OPINIÕES E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Júlio César Monteiro Santos Júnior
- TSBCP
SANTOS JÚNIOR JCM. Constipação
Intestinal. Rev bras Coloproct, 2005;25(1):79-93.
RESUMO: A constipação intestinal crônica e a síndrome do cólon irritável são duas doenças comuns e das mais freqüentes vistas nos consultórios médicos, principalmente atingindo a população feminina. A primeira, na grande maioria das vezes, pode ser considerada como conseqüente ao aprendizado quando fatores sócio-culturais exercem forte direcionamento, mas que também se associa a uma grande variedade de distúrbios intestinais intrínsecos, bem como aos fatores externos iatrogênicos. A síndrome do cólon irritável é doença do tubo digestivo de caráter funcional, como o é a constipação, mas com bases fisiopatológicas muito diferentes e pouco conhecidas em que os elementos destacados são a motilidade alterada, a sensação visceral anormal, a evacuação incompleta, dores e distensão abdominal, todos entrelaçados por fatores psicossociais de tal complexidade que inclui até os que resultam de experiências decorrentes das agressões sexuais46. Essas duas doenças se sobrepõem em alguns aspectos, mormente quando o sintoma predominante na síndrome do cólon irritável é a constipação, situação em que as duas moléstias se confundem e embaraçam o médico. Diante dessas circunstâncias, as investigações tornam-se múltiplas, invasivas e sofisticadas, em geral, proibitivas pela onerosidade e pelo impacto socioeconômico causado. As recomendações da Associação Americana de Gastrenterologia2 que visam solucionar esses problemas estão relacionadas : (1) a abordagens diagnósticas mais racionais e, se possível, menos invasivas; (2) a esquemas terapêuticos mais racionais e mais eficazes objetivando melhorar a qualidade de vida, mas que tenham também a seguinte repercussão (3) benefícios envolvendo fatores sociais e econômicos de impacto sobre o sistema de saúde pública.
Unitermos: Constipação intestinal, síndrome do cólon irritável, ceco móvel.
"No organ in the body is so misunderstood, so slandered and maltreated as the colon"
Sir Arthur Hurst, 19351
1 Citado por Stefan A. Muller-Lissner et
al.11
Introdução
O médico trabalhando na clínica privada,
fora do ambiente universitário, tem o ensejo do
contato com um maior conjunto de pacientes cujas
doenças não são limitadas às que fazem parte da
especialidade praticada. Assim, o coloproctologista, o
cirurgião geral e o cirurgião dedicado às doenças da parte
alta do trato digestório vêem-se, quando
consultados, diante de uma multiplicidade de moléstias que
muitas vezes escapam às extensões de sua área de
atuação. Por outro lado, no interior ainda é comum,
mesmo entre médicos jovens, encontrar aqueles que se
aventuram nos campos da pediatria,
ginecologia-obstetrícia, coloproctologia e outras, sem os
necessários conhecimentos para boa desenvoltura em
nenhuma delas.
Alguns, principalmente os especialistas, se vêem obrigados a aprofundar seus conhecimentos
e alargar os horizontes de suas práticas, então
limitadas às competências clínicas e cirúrgicas das
suas especialidades, para outros campos de atuação
médica, com o objetivo de satisfazer os anseios dos
pacientes que os procuram e os seus próprios, não só
os estritamente presos aos detalhes científicos,
como também aos pecuniários.
Os estímulos e as respostas provocadas
são relevantes e positivas em alguns aspectos, mas
podem, distorcidas em outros, resultar em prejuízo para o paciente.
As distorções mais freqüentes estão
relacionadas não só à interpretação clínica dos
sintomas levando ao diagnóstico, eventualmente,
equivocado, como também - conseqüência óbvia - à
terapêutica igualmente ambígua ou exclusivamente ao
erro terapêutico, quando o método de tratamento
escolhido não é o que melhor se aplica à doença
corretamente diagnosticada. Além disso, essas distorções
que poderiam ter sido evitadas vêm acompanhadas de
um pacote de exames em que os simples e os
sofisticados, na maioria das vezes, formam um conjunto de
impacto social indesejável, seja onerando o paciente ou
o sistema de saúde público e o privado.
O conjunto interseção que pode estar
no âmbito de atuação do coloproctologista,
do gastrenterologista (clínico ou cirurgião), do
cirurgião geral, do clínico geral, do pediatra e que, por vezes,
é invadido pelo ginecologista-obstetra, e também
por aqueles que "fazem de tudo", vai ser representado,
para os propósitos desse ensaio, pela constipação
intestinal crônica (as causas mais comuns de
constipação intestinal crônica _ primária e secundária -
estão agrupadas na Tabela-1), e, nesse grupo,
daremos destaque para a constipação intestinal
simples (CIS) ou funcional ou primária (constipação com
trânsito normal), para que possamos ficar com os
fatores etiológicos limitados aos problemas culturais,
dietéticos e à sistemática regulação do exercício da
função defecatória, determinado pela educação e
costume (constipação como expressão de um aprendizado);
e para a constipação associada à
síndrome do cólon
irritável - síndrome do cólon irritável
com constipação - (SCIC).
Tabela 1 - Causas secundárias e primárias de constipação intestinal.
Causas secundárias | Tratamento |
Doenças |
|
Medicações | Endócrinas | Neurológicas | |
Anticonvulsivante | Diabetes | a. Sistêmicas | |
Antidepressivo | Hipotiroidismo | Neuropatia Int. grosso (congênita; adqurida) | |
Anticolinérgico | Hiperparatiroidismo | Neuropatia diabética | |
Antidiarreico | Feocromocitoma | Parkinson | |
Antihistamínico (H1) | Síndrome Shy-Drager | ||
ANES | b.Traumática | ||
Boqueador do cálcio | Lesão da medula espinal | ||
Bloqueador ganglionar | c. Trânsito lento (inérica cólica) | ||
Corticosteróide | d. Disfunção do mecanismo da defecação | ||
Diuréticos | |||
Dopaminérgico | |||
Inativador do ácido biliar | |||
Laxativo | |||
Lítio | |||
Miorrelaxante | |||
Psicotrópico | |||
Propanolol | |||
Suplemento dietético (Fe e Ca) | |||
Causas primárias* | Hábito alimentar | Aspectos culturais | Controle sistemático da defecação |
* Ver classificação na Tabela-2. |
Isso, simplesmente para fugir de todas as
outras causas de constipação, sejam elas congênitas, como
na doença de Hirschsprung ou adquiridas, como na
doença de Chagas; malignas, como no câncer do
intestino grosso, ou benignas como são as
fármaco-dependentes; endócrinas ou neurológicas, bem com as que
são classificadas como devidas ao trânsito intestinal
lento (inércia cólica) e a devidas aos distúrbios defecatórios.
As duas doenças destacadas - a
constipação intestinal
simples (CIS) e a síndrome do cólon
irritável com constipação (SCIC) - por si representam,
sem dúvida, um dos maiores motivos de ida ao médico; a
CIS, em todas as faixas etárias, representa mais de 65%
dos casos de constipação, e a SCIC, entre os adultos,
com nítido predomínio ou quase que exclusiva entre
as mulheres, completa e acrescenta números
àquele percentual Esses duas formas de constipação (CIS e
SCIC) estão merecendo destaque porque são, não
raramente, tratadas com base em concepções controvertidas, às
vezes mal conceituadas ou até incorretas.
Elas foram agrupadas porque têm sintomas
e sinais coincidentes ou
`superponíveis'1 que desafiam a
argúcia e a capacidade de interpretação dos
médicos, por mais comuns que possam parecer, mormente
pelos que abraçam a causa sem os subsídios que lhe
facultaria uma outra especialidade que não a sua de militância,
ou pelo desconhecimento e desprezo de um fator
etiológico comum para as duas doenças, que podem ser
abordadas de forma racional, seguindo as orientações da
Associação Americana de Gastrenterologia
2.
I - Constipação intestinal crônica -
conceito, classificação, causas e abordagem clínica
Excluindo as causas
endócrino-metabólicas, neurológicas e medicamentosas, a
constipação intestinal crônica pode ser classificada nas em:
1. trânsito intestinal normal (constipação
intestinal simples _ CIS - ou funcional que representa
cerca de 60% das constipações),
2. trânsito intestinal lento (inércia cólica _ 16%)
com a sensação de conteúdo retal não perceptível
(limiar de sensibilidade alto). Entre estas, estão
incluídas as anormalidades fisiológicas associadas
às disfunções autonômicas pelo reduzido número
das células cromafins e das células intersticiais
de Cajal3-6 e,
3. distúrbios defecatórios (representando 25%
das constipações) em que estão agrupadas
as discinesias da defecação (de caráter
neuropático) representadas pela constipação do ato da
defecação (outlet constipation) que pode ser representada
pelo anismo, pela disfunção do assoalho pélvico
ou distúrbios sinérgicos do assoalho
pélvico (incapacidade de coordenar a atividade
dos músculos abdominais, da pelve e
anorretais7,8 ), distúrbios associados a doenças do
anoderma, secundárias ou não à função do esfíncter
anal interno e às anomalias anatômicas e
morfológicas do assoalho muscular da pelve
(períneo descendente, retocele, prolapso do reto
e invaginação sigmóide-retal).
Os dados utilizados para definir e classificar as constipações, bem como para estabelecer
suas prevalências, podem ser resumidos, como segue,
na Tabela -2.
Tabela 2 - Conceito, classificação e prevalência da constipação intestinal.
CONSTIPAÇÃO INTESTINAL |
|
Conceito |
Classificação |
Freqüência das evacuações | 1. Trânsito normal (funcional) (60) |
Consistência das fezes | 2. Trânsito lento (inércia cólica) (16) |
Volume e calibre das fezes | 3. Distúrbios defecatórios (25) |
Grau de dificuldade para evacuar | 4. Inércia e distúrbio defecatórios (2) |
Insatisfação com a evacuação |
A constipação intestinal constitui-se
num problema populacional não só pela freqüência com
que ela se apresenta, como pela persistente dificuldade
de se definir o que seja _ a definição não é simples,
como podemos ver nos estudos publicados sobre a constipação da criança e do adulto, e a prevalência
é variável _ depois há a dificuldade de se estabelecer
os fatores etiógenos, bem como os patogênicos
intrínsecos e, em seguida definir os padrões
fisiopatológicos6,9, sem o que o desenvolvimento da terapêutica fica
limitado ou dependente da simples e inadvertida
administração de laxantes, como já foi salientado em outra
parte10.
Assim, vamos simplificar o texto com um conceito bem limitado do que seja a
constipação intestinal simples, não nos preocupando com o
ritmo, mas com a dificuldade de cada evacuação.
Dessa forma, ficamos livres das complexidades e
dos embaraços que podem significar intestino preso,
como termo largamente usado pelos pacientes, em geral,
para definir um determinado incomodo, relacionado
à evacuação difícil, que vem ligado a outros
sintomas por eles interpretados como decorrência exclusiva
do mau funcionamento intestinal, a saber:
evacuação insatisfatória, esforço excessivo para
evacuar, evacuação incompleta, fezes endurecidas e em
cibalos, período prolongado entre uma e outra evacuação,
uso auxiliar de manobras digitais na passagem das fezes
e a sensação de ânus estreito, associados ou não
à distensão abdominal com flatulência e todos, em
geral, recebendo o mesmo tipo de tratamento.
As causas são multifatoriais, como
podemos ver na tabela 1.
Embora a CIS seja a forma mais simples, persiste o quadro de múltiplos fatores influindo
na função intestinal. Além de simples, ela é a forma
mais comum, ocorrendo em 60% dos pacientes adultos constipados
6 e variando de 20 a 36 % nas
crianças, valores que podem estar refletindo a
"heterogeneidade dos critérios usados para caracterizar a
constipação", nessa população
9.
A constipação intestinal simples
(funcional) tem sido envolvida por crenças que não podem,
do ponto de vista médico, ser
sustentadas11. Apesar de crônica e desconfortável, não é causa de mal maior
e, talvez por essa razão, faz com que alguns
pacientes recebam pouca atenção do médico.
Não é incomum que os constipados
desse grupo vejam seu estado de saúde prejudicado mais
por causa da distensão abdominal e suas conseqüências
que são caracterizadas regionalmente pela sensação
de plenitude abdominal, dor contínua ou em
pontadas, cólicas, desconforto psicológico, complacência
retal aumentada e sensação diminuída de conteúdo
retal12,13 e, não raramente com sintomas em outros
segmentos do tronco, como no tórax em que a expressão é a
dor do tipo constritiva (síndrome do ângulo esplênico),
do que pelo fato de sentir que seu intestino é apenas
preso. É comum, nesses pacientes, a distensão
inicialmente assimétrica do abdômen localizada no lado direito,
e depois difusa, aliviada quando a evacuação ocorre,
seja provocada pelo laxante ou purgante _ que é de
uso crônico _ seja por causa de uma diarréia
extemporânea que, rotineiramente, inclina o médico a agrupá-los
entre as pessoas portadoras de síndrome do cólon
irritável, embora esses tipos de sintomas possam ser
decorrentes de outra alteração que é relativamente comum,
que contribui para o agravamento da constipação
intestinal e é motivo para diagnósticos
equivocados14.
Os gastos com a constipação são
significativos, não só porque os pacientes já se tornaram clientes
de vários médicos como por causa dos diversos tipos
de laxantes usados que, como crêem alguns, se não
fazem mal perpetuam a constipação.
Estima-se que nos Estados Unidos os gastos com as constipações intestinais, só para o custo
dos laxativos, orça em milhões de dólares anuais. São
2,5 milhões de visitas, por ano, aos consultórios
médicos, 90.000 internações hospitalares, gerando
uma multiplicidade de exames que são solicitados
para investigar alterações morfológicas do intestino
grosso, distúrbios de hormônios sexuais e
tireoidianos, alterações fisiológicas do compartimento pélvico,
a ação de seus músculos, direta ou
indiretamente relacionados com a mecânica terminal da ejeção
das fezes, além do tempo gasto com os questionários
a respeito de outros fatores etiológicos
incertos.11,15,16
Essas questões foram levantadas por
Müller-Lissner e col.11 e muitas delas são de fato
pertinentes, razão porque alguns itens devem ser enumerados.
O primeiro item são os hormônios. É
hábito entre nós que os pacientes com CIS sejam
investigados para deficiências hormonais, corriqueiramente
os tireoidianos e os gonadais, sem que os pacientes
tenham quaisquer outros sintomas ou sinais da disfunção
dessas glândulas. O hipotiroidismo é ocorrência rara
na população dos pacientes constipados de tal forma
que não se justificam exames laboratoriais de rotina
que testem a função da tireóide em pacientes com
sintomas exclusivos de constipação, muito menos os que
avaliam as funções ovarianas por imaginar a
ocorrência semelhante do período da gravidez em que o
trânsito pelos tubos do sistema digestório é sabidamente
lento às custas dos altos níveis de progesterona.
Considerando a complexidade do sistema nervoso sensitivo e motor que integram e controlam
as atividades do aparelho digestório e de
seu funcionamento, dependentes da estabilidade do elemento central e da formação de um todo
coerente com os receptores periféricos, bem como da
influência hormonal e humoral de diversas substâncias
localizadas no cérebro e na periferia - mormente no
tubo gastrintestinal - é possível entender que
disfunções motoras e sensoriais podem coexistir e
serem modificadas por interferências de fatores
emocionais, e da maior ou menor produção e eficiência
daqueles hormônios e humores. Portanto, os
hormônios gastrintestinais podem estar implicados com
o problema da constipação, por vários motivos, mas
esses motivos e aqueles hormônios precisam
ser identificados, a correlação bem
estabelecida, principalmente levando em consideração que
o "intestino é o único órgão que pode apresentar
reflexos e atividades neuronais integradas, mesmo
quando isolado do sistema nerovoso central. Esta
atividade pode ser disparada por estímulos luminais que
são detectados pelos nervos por intermediação
epitelial"17. Além disso, há necessidade do completo
entendimento sobre a 5-hidroxitriptamina em sua ação nos vários
e diferentes subtipos de receptores que há no
intestino.17
Já foi demonstrada correlação positiva
entre sintomas decorrentes de alterações funcionais
dos intestinos e hormônios gastrintestinais, tais
como motilina, gastrina e polipeptídio pancreático.
Há deterioração na secreção de motilina em
pacientes constipadas crônicas; a liberação de
polipeptídio pancreático está diminuída em constipada que
tem trânsito cólico lento, assim como a
gastrina18. Os níveis basais de somatostatina (inibidor da liberação
do hormônio de crescimento tem efeito inibitório sobre
a peristaltismo intestinal) estão mais elevados
nas pacientes constipadas, com menor correlação
entre estímulo (ingestão de alimentos) e o nível
desse hormônio obtido, quando comparado com
pacientes normais. Paralelamente o enteroglucagon e o
glucagon pancreático estão diminuídos, após
estímulos alimentares19. Ficam para ser esclarecidas quais
dessas alterações são primárias, quais são
secundárias.11
O segundo são os laxantes. O laxante tem
sido prescrito não só como constituinte das fórmulas
para emagrecimento, mas também para
promover desintoxicação, a limpeza orgânica (cólonterapia)
com a finalidade de proteção da pessoa contra os
efeitos nocivos dos ingredientes fecais - produtos naturais
da digestão e da decomposição _ bem como para
"tratar" a constipação. A recomendação não discrimina a
idade e é feita sem critérios e de forma
abusiva.10, razão por que, em vista de uma ação paradoxal, essas
drogas pioram a constipação.
Usando como argumento o fato de que as substâncias químicas que determinam a função
dos laxantes não atravessam a barreira
hemato-encefálica, não havendo, portanto, base para o fenômeno de
adição; a dependência aos seus efeitos e o agravamento
da constipação foi criticada por Müller-Lissner e
col.11 apesar da observação comum da necessidade,
pelo menos entre os que fazem uso crônico de laxativos,
de doses crescentes do mesmo produto para manter
os efeitos inicialmente alcançados, quando não
da obrigatoriedade de se recorrer periodicamente a laxantes diferentes para resultados desejáveis
numa nítida demonstração da tolerância
que progressivamente se estabelece e que não tem nada
a ver com problema de adição e, portanto, de
dependência como quiseram assinalar aqueles
autores11.
Assim, é improvável que o uso sistemático
de laxantes, seja o abusivo ou o criterioso, possa
ser apontado como causa da constipação, mas é possível
e provável que, por efeito paradoxal, tanto de uma
forma como de outra, perpetuem e agravem aquela condição.
As histórias clínicas contadas pelos
pacientes constipados são, nesse aspecto,
invariavelmente semelhantes, se não iguais, e todos já
experimentaram vários dos muitos tipos de laxantes ou
purgantes existentes no mercado.
Por outro lado, reconhece-se a possibilidade de que alterações de receptores nervosos
mioentéricos e inervação da musculatura
circular20-22 possam ser provocadas pelo uso crônico de laxantes
principalmente os compostos de fenolftaleina (suspensa por causa
da suspeita de que pode estimular o aparecimento
do câncer23,24 , além de outros efeitos como
hipocalemia, hiperaldosteronismo, enteropatia perdedora
de proteína, osteomalácia, reações alérgicas e
"lupus-like", síndrome de Stevens-Johnson e lesões
hepáticas), e os antracênicos.
O terceiro são as fibras. Por esse lado, salientou-se que nem todos os doentes se
beneficiam com as fibras quaisquer que sejam elas,
havendo, inclusive, os que observam piora da
constipação intestinal, sobretudo quando se trata de fibras
que favorecem ou aumentam a formação dos
gases intestinais. Todavia, o desacordo ficou expresso
quando se questionou o efeito constipante temporário
ou permanente da dieta pobre em fibras - as que
realmente não produzem resíduos fecais - principalmente
quando acompanhada de grande quantidade de caseína
(queijos frescos) ou de pectina (frutos pouco amadurecidos).
A dieta pobre em fibra não pode ser tomada como
causa, mas como fator contribuinte da constipação, a
despeito do que já foi salientado sobre esse assunto,
sobretudo envolvendo outras doenças intestinais25-28.
Constipação e deficiências de fibras na dieta são dois termos
ligados e observados, também, na população infantil em
que crianças que ingerem quantidade de fibras abaixo
do mínimo recomendado têm maior probabilidade
(4 vezes mais) de sofrer de constipação intestinal
crônica do que as que recebem dieta com fibras em
quantidade acima do recomendado.29 A resposta terapêutica,
nos casos de constipação em que o acréscimo de fibra
na dieta foi o único recurso tentado, fala a favor.
Quarto item são os exercícios físicos e
a ingestão de água. Esta, fora da condição clínica
de desidratação, nada tem a ver com a
constipação. Aqueles são elementos que não causam a
constipação nem promovem o funcionamento intestinal
regular, exceto os representados pelas atividades que
visam melhorar a prensa abdominal, mormente os que incluem o treinamento de coordenação motora de
todo o assoalho muscular da pelve e a atividade do
complexo esfincteriano do ânus.
Há outros fatores conjunturais, uns relacionados ao aprendizado, hábitos e costumes
e outros aos aspectos anatômicos e
congênitos14 que podem concorrer para com o aparecimento
da constipação que não se enquadram na simplicidade
da classificação mostrada na tabela 2.
Por outro lado, a assunção de que a
inércia cólica por definição deveria envolver alteração
de receptores cólicos e distúrbios neurológicos
intrínsecos que subsidiariam os sinais e sintomas da
constipação intestinal refratária ao uso de fibras vegetais, não é
de fácil demonstração já que os estudos revelam
dados incompatíveis com aquele raciocínio
inicial, principalmente porque o trânsito lento,
demonstrado pela eliminação de marcadores radiopacos
e relacionados a sintomas bem definidos de
constipação nem sempre são refratários ao tratamento clínico
que tem como base o enriquecimento da dieta com
fibras vegetais e nem são subsidiados por miopatias
ou neuropatias entéricas.
Todavia, dentro da chamada inércia
cólica podemos encontrar graus diferentes de alterações
e, conseqüentemente, de respostas fisiológicas, que
às vezes permitem a confusão entre constipação
intestinal funcional, inércia cólica e síndrome do cólon
irritável com constipação. A constipação, em si, tem
sido atribuída às três seguintes situações: trânsito
lento, síndrome do cólon irritável e disfunção do
assoalho pélvico, em que as duas primeiras são passíveis
de serem correlacionadas aos achados fisiológicos, o
que não ocorre com a
última1,30. Quando se estudaram,
por meio do trânsito cólico e da fisiologia
anorretal, pacientes constipados refratários ao tratamento
com fibras, estabelecendo-se, posteriormente,
correlações entre os sintomas e os achados fisiopatológicos,
pode-se observar que 58% das pessoas estudadas
tinham hipersensibilidade visceral tipicamente vistas
na síndrome do cólon irritável; o trânsito lento foi
anotado em 47%, as anomalias do assoalho pélvico em 59%
e nenhuma alteração em 24%. Houve coincidência
de trânsito lento e hipersensibilidade visceral em 50%
dos pacientes e nesses subgrupos foram notados
aspectos fisiológicos da disfunção do assoalho pélvico, mas
não houve nenhuma correlação fisiológica de distúrbio
do assoalho pélvico com trânsito lento, assim como
não houve correlação entre trânsito lento
e hipersensibilidade visceral e esta não se
correlacionou com complacência retal. Assim, o trânsito lento e
a hipersensibilidade visceral típica da síndrome do
cólon irritável, são igualmente comuns e se superpõem
nos pacientes constipados, o que permitiu, em se
tratando de constipação, identificar 4 subgrupos: síndrome
do cólon irritável, trânsito lento, ambos e nenhum
deles.1,30. Quando os pacientes constipados foram estudados
de acordo com as respostas terapêuticas à
administração de fibras, em ensaios em que foi possível
estabelecer uma correlação entre os achados de estudos
fisiológicos e o que se observou depois da terapêutica, pode-se
notar que quando houve trânsito lento e/ou distúrbios
da defecação, o resultado terapêutico foi pobre - isto
é 80% dos pacientes com trânsito lento não
acusaram beneficio algum; o mesmo ocorreu com 63%
dos pacientes com distúrbios da defecação, mas houve
um total de resposta positiva equivalente a 57% (20%
dos pacientes com trânsito lento e 37% dos pacientes
com distúrbios da defecação). Além disso, entre os
pacientes com constipação, mas com trânsito normal e
sem distúrbio da defecação, 85% ficaram livres
dos sintomas com a alimentação rica em
fibras.30
Na maioria das vezes a constipação,
incidente em mulheres, grande parte delas jovens, solteiras e
sem qualquer motivo para alterações anatômicas
ou fisiológicas do assoalho pélvico, reponde bem
ao tratamento clínico que visa a mudança do estilo de
vida, a introdução de dieta rica em fibras e a reeducação
da função intestinal. Essas pessoas desconhecem o
que vem a ser o "desejo de evacuar", mas aprendem
a recuperar a função intestinal normal, evidenciando
que tanto uma situação com a outra, pode ser aprendida
e esse tipo de constipação tem trânsito
lento.31
Abordagem clínica do paciente com CIS
Seguindo o que está tradicionalmente
estabelecido2, todos os pacientes com
constipação intestinal devem ser submetidos a uma avaliação
clínica criteriosa que obedece a um conjunto de regras
e procedimentos bem definidos, quaisquer que sejam eles, cuja lógica deve seguir e vencer etapas comuns
e finitas, para solucionar o problema de forma
simples, segura e que não exija gastos excessivos. O
algoritmo assim definido inclui:
a. Avaliação do paciente.
1º história clínica
i. deve ser dirigida para determinar a natureza e
a freqüência das fezes,
ii. se o problema é crônico ou recente
iii. se há outras doenças associadas e
medicações em uso
iv. explore para saber a respeito de automedicação
2º exame físico
i. estado nutricional
ii. exame do abdômen
iii. exame proctológico
3º exames laboratoriais que
serão estritos aos dados da história clínica e aos achados do
exame físico.
b. Natureza da constipação e freqüência
das fezes _ problema recente ou crônico
1º Recente (com sintomas relevantes associados)
Avalie
i. perda de peso, anorexia, náusea, vômitos,
sangramento retal
ii. calibre das fezes, freqüência das
evacuações, presença de muco
iii. excluir lesão maligna do intestino
grosso (coloscopia) - nessa seqüência, a
identificação de uma causa
redireciona o algoritmo para o tratamento da causa.
Não se identificando doença alguma, segue:
2º Crônico com
constipação moderada
i. modificar dieta e estilo de vida
a. atividade física
b. iniciar ou aumentar a ingestão de fibras associada
a óleo mineral
c. considerar a necessidade de laxantes suaves
ii. exercícios sistemáticos, após o
desjejum, para evacuar
3º Crônico com constipação grave
i. Siga os itens do 2o e observe que tanto para
a constipação moderada como grave,
havendo resposta ao tratamento a seqüência pode
ser interrompida. Se não houver resposta ao tratamento, que
obrigatoriamente deve incluir os exercícios
sistemáticos para defecar, passamos para o item
c seguinte.
c. Constipação refratária ao
tratamento*
*Não será discutida pois foge do
escopo desse manuscrito
1º trânsito cólico _ excluir
trânsito lento ou inércia cólica
2º estudo do assoalho pélvico (distúrbios funcionais)
d. Constipação associada à dor e
distensão abdominal de causa não identificada
1º considerada para ser inserida no quadro de diagnóstico de SCIC
_ resposta inadequada ao tratamento com dor e distensão
abdominal persistente considere:
i. síndrome do ceco móvel
a. estudo radiológico da posição
do ceco
A CIS bem estabelecida, de evolução
crônica em pacientes habituados a uso de laxativos, em
geral ingeridos em doses crescentes ou de variável
qualidade, define, na maioria das vezes, uma pessoa jovem,
às vezes iniciando a 5ª. década da vida, do sexo
feminino, que tem história pregressa de vários anos de
tratamento sustentado, com auxílio ou não do médico,
sem nenhuma investigação pertinente e com a
orientação para o uso crônico de laxativos. Essas pacientes
por apresentar outros sintomas abdominais relacionados
à dor e distensão com freqüente flutuação da
constipação _ ora mais grave, ora interrompida para uma
evacuação explosiva ou diarréica, nem sempre
diferenciada daquela provocada pelo laxante, mas com
imediato alívio do desconforto abdominal, podem
ser selecionadas para receber a observação de que
são portadoras da síndrome do cólon irritável
com constipação (SCIC).
A CIS, podendo incluir pacientes com
trânsito intestinal lento2, é de aquisição natural e está
associada ao aprendizado dependente de costumes que
decorrem de fortes aspectos culturais e de hábitos alimentares
e a maioria delas não justifica as implicâncias com
o risco de câncer muito menos com elevado custo
de vários testes2 fisiológicos e exames laboratoriais
que nos EUA atinge o valor estimado de 6,9 bilhões
de dólares anuais32, mesmo nas situações em que se
pode detectar mudança no trânsito intestinal
cólico2,31.
A criança do sexo feminino, em nosso
meio, aprende a regular as funções fisiológicas para
dejeção somente em situações sempre especiais, jamais
usam, por orientação, o vaso sanitário de lugares
públicos (escola, cinema, restaurante, hotéis, etc) e mesmo o
de outro lar que não o seu. Além disso, a menina
aprende a ver o ato de urinar e evacuar ou eliminar gases
como práticas rejeitadas que não se enquadram no
contexto cultural da boa educação. O quadro é mais notável
com a progressiva expansão das atividades femininas
fora do lar, na medida em que a mulher passa a assumir
um papel social duplo, dividindo como o homem o
trabalho e o sustento da casa. Essa nova tarefa não lhe
facultou o direito de abandonar a educação dos filhos e nem
a gerência das atividades domésticas, mas a
tornou assoberbada de obrigações. Dentro desse quadro,
as necessidades fisiológicas que requerem "um
ambiente especial" vão sendo postergadas em favor
dos extraordinários. O desejo de evacuar que é a
sensação de conteúdo retal e dependente do trânsito que se
torna lento 31 desaparece progressivamente, na medida
da maior contrariedade, da maior complacência retal e
da elevação conseqüente do limiar de sensibilidade
dos receptores da ampola do reto e musculatura circunjacente.
Esse adiamento de meio período torna-se depois por um, dois e até 3 dias, fim dos quais
a evacuação passa a ser pouca, de fezes fragmentadas
e ressecadas; não é prazerosa, é feita com dificuldade
e dor ou só ocorre com estímulos de drogas. Esses
são fatores comportamentais concorrentes que se
associam às refeições ligeiras pobres em resíduos, ao
estilo sedentário de vida e à reiterada postura de
controle intestinal que, se não podem de forma absoluta
ser tomados como causa da constipação, são, no
entanto, fatores agravantes. O laxante ou purgante usados
como item da automedicação perpetuam, de
maneira paradoxal, a constipação. As atividades físicas na
forma de exercícios diários, a despeito de opiniões
contrárias33, associadas ao aumento da ingestão de fibras,
à ingestão de óleo mineral e ao ato da defecação
obrigatoriamente posto em prática de forma sistemática,
são elementos coadjuvantes na reconquista da
função intestinal normal.
O tratamento tem, portanto, como elemento fundamental a recuperação de uma função que
pode não ter substrato anatomopatológico de
lesões mioentéricas ou de degeneração de receptores
nervosos, e que está implicada com a reeducação e com
o condicionamento operante34-36 , situação em que
o paciente busca estabelecer vínculos entre
estimulo, resposta e reforço, e sobretudo entender sobre
a necessidade de voltar a sentir "vontade de
evacuar" decorrente da percepção do conteúdo retal.
Síndrome do cólon irritável
Trata-se de doença gastrintestinal
relativamente comum, com variado grau de sintomas digestivos principalmente relacionados à função
cólica que se expressam por dor e desconforto
abdominal, por constipação, por diarréia, por constipação e
diarréia, por sensação de evacuação incompleta e
eliminação fecal de muco.37
Os elementos clínicos essenciais para
o diagnóstico de síndrome do cólon irritável estão
na Tabela-3.
Tabela 3 - Elementos essenciais para diagnóstico da síndrome do cólon irritável
38
SÍNDROME DO CÓLON IRRITÁVEL |
Duração de pelo menos 12 semanas, não necessariamente consecutivas, desconforto ou dor abdominal nos últimos 12 meses acompanhados de 2 dos 3 seguintes fatores: |
1.Alívio com a defecação e/ou |
2.Ataque associado à mudança na freqüência das evacuações e/ou |
3.Ataque associado com mudança na forma ou aparência das fezes. |
Associações de sinais e sintomas que concorrem para com o diagnóstico de SCI |
· Freqüência anormal da evacuação (> 3 por dia ou < 3 por semana) |
· Forma anormal das fezes (duras/cibalos ou soltas/aquosas) |
· Evacuação anormal |
· Eliminação de muco |
· Inchaço ou sensação de distensão abdominal |
Adaptado de Thompson WG et al. 38 |
Mal compreendida e de origem multifatorial tem relevante impacto social e econômico já
que significa um custo de US$ 619,00 por
pacientente/ano o que equivale a cerca de US$1,35 bilhões por ano.
O consumo de recursos diretos de todos cuidados
com saúde para pacientes com SCI variou de 742 a
3.166 dólares.39 O custo da produtividade variou de 335
a 748 dólares com cifra total de gastos estimado ao
redor de 205 milhões de dólares/ano. Esses valores
são significativamente mais altos entre os pacientes
com SCI do que na população geral. Os pacientes com
SCI gastam muito mais do que qualquer outro tipo
de moléstia relacionada ao trato gastrintestinal e mais
do que o gasto total em saúde das pessoas que não
tem SCI40-42.
Esses aspectos, a alta prevalência da
moléstia, os danos que causa à saúde do paciente e
a impossibilidade de cura43,44 são elementos
potenciais de grande pressão econômica sobre o sistema de
saúde pública.39.
Os medicamentos atualmente disponíveis
para o tratamento da SCI são mais sintomáticos do
que modificadores da doença, mais inclinados a
favorecer a medicina mercantilizada do que propiciar
conforto para os pacientes. Alem disso, os estudos
farmacêuticos para a elaboração de drogas específicas para
aplicação na síndrome do cólon irritável não são subsidiados
por conhecimentos dos princípios etiogênicos
e fisiopatológicos dessa doença, não obstante nos
deixam a expectativa de que, num futuro próximo,
os pesquisadores possam, desvendando os mecanismos que alteram as funções dos cólons, nos brindar com
a oportunidade de alterarmos farmacologicamente a historia natural dessa desafiadora doença, mas para
isso ainda há, no dizer de
Talley45, muito que ser feito.
Ante toda a complexidade da SCIC ou da síndrome do cólon irritável com constipação
e/ou diarréia e enquanto vivenciamos o
nebuloso conhecimento a respeito, temos tido a curiosidade
de estudar radiologicamente a posição anatômica
do cólon direito _ ângulo hepático, cólon ascendente
e ceco _ com técnica já
descrita14, em todas as pacientes que se dizem ou não portadoras da
síndrome do cólon
irritável, e que na história clínica dão ênfase
para sintomas de constipação
flutuante (período longo de constipação intercalados por
diarréia repentina em geral precedida por
distensão abdominal e
cólicas), por constipação
crônica associada ao desconforto
abdominal da distensão gasosa, em geral, aliviado
pela evacuação costumeiramente provocada por
laxativos, que tenham a sensação de
evacuação incompleta e que tenham ou não
dor abdominal durante o ato sexual.
Por meio desse exame ou de enema opaco, inclusive em homens com queixas semelhantes,
pode-se avaliar a excessiva mobilidade do cólon direito,
ás vezes notável na semiologia abdominal ou
na coloscopia pela dificuldade de acesso ao
cólon ascendente e ao ceco. O conjunto de Figuras de 1 a
4 são exemplos desses exames com contraste baritado.
Figura 1A - Enema opaco (decúbito) mulher (ML),36 anos com SCIC |
Figura 1B - Enema opaco (ortostático) mulher (ML ), 36 anos com SCIC |
Figura 2A - Trânsito cólico (Trendelemberg 15º) mulher (CM) 23 anos com SCIC. | Figura 2B - Trânsito cólico (ortostático) mulher (CM) 23 anos com SCIC. |
Figura 3A - Trânsito cólico (ortostático) mulher (CRI) 28 anos, SCIC. | Figura 3B - Trânsito(Trendelemberg 15º ) mulher (CRI) 28 anos, SCIC. |
Figura 4A - Enema opaco. Homem (AOC) 44 anos. | Figura 4B - Enema opaco. Homem (AOC) 44 anos. |
Figura 5 - Ato operatório exposição do ceco e ascendente da paciente FAL (figuras radiológicas de número 1A e 1B) |
Diante dessas circunstâncias, o
tratamento indicado foi cirúrgico quando então se procedeu
com a cecopexia ou cólonpexia (Figura-5) sem a perda
de tempo com novo tratamento clínico quando drogas
que, além de não promoverem o alívio esperado, têm
preço proibitivo. Nessas situações os resultados
atingidos foram plenamente satisfatórios desde que todos
os pacientes tratados ficaram livres dos sintomas
incluindo a constipação
intestinal.14
As Figuras 1A e 1B são cópias de
exame contrastado do intestino grosso (enema opaco) de
uma senhora de 38 anos de idade que era constipada _
ficava até 6 dias sem evacuar, desde os 20 anos. Usava
laxativo de forma irregular. Há 8 anos queixa-se de
distensão abdominal, cólicas e, às vezes, diarréia de
ocorrência repentina. Vinha sendo tratada por causa de
síndrome do cólon irritável. Tomava fibra ( Plantago ovata) e
já havia tomado reguladores da motilidade
intestinal (brometo de pinavério ou cloridrato de
mebeverina). O quadro clínico persistente, porém variável,
tinha períodos de acalmia. Nos últimos 3 anos, vinha
tendo cólicas mais freqüentes e duradouras. Foi vista
por vários médicos _ clínicos, ginecologistas,
gastrenterologistas e, por último, por um cirurgião geral
que solicitou o enema opaco cujo laudo tem apenas referência descritiva da posição do ceco. O
último médico reforçou o diagnóstico de síndrome do
cólon irritável e recomendou à paciente que procurasse
um psicoterapeuta. Essa paciente foi operada no dia 4
de março de 2005 (a Figura-5 é a exposição do ceco
e cólon ascendente por uma incisão transversal
supra púbica - incisão de Pfannestiel ). A paciente
continua usando fibras, faz exercícios regulares para
educação intestinal, evacua a cada um ou dois dias, não
usa laxantes, não teve mais cólicas, nem
distensão abdominal e nem as diarréias repentinas.
As figuras 2A e 2B são de uma paciente
de 23 anos, solteira, sexualmente ativa, que, além
de constipação intestinal, distensão, cólicas
abdominais e sensação de evacuação incompleta, referia dor
no hipogástrio, do lado direito durante o
coito, independente da posição. Era vista por
médico ginecologista que, depois de investigações nas
quais não encontrou anormalidades, passou a considerar
a dor como sendo psicogênica, mas por causa
da constipação e distensão abdominal encaminhou-a
a um gastrenterologista. O último médico,
considerando os sintomas intestinais e a queixa referente
ao intercurso sexual, sugeriu o diagnóstico de
síndrome do cólon irritável com constipação e orientou
dieta rica em fibras a que acrescentou
(policarbofila cálcica) _ 4 comprimidos diários e
(tegaserod _ 6 mg ) 2 comprimidos diários. A paciente fez
levantamento do custo mensal do tratamento (R$ 326,00) e
resolveu ouvir a opinião de outro médico. O exame final
desse último contato foi trânsito cólico para estudo
da posição anatômica do cólon direito. O resultado
do exame radiológico reforçou o diagnóstico clínico
de ceco móvel. A paciente foi operada e o
procedimento foi cecopexia. A evolução foi boa,
houve desaparecimento dos sintomas e ela está
sem medicação.
As Figuras 3A e 3B são de CRI, paciente
de 28 anos de idade, constipada crônica com
desconforto abdominal, tal como descrito nos casos
precedentes. Na imagem radiológica vêm-se ceco-ascendente
e cólon transverso mergulhados na pelve. Essa
paciente foi operada e está bem. Finalmente, as duas
últimas imagens (enema opaco) são de AOC, sexo
masculino, 44 anos que sofre de constipação intestinal e crises
de distensão e dores em cólicas agudas,
necessitando, nessas ocasiões, de cuidados médicos hospitalares.
Em várias internações a proposição de abordagem
foi cirúrgica quase sempre motivada pela distensão e
a forte dor no lado direito do abdômen bem como
pela justificativa de explorar e fazer o diagnóstico.
O paciente recusou por reconhecer tratar-se de uma
crise que passa, como sempre passou.
Na última internação, intrigado com a
dor abdominal do paciente, notável inclusive à
palpação, o médico assistente solicitou exame
ultra-sonográfico, tomografia computadorizada abdominal e, ante
o insucesso investigativo dos anteriores, a
coloscopia. Por causa da observação do endoscopista, em
seguida foi solicitado o enema opaco. O laudo do exame
foi normal; sem menção à posição do ceco-ascendente.
O paciente melhorou durante o período em que ficou
em observação no hospital e recebeu alta sem os
sintomas que motivaram a internação.
Procurou-me um mês depois, sem crise, mas com os sintomas de constipação, distensão
abdominal e dores leves, predominantes no lado direito
do abdômen. Recusou a proposta cirúrgica de
terapêutica com os mesmos argumentos já mencionados,
porém entendeu o motivo da constipação, da distensão,
do desconforto e das dores.
Esses dados devem ser obrigatoriamente somados aos que perfilam no quadro diferencial
de diagnóstico de constipação intestinal crônica e
de síndrome do cólon irritável com constipação ou
com constipação e diarréia, como uma nova entidade
que pode substituir e explicar, se não todos, pelo menos
a grande maioria dos casos em que entram aquelas
duas doenças, mormente quando se ajuntam todos
os desconfortos abdominais imputados aos gases, interpretados como tão presos como as fezes, e os
outros sintomas relacionados com as desordens da
motilidade intestinal.14
Em suma, a constipação _ nociva ou não
_ constitui-se num problema comum cuja prevalência
é tão variável, de estudo para estudo, que não é
possível saber o número real _ vai de 2 a 28%, tem
impacto socioeconômico relevante e sobre ela ainda
pairam mitos e conceitos errôneos relativos aos efeitos,
às causas, aos que são os fatores de riscos e em
relação ao tratamento, a despeito do grande esforço que
tem sido feito, para definir normas de pesquisas
clinicas embasadas numa definição de consenso do que seja
a constipação intestinal. 6,47,48
Sobreposta a ela surge, em determinadas circunstancias, a síndrome do cólon irritável
(com constipação) que pode, eventualmente,
estar associada à elevação da 5-hidroxitriptamina
da mucosa intestinal, como tem sido detectado
nesses pacientes, sugerindo, assim, um papel para
a serotonina no aparecimento dos sintomas
típicos daquela síndrome, na dependência de qual
receptor e que fração do hormônio está em
ação. 49 A complexidade do sistema nervoso que controla
as funções digestivas, sua integração central
e periférica e a reconhecida independência do
intestino como um órgão com poder de apresentar reflexos
e atividades neuronais integradas, mesmo quando isolado do sistema nervoso central, tornam
difíceis as interpretações a respeito dessa doença,
principalmente quando a síndrome do ceco móvel,
decorrente de anomalia anatômica congênita, tem os
mesmos sinais e sintomas.14
SUMMARY: Chronic intestinal constipation and irritable bowel syndrome are two common illnesses and of the most frequent sights in the medical doctor's offices, mainly reaching the feminine population. Both are functional intestinal disorders; the first one, in the great majority of the times, can be considered as consequent to the learning where partner-cultural factors exert fort aiming but that can also be associated to a great variety of intrinsic intestinal riots as well as iatrogenic external factors. The second one, the irritable bowel syndrome is a gastrointestinal functional disorder, as it is the constipation, but with different physiopathological bases very and little known where the detached elements are the modified motility and abnormal visceral sensation, both interlaced for psycho-social factors of such complexity that they can include the experiences that result from the sexual aggressions44. However IBS continues to be a challenging disease to manage. Both diseases have overlapped symptoms mainly when patients with irritable bowel syndrome report a predominant complains of constipation making difficult to differentiate between these two disorders situation when the two illnesses confuse and embarrass the doctor. Recommendations by American Gastroenterological Association1 based on medical position statement to solve those problems are "(1) more rational and, where possible, less invasive diagnostic approaches, and (2) more rational and efficacious therapies that will improve the quality of life, both of which should have (3) beneficial fiscal and logistic impacts on the health care system."
Key words: chronic intestinal constipation, irritable bowel syndrome, mobile cecum.
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