DOENÇA SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL
COLONOSCOPIA NO DOENTE HIV-POSITIVO
1CARMEN RUTH MANZIONE, 1SIDNEY ROBERTO NADAL
1Instituto de Infectologia Emilio Ribas de São Paulo, São Paulo, Brasil
MANZIONE CR, NADAL SR. Colonoscopia no Doente
HIV-Positivo. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 265-268.
RESUMO: A colonoscopia tem importância no arsenal diagnóstico dos portadores de sintomas colorretais, permitindo diagnosticar as doenças e seus agentes etiológicos. Dados do Center for Disease Control, de Atlanta, mostraram que os sintomas colorretais têm elevada incidência nos doentes portadores do HIV, sendo que a diarréia crônica ocorre entre 50 e 80%, a dor abdominal em 10 a 30%, a hemorragia digestiva em 10% e outros sintomas como a constipação intestinal alternada ou não com diarréia em 10% dos infectados. Embora as indicações sejam semelhantes em doentes HIV-positivo, quando comparados aos soronegativos, os achados e a incidência dos mesmos parecem diferir, sendo alguns deles específicos para o grupo dos imunodeprimidos. Nesse artigo, os autores comentam sobre as indicações, contra-indicações, as principais complicações, a avaliação prévia necessária e o preparo de cólon para realizar o procedimento nos doentes HIV-positivo. A colonoscopia, obedecendo os parâmetros propostos, é exame útil e seguro para diagnóstico das doenças que acometem os portadores da infecção pelo HIV.
Descritores: Colonoscopia, Infecção pelo HIV, AIDS, Bacteremia, Diarréia crônica, Lactulose.
Introdução
Em 1986, o Center for Disease Control, de Atlanta, definiu uma série de sintomas e sinais
como sugestivos de AIDS devido não haver método
de confirmação diagnóstica. Eram eles febre alta (38
_ 39º C) durante pelo menos 30 dias; perda de 10%
ou mais do peso corporal em três meses;
depressão, astenia, anorexia; e diarréia prolongada,
caracterizada por três ou mais evacuações por dia durante 30
dias. Esses dados mostram que desde aquela época
os sintomas colorretais eram considerados de
importância. A diarréia crônica ocorria entre 50 e 80%, a
dor abdominal em 10 a 30%, a hemorragia digestiva
em 10% e outros sintomas como a constipação
intestinal alternada ou não com diarréia em 10% dos
doentes.1
Os agentes etiológicos que mais
freqüentemente causam diarréia são os parasitas criptosporidium
e isospora, as micobacterias (tuberculosa e avium intracelulare), agentes virais como o
citomegalovirus e adenovirus, alguns tumores e
medicamentos.2-9 Sabemos que alguns agentes antirretrovirais
podem provocar diarréia, como didanosina (DDI),
zalcitabina (DDC), lamivudina (3TC), abacavir
(ABC), delarvina (DLV), nelfinavir (NFV), saquinavir
(SQV) e ritonavir (RTV).6 Entre os exames disponíveis,
são importantes a coprocultura e a pesquisa de ovos
e parasitas, o hemograma e a contagem de linfócitos
T CD4+, para conhecer o grau de comprometimento imunológico, a endoscopia digestiva alta com
biópsia, para detecção de adenovirus, e a colonoscopia
com biópsia, que proporciona diagnóstico clínico
e histológico de várias doenças
colorretais.9
A colonoscopia está indicada para
pesquisar sangramento digestivo, diagnosticar
diferencialmente as diarréias, avaliar tumores abdominais, detectar
e seguir pólipos, câncer e colites, bem como a
origem das estenoses colônicas.
São contraindicações para sua realização
em doentes com AIDS, a presença de peritonite,
doença inflamatória aguda e distúrbios de coagulação, e
devem ser evitadas em doentes não colaborativos ou em
mau estado geral.1 Para tanto, são utilizados alguns
exames para avaliar o doente HIV-positivo antes de realizar
o exame. A contagem de linfócitos T CD4+ deve
ser superior a 200/mm³, ou quando abaixo desse
número, os leucócitos devem ser superiores a
3.000/mm³;10 as plaquetas devem estar acima de 50.000/mm³;
a hemoglobina superior a 10 g/dl e o tempo de protrombina maior que
60%.1 Todavia, em alguns casos selecionados, podemos realizar o exame mesmo
com exames com resultados adversos. Por exemplo,
em doentes com hemoglobina baixa e sem dispnéia
a colonoscopia poderá ser realizada, já em
doentes dispnéicos, algumas vezes se contraindica o
exame mesmo com valores maiores de hemoglobina,
devido à possibilidade de piorar o quadro pulmonar.
A colonoscopia tem sido utilizada como
método diagnóstico e terapêutico para as lesões
colorretais. Embora seja segura, não é isenta de
complicações mesmo em mãos experientes. Essas têm
pequena incidência e são mais comuns no exame com
finalidade terapêutica que para diagnóstico. As mais
encontradas são o sangramento e a perfuração,
geralmente identificados durante o próprio procedimento,
os problemas cardiopulmonares e a bacteremia após
a colonoscopia.11 A hemorragia é a mais comum e
ocorre imediatamente após biópsias e polipectomias.
As perfurações surgem durante os mesmos
procedimentos e são diagnosticadas mais precocemente quando a
lesão está no ceco. Pode haver perfuração
durante colonoscopia diagnóstica e sendo mais comuns
no cólon esquerdo.12 A bacteremia é definida pelo
encontro de germes da flora intestinal na corrente
sanguínea.13 Esse achado pode ser verificado cinco minutos após
o início do procedimento
endoscópico.14 Entretanto, o início dos sintomas ocorre desde durante o exame
até 12 horas após.15 Acredita-se que durante
a colonoscopia, a compressão intrínseca pelo ar
injetado pode causar a translocação bacteriana, ou seja,
a passagem de bactérias da luz intestinal para a
corrente sanguínea e
linfática.16 Isso pode ocorrer na
presença de solução de continuidade da mucosa
colônica, incluindo
biópsias,15 embora outros observassem
que esses fatores não constituíram risco para
bacteremia.13 Provavelmente esteja mais ligada à deficiência
do sistema imune gastrointestinal que à desinfecção
do endoscópio.17 O efeito da distensão colônica
na translocação bacteriana foi estudado por Schoeffel
et al.16 que não observaram esse fato, mas que
ocorre ativação do sistema de coagulação por dilatação
dos vasos intestinais intramurais e não pelas
endotoxinas que escapam do lúmen. Os fatores de risco
incluem uso de drogas intravenosas, presença de cateter
venoso central, neutropenia18 e contagem de linfócitos T
CD4+ inferior a
100/mm³.19,20 O esquema antiviral
com inibidores da protease determinou redução
da incidência e modificação das características
da bacteremia.18 Na população em geral a incidência
está em torno de 0% a 5%, independente de biópsia
ou polipectomia.14,13,21 Os enterococos são os
mais encontrados e a profilaxia deve ser realizada
contra esses microorganismos.22 Todavia, a presença
de sintomas é rara23 e também é duvidosa a eficácia
da profilaxia antimicrobiana para todos os
casos.13,15,23 Bacteremia e endocardite por Streptococcus
bovis parecem estar associadas à presença de
neoplasmas malignos do cólon e de doença
hepática.24
A Associação Americana dos Cirurgiões
do Cólon e Reto indica o uso profilático de
antimicrobianos em algumas situações consideradas de
risco, entre elas em portadores de valvulopatia,
prótese cardíaca e outras próteses vasculares ou
ortopédicas.25 Além disso, alguns estudos sugerem que doentes
com quadro séptico de origem colorretal ou de outros
locais, bem como os portadores de hepatopatia crônica
com ascite, têm maior risco para desenvolver
bacteremia
pós-colonoscopia.26,27 Acreditamos que esses
critérios devam ser estendidos aos doentes
imunodeprimidos, incluindo os doentes HIV-positivo. O fato de
alguns deles terem imunodeficiência acentuada nas fases
mais avançadas da doença poderia ser motivo de
maior incidência de bacteremia.
Para o exame é necessário preparo intestinal.
Os vários métodos conhecidos podem ser
aplicados, conforme a preferência do profissional.
Utilizamos método anterógrado com lactulose e bisacodil,
com bons resultados.28 Na véspera do exame, o doente
é orientado ingerir dieta sem resíduos ou corantes
no almoço, e caldo de carne coado no jantar, além
de líquidos à vontade. O bisacodil, quatro
comprimidos é tomado às 19 hs. No dia do exame, 120 ml de lactulose é diluído para um litro de líquido (água, chá, suco
de laranja coado) e ingerido das 7 às 8 hs. O doente
é aconselhado a beber mais um litro de líquidos até
a hora do exame para se manter hidratado. Preferimos
a lactulose a outros laxantes osmóticos porque o
produto é de fácil aquisição, sendo vendido em farmácias, e
o preparo pode ser domiciliar. O tempo longo de
preparo, de 4 a 6 horas, proporciona menor risco de
distúrbio hidroeletrolítico. O produto é eficaz, com
bons resultados em 87% dos doentes e com intolerância
ao produto em apenas 3,5%, caracterizada por náuseas
e vômitos.28 Além disso, pode ser utilizável em
estenoses parciais, sem dano ao doente.28
A colonoscopia, obedecendo os parâmetros descritos, é exame útil e seguro para diagnóstico
das doenças que acometem os portadores da infecção
pelo HIV.
SUMMARY: Colonoscopy has some importance for persons with colorectal symptoms, diagnosing diseases and their etiologic agents. Data from the Center for Disease Control, of Atlanta, showed that colorectal symptoms has increased incidence in HIV-positive patients. In these cases, chronic diarrhea appears among 50 and 80%, abdominal pain in 10 to 30%, intestinal bleeding in 10% and other symptoms in 10%. Although, indications are similar in HIV-infected patients when compared to seronegative persons, affections observed and their incidence is different, and some are specific for HIV-positive group. In this article, we talk about indications, contra-indications, main complications, previous evaluation and colon cleansing to perform this exam in HIV-positive patients. Colonoscopy is nice and secure to diagnose colorectal diseases in HIV-infected persons whiter proposed parameters are obeyed.
Key words: Colonoscopy, HIV infection, AIDS, Bacteremia, Chronic diarrhea, Lactulose.
Referências Biliográficas
1. Manzione CR, Nadal SR, Calore EE, Manzione TS.
Achados colonoscópicos e histológicos em doentes HIV-positivo
com diarréia crônica. Rev bras Coloproct. 2003;23:256-261.
2. Bonacini M, Skodras G, Quiason S, Kragel P. Prevalence
of enteric pathogens in HIV-related diarrhea in the
midwest. AIDS Patient Care STDS 1999;13:179-84.
3. Brink AK, Mahe C, Watera C, Lugada E, Gilks C,
Whitworth J et al. Diarrhea, CD4 counts and enteric infections in a
community-based cohort of HIV-infected adults in Uganda. J
Infect 2002;45:99-106.
4. Navin TR, Weber R, Vugia DJ, Rimland D, Roberts
JM, Addiss DG et al. Declining CD4+ T-lymphocyte counts
are associated with increased risk of enteric parasitosis
and chronic diarrhea: results of a 3-year longitudinal study.
J Acquir Immune Defic Syndr Hum Retrovirol 1999;20:154-9
5. Prasad KN, Nag VL, Dhole TN, Ayagari A. Identification
of enteric pathogens in HIV-positive patients with diarrhoea
in northern India. J Health Popul Nutr 2000;18: 23-6.
6. Weber R, Ledergerber B, Zbinden R, Altwegg M, Pfyffer
GE, Spycher MA et al. Enteric infections and diarrhea in
human immunodeficiency virus-infected persons: prospective
community-based cohort study. Swiss HIV Cohort Study.
Arch Intern Med 1999;159:1473-80.
7. Kosek M, Alcantara C, Lima AA, Guerrant
RL. Cryptosporidiosis: an update. Lancet Infect Dis
2001;1:262-9
8. Schmidt W, Schneider T, Heise W, Weinke T, Apple
HJ, Stoffler-Meilicke M et al. Stool viruses, coinfections, and
diarrhea in HIV-infected patients. Berlin Diarrhea/Wasting
Syndrome Study Group. J Acquir Immune Defic Syndr
Hum Retrovirol 1996;13:33-8.
9. Thomas PD, Pollok RC, Gazzard BG. Enteric viral
infections as a cause of diarrhoea in the acquired immunodeficiency
syndrome. HIV Med 1999;1:19-24.
10. Nadal SR, Manzione CR, Galvão VM, Salim
VRBM, Speranzini MB. Perianal diseases in HIV-positive
patients compared with a seronegative population. Dis Colon
Rectum 1999;42:649-54.
11. Cappell MS, Friedel D. The role of sigmoidoscopy
and colonoscopy in the diagnosis and management of lower
gastrointestinal disorders: endoscopic findings, therapy, and
complications. Med Clin North Am 2002;86:1253-88.
12. Dafnis G, Ekbom A, Pahlman L, Blomqvist P.
Complications of diagnostic and therapeutic colonoscopy within a
defined population in Sweden. Gastrointest Endosc 2001;54:302-9.
13. El-Baba M, Tolia V, Lin CH, Dajani A Absence of
bacteremia after gastrointestinal procedures in children.
Gastrointest Endosc 1996;44:378-81.
14. Botoman VA, Surawicz CM. Bacteremia with
gastrointestinal endoscopic procedures. Gastrointest Endosc 1986;32:342-346.
15. Meyer GW, Artis AL. Antibiotic prophylaxis for
orthopedic prostheses and GI procedures: report of a survey. Am
J Gastroenterol 1997;92:989-991.
16. Schoeffel U, Jaeger D, Butt J, Salm R, Farhmann EH.
Effect of human bowel wall distensioin on translocation of
indigenous bacteria and endotoxins. Dig Dis Sci
1994;39:490-493.
17. Schembre DB. Infectious complications associated with
gastrointestinal endoscopy. Gastrointest Endosc Clin N
Am 2000;10:215-32.
18. Tumbarello M, Tacconelli E, Donati KG, Citton R, Leone
F, Spanu T, Cauda R. HIV-associated bacteremia: how it
has changed in the highly active antiretroviral therapy
(HAART) era. J Acquir Immune Defic Syndr 2000;23:145-51.
19. Meynard JL, Guiguet M, Fonquernie L, Lefebvre B,
Lalande V, Honore I, Meyohas MC, Girard PM. Impact of highly
active antiretroviral therapy on the occurrence of bacteraemia
in HIV-infected patients and their epidemiologic
characteristics. HIV Med 2003;4:127-32.
20. Meyer CN, Skinhoj P, Prag J. Bacteremia in HIV-positive
and AIDS patients: incidence, species distribution,
risk-factors, outcome, and influence of long-term prophylactic
antibiotic treatment. Scand J Infect Dis 1994;26:635-42.
21. Low DE, Shoenut JP, Kennedy JK, et al. Prospective
assessment of risk of bacteremia with colonoscopy and
polipectomy. Dig Dis Sci 1987;32:1239-1243.
22. Dajani AS, Bisno AL, Chung KJ, et al. Prevention of
bacterial endocarditis: recommendations by the American
Heart Association. JAMA 1990;130:84-87.
23. Church JM. Infection and desinfection. In, Church MJ,
Endoscopy of the colon, rectum, and anus. Igaku-Shoin.
New York, Tokio. 1995, pp. 44-52.
24. Waisberg J, Matheus CO, Pimenta J. Infectious
endocarditis from Streptococcus bovis associated with colonic
carcinoma: case report and literature review. Arq
Gastroenterol 2002;39:177-80.
25. American Society of Colon and Rectum Surgeons.
Practice parameters for antibiotic prophylaxis to prevent infective
endocarditis or infected prosthesis during colon and rectum
endoscopy. Dis Colon Rectum 1992;35:277-85.
26. Thornton JR, Losowky MS. Septicaemia after
colonoscopy in patients with cirrhosis. Gut 1991;32:450-451.
27. Zuckerman GR, O'Brien J, Halsted R. Antibiotic
prophylaxis in patients with infectious risk factors undergoing
gastrointestinal endoscopic procedures. Gastrointest Endosc
1994;40:538-543.
28. Manzione CR, Nadal SR. Preparo domiciliar de cólon
com bisacodil e solução de lactulose a 10% para
colonoscopia ambulatorial. Rev bras Coloproct 2000;20:88-92.
Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 apto 23
05415-030 - São Paulo - SP
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 12/08/2005
Aceito para publicação em 19/09/2005
Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emilio Ribas - São Paulo