VÍDEO-LAPAROSCOPIA COLO-RETAL
ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS
TÉCNICA E RESULTADOS DO TRATAMENTO DA PROCIDÊNCIA RETAL POR VÍDEO-LAPAROSCOPIA
Paulo Alberto falco pires Corrêa -TSBCP
Marcelo Averbach -TSBCP
Raul Cutait -TSBCP
Resumo: Um crescente número de publicações na literatura tem demonstrado que a correção cirúrgica por vídeo-laparoscopia de pacientes com procidência retal determina bons resultados funcionais, baixo índice de recidivas e morbi-mortalidade. No entanto, ainda existem limitações ao seu emprego devido à necessidade de equipamento específico e à longa curva de aprendizado deste procedimento quando se utiliza o acesso vídeo-laparoscópico. Neste artigo, os autores fazem uma breve revisão sobre a etiologia e investigação pré-operatória de adultos portadores de procidência retal, apresentam sua experiência pessoal com o tratamento laparoscópico e descrevem os principais aspectos técnicos envolvidos.
Unitermos: cirurgia laparoscópica colo-retal, colectomia, procidência retal
Introdução
A procidência do reto caracteriza-se pelo prolapso de todas as camadas do reto, aos
esforços, formando um "cone" externo (Figura-1A, B, C, D)
que, por vezes, pode atingir proporções avantajadas
(acima de 15 cm de extensão). Esta afecção pode
acometer desde indivíduos sedentários a trabalhadores
braçais, sendo mais freqüentemente observada no
sexo feminino e em populações de maior faixa etária.
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Figura 1 - A - Início do processo, B - Intussuscepção do reto, C e D - Procidência. |
Com a eversão da parede retal pode haver
um represamento dos vasos sanguíneos da mucosa
e submucosa, que podem se romper, apresentando sangramento (Figura-2).
Figura 2 - Represamento dos vasos da submucosa em um caso de procidência retal de difícil redução mecânica. |
Os principais sintomas clínicos desta manifestação orgânica, no entanto, são: a
obstipação (que atinge quase 50% destes pacientes) e,
paradoxalmente, a incontinência fecal (presente em
aproximadamente 75% das vezes)1-4.
Os mecanismos mais aceitos para se justificar a incontinência seriam: o "alargamento" do intróito
anal, com enfraquecimento do tônus muscular, devido
a presença constante da procidência; a
estimulação constante do reflexo inibitório reto-anal (também
pelo mesmo motivo) e por final a alteração na
sensibilidade ano-retal5-7.
Quanto à obstipação, além das causas
acima já citadas que podem contribuir para sua
exacerbação, a presença do reto prolabado constitui-se, sem
dúvida alguma, em importante obstáculo
mecânico4,8.
Quando a eversão da parede ocorre
internamente no reto, sem se exteriorizar, denomina-se
"intussuscepção interna"(Figura-1B), e que as vezes pode se
apresentar associada a "úlcera solitária do
reto"(Figura-3)9,10. Estas formas de apresentação têm como principal
manifestação clínica a dificuldade
evacuatória.
Figura 3 - Figura endoscópica de úlcera solitária do reto. |
Algumas outras alterações funcionais que
têm na dificuldade evacuatória sua principal queixa
e manifestação clínica, e são denominadas:
"obstrução pélvica de saída", também podem receber o
tratamento semelhante ao da procidência, com bons
resultados11,12.
Avaliação pré-operatória
Inicia-se com uma boa anamnese do paciente, com especial ênfase ao seu hábito intestinal, ao uso
de manobras mecânicas para facilitar a evacuação, e
a percepção de formação de um "cone" externo.
Segue-se com um bom exame proctológico, com atenção redobrada à inspecção dinâmica, onde
se pode detectar a lascidão esfincteriana, a
intussuscepção do reto ou sua exteriorização (procidência), além
da presença de úlcera solitária do reto à retoscopia.
Outras alterações anatômicas que não raramente a elas
se associam (como o descenso perineal, o prolapso
vaginal e ou uterino) também podem ser detectados
ou suspeitados durante este exame.
Como próximo passo deve-se fazer um estudo
morfológico do cólon através de enema baritado ou
colonoscopia, que também servem para diagnosticar outras
co-morbidades como a doença diverticular, a presença
de tumores ou pólipos, bem como a observação de
úlcera solitária do
reto13.
A avaliação propedêutica funcional através
da cinedefecografia, manometria ano-retal e
eletromiografia dos nervos pudendos, assim como o estudo
do trânsito cólico, embora tragam melhor
conhecimento e possam ajudar a avaliar o prognóstico do
tratamento cirúrgico destes pacientes, nem sempre são
importantes na escolha da técnica cirúrgica a ser empregada.
Assim sendo, alguns centros de referência
para o tratamento desta doença tem seguido um
algoritmo, baseados apenas no histórico clínico, bem como
no exame físico destes
pacientes14, para orientar a escolha da técnica cirúrgica a ser empregada, como
demonstrado no quadro abaixo (Quadro I):
Quadro I - Algoritmo para o tratamento cirúrgico dos pacientes portadores de procidência retal. |
Tratamento
Alguns cuidados locais e medidas
dietéticas, bem como o uso de laxativos, nos casos
menos exuberantes, podem contemporizar o desconforto
do paciente e podem, por vezes, ser as únicas
medidas possíveis em doentes que não têm condições
mínimas para serem submetidos a qualquer forma de
tratamento cirúrgico. No entanto, a melhor conduta para
esta afecção é ainda o tratamento cirúrgico.
Várias técnicas cirúrgicas (mais de 100)
foram propostas, por diversos autores, para o tratamento
desta afecção. Uma vez que sua manifestação se dá por
via perineal e dadas as limitações da anestesia no final
do século 19, esta foi a primeira via a ser utilizada
(Quadro II). Esta via ainda tem sido a preferencial em
pacientes mais idosos e com mais co-morbidades devido
aos menores riscos trans-operatórios.
Quadro II - Técnicas cirúrgicas que usam o
acesso perineal
· Cerclagem anal (Thiersch, 1891) |
· Excisão parcial da mucosa e submucosa do reto com plicatura da musculatura (Delorme, 1900) |
· Retossigmoidectomia (Miles, 1933 / Altemeier, 1952) |
Logo após a metade do século 20, a via
abdominal também começou a ser empregada (Quadro
III), sendo que todas as técnicas que usam esta via
podem ser realizadas pelo acesso vídeo-laparoscópico.
Quadro III - Técnicas cirúrgicas que usam o
acesso abdominal
· Retopexia anterior (Orr, 1947 / Loygue, 1964) |
· Retopexia anterior (Ripstein, 1952 / 1965) |
· Retossigmoidectomia (Muir, 1955) |
· Retopexia posterior (Wells, 1959) |
· Retopexia (Kümmell, 1919 / Cutait, 1959) |
· Retossigmoidectomia + retopexia (Frykman, 1964 / 1969) |
Não obstante, as contra-indicações à
utilização da laparoscopia seguem sendo: doenças
pulmonares obstrutivas crônicas (onde há retenção acentuada
de CO2), coronariopatias graves, coagulopatias,
doença hepática grave, presença de aderências
abdominais severas e gravidez13.
Via Laparoscópica
Aspectos técnicos
Qualquer que seja a técnica escolhida para
ser empregada na correção por via laparoscópica,
é importante se realizar uma boa mobilização lateral
e posterior do reto, do promontório (cranialmente)
até os elevadores do
ânus(caudalmente)15 (Figuras 4,
5, 6).
Figura 4 - Abertura do peritônio parietal dando início à dissecção do espaço retro-retal. |
Figuras 5 e 6 - Dissecção do espaço retro-retal do promontório até os músculos elevadores do ânus (anel ano-retal). |
A identificação do nervo sacral ou
hipogástrico e sua preservação também é de fundamental
importância para a manutenção da boa função vesical bem
como parte da função sexual (Figura-7).
Figura 7 - Identificação do nervo sacral e de seus ramos junto ao promontório. |
Embora a secção dos ligamentos laterais do
reto (vasos hemorroidários médios e inervação
parassacral) visando uma melhor mobilização associe-se a
menores índices de recidiva, esta manobra traz
resultados funcionais muito piores, além de seqüelas
importantes e irreversíveis na esfera sexual e urinária no
pós-operatório. Portanto, seu emprego tem sido
contra-indicado desde o início da década
passada15-17.
O uso de próteses sintéticas para a fixação
do reto a estruturas pélvicas não tem demonstrado
melhores resultados funcionais (ao contrário, há forte
evidência de piora dos quadros de obstipação) ou menor taxa
de recidiva, além da presença de alguns relatos na
literatura de complicações referentes ao uso de corpo
estranho na cavidade abdominal, como fístulas, infecções
e obstrução
intestinal2,7,18,19. A sua fixação às
estruturas ósseas, quando utilizada por via laparoscópica,
também representa habitualmente maior custo para
o procedimento, pela necessidade de utilizar
grampeadores mecânicos.
A técnica que traz o maior benefício ao
paciente é sem dúvida a retopexia suturada. Seus
resultados funcionais são bons e seu índice de recidiva é
baixo. Não há necessidade de extração de espécime
cirúrgico, portanto, ela pode ser realizada totalmente
por laparoscopia20,21.
Como já a utilizávamos na era da
cirurgia convencional, este foi um dos primeiros
procedimentos que realizamos na era da cirurgia laparoscópica
colo-retal, sendo nosso primeiro caso operado no final
do ano de 1992.
Contamos hoje com 13 casos operados, sendo 12 mulheres e apenas um homem, com idade
variando de 25 a 99 anos (tendo 10 pacientes mais de 80 anos
de idade), sendo a única morbidade uma
perfuração acidental do ceco, na instalação do
pneumoperitônio, suturada por laparoscopia, sem a necessidade
de conversão.
Tivemos também uma única recidiva,
no paciente masculino, que era jovem e trabalhador
braçal do campo que, no entanto, foi reoperado também
por laparoscopia, usando-se a mesma técnica e que já
tem mais de 2 anos de seguimento, sem sinais de
nova recidiva. Acreditamos que esta recorrência ocorreu
por conta de má técnica operatória, por se tratar de um
de nossos primeiros casos.
A sistematização que seguimos para
realizar este procedimento está delineada a seguir:
Posicionamento do paciente
Decúbito dorsal horizontal, com faixa na
altura das coxas (pode-se utilizar também ataduras de
crepe ou fixação com esparadrapo) e ombreiras, para que
o paciente não escorregue na mesa cirúrgica. Os
dois membros devem ficar ao longo do corpo, para
facilitar a mobilidade da equipe cirúrgica.
O cirurgião e o assistente (que faz o papel
de câmera) ficam à esquerda do paciente e a
instrumentadora à direita. O monitor é colocado defronte ao
pé direito do paciente. Após a colocação dos
trocartes, promove-se um grande céfalo-declive e uma
rotação lateral esquerda da mesa cirúrgica para que as
alças delgadas e outras estruturas móveis deixem a pelve.
Posicionamento dos trocartes (Figura-8)
O primeiro trocater (10 ou 5mm, dependendo do sistema óptico que é utilizado) é introduzido
na cicatriz umbelical, após instalação do
pneumoperitônio, que mantemos com pressão de 12 mm de Hg.
Mais dois trocáteres são passados em
posição para-retal externa, um à direita de 10 mm (onde
vamos utilizar a tesoura para a dissecção do reto e o
porta-agulhas para a sua fixação) e outro à esquerda de
5 mm, na mesma altura da cicatriz umbilical (para utilizar-se pinça de apreensão). O último trocater
será colocado para-retal externo, entre um dos já
instalados e o rebordo costal, geralmente à esquerda, para
se colocar uma pinça que vai tracionar o cólon
sigmóide redundante cranialmente durante a dissecção do
reto, e o reto no início da sua fixação à coluna sacral.
Figura 8 - Colocação dos trocartes na retopexia suturada por videolaparoscopia: dois trocartes de 10mm, na cicatriz umbilical e para-retal à direita, e dois trocartes de 5mm para-retais à esquerda. |
Fixação do reto
Usamos pontos separados com fio
inabsorvível multi-filamentado (de preferência Mersilene
ou Ethibond 2-0) com agulha cilíndrica
atraumática. Acreditamos que este tipo de fio cirúrgico ajude
a promover um processo cicatricial mais intenso, melhorando a fixação do reto à coluna sacral.
O primeiro ponto é colocado na borda
lateral da terceira vértebra sacral, para se "fugir" dos
vasos sacrais médios, cuja lesão pode determinar
sangramento copioso e por vezes incontrolável,
interessando a fáscia pré-sacral e, se possível, até parte do
tecido ósseo, e a parede ântero-lateral direita do
reto previamente dissecado. O último ponto é
colocado junto ao promontório.
Consegue-se colocar de três a cinco
pontos nesta extensão, dependendo do tipo físico do
paciente. Todos são sempre passados lateralmente ao
corpo vertebral, para se evitar a complicação relatada
acima e a parede antero-lateral do reto. A aposição do reto
à coluna sacral deve se dar sem grande tensão
(Figura-9).
Figura 9 -Retopexia suturada - aspecto final. A sutura se inicia na 3ª vértebra sacral e termina junto ao promontório. |
Fechamento do peritônio
Nós o fazemos de rotina com ponto
contínuo de fio absorvível (Polivycril 3-0), iniciando-se a
sutura junto à reflexão peritonial e terminando junto
ao promontório (Figura-10).
Figura 10 - Aspecto final da cirurgia após a sua peritonização. |
A retossigmoidectomia
vídeo-laparoscópica também tem sido empregada no tratamento
da procidência e a técnica de ressecção
(retossigmoidectomia) e pexia mais utilizada nos dias atuais
(por vídeo-laparoscopia) é a proposta por Frykman
e Goldberg22 (Figura-11).
Figura 11 A e B - Esquema da cirurgia de Frykman. |
Estas duas últimas técnicas, no
entanto, requerem uma incisão (abdominal ou vaginal) para
a extração do espécime cirúrgico e trazem a
possibilidade de uma complicação mais séria que é a deiscência
da anastomose e seus desdobramentos, principalmente
os sépticos7.
O posicionamento do paciente na mesa cirúrgica (posição de Lloyd-Davies ou uma de
suas variantes), em ambas, difere da simples pexia,
pela necessidade de se manter um acesso ao períneo, para
a utilização de grampeador, para se efetuar a
anastomose colo-retal. O cirurgião opera do lado direito do
paciente e caso opte pela associação da pexia pode se colocar
à esquerda do mesmo.
A colocação dos trocartes já foi descrita
em artigos anteriormente publicados nesta revista,
embora varie segundo a experiência e a preferência de
cada cirurgião.
Via Laparoscópica - Resultados
Como esta doença tem uma prevalência
pouco expressiva, mesmo as maiores séries que
comparam técnicas e resultados são numericamente
pequenas. Desta sorte, as conclusões devem ser muito
bem ponderadas23.
Trabalhos de revisão mais recentes imputam
à via abdominal melhores resultados em relação
à continência e à funcionalidade, e menores taxas
de recidiva, quando comparada à via
perineal14,23,24.
O uso de próteses, além das
complicações inerentes à utilização de corpo estranho em
cirurgia, também apresenta piores resultados
funcionais25.
Alguns trabalhos prospectivos comparando a via convencional e a laparoscópica sugerem
uma pequena vantagem da segunda sobre a
primeira26,27,28.
Por fim, trabalhos prospectivos comparando técnicas abdominais por acesso
vídeo-laparoscópico demonstraram baixos índices de morbidade (até
20%) e de conversão (< 15%) (Tabelas 1,
2)15.
Tabela 1 - Resultados funcionais após cirurgia laparoscópica para o prolapso
retal15.
Autor | Ano | nº |
Estudo (%) |
Continência (%) |
Constipação (%) |
Recorrência (%) |
Seguimento (%) |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Retopexia sem ressecção | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Kessler et al | 1999 | 32 | prospectivo | -- | -- | 2 | 48 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Bruch et al | 1999 | 32 | prospectivo | 64 (+) | 76 (+) | 0 | 30 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Kellokumpu et al | 2000 | 17 | prospectivo | 82 (+) | 70 (-) | 6 | 24 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Heah et al | 2000 | 25 | prospectivo | 20 (+) | 14 (+) | -- | 26 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Benoist et al | 2001 | 18 | prospectivo | 77 (+) | 11 (-) | -- | -- | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Retopexia com ressecção |
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Stevenson et al | 1998 | 34 | prospectivo | 70 (+) | 64 (+) | 0 | 18 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Xynos et al | 1999 | 10 | prospectivo | 100 (+) | -- | -- | 12 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Benoist et al | 2001 | 16 | retrospectivo | 100 (+) | 0 | -- | -- | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
(+) = porcentagem de melhora clínica
(-) = porcentagem de piora clínica
|
Nossa experiência pessoal mostra que a retopexia abdominal suturada através do acesso
vídeo-laparoscópico se associa a bons resultados,
com baixíssima morbidade, sem mortalidade e com
apenas uma recidiva.
Summary: There is a increasing number of publications in the literature showing that the laparoscopic surgical treatment of diseases such as rectal procidentia, rectal intususception, rectal solitary ulcer, and pelvic outlet obstruction like situations is associated with good functional results and low mobid/recurrence rates. Otherwise, there still exist limitations regarding the necessity of specific equipment and the long learning curve associated with the laparoscopic approach. The authors make a short review about the etiology and the preoperative work of adults with rectal procidentia, and present their personal experience with the laparoscopic treatment, describing the main technical aspects involved in this procedure.
Key words: laparoscopic colorectal surgery, colectomy, rectal procidentia.
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Endereço para correspondência:
Dr. Paulo A.F.P. Corrêa
Rua Barata Ribeiro, 414 - 6º andar - cj. 65/66
01308-000 - São Paulo - SP
Nota do Co-Editor
Apesar de seu caráter benigno, o prolapso total do
reto (procidência) é condição debilitante e progressiva que
determina numerosas limitações funcionais e alterações da qualidade de
vida. Ainda mais, muitos pacientes são idosos, apresentam
morbidades associadas e freqüentemete se associa a constipação e
incontinência anal. Assim, a escolha da melhor opção para resolver este
problema envolve a discussão de suas indicações, limites, detalhes
técnicos e implicações.
Mais de 100 opções cirúrgicas diferentes foram
propostas para a correção da procidência retal, seja através de
procedimentos realizados por via transabdominal ou perineal. As
principais finalidades do tratamento são erradicar o prolapso retal externo
do reto, melhorar a continência, a função intestinal, minimizar os
riscos operatórios em uma população tipicamente idosa e reduzir os
riscos de recidiva. Neste contexto, os procedimentos
comumente empregados para tratamento da procidência provavelmente
se constituem em uma das melhores aplicações das
técnicas laparoscópicas colo-retais
1.
Essencialmente, as operações laparoscópicas
mimetizam todas os procedimentos transabdominais convencionais, já
tendo sido realizadas a retopexia por sutura, retopexia por
grampeamento, retopexia posterior com implantação de próteses e a ressecção
do cólon redundante associada ou não à retopexia. A retopexia
por sutura é igualmente efetiva na prevenção de recidivas
quando comparada à retopexia associada à utilização de telas, mas não
tem a desvantagem do uso de material sinético que pode formar
intensa fibrose, agravar a constipação e eventualmente causar sépsis.
Além disso, a retopexia com uso de tela não confere maiores
vantagens em relação à técnica de simples retopexia
2.
Classicamente as ressecções do sigmóide têm sua
principal indicação em pacientes com prolapso total associado a tempo
de trânsito intestinal prolongado. Contudo, seu uso tem sido
limitado pelo temor de deiscência da anastomose. Entretanto, muitos
acreditam que sua realização é segura e contribui para reduzir o risco
de constipação grave após a operação
2. Para contornar a possibilidade de deiscência da anastomose, tem sido preconizada a preservação
da artéria retal superior para diminuir esses índices
3.
As características técnicas da retopexia
laparoscópica incluem mobilização completa do reto sem divisão do
mesentério lateral para evitar denervação parassimpática e problemas
pós-operatórios relacionados à defecação. Durante o procedimento
deve-se também enfatizar a preservação dos nervos pélvicos e do
plexo hipogástrico.
As evidências da literatura dão suporte à idéia de que
o acesso video-laparoscópico é efetivo e provê redução da
morbidade cirúrgica, boa evolução pós-operatória e baixos índices de
recidiva, além de controle da incontinência, da constipação e de
sintomas relacionados à evacuação difícil
4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 .
Entretanto, existem poucas séries com número
razoável de pacientes cujo foco tenha sido comparar os resultados com
a laparotomia. Esses estudos demonstraram que a
laparoscopia confere benefícios relacionados à dor, tempo de hospitalização
e retorno das funções intestinais
8, 12, 13 . Em um interessante estudo randomizado, Solomon et al.
13 compararam os resultados do tratamento de 40 pacientes portadores de procidência na
Austrália. Observou-se recuperação precoce muito mais evidente no
grupo laparoscópico (75% vs 37%), com diferenças significativas
quanto à necessidade de analgesia, índices de dor e mobilidade.
Notaram também diferenças objetivas com resposta metabólica
favorável relacionada às catecolaminas urinárias, interleucina 6, cortisol
sérico e proteína C reativa nesses pacientes. Além disso, houve
maior morbidade respiratória no grupo aberto (P < 0.05).
A utilização de técnicas laparoscópicas também
tem obtido importante impacto nos custos, em que trabalhos
recentes indicam que os bons resultados pós-operatórios também
se associam a menor custo operatório
14 . Outro aspecto relevante diz respeito à utilização da laparoscopia em indivíduos
idosos, predominando a idéia de que a evolução da retopexia nesta
faixa etária é similar à de indivíduos mais jovens, o que exclui
a imposição de que a idade avançada deva ser, por si só, uma
contra-indicação a este método
15 .
Neste artigo, os autores conseguem fazer um
sumário completo sobre aspectos etiológicos, clínicos e
terapêuticos relacionados à procidência retal, apresentando rica ilustração
sobre o tratamento laparoscópico desta doença. E, embora a
melhor operação para a procidência retal ainda permaneça um
tema controverso, os dados aqui apresentados por Corrêa e
colaboradores vêm ao encontro de observações recentes da literatura,
destacando o papel da vídeo-laparoscopia com uma opção segura
e extremamente atraente no manuseio da procidência retal.
Fábio Guilherme Campos - TSBCP
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