ARTIGOS ORIGINAIS
UM MARCADOR ANATÔMICO E A PROPOSTA DE TRATAMENTO CIRÚRGICO NA SÍNDROME DO CÓLON IRRITÁVEL
Anatomical Marker and a Surgical Option in the Irritable Bowel Syndrome Treatment
Júlio César M. Santos
Jr1; Ana Carolina Cavalca2; Carlos Enrique Quiroz
3
1
RESUMO: Objetivo: A Síndrome do cólon irritável (SCI) é um distúrbio funcional caracterizado por dor abdominal e mudança de hábito intestinal. .Observando que a Síndrome do ceco móvel (SCM) engloba sintomas que se superpõem aos da SCI, nossos objetivos, foram: a. demonstrar a relação de causa e efeito entre o ceco móvel e a SCI, b. avaliar os resultados da cecopexia, como método de tratamento de pacientes com síndrome do cólon irritável (SCI) ou com desconforto abdominal de etiologia desconhecida; e c. mostrar que o ceco móvel pode ser considerado como o primeiro marcador anatômico para a SCI. Pacientes e Métodos: De março de 1994 a abril de 2006, 123 pacientes, receberam o diagnóstico clínico de ceco móvel. Destes, 103 (83,7%) vinham sendo acompanhados e medicados como pacientes com SCI e 20 (16%) vinham sendo tratados por outras doenças, Todos os pacientes desta série foram programados para cecopexia; contudo, 30 recusaram e estão sendo observados, 93 concordaram com o tratamento cirúrgico proposto. Sessenta e quatro foram operados e 29 aguardam cirurgia. Resultados: Todos os pacientes operados (64/52%) foram acompanhados no pós-operatório, de 2 a 139 meses (média de 21 meses; dp= 23) e estão assintomáticos. Entre 58 mulheres operadas, 48 (82,7%) responderam inquérito sobre dispareunia; entre essas, 44 (92%) tinham dispareunia profunda. Após o tratamento cirúrgico, 89,7% participaram do inquérito; 52 (96%) estão assintomáticas. Os pacientes não operados (59/48%) foram, da mesma forma, acompanhados de 2 até 72 meses e apresentavam os mesmos sintomas. Conclusão: Há nítida superposição de sintomas entre SCI e SCM; por isso recomendamos que: 1. a ênfase que se tem dado à SCI seja revista; 2. os pacientes com sintomas intestinais funcionais, quer sejam os atribuíveis à SCI, quer sejam os de causas não esclarecidas, e os pacientes com dispareunia de etiologia obscura devem ser investigados como prováveis portadores da SCM; 3. O ceco móvel pode ser usado como indicador anatômico da SCI.
Descritores: Síndrome do cólon irritável, síndrome do ceco móvel, plenitude abdominal, cólica abdominal, constipação, diarréia, torção do ceco, dispareunia, cecopexia.
A síndrome do cólon irritável (SCI) é um
distúrbio funcional caracterizado por dor abdominal
e mudanças no hábito intestinal, não associadas
com qualquer anomalia vista em provas clínicas
rotineiras.1,2
Há duas formas principais da SCI, na
dependência do sintoma predominante: SCI com dor
abdominal baixa e dispepsia não-ulcerosa em que os
pacientes podem ter constipação (SCIC) ou
diarréia (SICID), ou pode apresentar constipação e diarréia
flutuantes (SICICD). Há, no entanto, um novo
subtipo sob investigação denominado de síndrome do cólon
pós-infecciosa (SCIPI).
Trata-se de entidade de alta prevalência e
responsável por 20-50% de visitas ao
gastrenterologista. Apesar de ser comum, com incidência populacional
de até 30% (predominando nas mulheres), e de ser
alvo de estudos com destaque para diversos hormônios
de ação gastrintestinal
3-11, o diagnóstico e o
tratamento dessa doença nem sempre são tarefas fáceis de
serem executadas, sobretudo pela falta de um marcador
que defina sua natureza, não só para retirá-la da classe
de "doença de diagnóstico de exceção", como para
permitir opções terapêuticas
efetivas.12,13
Baseados na observação de que a
Síndrome do ceco móvel (SCM) engloba sintomas que
se superpõem aos da SCI14 nossos objetivos, ao
desenvolver um estudo prospectivo não casualizado, foram:
a. demonstrar a relação de causa e efeito entre o
ceco móvel e a SCI, b. avaliar o resultado da
cecopexia, como método de tratamento de pacientes com
Síndrome do cólon irritável (SCI) ou com desconforto
abdominal de etiologia desconhecida; e c. mostrar que o
ceco móvel pode ser considerado como o primeiro
marcador anatômico para a SCI.
Pacientes e Métodos
Foram incluídos neste estudo: 1. todos os
pacientes vistos em duas Clínicas Privadas (de Ginecologia
e Obstetrícia e de Colo-Proctologia) que preencheram
os critérios para diagnóstico de SCI (Manning, Roma I
e II)15-16 2. todos os pacientes com o diagnóstico clínico
de SCI 16,17 oriundos de outros consultórios médicos; e
3. os pacientes sem um diagnóstico formal, mas que
se queixavam de dor abdominal de etiologia
desconhecida, cólica, constipação, diarréia, ou diarréia e/ou
constipação flutuantes; distensão ou plenitude abdominal e
sensação de evacuação incompleta, que tinham ou não
dor abdominal durante as relações sexuais.
Assim, de março de 1994 a abril de 2006,
123 pacientes (109 mulheres e 14 homens) com idade
média de 37,7 anos (variando de 3 a 82 anos), a
maioria deles 103 (83,7%) registrados como tendo SCI e
20 (16,3%) com suspeita clínica de doenças como:
dor abdominal inespecífica, doenças ginecológicas,
doença intestinal inflamatória, colecistopatia calculosa,
doença diverticular, apendicite, megacólon e giardíase,
foram investigados e, clinicamente, considerados
com o ceco móvel.
O diagnóstico de ceco móvel foi
confirmado radiologicamente em 107 pacientes (87%); em 98
pacientes (79,7%) por meio de técnica modificada de
trânsito intestinal e em 8 pacientes (6,5%), pelo
enema opaco. Nos 17 pacientes (13,8%) restantes, o
diagnóstico foi exclusivamente clínico, confirmado no
intra-operatório em 10 deles, que foram operados.
O trânsito intestinal foi feito com a
seguinte técnica: os pacientes foram orientados a ingerir 40
ml de uma refeição de bário (as crianças, 20 ml), às
8 horas da manhã, sem preparo prévio ou alteração
da alimentação habitual, seja na véspera ou no dia
do exame.
Radiografias abdominais, incluindo a pequena bacia, foram tomadas depois de 5 e 10 horas da
refeição de bário, nas posições ortostática e em
decúbito dorsal com declive cefálico e pés elevados, numa
inclinação de 15 graus.
As imagens radiográficas foram
analisadas sempre pelo mesmo radiologista e classificadas,
quanto à mobilidade do ceco em relação à pelve, em tipo
I, II, III e IV, de acordo como o que foi proposto
por Padrón e Ania18, depois modificado por Santos e
col.19,20, como segue:
Tipo I - Quando o paciente está em decúbito dorsal, o ceco é visto na situação anatômica normal, mas cai em direção à pequena bacia quando o paciente está em pé.
Tipo II _ No decúbito dorsal, o ceco se encontra abaixo de sua situação anatômica normal e tem uma descida evidente quando o paciente fica em pé.
Tipo III - Com o paciente em pé, o ceco é visto dentro da pelve, de onde não se move quando o paciente é posto em posição de decúbito dorsal.
Tipo IV - No decúbito dorsal, o ceco está numa situação anatômica normal ou acima da posição e o ângulo hepático do cólon é visto no rebordo costal ou um pouco abaixo. Quando o paciente fica em pé, o ceco, o cólon ascendente, o ângulo hepático e o cólon transverso ficam todos dentro da bacia.
As figuras de 1, 2 (báscula medial do ceco) e
5 (báscula lateral do ceco) são exemplos de enemas
opacos; as figuras 3 e 4 são imagens tipo IV obtidas
pelo transistor intestinal.
Figura1 - Enema opaco. | Figura 2 - Enema opaco. |
Figura 3 - Trânsito - ortostático. | Figura 4 - Trânsito decúbito dorsal. |
Figura 5 - Enema opaco - báscula lateral do ceco. |
Independentemente da gradação radiológica
do ceco móvel, os pacientes foram aconselhados para
o tratamento que consistiria da cecopexia e, de
acordo com a aceitação ou não da proposta, eles foram
separados em dois subgrupos denominados de pacientes
não operados (PNO) e pacientes que aceitaram a
operação (PAO). Nesse último subgrupo há os
pacientes que já foram operados (PO) e os que aguardam
data oportuna para o ato cirúrgico (PAC).
Os pacientes que recusaram o tratamento cirúrgico, aceitaram, no entanto, o tratamento
clínico. Esses pacientes, após o diagnóstico definitivo do
ceco móvel, suposto como causa fundamental dos
sintomas, foram mantidos com o tratamento anteriormente
iniciado para síndrome do cólon irritável,
considerando-se a presença ou não de constipação ou de diarréia, ou
da associação de constipação com diarréia, e a
intensidade das manifestações, de acordo com o que tem
sido discutido e preconizado.2,12,21-23
Eles foram orientados para serem vistos quatro vezes por ano, nos dois primeiros anos, após o
contato inicial conosco, e duas vezes por ano, a partir
do terceiro ano, com direito a retornos livres, em
qualquer época, se necessário.
Os pacientes que aceitaram a operação
(PAO) e foram operados (PO) receberam orientação
para retorno no sétimo dia do pós-operatório, no
décimo quinto dia, no trigésimo dia, no sexto mês e no final
de um ano; a partir de um ano, a cada quatro meses,
ao longo do segundo e terceiro anos da operação e
depois, duas vezes por ano. Os que aceitaram o
tratamento cirúrgico, mas estão aguardando o
momento oportuno para a cirurgia (PAC) estão recebendo
o mesmo tratamento dado aos pacientes que
recusaram o tratamento cirúrgico (PNO).
A operação cirúrgica foi feita com o
paciente sob anestesia geral, por meio de
minilaparotomias; nas crianças, a incisão foi a de Davis e nos adultos
a incisão foi transversa suprapúbica, tipo
Pfannenstiel. A ceco-colopexia foi feita como descrito
por Rogers24. Os pacientes adultos receberam alta
hospitalar 24 horas depois da operação; as crianças,
48 horas.
Tanto no pré-operatório como no
pós-operatório e nos seguimentos ambulatoriais regulares,
todos os pacientes foram independentemente
entrevistados, de forma padronizada, por dois de nós
(Santos e Cavalca) a respeito de seu estado de saúde
referente à doença que motivou a operação ou o
estado atual de saúde referente à doença em tratamento
clínico. Os dados obtidos da entrevista e da
avaliação clínica ambulatorial foram registrados no
prontuário médico de cada paciente.
No final de abril de 2006, 12 anos após a
operação do primeiro paciente desta série, todos os
pacientes receberam um questionário padrão (Anexo
1) para avaliação do estado de saúde na ocasião do
inquérito, com perguntas sobre a persistência ou
não dos sintomas que motivaram o tratamento
cirúrgico ou o tratamento clínico, devolvido anônimo pelo
correio.
O conjunto de respostas foi comparado com o conjunto dos dados obtidos e anotados nos
prontuários médicos, por ocasião de entrevistas médicas nos
retornos ambulatoriais.
As mulheres sexualmente ativas foram questionadas sobre dor durante o ato sexual, antes e
depois do tratamento.
Resultados
Anteriormente ao diagnóstico de síndrome
do ceco móvel, 103 pacientes (83,7%) vinham sendo
tratados como doentes com Síndrome do cólon irritável
e 20 (16,3%) por outras doenças, tais como: doença
inflamatória pélvica (3,3%), dor abdominal
inespecífica (3,2%), doença diverticular do cólon (2,4%),
doença intestinal inflamatória (2,4%), colecistopatia
calculosa (1,6%), apendicite, megacólon e giardíase (3,2%).
Os 123 pacientes desta série relataram 427
sintomas, numa média aproximada de 3,5 sintomas
por paciente, dentre os mais freqüentes foram:
distensão, constipação, cólica, dor e diarréia - classificados,
em primeiro, segundo, terceiro e quarto lugar, de
acordo com a relevância do sintoma, ajuizada pelo
paciente. Pelo menos três dos cinco sintomas mencionados
foram referidos por todos os doentes. Cinqüenta e
oito pacientes (47%) relataram quatro dos cinco
sintomas mais freqüentes (Tabela 1).
|
Cento e dezessete pacientes (95%) reclamaram de distensão, 102 (83%) de constipação, 90
(73%) de cólica, 74 (60%) de dor e 44 (35%) de diarréia
(Tabelas 1 e 2).
|
Oitenta e oito por cento dos pacientes (109/123) relataram alívio dos sintomas imediatamente
após a defecação, porém sem seu desaparecimento
completo.
Seguimento após definição do método
de tratamento
Cinqüenta e nove pacientes (48%) - 30
(24%) que recusaram o tratamento cirúrgico e 29
(23,6%) que aguardam pela operação - foram orientados
para serem vistos quatro vezes por ano, nos dois
primeiros anos, após o contato inicial conosco e duas vezes
por ano, a partir do terceiro ano, com direito a
retornos livres, em qualquer época, se necessário. Eles têm
sido acompanhados desde 2 até 72 meses (média de
16 meses, dp=18) - apresentando os mesmos
sintomas, motivo da primeira consulta. Esses pacientes
responderam o questionário (Anexo 1): 17(29%),
classificaram o estado atual de saúde como regular e os
outros 42 (71%) assinalaram como saúde inalterada em
relação aos problemas que motivaram a primeira
consulta. (Tabela 3). O conjunto de respostas dadas nos
questionários não diferiu dos dados de entrevistas
obtidos dos prontuários dos pacientes.
Dentre os 93 pacientes que concordaram com o tratamento cirúrgico proposto,
64 (69%) já foram operados.
|
Todos os 64 pacientes operados estão
sendo acompanhados no pós-operatório, de 2 a 139
meses (média de 21,6 meses; dp= 24). Todos responderam
o questionário (Anexo 1).
No grupo de pacientes operados, cinco pacientes (8%) relataram a persistência de
constipação, dois (3%) classificaram o estado atual de saúde
como regular e 62(97%) classificaram o estado atual de
saúde como bom, por estarem livres dos sintomas
referidos antes da operação. (Tabelas 2 e 3)
Cento e oito mulheres dessa série são
sexualmente ativas. Questionadas, antes da operação,
sobre dor abdominal durante o ato sexual, obtivemos o
seguinte: 23(21%) não responderam o
questionário; 85(79%) responderam. Entre estas 74(87%)
responderam sim e 11(13%) disseram não, significando
que pelo menos 68% das mulheres tinham dispareunia.
(Tabela 2)
Das cinqüenta e oito mulheres operadas,
quando questionadas no pré-operatório sobre dispareunia,
10 (17,2%) não responderam. Quarenta e oito
mulheres responderam: 44 (91,7%) haviam dito sim e 4
(8%) haviam dito não.
Durante o seguimento pós-operatório elas
foram, novamente, questionadas a respeito da
dispareunia; 52 delas (89,6%) responderam; 50 (96%) disseram
não e 2 (4%) disseram sim.
Discussão
A SCI é doença altamente prevalente, mas
a despeito de todo conhecimento e teorias formuladas
a respeito da sua fisiopatologia, ainda não temos um
agente etiológico claro e bem estabelecido para
caracterizá-la1. Fatores culturais e decorrentes de hábitos
alimentares têm sido isolados com sugestões de
agentes etiológicos. 25,26
Hiperalgesia visceral, estresse, abuso físico
e sexual têm sido elementos associados como
participantes do conjunto de dados clínicos, englobado no
universo dessa moléstia1-9, da mesma forma ocorrendo
com as enterites bacterianas e virais, sem que, no
entanto, seja possível destacar um elemento
marcador.27,28
São tantas as teorias e complexas as
investigações e conclusões que a SCI passa a ser vista
sob um conjunto heterogêneo de desordens com
sintomas parecidos, mas de diferentes
etiologias29-32 que retroalimentam mais especulações sobre uma
causa básica, o que, sem dúvida alguma, favorece
a "medicalização" e a emergência de procedimentos
subsidiados pela medicina alternativa
33.
Em 1979, demos assistência ao ato
operatório de uma paciente com SCI que, além de distúrbios
intestinais funcionais, se queixava de dor pélvica, na
ocasião atribuída a aderências intestinais relacionadas
à histerectomia, feita no passado. Durante a
exploração metódica da cavidade, o único achado, pelo qual
me chamou o cirurgião ginecólogo que a operava, foi
a livre movimentação do segmento ceco-cólon
ascendente da paciente. O ato cirúrgico terminou com a
fixação ceco-ascendente numa calha feita após a abertura
do peritônio na goteira parietocólica direita. A surpresa
em relação a essa ocorrência foi a resolução dos
problemas intestinais e o desaparecimento das dores
pélvicas da paciente. O fato foi inusitado, mas por atribuir
toda a sintomatologia da paciente a outros fatores,
inclusive aos de ordem psicológica, não fomos capazes de
considerar a relevância do efeito de ação e reação.
Em 1994, no início do exercício médico
como profissional liberal, ao atender a nossa primeira
cliente, deparamo-nos com uma história clínica de 5 anos
típica da SCI, tipo constipação/diarréia flutuantes,
doença para a qual a paciente vinha recebendo
tratamento médico ineficaz. Iniciamos a investigação para
excluir outras doenças e o primeiro exame solicitado foi
o enema opaco pelo qual se pôde diagnosticar a
báscula medial do ceco (Figura 6). Seguiu-se, ao
tratamento cirúrgico, o desaparecimento dos sintomas crônicos
de disfunção intestinal.
Figura 6 - Enema opaco - 1a paciente dessa série. |
A partir de então, passamos a fazer
investigação topográfica do segmento ceco-ascendente em
todos os pacientes com diagnóstico de SCI e em
pacientes com desconforto abdominal de causa obscura,
independente do sexo e da idade.
O constante foi a verificação de que todos
tinham ceco móvel de grau variado. Seria este um
fator coincidente, ou o ceco móvel - doença antiga,
comum e ordinariamente mal diagnosticada
34,35, já descrito como uma
síndrome24 - poderia ser usado para
explicar os mesmos elementos sintomatológicos da SCI?
Considerando os dados observados nesse estudo e inclinados à reflexão, iniciamos sugerindo que
a maioria dos pacientes diagnosticados como tendo
SCI na verdade não sofrem de SCI, mas, sim, de
SCM. Contudo, se deixarmos de lado a complexidade das
investigações sobre a SCI e as eloqüentes e
especulativas teorias a respeito da sua fisiopatologia e
etiopatogenia, ainda que necessitemos de comprovação de outras
fontes feitas por outros autores, somos inclinados a
dizer que, quando mencionamos SCI e SCM, estamos
falando da mesma doença e a variação anatômica
congênita do ceco e cólon ascendente (CID-10 Q43.3) seria
a base na qual uma doença alicerça a outra.
Há uma observação interessante,
adicionada nessa comunicação; depois de ter elaborado todo
nosso raciocínio a respeito de ceco móvel e distúrbios
intestinais funcionais, que foi motivada por
Tirol36 quando descreveu relação entre ceco móvel e dor
abdominal durante as relações sexuais, o que ele
denominou de "dispareunia do lado direito", sintoma erradicado
com a cecopexia.
O autor deu ênfase ao fato do ceco móvel
poder ser a causa da dor crônica ou intermitente e
pelo desconforto abdominal periódico, localizado
no quadrante inferior direito do abdômen, sentidos
durante a relação sexual. Além disso, fez comentários
sobre a alta e significante incidência do problema, seus
sintomas e sinais, o fácil diagnóstico e tratamento
cirúrgico, bem como apelou para o maior interesse do médico
no reconhecimento da Síndrome do ceco móvel.
37,38
A incidência de dispareunia entre as
mulheres sexualmente ativas em nosso grupo, definida por
outros como psicogênica, foi considerada alta. Setenta
e oito por cento das mulheres participaram da
primeira enquête; 87% delas relataram dispareunia. O
valor percentual de participação aumentou para 83%,
na segunda enquête e, nessa ocasião, 92% das
mulheres referiam a dor abdominal no intercurso sexual.
Após a operação, durante o
seguimento ambulatorial, 89,7% participaram do questionário;
50 (96%) disseram não e 2 (4%) disseram sim,
evidência da eficácia do tratamento cirúrgico que precisa
ser confirmada.
Esses dados são sugestivos de falta de
adesão dos pacientes quando o tema investigado origina
em questões que interferem com a sensibilidade das
pessoas, mas mostra, também, a alta incidência de
distúrbio da esfera sexual, supostamente sem causa
orgânica, associado às alterações topográficas do ceco.
Foram 58 mulheres operadas, todas sexualmente ativas
- seis não quiseram responder sobre questão da
intimidade sexual - mas das 52 que sentiam dor
abdominal durante a relação sexual, 50 (96%) ficaram livres
do problema após a cecopexia.
Todos os pacientes do presente estudo apresentaram, também, os sintomas de
perturbações gastrintestinais funcionais, com destaque para as
reclamações de dor abdominal intermitente, não
necessariamente localizada no quadrante inferior direito
do abdômen; cólica, constipação, diarréia ou
constipação seguida de diarréia; distensão abdominal ou inchaço.
Anteriormente ao estudo, os pacientes foram vistos e examinados por vários médicos,
entre gastrenterologistas e ginecologistas, e submetidos a
uma multiplicidade de exames, tais como ultra-som
abdominal, tomografia abdominal, enema opaco,
colonoscopia, exames ginecológicos, entre outros, quase sempre
sem que qualquer anomalia fosse encontrada.
Devido aos sintomas mencionados, quase todos os pacientes (103/ 83,7%) foram vistos e
tratados como tendo Síndrome do cólon irritável e, porisso,
lhes foram administrados um ou mais de um dos
seguintes medicamentos: brometo de pinaverium,
mebeverine, cisaprida, tegaserode, plantago
ovata, brometo de N-butilscopolamine, associados ou não ao clonazepam
para suavizar os sintomas intermitentes e crônicos.
Quando o diagnóstico de Síndrome de
ceco móvel substituiu o de Síndrome do cólon irritável,
o cuidado médico foi conseqüentemente alterado e a
terapêutica clínica foi substituída pela cirúrgica, o
que possibilitou a erradicação do problema, inclusive
a dispareunia, como mencionado.
Na maioria dos mais recentes trabalhos encontrados na literatura médica em que há menção ao
ceco móvel, se não em todos, excluindo os de
Tirol34-38, os autores apenas mencionam os aspectos
associados com a oclusão intestinal parcial, que pode ser devida
à báscula cecal, à torção parcial e intermitente
daquele segmento do intestino grosso ou à torção completa
que pode culminar com obstrução do cólon direito e
necrose do ceco. Nesses casos, o tratamento cirúrgico
urgente proposto, em geral, termina com a excisão de parte
do cólon direito 24,39-49.
Não há descrita nenhuma relação entre
ceco móvel e desordens intestinais funcionais;
especialmente, não houve ainda menção à Síndrome de cólon
irritável com o atual enfoque, embora Tirol
36 tenha descrito uma relação entre dispareunia e ceco móvel.
Nosso primordial objetivo com essas observações foi o de estabelecer relação entre a anomalia
congênita - conhecida, mas pouco reconhecida e
mal diagnosticada - e a Síndrome do cólon irritável,
ressaltando, por isso, o fato de que a ênfase que tem
sido dada à SCI precisa ser revista. Além disso, como já
foi observado por Tirol 36, a dispareunia profunda,
excluídas todas as outras causas e antes de se lhe
atribuir etiológica psicológica, deve ser relacionada ao
ceco móvel e, portanto, considerada como um sintoma a
mais no conjunto dos elementos clínicos que favorecem
o diagnóstico daquela síndrome.
Se nossas observações puderem ser
corroboradas por outros autores, certamente estaremos
diante de um marcador anatômico para a SCI e a maioria
dos pacientes, se não todos, com essa síndrome serão
beneficiados pela cecopexia.
Em suma, baseados nos resultados,
concluímos que: 1. a investigação topográfica do
ceco-ascendente deve ser feita para todos os pacientes
com diagnóstico de SCI ou com sintomas abdominais
funcionais obscuros; 2. os pacientes, dessa série,
com SCI tinham ceco móvel e foram curados com
ceco-colopexia; 3. há relação de causa e efeito entre
ceco móvel e SCI; 4. o ceco móvel pode ser apontado
como o primeiro indicador anatômico para a SCI, e 5. o
ceco móvel pode ser considerado como causa de
dispareunia profunda.
ABSTRACT: Purpose: Based on the observation that the mobile cecum syndrome (MCS) includes symptoms which overlap symptoms of the IBS, our purposes were: to demonstrate the relationship of cause and effect between the mobile cecum and IBS; to evaluate the result of the cecopexia, as method of patients' treatment with irritable bowel syndrome (IBS) or with abdominal discomfort of ignored etiology; and to show that the mobile cecum can be considered as the first anatomical marker for IBS. Patients and Methods: From 1994 to 2006, 123 patients (109 women and 14 men _ median age, 37,7 _ ranged 3 to 82) seen in private office had clinical diagnosis of mobile cecum; 103 patients (83,7%) had been seen as having irritable bowel syndrome. All patients of this series were programmed for cecopexy. Thirty refused the surgical treatment and 29 are waiting for suitable surgery; both are on clinical follow-up in private office Results: All operated patients (64/52%) with fixed cecum followed from 1 to 139 months (median, 21) are well and asymptomatic Among the 58 operated women, 48 (82,7%) answered the inquiry about dispareunia; 44(92%) had dispareunia. After surgical treatment 89,7% have participated of the inquiry; 52 (96%) were without symptoms. The non-operated patients (59/48%) followed from 1 to 72 months (median, 16) are with the same complain. Conclusion: Based on the results, we conclude that: the topographical investigation of the cecum-ascendent should be made for all the patients with diagnosis of IBS or with functional obscure abdominal symptoms; the patients of that serie with IBS had mobile cecum and they were cured with cecopexy; there is a relationship of cause and effect between mobile cecum and IBS; the mobile cecum can be pointed as the first anatomical marker for SCI; the mobile cecum can be considered as cause of deep dispareunia.
Key words: Mobile cecum syndrome, irritable bowel syndrome, intermittent abdominal complains, abdominal pain, colic, diarrhea, constipation, cecal volvulus.
ANEXO 1
Sr(a).
1. Antes de sua operação, dos cinco
sintomas abaixo especificados, o(a) Sr(a) mencionou pelo
menos três. Nós gostaríamos de saber se o Sr(a)
poderia marcar quais deles ainda persistem.
o Dor
o Constipação
o Cólica
o Empachamento ou distensão
o Diarréia
o Nenhum
2. Sendo mulher, responda-nos se antes da operação a Sra. tinha ou não dor ou
desconforto abdominal durante as relações sexuais.
o Sim
o Não
3. Sendo mulher, responda-nos se após a operação a Sra. continua tendo dor ou
desconforto abdominal, durante as relações sexuais.
o Sim
o Não
4. Tendo em vista os problemas que motivaram sua operação, nós poderíamos saber em que
classe abaixo especificada está o seu atual estado de
saúde?
o Bom
o Regular
o Inalterado
o Pior
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Endereço para correspondência:
Júlio César M Santos Jr.
Av. Min. Urbano Marcondes, 516
12.515-230 - Guaratinguetá (SP)
Recebido em 26/05/2006
Aceito para publicação em 22/08/2006
Trabalho realizado no Hospital e Maternidade Frei Galvão de Guaratinguetá e no Instituto de Medicina de Guaratinguetá, SP - Brasil.