveis pelo CR, bem como
componentes genéticos bloqueadores dos genes causadores
da doença15-19, 22 relatam incidencias de médias etárias
em portadores de CR entre 62 e 69 anos, portanto ligeiramente (e sem significado estatístico) acima
da média encontrada por nós (61,5 anos). Da mesma
forma alguns autores10-15, 17- 20,
31,54 relatam tendência de diminuição das faixas etárias em relação ao CR.
Sexo: A incidência de 202 pacientes (53, 1%) do
sexo masculino e 178 (46,9%) do sexo
feminino(Tabela-7) mostrou que não houve diferença
estatisticamente significante entre os sexos (p=0,604).
De modo geral alguns autores (Antosen &
Bromborg1, 1987; Fisher23, 1988; Goligher et
al.25, 1965; Goligher26, 1962;
Habr-Gama27, 1994; Larach31, 1992; Localio et
al.33, 1978; Marks &
Richtie34, 1975; Minton et
al.36, 1978; Neville et
al.39, 1987; Page et al.43, 1986; Pahlman &
Glimelius44, 1984; Romano50, 1985; Weishaupt et
al.54, 1992; Whitaker &
Goligher55, 1976; Zaunbauer et
al.58, 1981) e o próprio autor
(Cruz 10 - 14, 1998; Cruz 15 -
19, 1999; Cruz20 , 2000)
assinalam ligeira incidência, sem significado estatístico,
maior no sexo masculino, portanto, corroborando
nossos achados.
diagnóstico:
Sintomas: Como foi mostrado na Tabela-8 foram
estes os principais sintomas relatados pelos 380
pacientes: o sintoma mais freqüente foi a presença de sangue
nas fezes, 317 pacientes (83,4%), nestes incluídos
33 pacientes (8,7%) que apresentaram sangue,
também, nas roupas, quer em decorrência de tumor ter
causado incontinência anal (18 casos) quer pelo fato de o
tumor ter crescido através do canal anal, saindo pelo
períneo (15 casos). Em segundo lugar (257 pacientes,
67,6%) fixaram as sensações retais, ora sob a forma de
sensação de reto cheio, ora de corpo estranho no reto, de
pressão retal, de vontade falsa de evacuar, ou de dor
perineal em peso ou pressão ou queimação. O terceiro
sintoma mais freqüente foram as alterações de hábito
intestinal, sintoma relatado por 223 pacientes (58,7%), sendo
a mais comum a diarréia simples ou alternada com
a constipação intestinal ou hábito normal. Em
quarto lugar ficou a alteração da matéria fecal (220
pacientes, 57,9%). Em quinto lugar ficaram as
sensações anômalas ao ato defecatório, em forma de
sensação de evacuação incompleta, dificuldade ao
ato defecatório, dor anal à passagem das fezes,
puxo, tenesmo, sintomas assinalados por 217
pacientes (57,1%). Em sexto lugar ficou a eliminação de
muco com as fezes ou nas roupas íntimas, queixa
presente em 182 pacientes (47,9%). O sétimo sintoma foi
a cólica abdominal, presente em 149 (39,2%)
pacientes, mormente antes do ato defecatório. Com
incidências inferiores ficaram a exteriorização tumoral e a
invasão perineal do tumor através do ânus, verificados em
38 pacientes (10,0%). O comprometimento do estado geral foi verificado em 53 pacientes (13,9%),
quer sob a forma de perda de peso corporal, quer sob
a forma de anemia, icterícia, ascite, tumor
abdominal visível, dificuldade ou impossibilidade de
locomoção, entre outras.
De um modo geral os sintomas relatados pelos pacientes como decorrentes de um
CR, descritos pelos vários autores1, 7- 20 ,23, 25- 27, 31, 33-36, 39, 43, 44, 50, 54, 55,
58, coincidem ou são muito semelhantes aos nossos, o
que é lógico e óbvio. Estes autores, da mesma
forma, pontuam os seguintes sintomas como os mais
comuns: sangue nas fezes, sensações anorretais fora
das evacuações (sensação de plenitude retal, a
sensação de peso perineal, a falsa vontade de defecar, a
presença de tumor no períneo, a dor pélvica em peso ou
pressão, alteração do hábito intestinal (diarréia e
disenteria), alteração da matéria fecal (fezes pastosas em fitas,
fezes pastosas, fezes semilíquidas e mistura de fezes
pastosas ou semilíquidas com fecalitos ou fezes
normais), sensações anômalas ao ato defecatório
(sensação urgente de evacuar, sensação de evacuação
incompleta, tenesmo, puxo, exteriorização do tumor ou da
mucosa com o tumor, dificuldade para evacuar, dor anal no
ato defecatório), muco nas fezes, dor abdominal em
cólica, queda do estado geral por complicações
(obstrução intestinal, hemorragia digestiva baixa, distúrbios
de absorção, entre outros) ou por disseminação da
doença (sobretudo acometimento hepático com seus
graves corolários), exteriorização e invasão perineal do
tumor e sangue nas roupas.
Exame físico - Exame de abdome: tumores abdominais visíveis em pacientes portadores de CR são, geralmente, de mau prognóstico, pois indicam desenvolvimento exagerado de metástases hepáticas ou em outros órgãos, como assinalam vários autores (Cruz 15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Goes et al.24, 1991; Goligher26, 1962; Larach31, 1992; Laurentys-Medeiros & Ferreira32, 1998; Rocha et al.49, 1998). Metástases hepáticas podem ser apalpadas abaixo da reborda costal direita, da mesma forma que massas abdominais e lombares, metástases ganglionares localizadas nas regiões inguinais. Em fases muito adiantadas de evolução, os tumores retais podem desenvolver ascite, facilmente percebida pelo exame físico. As complicações tumorais, como o abdome agudo perfurativo e abdome agudo oclusivo causados pelos tumores retais de terço superior, ensejam quadros físicos abdominais característicos.
Exame físico - Ectoscopia: O ideal é o diagnóstico do CR ser levado a termo antes que ocorra alteração do estado geral detectável pelo exame físico, pois sinais ligados a tal ocorrência caracterizam avanço local do desenvolvimento tumoral, levando a complicações (obstrução intestinal, hemorragia digestiva baixa, distúrbios de absorção, entre outros) ou disseminação da doença, sobretudo acometimento hepático com seus graves corolários (Cruz 10 - 14, 1998; Cruz 15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Goes et al.24, 1991; Larach31, 1992; Laurentys-Medeiros & Ferreira32, 1998; Rocha et al.49, 1998; Weishaupt et al.54, 1992). As principais alterações do estado geral observados ao exame físico dos pacientes foram: emagrecimento, anemia, edemas, caquexia e mesmo anasarca, icterícia, elefantíase de membros inferiores por obstrução linfática e venosa de origem cancerígena e outros. Encontramos uma incidência de acometimento do estado geral em 13,94% (Tabela-8) dos pacientes portadores de CR10-15, 20.
Exame proctológico: O exame proctológico
constitui, de acordo com a grande maioria dos
autores1, 7- 20, 23, 25-27, 31, 33-36, 39, 43, 44, 50, 54, 55,
58 o melhor parâmetro para diagnosticar e classificar os tumores retais de
acordo com as alturas de suas localizações. O percentual
de eficiência do exame proctológico deve ser de 100%,
e não teria cabimento o contrário.
O exame proctológico, além de
diagnosticar os tumores retais em toda sua extensão e suas formas
e suas localizações no reto: as alturas de
localizações dos tumores retais determinam suas
localizações rubricadas como terços superior, médio e
inferior, conforme suas margens inferiores (Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000;
Larach31, 1992; Minton et
al.36, 1978; Venkatesh et
al.53, 1994) e não conforme o meio
da massa tumoral, preconizado por outros
(Goligher26, 1962; Page et
al.43, 1986). Quanto às formas o
exame proctológico deve caracterizar os tumores como
pólipos carcinomatosos, carcinomas polipóides ou
vegetantes, carcinomas mucíparos ou mucosos, carcinomas
vilosos ou papilares, carcinomas ulcerados ou lacunares
e carcinomas cirróticos ou estenosantes.
Ao exame proctológico, a simples
inspecção do períneo pode diferenciar todos os tumores
retais que se exteriorizam por prolapso ou procidência e
por invasão perineal.
O toque retal pode diagnosticar todos os tumores retais localizados no terço médio, o
que transforma este recurso propedêutico tão
simples, primitivo e barato (uma luva) em uma arma de
valor inestimável na propedêutica colorretal.
A retoscopia e a retossigmoidoscopia devem ser tentadas de rotina, sendo que na minoria dos
casos, a retossigmoidoscopia é inviável, impedida que se
torna pelos tumores suboclusivos e estenosantes.
Sempre que possível, havendo preparo intestinal, todo tumor retal deve ser biopsiado
para exame histopatológico.
Em estudo anterior (Cruz9, 1996), 33,16% dos
tumores se localizavam no terço superior, 21,58% no
terço médio e 45,26% no terço inferior do reto, sendo
que destes últimos, 10,00% invadiam o períneo
ou exteriorizavam-se pelo ânus.
Complicações tumorais: A incidência de complicações tumorais (obstrução intestinal, perfuração intestinal e fístulas retais para órgãos vizinhos) foi elevada (37 pacientes, 9,7%), decrescendo com o correr das quatro décadas (Tabela-9). Existe diferença estatística entre as quatro décadas com relação às complicações dos CR (p=0,044). A última década, D-90, difere das demais (p=0,03), fato que explica a diferença. As três primeiras décadas, todavia, não diferem (p=0,224) com relação aos CR (Tabela-9). São três as principais complicações locais mais graves decorrentes do CR: obstrução retal, perfuração retal e fístulas para órgãos vizinhos (fístula retovaginal, fístula retouterina, fístula retovesical e fístula retoileal) (Corman6, 1989; Cruz 15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Fisher23, 1988; Goes et al.24, 1991; Goligher et al.25, 1965; Goligher26, 1962; Larach31, 1992; Localio et al.33, 1978; Marks & Richtie34, 1975; Weishaupt et al.54, 1992; Whitaker & Goligher55, 1976). Nesses casos, as queixas dos pacientes se dirigem para o próprio quadro fisiopatogênico das complicações. Nossos achados estão dentro dos relatos de vários autores, entre os quais os autores enumerados acima.
Biópsias para exame
histopatológico: Classificar anatomicamente um tumor é determinar
e descrever seu formato macroscópico, sua visão
exterior, sua aparência; classificá-lo histologicamente
é descrever sua composição celular estrutural,
é determinar que estrutura tissular lhe deu origem.
Sob o ponto de vista histológico, os tumores
retais classificam-se, de acordo com seus
componentes celulares, em adenocarcinomas (tumores
retais malignos adenomatosos), tumores retais malignos
não adenomatosos ou mesenquimáticos e tumores
anais malignos (Astler &
Coller2, 1954; Dukes &
Bussey21, 1958; Jass &
Love29, 1987; Morson38, 1963;
Morson & Bussey37, 1977; Nicholls et
al.40, 1982; Nunes41, 1998; Pena et
al.45, 1998; Windler-Bell &
Shaw56, 1987).
Pela própria natureza histológica,
o adenocarcinoma é o câncer de maior incidência nos
cólons e no reto, oscilando, sua faixa de ocorrência, entre 1,2%
e 7,3% (Antosen e Bromborg1, 1987; Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Dukes e Busey, 1958; Goligher et al.,
1951 e 1965; Habr-Gama27, 1994; Hildebrandt e
Feifel28, 1985; Kramann e
Hildebrandt30, 1986; Localio et
al.33 1978; Neville et al.39, 1977;
Nunes41, 1998; Pahlman e
Glimelius44, 1984; Pena et
al.45, 1998; Simonsen52,
1994). Os adenocarcinomas retais são carcinomas
que desenvolvem a partir da proliferação ou hiperplasia
das células epiteliais das glândulas mucosas
(pólipos neoplásicos adenomatosos) ou das próprias
vilosidades coriais das mesmas (pólipos adenomatosos vilosos
ou papilares) (Burgos et al.5, 1988; 1996; Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Dukes &
Bussey21, 1958; Habr-Gama27, 1994;
Nunes41, 1998; Page et al.43, 1986; Pena et
al.45, 1998; Romano et al.50, 1993).
Sob o ponto de vista anatômico, de
aparência externa, os adenocarcinomas podem se apresentar
sob forma de pólipos carcinomatosos, tumores
vegetantes ou polipóides, tumores mucosos ou mucíparos,
tumores vilosos ou papilares, tumores ulcerados ou lacunares
e tumores cirróticos ou infiltrantes. Os tumores
úlcero-vegetantes são uma modalidade assumida
pelos tumores vegetantes que se ulceram em decorrência
de necrose por deficiência de irrigação sangüínea.
Os tumores em crescimento para dentro da luz do
reto, como os pólipos carcinomatosos
(pólipos adenomatosos com áreas de atipias) e
os adenocarcinomas vegetantes ou polipóides são os
de melhor prognóstico, pois o agravamento
histológico decorre da invasão parietal do tumor.
Assim, gradativamente, os prognósticos pioram com
os tumores mucosos ou mucíparos, vilosos ou
papilares, ulcerados ou lacunares, e, finalmente, os cirróticos
ou infiltrantes, que são os piores. Histologicamente,
os pólipos carcinomatosos, os
adenocarcinomas vegetantes, ulcerados e cirróticos originam-se com
a anaplasia sobre a hiperplasia do epitélio mucoso;
os adenocarcinomas vilosos ou papilares formam-se
a partir da anaplasia sobre a hiperplasia das
vilosidades coriais, carreando consigo a lâmina própria; e
os adenocarcinomas mucosos ou mucíparos
diferenciam-se dos primeiros por apresentarem células em "anel
de sinete"(imagem caprichosa de células
neoplásicas causada pelo achatamento de seus núcleos para
um lado), secretando mucina em abundância (Burgos
et al.5, 1988; Cruz 15 - 19, 1999;
Cruz20 , 2000; Dukes &
Bussey21, 1958; Goligher26, 1962; Nicholls et
al.40, 1982; Page et al.43, 1986; Pena et
al.45, 1998; Venkatesh et
al.53, 1994; Wolmark et
al.57, 1986).
Broders classificou os adenocarcinomas retais em 4 tipos, em conformidade com o percentual
de células malignas encontradas em um campo microscópico: grau I com 1 a 25% de células
malignas, grau II com 26 a 50% de células malignas, grau
III com 51 a 75% de células malignas e grau IV com 76
a 100% de células malignas. Tal classificação visando
a diferenciação celular prevaleceu por muitos anos,
até que se verificou que tal diferenciação constituía
apenas um dos vários parâmetros importantes para se
avaliar o real grau de diferenciação tumoral. Nasceu dai
a necessidade de se classificarem os tumores retais
em tumores bem diferenciados, pouco diferenciados
e indiferenciados: nos tumores bem diferenciados
as glândulas neoplásicas se dispõem orientadas
ao epitélio, de modo a conservarem a semelhança
da estrutura críptica; nos tumores moderadamente
ou pouco diferenciados as glândulas neoplásicas são
mais irregulares, exibindo uma pobre orientação do
epitélio em criptas desorganizadas; e nos
tumores indiferenciados ou anaplásicos as
estruturas glandulares são anárquicas e irreconhecíveis, da
mesma forma que suas estruturas crípticas (Burgos et
al.5, 1988; Dukes &
Bussey21, 1958; Habr-Gama27, 1994; Pena
et al.45, 1998; Nicholls et
al.40, 1982).
Gradação de tumores refere-se ao grau
de invasão tumoral a partir da mucosa,
atingindo, paulatinamente, a submucosa, a muscular, a serosa,
os tecidos perirretais, os gânglios linfáticos regionais
e de cadeia, os órgãos vizinhos e os órgãos
distantes (Cruz 15 - 19, 1999;
Cruz20 , 2000; Pena et al.45,
1998; Nicholls et al.40, 1982), mas que participa
do estadiamento e não do diagnóstico do CR.
Dos 380 pacientes, 370 tiveram os tumores retais biopsiados no pré-operatório e tiveram
o diagnóstico de adenocarcinoma firmado, 355
no primeiro e 13 em uma segunda colheita de material e
2 em uma terceira colheita de material, tendo ficado
10 pacientes sem exame histopatológico. Não
houve justificativa em se distribuir os achados por décadas.
Há unanimidade entre os autores em torno
da indicação da biópsia retal sempre que factível.
Relatos da literatura (Corman6, 1989; Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000; Localio et
al.33, 1978; Pahlman &
Glimelius44, 1984; Romano50, 1985; Weishaupt et
al.54, 1992; Whitaker &
Goligher55, 1976; Zaunbauer et
al.58, 1981) corroboram nossos achados, assinalando
incidências desprezíveis de exames histopatológicos errados
em biópsias de CR, fato, quando existente, deve-se,
quase sempre, ao fato de a biópsia não ter atingido o tumor.
Enema opaco: Dos 380 pacientes estudados,
336 (88,4%) foram submetidos ao enema opaco, que revelou o tumor em 319 (94,9%), tendo 17
(5,1%) tumores passado desapercebidos, como se vê na
Tabela-10. A incidência de enemas opacos realizados e
não realizados foi estatisticamente significativa
(p=0,000), mas a incidência de erros diagnósticos _
certos/errados _ não teve significância estatística (p=0,563).
À exceção dos 4 casos de perfuração intestinal todos
os 31 demais casos de complicações foram
diagnosticados pelo enema opaco. Nota-se que a realização de
enema opaco em relação à não realização, nas três
primeiras décadas (D-60, 78 para 4 ou 95,1%; D-70, 133 para
7 ou 95,0%; e D-80, 91 para 8 ou 89,2%), não
apresentou significância estatística (p=0,153); todavia
foi estatisticamente significante na última década
(D-90, 34 para 22 ou 60,7%) (p=0,000). Há diferença entre
as quatro décadas com relação à realização do
enema opaco no diagnóstico dos tumores retais (p<0,001).
A D-90 difere das demais décadas (p<0,001), fato
que explica a diferença.
O enema opaco é um exame de grande importância na propedêutica dos tumores
retais, completando o estudo dos cólons acima da lesão
retal e fora de alcance da retossigmoidoscopia
convencional, possível sede de cânceres sincrônicos e de
outras patologias concomitantes, tendo reinado soberano
antes do advento da colonoscopia
(Corman6, 1989; Cruz 15 - 19, 1999;
Cruz20 , 2000; Localio et
al.33, 1978; Pahlman &
Glimelius44, 1984; Romano50, 1985; Weishaupt
et al.54, 1992; Whitaker &
Goligher55, 1976; Zaunbauer et
al.58, 1981). Nossos achados não diferem dos
relatos destes autores. É, da mesma forma importante
na descrição exata do tumor: pólipo
carcinomatoso, vegetante, ulcerado, viloso, cirrótico, suas
dimensões e sua exata localização e distância do ânus, ajudando
o exame proctológico na caracterização da altura
tumoral, se do terço superior, médio ou inferior do reto. É,
da mesma forma, muito importante no sentido de demonstrar alguma complicação do tumor, como
uma obstrução, uma perfuração ou formação de fístula
para órgãos vizinhos, como útero, vagina, bexiga ou
alças de intestino delgado. O enema opaco é
importantíssimo no estudo dos cólons acima do alcance
da retossigmoidoscopia rígida (reto, retossigmóide
e sigmóide), circunstância em que dominou,
soberana, até há cerca de 25 anos, ocasião em que foi a
única arma propedêutica disponível no
arsenal coloproctológico. Além da grande utilidade do
enema opaco na detecção de doenças neoplásicas acima
da retossigmoidoscopia rígida convencional, é um
recurso propedêutico importantíssimo na confirmação e
na descrição pormenorizada das lesões neoplásicas
ao alcance da retossigmoidoscopia e na verificação
de existência ou não de cânceres, de pólipos e de
outras doenças colônicas concomitantes. É muito
importante na descrição exata do tumor, tenha ele sido ou
não visualizado pela retossigmoidoscopia, tanto em
sua localização, quanto em suas dimensões, seus limites
e formas (pólipo carcinomatoso, tumor
vegetante, ulcerado, viloso mucóide e cirrótico). É, ainda,
de indiscutível importância no diagnóstico
de complicações do tumor, como uma obstrução,
uma perfuração tamponada ou formação de alguma
fístula para órgãos vizinhos, como útero, vagina, bexiga
ou alças de intestino delgado. Na rotina do
autor, encontrando-se alguma lesão neoplásica colônica
ou sigmoideana, ou nada se encontrando à retossigmoidoscopia rígida, mas havendo sintomas
que sugerem lesão colônica alta, o enema opaco é o
exame de escolha que se segue. A colonoscopia vem após
o enema opaco, caso haja dúvidas radiológicas a
serem esclarecidas e caso haja necessidade de se
colherem biópsias tumorais para conveniente
exame histopatológico. Se a colonoscopia leva vantagem
na visualização direta do tumor e do interior do
intestino, com possibilidades de coleta de fragmentos
tumorais para exame histopatológico, o enema opaco, ao
lado da visão do tumor e do interior da luz intestinal
ser indireta, radiográfica que é, leva a vantagem
de visualizar a intimidade da parede colônica,
como infiltração neoplásica da mesma, e
seus comprometimentos externos, como as
fístulas. Todavia, longe de se colocarem estes dois
recursos propedêuticos em ringue de disputas, devem ser
eles vistos com suas vantagens e limitações, de modo
a um complementar o outro. Na prática rotineira,
todos encontram casos em que o enema opaco é mais
útil que a colonoscopia e vice-versa.
Enquanto alguns autores somente realizam enema opaco, outros realizam a colonoscopia, e
ainda outros fazem enema opaco seguido de
colonoscopia quando há indícios de existência de pólipos colorretais.
Em nosso material pode-se notar crescente diminuição do número de enema opaco a partir
do advento da colonoscopia, no que há acordo entre
os autores assinalados.
Colonoscopia: A introdução da colonoscopia no
Brasil ocorreu no início da década de 70, mas
somente despertou em Minas Gerais, especialmente em
Belo Horizonte, em início da década de 80. Por isto
mesmo, somente foi feita a partir da segunda década, tendo
46 (12,1%) pacientes sido submetidos a ela, não no
sentido de diagnóstico do tumor retal, mas no sentido
de diagnóstico de pólipos concomitantes,
tumores sincrônicos e patologias afins (Tabela-11). Além
de terem ratificado o diagnóstico de CR, as
46 colonoscopias diagnosticaram patologias em 21 pacientes (45,7%). Na D-80 o número de
colonoscopias foi de 22 colonoscopias para 102 pacientes
(21,6%), subindo para 41,1% (23 colonoscopias para
56 pacientes) na D-90. A positividade das
colonoscopias também subiu na D-90 (12 diagnósticos em 23
exames ou 52,2%) em relação à D-80 (8 diagnósticos em
22 pacientes ou 36,4%).
É inquestionável a aceitação da
colonoscopia, tanto no diagnóstico quanto no seguimento de
pacientes operados de TR (Pyramo-Costa et al., 1998;
Quilici, 1998; Quilici, 2000; Regadas & Regadas, 2000),
mas, em decorrência da proximidade do tumor retal
da margem anal, a retossigmoidoscopia convencional,
por sua simplicidade e eficiência, torna-se
insuperável. Assim, em decorrência da disponibilidade dos
meios médicos, após a realização do exame proctológico
com retossigmoidoscopia rígida convencional,
persistindo suspeitas de doenças localizadas acima do
alcance endoscópico, sobretudo pólipos, o enema opaco
alterna com a colonoscopia como o primeiro exame natural
a ser solicitado, mesmo que haja sintomas que justifiquem.
A colonoscopia, como todo exame, em mãos hábeis e experimentadas, é um exame de
elevadíssima precisão na propedêutica do
CR, não só para seu diagnóstico específico, mas também para
rastreamento do restante dos cólons, sede que podem ser de
cânceres sincrônicos, pólipos e outras patologias
associadas como a RCUI e independentes, como a
doença diverticular e os seguimentos de pacientes
operados de CR, de acordo com o protocolo seguido. Estando
o paciente com bom estado geral, não sendo o
CR suboclusivo e não tendo desenvolvido
alguma complicação, a colonoscopia deve ser realizada
como parte integrante da propedêutica (Burgos et
al.5, 1988; Corman6, 1989; Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 ,
2000; Fisher23, 1988; Goes et
al.24, 1991; Hildebrandt &
Pfeifel28, 1985; Larach31, 1992; Localio et
al.33, 1978; Page et al.43, 1986; Pahlman &
Glimelius44, 1984; Romano50, 1985; Weishaupt et
al.54, 1992; Whitaker &
Goligher55, 1976; Zaunbauer et
al.58, 1981), corroborando nossos achados, quer por poder
detectar um possível pólipo ou câncer sincrônico mais
alto, quer por poder detectar alguma patologia
concomitante e fora do alcance da endoscopia rígida.
A possibilidade de uma colonoscopia realizada com boa aparelhagem e por mãos hábeis e
experientes falhar é próximo de zero, podendo ser considerada
uma fatalidade. Em nosso material não houve falha
da colonoscopia. A partir do início da terceira
década, com o surgimento da colonoscopia como
exame rotineiro, acabaram as cirurgias ampliadas para
CR, pois os pólipos encontrados no
pré-operatório passaram a ser abordados e ressecados pela
própria colonoscopia no pré-operatório.
Estadiamento pré-operatório
da doença: O estadiamento tumoral antes do
ato cirúrgico foi realizado dentro de
padrões recomendados para CR (exame clínico e
proctológico, marcadores tumorais, provas de função hepática,
raios-X de tórax e de ossos, ultra-som abdominal e
pélvico e retal, tomografia computadorizada de abdome,
pelve e tórax, ressonância magnética de
imagens, cintilografia, laparotomia), revelando os achados
vistos na Tabela-5.10.
Há unanimidade entre os autores (Burgos et
al.5, 1988; Corman6, 1989; Cruz
15 - 19, 1999; Cruz20 , 2000;
Goes et al.24, 1991;
Larach31, 1992; Pahlman &
Glimelius44, 1984; Romano50, 1985; Weishaupt et
al.54, 1992) quanto à realização de um total estadiamento dos
pacientes portadores de CR, procurando metástases,
sobretudo no fígado, pulmões e disseminações ganglionares
e intra-abdominais e pélvicas, usando das
armas propedêuticas compatíveis em cada meio médico,
na decorrência dos recursos disponíveis.
conclusões
1. A incidência de CR em nosso consultório
de Coloproctologia foi de 1,57% (380 casos em
24.200 pacientes), sem significado estatístico as
variações no correr das quatro décadas consideradas.
2. A incidência de CR (380 casos, 43,7%)
foi estatisticamente inferior à incidência do
câncer colônico (490 casos, 56,3%), sem
significado estatístico as variações no correr das quatro décadas.
3. A idade média dos 380 pacientes foi de 57,0
anos, ficando os extremos de idades entre 17 anos e
96 anos, sobressaindo as idades entre 51 e 70 anos (295 pacientes, 53,9%), notando-se um
decréscimo estatisticamente significativo das médias de
idade entre as duas primeiras e as duas últimas
décadas estudadas.
4. Houve uma prevalência do CR em homens
(202 pacientes, 53, 1%) sobre mulheres (178 casos, 46,9%), não sendo, todavia, a distribuição
absoluta e ao longo das décadas estatisticamente significativa.
5. Não houve diferença estatística significativa
de incidência, altura de tumor no reto,
sintomas apresentados pelos pacientes, achados do
exame proctológico e resultados de exame
histopatológico de biópsias tumorais, ao longo das quatro
décadas estudadas.
6. Houve discreta diminuição do uso do enema
opaco ao longo das quatro décadas, com
significado estatístico na quarta década, pelo
conseqüente aumento do uso da colonoscopia,
estatisticamente significativo ao longo das duas últimas décadas.
7. A incidência de complicações graves
decorrentes do CR foi de 9,7% (37 pacientes), notando-se
uma diminuição ao correr das quatro
décadas, estatisticamente significativa na última década.
8. A incidência do grupo D de Dukes no
estadiamento dos pacientes foi de 13,2%, decrescente ao
longo das quatro décadas, estatisticamente
significativa na última década, tendo sido o fígado o
órgão-sede mais freqüente de metástases (12,6%)
SUMMARY: The author had the opportunity in a 31-year period of practice in Coloproctology, from 1965 through 1996, to
attend 24,200 patients, being 923 (3.8%) patients bearing cancer of the large bowel. Eight hundred and seventy (870 _ 3.6%) of them
were colorectal cancer (adenocarcinoma) and 53 (0.2%) were carcinoma of the anus. In 490 cases (56.3%) cancer were localized in
the colon and 380 (43.7%) in the rectum. Number of patients attended in each decade were: 5.200 (21.5%) patients in the first
decade (from 1965 through 1970) with 82 cases of rectal cancer (21.6%); 9.271 (38.1%) patients in the second decade (from 1971
through 1980) with 140 cases of rectal cancer (36.8%); 6.398 (26.4%) patients in the third decade (from 1981 through 1990) with 102
cases of rectal cancer CR (26.8%); and 3.392 (14.0%) patients in the fourth decade (1991 through 1996) with 56 cases or rectal
cancer (14.8%).
The mean age of the patients was 57,0 year with a decrease of ages throughout the four decades - 60,9 year (first decade,
D-60), 58,1 year (second decade, D-70), 55,0 year (third decade, D-80) and 53,7 year (fourth decade, D-90). The decrease of mean
age was statistically significant between the first and fourth decades. Difference of incidence between men (53,1%) and women
(46,9%) was not significant throughout the four decades.
The most frequent symptoms presented by the patients were: blood in the stools (83,4%), rectal symptoms (67,6%),
diarrhea (58,7%), alteration of shape of the feces (57,9%), abnormal sensations during the defecation (57,1%), mucus in the
stools (47,9%) e abdominal cramps (39,2%), but no statistically significant difference throughout the decades was noted.
The incidence of complications due to the tumor reached 9,7%, and a significant decrease or incidence was seen throughout the
four decades: 15,9% (first decade, D-60), 10,7% (second decade, D-70), 7,8% (third decade, D-80) e 1,8% (fourth decade, D-90).
All rectal tumors were diagnosed through proctologic examination, which was positive in 100% of the patients. As far as the
situation of the tumor in the rectum is concerned the tumors were situated in the upper third tumors (33,1%), midrectum (21,6%) and
lower third (45,3%).
Opaque enema was carried out in 88,4% (336) of the patients with a marked and persistent decrease of its use
throughout the third (89,2%) and mainly in the fourth decades (60,7%) and did not find the tumor in 5.1% of the patients. Colonoscopy was
not available during the first and second decades and its use increased consistently and statistically significant way during the
third (1,6%) and fourth (41,1%) decades and did not fail in any patient. Histopathologic examination of biopsies of the tumors
found malignancy in 97,5% of the cases in the first biopsy.
Key words: Rectal câncer, diagnose of rectal cancer, diagnose, demography of rectal câncer.
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Endereço para correspondência:
Geraldo Magela Gomes da Cruz
Rua Rio de Janeiro, 2017, ap. 1401 - Lourdes
30.160-042 - Belo Horizonte (MG)
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.