ARTIGOS ORIGINAIS


TROMBOSE HEMORROIDÁRIA - RESULTADOS DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE URGÊNCIA REALIZADO EM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

1 Sarhan Sydney Saad, 1 Marcelo Avelar, 1 Su bong Kim, 1 Mara Rita Salum, 1Delcio Matos

1Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP


SAAD SS, AVELAR M, KIM SB, SALUM MR, MATOS D. Trombose Hemorroidária - Resultados do Tratamento Cirúrgico de Urgência Realizado em Hospital Universitário. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 212-216.

RESUMO: A doença hemorroidária se constitui na doença mais freqüente na Coloproctologia e portanto sua mais freqüente complicação que é representada pela trombose, se apresenta como a principal urgência proctológica. Na literatura médica houve autores que propunham para esta doença, tratamento clínico, constituído por repouso, tratamento local e medicamentoso. Na literatura médica, ao lado de autores que defendem o tratamento clínico inicial pelo temor das complicações, há aqueles que indicam o tratamento cirúrgico de urgência. O objetivo deste trabalho foi o de avaliar os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de urgência na trombose hemorroidária, atendidos pelo setor de urgência de um Hospital Universitário.Desta forma se estudaram, restrospectivamente, os prontuários de 80 doentes com média de idade de 39 anos e na maioria do sexo masculino (54 - 67,5%). Anestesia raquidiana foi a preferencial (66 doentes - 82,5%) e o tempo médio de cirurgia foi de 57,4 minutos. A técnica utilizada foi a de Milligan-Morgan, associando-se esfincterotomia interna em 8 doentes (10%). O índice de morbidade foi de 8,7% devidos a sangramento e retenção urinária. A internação durou em média 2 dias e o acompanhamento ambulatorial obtido de 35 (43,8 %) doentes apresentou tempo médio de 4,8 meses, variando de 1 a 24 meses. Destes 7 (20 %) não apresentaram complicação, enquanto os 28 (80%) restantes apresentaram complicações tipo plicoma, prolapso e fissura anal. Os autores concluem que a cirurgia de urgência para a trombose hemorroidária é tratamento seguro com índices de morbidade e mortalidade adequados.

Descritores: Cirurgia colorretal , Hemorróidas

Introdução
A doença hemorroidária se constitui na patologia de maior incidência na clínica colo-proctológica . Nos Estados Unidos cerca de 1 milhão de pessoas a cada ano procura atendimento médico em virtude desta patologia1. Sua mais freqüente complicação é representada pela trombose de um ou mais mamilos hemorroidários, constituindo-se portanto na mais freqüente causa de urgência proctológica. Na literatura médica houve autores que propunham para esta doença, tratamento clínico, constituído por repouso, tratamento local e medicamentoso. Durante muito tempo a cirurgia foi evitada pelo temor das complicações representadas pela infecção, abscesso, escara, septicemia e até mesmo a embolia séptica da veia porta2. Os defensores desta opção de tratamento referiam ainda que o edema e aumento de volume dos mamilos, além de tornarem os pedículos friáveis à ligadura, poderiam levar à ressecção exagerada de tecido, predispondo desta forma à estenose anal. Nos últimos anos observa-se uma mudança de pensamento entre os autores, havendo consenso em se optar cada vez mais pelo tratamento cirúrgico de urgência para esta doença 3,4,5,6 .
    Em função desta conduta frente a esta patologia, o presente estudo pretende avaliar os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de urgência de doentes portadores de trombose hemorroidária, atendidos pelo setor de urgência de um Hospital Universitário.

MÉTODO
Foi realizada a análise retrospectiva dos prontuários de doentes atendidos pelo Pronto-Socorro de Cirurgia da UNIFESP - Escola Paulista de Medicina, de janeiro de 1995 a dezembro de 1998. A casuística se constituiu de 80 doentes com média de idade de 39 anos . A maioria dos doentes era do sexo masculino (54 - 67,5% ) e 26 (32,5%) do sexo feminino. A média de idade do grupo masculino foi de 42 anos e do feminino 32 anos.
    O tempo médio de queixa clínica de dor anal foi de 3,8 dias, variando de 1 (15 doentes ) a 15 dias (2 doentes). A maioria dos doentes, ou seja, 62 (77,5%), relatavam sintomas anteriores relacionados à doença hemorroidária , enquanto que para 18 doentes ( 22,5%) a trombose foi a primeira manifestação da doença . Co-morbidades estavam presentes em 26 (32,5%) doentes e foram representadas pela obstipação intestinal , hipertensão arterial e cirrose hepática. É importante se ressaltar que três doentes (3,7%) referiam cirurgia prévia para hemorróidas.

TÉCNICA OPERATÓRIA
Anestesia raquidiana foi a mais freqüente neste grupo (66 doentes - 82,5%), sendo a anestesia peridural realizada em 11 doentes (13,8%), a anestesia local em 2 (2,5%) e anestesia geral em 1 doente (1,3%).
    O tempo médio de cirurgia foi de 57,4 minutos, variando de 20 a 165 minutos. Este último tempo foi representado por cirurgia na qual ocorreu sangramento importante, havendo grande dificuldade para hemostasia. A técnica utilizada foi a de Milligan-Morgan7. Foram retirados em média 2 mamilos hemorroidários, sendo que em 34 doentes (42,5%) se retiraram 3 mamilos e em 24 doentes (30%) somente 1 mamilo. Em 8 doentes (10%) se associou esfincterotomia interna, após constatação de hipertonia esfincteriana.
    A análise do pós-operatório intra-hospitalar revelou índice de morbidade de 8,7 % (7 doentes), sendo representados por sangramento sem repercussão clínica (5 doentes - 6,3%) e retenção urinária (2 doentes - 2,5%) . As complicações pós-operatórias intra-hospitalares estão representadas na Tabela-1. Não houve mortalidade nesta casuística .

 



    O tempo médio de hospitalização foi de 2 dias, realizando-se quando necessária, estimulação para evacuação ainda em ambiente hospitalar. Os doentes eram orientados para realização de banhos de assento com água morna, uso de pomadas analgésicas e utilização de laxantes de volume.
    Dos 80 doentes que compunham esta casuística, consegui-se obter o registro de acompanhamento ambulatorial de 35 (43,8 %) doentes. O tempo médio de acompanhamento foi de 4,8 meses, variando de 1 a 24 meses.
    Dos doentes com acompanhamento ambulatorial, 7 (20 %) não apresentaram quaisquer queixa ou complicação. Os 28 (80%) doentes restantes apresentaram complicações representadas na Tabela-2.

 


 

DISCUSSÃO
Por se constituir em uma das mais freqüentes urgências proctológicas, o colo-proctologista comumente se depara com a trombose hemorroidária. Chamada erroneamente de estrangulamento hemorroidário, hoje se sabe que não ocorre compressão dos mamilos pelo anel muscular peri-retal. No entanto, sua fisiopatologia ainda não está de todo esclarecida, havendo autores que acreditam que este processo se deva a congestão sanguínea intensa dos plexos hemorroidários, ocorrendo assim a formação de trombos que distendem abruptamente os mamilos e a pele ao seu redor, fazendo com que os mesmos se exteriorizem8 . Outros autores têm como explicação para esta doença a ocorrência de processo inflamatório das veias hemorroidárias, sendo a formação de trombos conseqüência desta trombo-flebite6,9.
    O temor de manipular cirurgicamente mamilos hemorroidários trombosados, o que, pelo menos em teoria, poderia determinar várias complicações, como a temida embolia séptica da veia porta ou mesmo a estenose em decorrência da ressecção exagerada dos tecido em virtude do edema, fez com que durante vários anos se adotasse o tratamento clínico conservador10 . Esta conduta tem sido abandonada a favor do tratamento cirúrgico de urgência. O doente submetido ao tratamento conservador não apresenta resolução imediata dos sintomas, podendo permanecer com os mesmos por até 2 semanas. Isto implica em afastamento das atividades habituais, ficando impossibilitado de trabalhar. Durante o período em que aguarda a resolução definita da doença, pode apresentar novo surto agudo e necessitar de novo tratamento. A cirurgia permite alívio imediato dos sintomas, além de realizar o tratamento definitivo da doença, evitando sua recorrência5. O tratamento clínico pode predispor à ocorrência de gangrena dos mamilos e ao risco de fasceíte necrotizante.
    A cirurgia, durante o surto agudo de trombose, é bastante segura. A comparação dos resultados da cirurgia de urgência com a cirurgia eletiva para hemorróidas demonstrou que as complicações pós-operatórias são semelhantes3 . Ao contrário do que se imagina, a cirurgia no surto de trombose é técnicamente mais fácil, pois o edema e os trombos permitem melhor identificação dos planos cirúrgicos6,11 . A dor no pós-operatório costuma ser menor que a experimentada pelo doente durante o tratamento clínico. Isto se explica pelo fato deste sintoma ser decorrente da distensão dos tecidos causada pelos vasos trombosados e edemaciados e portanto a supressão do mamilo doente alivia de imediato este sintoma12.
    Na casuística deste estudo a maioria dos doentes era do sexo masculino, coincidindo com os dados encontrados por outros autores. O tempo médio de sintomatologia de 3,8 dias é concorde com a literatura. A ocorrência de doentes sem sintomatologia anterior relacionada a hemorróidas (18 doentes - 22.5%) vem reforçar a tese de que o espasmo esfincteriano é secundário ao processo de trombose dos mamilos 2,4,5.
    A média de tempo operatório foi influenciada pelo caso que apresentou grande sangramento intra-operatório e também pelo fato dos doentes terem sido operados por médicos residentes sob orientação de médicos assistentes. Em 8 doentes foi associada esfincterotomia . Este procedimento quando associado à hemorroidectomia não determina aumento do risco de incontinência13.
    Com relação às complicações pós-operatórias intra-hospitalares, pode-se verificar que o índice de sangramento de 6,3% foi mais elevado que o relatado na literatura 3,4. No entanto coincide com os dados apresentados em uma revisão de quase 2.000 cirurgias para hemorróidas1. A retenção urinária ocorre mais freqüentemente após cirurgia de hemorróidas em comparação a outros procedimentos ano-retais e parece estar relacionada a estimulação adrenérgica, devido à dor e distensão anal, causando inibição do músculo destrusor14. A taxa de retenção urinária nos casos deste estudo foi de 2,5% , ou seja, menor que o referido na literatura1,4. O tempo médio de hospitalização de 2 dias é concorde com o apresentado por outros autores 5,12 .
    Por se tratar de estudo retrospectivo o número de doentes que puderam ter o registro de acompanhamento ambulatorial foi baixo (43,4 % ). No entanto, nestes doentes o tempo médio de acompanhamento ambulatorial (4,9 meses) foi satisfatório. As principais complicações encontradas nestes doentes foram a presença de plicomas, prolapso, sangramento às evacuações e fissura anal. Nenhum dos doentes avaliados desenvolveu estenose anal, a qual é referida na literatura em índices que variam de 1,3 a 7,7%3,4. A ocorrência elevada de plicomas residuais, assim como prolapso e sangramento às evacuações, pode ser explicada pelo fato de que em mais da metade dos doentes não se retiraram 3 mamilos, o que determinou a permanência de mamilos residuais.
    Desta maneira pode-se observar pelos resultados obtidos, que esta abordagem terapêutica obteve resultados satisfatórios, mesmo em um serviço onde há cirurgiões em formação. No entanto é importante que se ressalte, que é fundamental a presença de médico assistente que supervisiona o ato operatório, impedindo que se resseque tecido em demasia, deixando pontes cutâneo-mucosas exíguas ou então fazendo uma cirurgia incompleta, o que poderá acarretar em plicomas e mamilos residuais.
    Fica evidente pelos dados apresentados que este estudo, por se basear em um levantamento retrospectivo, tem muitas críticas, assim como seu nível de evidência científica fica aquém do ideal. No entanto, não há até o momento na literatura, ensaios clínicos randomizados para comparar os dois tipos de tratamento, sendo portanto esta a melhor evidência científica disponível no momento, dando segurança para a realização de estudo de melhor qualidade.

CONCLUSÃO
A conclusão dos autores é de que a abordagem cirúrgica de urgência para a trombose hemorroidária se constitui em tratamento seguro para esta patologia com índices de morbidade e mortalidade adequados .

SUMMARY: Hemorrhoid is the most frequent illness in the proctologic clinics. Its more frequent complication is represented by thrombosis. Still today the consensus about the best treatment of this condition does not exist in medical literature. The objective of the present study is to evaluate the results taken with the surgical treatment in the acute thrombosed hemorrhoid. Eighty consecutive patients operated in urgency had their records revised. The average age was of 39 years, being in its majority men (67,5%). The average time of clinical complaint of anal pain was of 3,8 days. The majority of the patients (77,5%), related previous symptoms due to hemorrhoid , while in 18 patients (22,5%) thrombosis was the first manifestation of the illness. Three patients (3,7 %) related previous surgery for hemorrhoids. The majority of the patients was operated with spinal anesthesia (82,5%). The average time of surgery was 57,4 minutes. The complication rate was of 32,5% (26 patients) and included: local pain (16 - 20%), bleeding without clinical repercussion (5 - 6.3%),urinary retention (2 - 2.5%) and others (3 - 3.7%). There is no mortality in this study. The average time of hospitalization was of 2 days. Of the 80, 35 (43,8 %) patients had been attended in outpatient department. Of these, 28 (80%) had complications represented for skin wart (60,7%), bleeding at evacuations (25%), prolapse (25 %), fissure (25%) and anal fistula (3,6%). Mean follow-up is 4,8 months. The authors conclude that the surgical treatment for acute thrombosed hemorrhoid is a safe procedure with adequate morbidity and mortality. However it must be recognized that this study is a retrospective survey and its level of scientific evidence is not the ideal, being necessary randomized clinical trials, to evaluate this question .

Key words: Colorectal surgery, Hemorrhoids

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Endereço para correspondência:
SARHAN SYDNEY SAAD
Rua Napoleão de Barros, 610 - Vila Clementino
04024-002- São Paulo (SP)

Recebido em 08/10/2004
Aceito para publicação em 11/11/2004

Trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.