RELATO DE CASO


TUMOR CARCINÓIDE DUPLO DO DIVERTÍCULO DE MECKEL. RELATO DE CASO DE NECRÓPSIA E REVISÃO DA LITERATURA

SANSOM HENRIQUE BROMBERG
KARLA ADRIANO NASCIMENTO DANTAS
LUIS CELSO MATTOSINHO FRANÇA
ANTONIO CLÁUDIO DE GODOY - TSBCP
BROMBERG SH; DANTAS KAN ;FRANÇA LCM ; GODOY AC. Tumor Carcinóide Duplo do Divertículo de Meckel. Relato de Caso de Necrópsia e Revisão da Literatura . Rev bras Coloproct, 2004; 24(3): 266-269.

RESUMO: A presença de tumor carcinóide no divertículo de Meckel é rara, sendo quase sempre encontrado durante necrópsias ou em procedimentos cirúrgicos indicados por outras razões. Seu comportamento biológico assemelha-se ao dos carcinoides ileais. Tumores maiores de 10 mm associam-se com maior freqüência à presença de metástases, predominantes no sexo feminino. Raramente esses doentes apresentam -se com a síndrome carcinóide. Até 1993 somente seis doentes tinham apresentado múltiplos carcinóides meckelianos. Quando descobertos, o procedimento cirúrgico deve obedecer aos princípios oncológicos, extirpando-se o segmento ileal e o mesentério com boa margem cirúrgica. Os autores apresentam caso de duplo tumor carcinóide assestado em divertículo de Meckel diagnosticado durante necrópsia.

Unitermos: Divertículo de Meckel, tumor carcinóide, Neoplasias do divertículo de Meckel

Introdução
O Divertículo de Meckel (DM) é anomalia congênita que resulta da persistência parcial ou total do ducto onfalo-mesentérico, normalmente reabsorvido no terceiro mês de vida fetal. A grande maioria dos relatos sobre o mesmo refere-se a achados acidentais, quer em necrópsias quer durante cirurgias motivadas por outras afecções.
    Responsável por quadros inflamatórios, obstrutivos e hemorrágicos, o DM abriga também neoplasias primárias, benignas e malignas, extremamente raras e responsáveis por 1% de suas afecções. Das malignas, o carcinóide é responsável por um terço delas 1. Como o DM ocorre em 1 a 4% dos indivíduos, a possibilidade do tumor carcinóide nele se assestar é muito baixa 2. Seu comportamento biológico é próximo ao dos demais carcinoides do delgado 3.
    Trinta por cento dos tumores carcinóides do íleo são multicêntricos 4 ,mas tal fato é raro no DM, já que até 1988 somente três desses casos haviam sido comunicados 1. O presente relato refere-se a um caso de necrópsia, quando se detectou a presença de tumor carcinóide duplo assestado em DM. A raridade desta associação e a oportunidade de rever seus principais eventos justifica esta apresentação.

Relato do caso
Homem branco, de 46 anos, foi admitido na emergência do HSPE-FMO queixando-se de forte dor precordial, exacerbada pelo esforço físico e tosse há 24 horas. Concomitantemente apresentava taquicardia e vômitos aquosos, não relacionados à alimentação. Sabia sofrer do coração, tendo sido internado várias vezes com insuficiência cardíaca. Apresentava-se cianótico, dispneico, PA: 110 x 90 mmHg, FC: 140 bpm. Com diagnóstico presuntivo de infarto miocárdico foi internado na Cardiologia. Permaneceu com dor precordial, dispnéia e taquicardia, aos quais se somaram oligúria, icterícia e edema de membros inferiores. Apresentou rápida queda do estado geral, vindo a falecer no 6° dia de internação.
    A necrópsia foi realizada três horas após o óbito. O exame do abdome revelou a presença de formação diverticular, medindo 40 mm de comprimento por 20 mm de diâmetro, localizada na borda anti -mesentérica do íleo, a um metro da válvula íleo-cecal. À abertura, a mucosa exibia pregueamento levemente diminuído, de colorido róseo-acastanhado, com presença de dois nódulos sólidos e amarelados, medindo 4 mm e 12 mm de maior diâmetro, localizados na porção distal (Figura-1).

 

Figura 1 - Fotografia de segmento de intestino delgado aberto, com formação diverticular exibindo a presença de dois nódulos sobrelevados

    O exame microscópico confirmou duas formações nodulares, de 3 mm e 9 mm, distando cerca de 3 mm uma da outra. Estavam compostas por ninhos de células tumorais, com padrão de crescimento insular e trabecular, de aparência monótona e ocasionais formações acinares e de rosetas (Figura-2).

 
Figura 2 - Fotomicrografia de mucosa intestinal infiltrada por ninhos de células tumorais, de padrão insular ( HE , 100 x )

    As células eram grandes, uniformes, de núcleo redondo, com leve pleomorfismo, cromatina grosseira, citoplasma basofílico e bem definido (Figura-3).

 
Figura 3 - Tumor carcinóide apresentando células de padrão monótono, com leve atipia nuclear (HE, 400x)

    Não foram identificadas figuras de mitose. As lesões infiltravam em grande parte a mucosa, atingindo focalmente a camada muscular própria na lesão de maior tamanho. No restante da mucosa ileal notou-se edema e congestão moderada. O diagnóstico histopatológico foi de tumores carcinóides em divertículo de Meckel.

Discussão
Os tumores localizados no DM são raros. Ao serem estudados 8.305 carcinoides digestivos, foram encontrados apenas 24 (0,29%) assestados no DM 5. Soltero e Bill encontraram à cirurgia apenas uma neoplasia em 202 casos de DM sintomáticos 6. A despeito de sua raridade, os neoplasmas meckelianos primários cobrem ampla variedade de tipos histológicos, sendo mais freqüentes os carcinóides (32,5%), seguidos pelos leiomiosarcomas (18%), adenocarcinomas (12%) e leiomiomas (12%)1. Até 1993, o total de tumores carcinoides observados no DM era de apenas 111; a maioria desses relatos deveu-se a achados de necrópsia (40%) e ao encontro acidental durante cirurgias motivadas por outras afecções (35 %) 7,8.
    A incidência desses tumores no sexo masculino é pelo menos duas vezes maior que no feminino 2, 9,10 e a média de idade relatada está ao redor de 55 anos , variando de 14 meses a 80 anos 8,11 .
    Seu tamanho varia de 2 mm a 22 mm, com média de 8,6 mm 2.
    Geralmente apresentam-se de tamanho menor de 10 mm e sua distribuição no divertículo é predominantemente distal - 72%, cabendo à base 17 % e ao corpo 8% 2, 10, 12 .
    Embora os carcinóides do delgado sejam com freqüência múltiplos, tal fato no DM é extremamente raro, pois até 1993 haviam sido relatados somente seis casos um desses doentes apresentava quatro tumores carcinoides em seu divertículo 3,7.
    Os carcinoides do DM têm características clinico-patológicas comuns aos situados no íleo: maior agressividade, produção de serotonina, associação com isquemia intestinal e com outros tumores, especialmente com os situados no intestino grosso 4. No entanto, guardam também aspectos encontrados nos carcinoides apendiculares - no mais das vezes solitários, pequenos e assintomáticos 13. Todavia, devido a seu alto potencial metastático e por suas características histoquímicas, devem ser encarados como próximos aos ileais 2,3 .
    Metástases ocorrem em 22% dos carcinoides do DM, índice menor que os apresentados pelos carcinoides do jejuno (35,3%), íleo (35,4%) e colo (57,4%), mas maiores que os do apêndice cecal (2,9 %) e duodeno (16,3%) 1. Sua presença é diretamente proporcional ao tamanho da neoplasia; elas se fazem para qualquer órgão e pacientes sintomáticos tendem a apresentá-las em maior número e mais distantes. Contrastando com a maior incidência do DM no sexo masculino, são as mulheres que apresentam maior número de metástases - 50% contra 12,5% respectivamente 8.
    Raramente ultrapassam a serosa intestinal, estando a maioria deles aquém da túnica muscular 10.
    Os carcinoides do intestino médio, incluindo os originados no DM, comumente são argentafins e produtores de serotonina. Todos os quatro tumores relatados por Moyana et al eram imunoreativos para serotonina, o que reafirma seu grande potencial de metastatização para o figado e o conseqüente aparecimento da síndrome carcinóide 3.
    Excetuando-se os casos da síndrome carcinóide, o cortejo sintomático desses tumores é inespecífico, manifestando-se por síndromes obstrutivas, hemorrágicas e inflamatórias. Mais raramente pode ocorrer perfuração, inclusive associada com corpo estranho 14.
    A rigidez e fibrose colágena do mesentério, além de artérias e veias com paredes espessadas pela deposição de tecido elástico principalmente na adventícia. Estão associadas à presença do tumor carcinóide do intestino delgado e também do DM, sendo os principais responsáveis pelo fenômeno obstrutivo - devido à retração e torção -. e por alterações isquêmicas 11,15 .
    Por vezes esses tumores são diagnosticados após ocasionarem fenômenos inusitados; há relatos de metástases de carcinóides duplos meckelianos em sacos herniários 1 .
    Embora de difícil constatação clínica, o DM pode ser revelado pela arteriografia mesentérica, pelo estudo contrastado do delgado e por técnica radioisotópica utilizando Tecnécio 99m , quando da presença de mucosa gástrica heterotópica 7 .
    Quando uma neoformação for descoberta no DM durante a cirurgia, a literatura recomenda que sua extirpação obedeça aos critérios de malignidade, isto é, ampla margem de ressecção e retirada dos linfonodos mesentéricos. Devido à existência de carcinóides múltiplos (30%) e de outros tumores, principalmente nos cólons (22 a 47%), advogam-se cuidados redobrados no exame da cavidade abdominal 16.

SUMMARY: The carcinoid of Meckel's diverticulum ( MD ) is a rare lesion. Most of these tumors are casually found out in necropsy or in surgery for other pathology. Carcinoids of MD resemble ileal carcinoids in their biological behavior. Metastases occur with a considerable frequency in tumors larger than 10 mm, and their rate are twice higher in women than in men. Carcinoid syndrome from a primary tumor of MD is an extreme rarity. Until 1993 multiple carcinoids of a MD were reported in only six patients. The recommended treatment of this tumors should be similar to that of small intestinal carcinoid, namely wide excision of intestine with a wedge of mesentery. The autors present a case of MD with dual carcinoid tumor casually found during a necropsy .

Key words: Meckel's diverticulum, Carcinoid tumor, Neoplasm of Meckel's diverticulum

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência:
Sansom H. Bromberg
Av. Angélica 589 Conj 81
01227- 000 - São Paulo - (SP)
E-mail: nbrombe@attglobal.net 

Trabalho realizado no Programa de Pós Graduação em Gastroenterologia Cirúrgica e no Serviço de Anatomia Patológica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - Francisco Morato de Oliveira (HSPE-FMO)