ARTIGOS ORIGINAIS
TROMBOSE HEMORROIDÁRIA - RESULTADOS DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE URGÊNCIA REALIZADO EM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
1 Sarhan Sydney Saad, 1 Marcelo Avelar, 1 Su bong Kim, 1 Mara Rita Salum, 1Delcio Matos
1Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP
RESUMO: A doença hemorroidária se constitui na doença mais freqüente na Coloproctologia e portanto sua mais freqüente complicação que é representada pela trombose, se apresenta como a principal urgência proctológica. Na literatura médica houve autores que propunham para esta doença, tratamento clínico, constituído por repouso, tratamento local e medicamentoso. Na literatura médica, ao lado de autores que defendem o tratamento clínico inicial pelo temor das complicações, há aqueles que indicam o tratamento cirúrgico de urgência. O objetivo deste trabalho foi o de avaliar os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de urgência na trombose hemorroidária, atendidos pelo setor de urgência de um Hospital Universitário.Desta forma se estudaram, restrospectivamente, os prontuários de 80 doentes com média de idade de 39 anos e na maioria do sexo masculino (54 - 67,5%). Anestesia raquidiana foi a preferencial (66 doentes - 82,5%) e o tempo médio de cirurgia foi de 57,4 minutos. A técnica utilizada foi a de Milligan-Morgan, associando-se esfincterotomia interna em 8 doentes (10%). O índice de morbidade foi de 8,7% devidos a sangramento e retenção urinária. A internação durou em média 2 dias e o acompanhamento ambulatorial obtido de 35 (43,8 %) doentes apresentou tempo médio de 4,8 meses, variando de 1 a 24 meses. Destes 7 (20 %) não apresentaram complicação, enquanto os 28 (80%) restantes apresentaram complicações tipo plicoma, prolapso e fissura anal. Os autores concluem que a cirurgia de urgência para a trombose hemorroidária é tratamento seguro com índices de morbidade e mortalidade adequados.
Descritores: Cirurgia colorretal , Hemorróidas
Introdução
A doença hemorroidária se constitui
na patologia de maior incidência na clínica
colo-proctológica . Nos Estados Unidos cerca de 1 milhão
de pessoas a cada ano procura atendimento médico
em virtude desta patologia1. Sua mais freqüente
complicação é representada pela trombose de um ou
mais mamilos hemorroidários, constituindo-se portanto
na mais freqüente causa de urgência proctológica.
Na literatura médica houve autores que propunham
para esta doença, tratamento clínico, constituído
por repouso, tratamento local e medicamentoso.
Durante muito tempo a cirurgia foi evitada pelo temor
das complicações representadas pela infecção,
abscesso, escara, septicemia e até mesmo a embolia séptica
da veia porta2. Os defensores desta opção de
tratamento referiam ainda que o edema e aumento de volume
dos mamilos, além de tornarem os pedículos friáveis
à ligadura, poderiam levar à ressecção exagerada
de tecido, predispondo desta forma à estenose anal.
Nos últimos anos observa-se uma mudança de
pensamento entre os autores, havendo consenso em se optar
cada vez mais pelo tratamento cirúrgico de urgência
para esta doença 3,4,5,6 .
Em função desta conduta frente a
esta patologia, o presente estudo pretende avaliar
os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico
de urgência de doentes portadores de trombose
hemorroidária, atendidos pelo setor de urgência de
um Hospital Universitário.
MÉTODO
Foi realizada a análise retrospectiva
dos prontuários de doentes atendidos pelo
Pronto-Socorro de Cirurgia da UNIFESP - Escola Paulista de
Medicina, de janeiro de 1995 a dezembro de 1998. A
casuística se constituiu de 80 doentes com média de idade de
39 anos . A maioria dos doentes era do sexo
masculino (54 - 67,5% ) e 26 (32,5%) do sexo feminino. A
média de idade do grupo masculino foi de 42 anos e
do feminino 32 anos.
O tempo médio de queixa clínica de dor
anal foi de 3,8 dias, variando de 1 (15 doentes ) a 15 dias
(2 doentes). A maioria dos doentes, ou seja, 62
(77,5%), relatavam sintomas anteriores relacionados à
doença hemorroidária , enquanto que para 18 doentes (
22,5%) a trombose foi a primeira manifestação da doença
. Co-morbidades estavam presentes em 26 (32,5%) doentes e foram representadas pela
obstipação intestinal , hipertensão arterial e cirrose hepática.
É importante se ressaltar que três doentes (3,7%)
referiam cirurgia prévia para hemorróidas.
TÉCNICA OPERATÓRIA
Anestesia raquidiana foi a mais freqüente
neste grupo (66 doentes - 82,5%), sendo a anestesia
peridural realizada em 11 doentes (13,8%), a anestesia local
em 2 (2,5%) e anestesia geral em 1 doente (1,3%).
O tempo médio de cirurgia foi de 57,4
minutos, variando de 20 a 165 minutos. Este último tempo
foi representado por cirurgia na qual ocorreu
sangramento importante, havendo grande dificuldade
para hemostasia. A técnica utilizada foi a de
Milligan-Morgan7. Foram retirados em média 2
mamilos hemorroidários, sendo que em 34 doentes (42,5%)
se retiraram 3 mamilos e em 24 doentes (30%) somente
1 mamilo. Em 8 doentes (10%) se associou esfincterotomia interna, após constatação de
hipertonia esfincteriana.
A análise do pós-operatório
intra-hospitalar revelou índice de morbidade de 8,7 % (7
doentes), sendo representados por sangramento sem
repercussão clínica (5 doentes - 6,3%) e retenção urinária
(2 doentes - 2,5%) . As complicações
pós-operatórias intra-hospitalares estão representadas na Tabela-1.
Não houve mortalidade nesta casuística .
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O tempo médio de hospitalização foi de 2
dias, realizando-se quando necessária, estimulação
para evacuação ainda em ambiente hospitalar. Os
doentes eram orientados para realização de banhos de
assento com água morna, uso de pomadas analgésicas
e utilização de laxantes de volume.
Dos 80 doentes que compunham esta casuística, consegui-se obter o registro de
acompanhamento ambulatorial de 35 (43,8 %) doentes. O tempo
médio de acompanhamento foi de 4,8 meses, variando de 1
a 24 meses.
Dos doentes com acompanhamento ambulatorial, 7 (20 %) não apresentaram quaisquer
queixa ou complicação. Os 28 (80%) doentes
restantes apresentaram complicações representadas na
Tabela-2.
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DISCUSSÃO
Por se constituir em uma das mais
freqüentes urgências proctológicas, o colo-proctologista
comumente se depara com a trombose
hemorroidária. Chamada erroneamente de estrangulamento
hemorroidário, hoje se sabe que não ocorre compressão
dos mamilos pelo anel muscular peri-retal. No entanto,
sua fisiopatologia ainda não está de todo
esclarecida, havendo autores que acreditam que este processo
se deva a congestão sanguínea intensa dos
plexos hemorroidários, ocorrendo assim a formação
de trombos que distendem abruptamente os mamilos e
a pele ao seu redor, fazendo com que os mesmos se
exteriorizem8 . Outros autores têm como
explicação para esta doença a ocorrência de processo
inflamatório das veias hemorroidárias, sendo a formação de
trombos conseqüência desta
trombo-flebite6,9.
O temor de manipular cirurgicamente mamilos hemorroidários trombosados, o que, pelo menos
em teoria, poderia determinar várias complicações,
como a temida embolia séptica da veia porta ou mesmo
a estenose em decorrência da ressecção exagerada
dos tecido em virtude do edema, fez com que durante
vários anos se adotasse o tratamento clínico
conservador10 . Esta conduta tem sido abandonada a favor
do tratamento cirúrgico de urgência. O doente
submetido ao tratamento conservador não apresenta
resolução imediata dos sintomas, podendo permanecer com
os mesmos por até 2 semanas. Isto implica em
afastamento das atividades habituais, ficando impossibilitado
de trabalhar. Durante o período em que aguarda
a resolução definita da doença, pode apresentar
novo surto agudo e necessitar de novo tratamento. A
cirurgia permite alívio imediato dos sintomas, além de
realizar o tratamento definitivo da doença, evitando
sua recorrência5. O tratamento clínico pode predispor
à ocorrência de gangrena dos mamilos e ao risco
de fasceíte necrotizante.
A cirurgia, durante o surto agudo de trombose, é bastante segura. A comparação dos resultados
da cirurgia de urgência com a cirurgia eletiva
para hemorróidas demonstrou que as complicações
pós-operatórias são
semelhantes3 . Ao contrário do que
se imagina, a cirurgia no surto de trombose é
técnicamente mais fácil, pois o edema e os trombos permitem
melhor identificação dos planos
cirúrgicos6,11 . A dor no
pós-operatório costuma ser menor que a experimentada
pelo doente durante o tratamento clínico. Isto se explica
pelo fato deste sintoma ser decorrente da distensão
dos tecidos causada pelos vasos trombosados e
edemaciados e portanto a supressão do mamilo doente
alivia de imediato este
sintoma12.
Na casuística deste estudo a maioria dos doentes era do sexo masculino, coincidindo com
os dados encontrados por outros autores. O tempo
médio de sintomatologia de 3,8 dias é concorde com
a literatura. A ocorrência de doentes sem
sintomatologia anterior relacionada a hemorróidas (18 doentes -
22.5%) vem reforçar a tese de que o
espasmo esfincteriano é secundário ao processo de trombose
dos mamilos 2,4,5.
A média de tempo operatório foi
influenciada pelo caso que apresentou grande sangramento
intra-operatório e também pelo fato dos doentes terem
sido operados por médicos residentes sob orientação
de médicos assistentes. Em 8 doentes foi
associada esfincterotomia . Este procedimento quando
associado à hemorroidectomia não determina aumento do
risco de incontinência13.
Com relação às complicações
pós-operatórias intra-hospitalares, pode-se verificar que o índice
de sangramento de 6,3% foi mais elevado que o
relatado na literatura 3,4. No entanto coincide com os
dados apresentados em uma revisão de quase 2.000
cirurgias para
hemorróidas1. A retenção urinária ocorre
mais freqüentemente após cirurgia de hemorróidas
em comparação a outros procedimentos ano-retais e
parece estar relacionada a estimulação adrenérgica, devido
à dor e distensão anal, causando inibição do
músculo destrusor14. A taxa de retenção urinária nos casos
deste estudo foi de 2,5% , ou seja, menor que o referido
na literatura1,4. O tempo médio de hospitalização de
2 dias é concorde com o apresentado por outros
autores 5,12 .
Por se tratar de estudo retrospectivo o
número de doentes que puderam ter o registro
de acompanhamento ambulatorial foi baixo (43,4 % ).
No entanto, nestes doentes o tempo médio de acompanhamento ambulatorial (4,9 meses)
foi satisfatório. As principais complicações
encontradas nestes doentes foram a presença de plicomas, prolapso,
sangramento às evacuações e fissura anal. Nenhum
dos doentes avaliados desenvolveu estenose anal, a qual
é referida na literatura em índices que variam de 1,3
a 7,7%3,4. A ocorrência elevada de plicomas
residuais, assim como prolapso e sangramento às
evacuações, pode ser explicada pelo fato de que em mais da
metade dos doentes não se retiraram 3 mamilos, o
que determinou a permanência de mamilos residuais.
Desta maneira pode-se observar pelos resultados obtidos, que esta abordagem
terapêutica obteve resultados satisfatórios, mesmo em um
serviço onde há cirurgiões em formação. No entanto
é importante que se ressalte, que é fundamental
a presença de médico assistente que supervisiona o
ato operatório, impedindo que se resseque tecido
em demasia, deixando pontes cutâneo-mucosas exíguas
ou então fazendo uma cirurgia incompleta, o que
poderá acarretar em plicomas e mamilos residuais.
Fica evidente pelos dados apresentados que este estudo, por se basear em um
levantamento retrospectivo, tem muitas críticas, assim como seu
nível de evidência científica fica aquém do ideal. No
entanto, não há até o momento na literatura, ensaios
clínicos randomizados para comparar os dois tipos de
tratamento, sendo portanto esta a melhor
evidência científica disponível no momento, dando
segurança para a realização de estudo de melhor qualidade.
CONCLUSÃO
A conclusão dos autores é de que a
abordagem cirúrgica de urgência para a trombose
hemorroidária se constitui em tratamento seguro para esta
patologia com índices de morbidade e mortalidade adequados .
SUMMARY: Hemorrhoid is the most frequent illness in the proctologic clinics. Its more frequent complication is represented by thrombosis. Still today the consensus about the best treatment of this condition does not exist in medical literature. The objective of the present study is to evaluate the results taken with the surgical treatment in the acute thrombosed hemorrhoid. Eighty consecutive patients operated in urgency had their records revised. The average age was of 39 years, being in its majority men (67,5%). The average time of clinical complaint of anal pain was of 3,8 days. The majority of the patients (77,5%), related previous symptoms due to hemorrhoid , while in 18 patients (22,5%) thrombosis was the first manifestation of the illness. Three patients (3,7 %) related previous surgery for hemorrhoids. The majority of the patients was operated with spinal anesthesia (82,5%). The average time of surgery was 57,4 minutes. The complication rate was of 32,5% (26 patients) and included: local pain (16 - 20%), bleeding without clinical repercussion (5 - 6.3%),urinary retention (2 - 2.5%) and others (3 - 3.7%). There is no mortality in this study. The average time of hospitalization was of 2 days. Of the 80, 35 (43,8 %) patients had been attended in outpatient department. Of these, 28 (80%) had complications represented for skin wart (60,7%), bleeding at evacuations (25%), prolapse (25 %), fissure (25%) and anal fistula (3,6%). Mean follow-up is 4,8 months. The authors conclude that the surgical treatment for acute thrombosed hemorrhoid is a safe procedure with adequate morbidity and mortality. However it must be recognized that this study is a retrospective survey and its level of scientific evidence is not the ideal, being necessary randomized clinical trials, to evaluate this question .
Key words: Colorectal surgery, Hemorrhoids
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Endereço para correspondência:
SARHAN SYDNEY SAAD
Rua Napoleão de Barros, 610 - Vila Clementino
04024-002- São Paulo (SP)
Recebido em 08/10/2004
Aceito para publicação em 11/11/2004
Trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.