ARTIGOS ORIGINAIS
VISÃO DO PACIENTE QUANTO À PARTICIPAÇÃO DO RESIDENTE NO EXAME PROCTOLÓGICO EM AMBULATÓRIOS
Patient View About the Proctological Exam Assisted by the Resident in Outpatient Clinics
Isabela Pessoa Elias; Antonio Lacerda Filho1; Eliane Sander Mansur1; Frederico Gusmão Câmara Kanthya Arreguy de Sena
1 MembroTitular da S.B.C.P.
RESUMO: Objetivos: O acompanhamento ambulatorial de pacientes e a participação no exame proctológico são essenciais ao aprendizado do residente de coloproctologia. Entretanto pode haver relutância por parte dos pacientes em relação à presença do residente durante sua consulta e exame físico. Este estudo visa avaliar a visão do paciente quanto a este aspecto do aprendizado prático do residente de coloproctologia. Métodos: Cem pacientes consecutivos responderam , de forma voluntária e anônima a um questionário após a realização de exame proctológico com a aprticipação de residentes em coloproctologia em ambulatório de instituição privada. Foram investigados, sexo, idade, cor, estado civil e nível educacional e sócio-econômico, assim como a visão do paciente em relação à presença de residentes durante o exame proctológico, procurando-se identificar razões para a sua aceitação ou recusa durante a consulta. As respostas foram analisadas usando-se teste do qui-quadrado e o teste t de Student. Resultados: Observou-se que 87% dos pacientes aceitaram bem a participação do residente no exame proctológico, enquanto 1% respondeu que recusaria sua presença. Onze por cento se mostraram indiferentes em relação à presença do residente e um paciente não respondeu. Não houve diferença significativa em relação às variáveis estudadas no que diz respeito à presença do residente durante o exame proctológico, exceto para estado civil, uma vez que uma taxa maior de pacientes casados aceitou o residente. A principal razão para a aceitação foi contribuir para a formação médica, enquanto que a recusa esteve relacionado à perda da privacidade. Conclusão: De um modo geral, os residentes são bem aceitos no ambulatório de coloproctologia em uma instituição privada. O conhecimento das razões para sua aceitação ou recusa podem favorecer posturas que facilitem a aceitação e minimizem a recusa.
Descritores: residente, exame proctológico, educação médica.
INTRODUÇÃO
A educação médica apóia-se sobre dois palres:
a aquisição do conhecimento teórico e das habilidades
práticas. A residência médica, etapa fundamental para a
formação do especialista, tem no conhecimento prático a
base de seu aprendizado. Para tanto, o atendimento
ambulatorial de pacientes e a participação no seu exame físico são
essenciais para a adequada formação do médico
residente. Entretanto, em especialidades como a coloproctologia,
o exame físico é profundamente íntimo, lidando com área
do corpo humano, na qual imperam preconceitos e tabus.
Desta forma, pode haver relutância, nem sempre evidente,
por parte dos pacientes à participação do residente no
exame proctológico em regime ambulatorial. A literatura
médica fornece poucas informações sobre este assunto, não
se conhecendo os fatores que poderiam influenciar a
aceitação ou recusa do paciente com relação à presença do
residente durante o exame proctológico.
Este estudo tem como objetivo avaliar a visão
do paciente neste aspecto, determinando os fatores que
poderiam influenciar para a aceitação ou recusa da
presença do residente durante a consulta e o exame proctológico.
PACIENTES E MÉTODOS
Cem pacientes consecutivos forma submetidos
à consulta e exame proctológico em ambulatório,
estando sempre presentes o preceptor e um residente.
Ambos poderiam ser do mesmo sexo, ou do sexo masculino
e feminino ou vice-versa. O paciente era informado
quanto à presença do residente, sendo que a permissão para
a participação do mesmo durante a consulta, não era
rotineiramente solicitada. Caso fosse do desejo do
paciente, o residente se retirava da sala de exame. A consulta e
o exame proctológico eram realizados pelo preceptor
com acompanhamento do residente ou praticados por
este sob a supervisão direta do preceptor. O exame
consistia em ectoscopia anal, toque retal, anuscopia
e retossigmoidoscopia rigida e no exame da região
abdominal. Após o término da consulta, o paciente era
informado a respeito da presente investigação, sendo convidado
a responder o questionário, de forma voluntária e anônima.
Deste questionário contavam perguntas
informativas sobre sexo, idade, cor, estado civil, nível-
sócio econômico, nível de instrução educacional e a visão
do paciente quanto ao contexto de aprendizado e a
participação do residente em sua consulta (Tabela 1).
Figura 1 - Distribuição dos pacientes de acordo com a aceitação, recusa ou indiferença em relação à presença do residente durante o exame proctológico. |
Dentre aqueles que aceitaram a presença
do residente, a maior parte (48%) assinalou como
motivo principal para tal aceitação o fato de estarem
contribuindo para a formação médica especializada.
Outros fatores assinalados para aceitação dos residentes
foram a sensação de maior segurança pela presença
de dois médicos (44%), o entendimento que os
médicos mais jovens, em período de formação, costumam
ser mais interessados (28%) assim como a sensação
de maior conforto pelo fato de o residente ser do
mesmo sexo (27%) (Tabela 2).
Embora apenas um paciente não tenha aprovado a presença do residente durante a consulta e
exame proctológico, outros dois pacientes indiferentes
com relação à presença do residente também
assinalaram motivos para sua recusa. Tais motivos foram o fato
de sentire-se envergonhados com a presença do
residente (67%) e por perderem a privacidade (33%).
Nenhum destes pacientes manifestou,
espontaneamente, o desejo que o residente se retirasse antes do início
da consulta.
Não houve diferença estatisticamente
significativa na correlaçao entre a aceitação do residente e
o sexo, a raça, a idade, a escolaridade e a renda
familiar dos pacientes. Com relação ao estado civil, um
maior número de pacientes casados aceitou a presença
do residente durante a consulta e exame
proctológico (p=0,035).
A influência do sexo do residente também
foi estudada e não houve correlação estatisticamente
significativa entre esta variável e aceitação ou recusa
de sua presença por parte dos pacientes. A maioria
dos pacientes não alteraria suas atitudes com relação
à presença do residente,caso ele fosse do sexo
oposto (Tabela 3).
No que diz respeito a outras questões
relacionadas à visão do paciente quanto à presença do
residente durante o exame proctológico, observou-se
que apesar de 11% dos pacientes serem indiferentes a
este aspecto, todos eles prefeririam ser examinados sem
a presença do residente. Por outro lado, a maioria
destes pacientes voltaria sabendo da presença do
residente ou permitiria ser atendido pelos residentes.
Entretanto, nenhum destes pacientes permitiria ser examinado
pelo residente (tabela 3).
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que, na maioria das vezes, o residente foi bem aceito em um
ambulatório de coloproctologia de instituição privada. Os
fatores que mais influenciaram a aceitação do residente
pelos pacientes foram a possibilidade de contribuir para
a formação médica e a sensação de maior segurança
ao serem examinados por dois médicos. Estudo
semelhante, avaliando os fatores que influenciavam a
opinião de pacientes de consultórios obstétricos e
ginecológicos em relaçaõ à presença de estudantes de
medicina, evidenciou que o fator que mais influenciou na
decisão do paciente para a aceitação do estudante foi o
desejo em contribuir para o treinamento de futuros
médicos1.
Em outro estudo que pesquisou as atitudes de pacientes de clínica dermatológia em relação a
presença de estudante de medicina, observou-se que
muitos dos pacientes comentaram que seria um bom
treinamento para os estudantes, por ser uma grande
oportunidade para aprendizado prático
2.
A sensação de vergonha por exposição íntima
foi a maior causa de recusa, do residente no presente
estudo. Em trabalho semelhante ao nosso estudo, também
realizado em ambulatório de coloproctologia, porém com
a presença de estudantes de medicina ao invés de
residentes, obtiveram como maiores causas de recusa da
presença dos estudantes, a perda de privacidade e o
aumento do tempo da consulta 3. Esta última razão não foi
assinalada por nenhum paciente no presente estudo.
Com relação às atitudes de mulheres em
relação ao sexo de estudantes de medicina em clínica
ginecológica, observou-se que havia uma preferência
por estudante do sexo feminino tanto na observação
do exame ginecológico quanto na realização do mesmo 4. Estudo semelhante avaliou a preferência de
homens em relação ao sexo do médico no exame genital e
retal e evidenciou que 51% dos pacientes tinham
preferência pelo sexo masculino quando se tratava do
exame genital, contra apenas 38% quando se tratava do
exame retal. Apesar de o restante considerar indiferente
o sexo do examinador, nunhum paciente expressou
claramente preferência por profissional do sexo
feminino5. No presente estudo não houve correlação
estatisticamente significativa entre o sexo do residente e
a aceitação ou recusa da presença do mesmo por
parte dos pacientes, sendo que a maioria não alteraria
suas atitudes com relação à presença do residente, caso
ele fosse do sexo oposto.
No que diz respeito ao tipo e magnitude da doença apresentada pelo paciente foi demonstrado
que, em uma clinica de medicina geral, todos os
pacientes aceitariam bem a presença do estudante de
medicina, caso seu problema fosse uma amigdalite, enquanto
70% concordariam se o problema fosse emocional. A
taxa de aceitação cairia ainda mais (50%), se o
problema fosse sexual ou se fosse necessário um exame
íntimo6.
O Consentimento informado do paciente para a participação do residente em sua consulta, não
foi obtido no nosso estudo, o que talvez pudesse ter
influenciado sua opinião. O Colégio Real de Obstetras
e Ginecologistas da Inglaterra defende que o
consentimento explícito deve ser obtido das pacientes para
que estudantes de medicina participem e/ou realizem
exame intimo 7.
A identificação dos fatores relacionados à
aceitação da presença do residente no ambulatório
de coloproctologia pode contribuir para que a
postura médica, não só residente, mas principalmente do
preceptor, enfatize atitudes positivas e minimize
atitudes negativas, de forma a facilitar a participação do
residente na consulta e exame proctológico.
Atenuar as razões negativas pelas quais
os pacientes não aceitam a participação do residente
é tarefa árdua, devido às especificidades de nossa
especialidade. Portanto, assegurar privacidade e
conforto ao paciente durante seu exame torna-se
fundamental, particularmente na presença do residente, que
deve ser sempre apresentado como tal pelo preceptor.
Sua permanência durante a consulta e o exame
proctológico deve ser autorizada pelo paciente ou seu responsável.
ABSTRACT: Residents exposure to patientes and their participation in the examination is essential for the learning of
colorectal surgery specialty. Patients may be reluctant to have residents present in outpatient colorectal clinics. This study
evalueted patients' attitudes towards resident' s involvement in an outpatient colorectal clinic of a private institution. Methods:
One hundred consecutive patients answered voluntarily and anonymously a questionnaire after the physical examination with
the involmement of residents. The examination consisted of anal inspection, palpation, anoscopy, rigid proctosigmoidoscopy
and abdominal examination. Age, gender, race, marital, educational and social status were evaluated, as well as the patients'
attitudes towards resident's involvement in the outpatient setting. The reasons for acceptance or refusal of resident' involvement
werw also evaluated. For statistical analysis the
[chi]2 os Fisher test and t Student test were used. Results: The acceptance rate
of residents during the rectal examination was 87 per cent and the refusal rate was 1 per cent. Eleven per cent reported
tha resident's involvement was indifferent for them and 1 patient did not answer this question. There was no significant
difference among the studied variables regarding resident's involvement, except for the marital status, since married patients accepted
the resident better than single patients. The main reason for acceptance was cooperatin for medical training, while for refusal
was loss of privacy. Conclusion: Patients accept resident's involvement during rectal examination in outpatient setting.
Knowledge of the reasons for their acceptance and refusal by patients may emphasize positive attiyudes in order to improve this
acceptance and minimize the refusal.
Key words: resident, rectal exam, medical training.
REFERÊNCIAS
1. Ching SL, Gates EA, Robertson PA - Factors
influencing obstetric and gynecologic patients' decisions toward
medical student involvement in the outpatient setting. Am J
Obstet Gynecol 2000; 182:1429-1432
2. Townsend B, Marks JG Mauger DT, Miller JJ -
Patients' attitudes toward medical student participation in
a dermatology clinic. J.Am Acad Dermatol 2003; 49:709-711
3. Shah-Khan M - Patient Attitudes toward Medical Students
in an Outpatient Colorectal Surgical Clinic. Dis Colon
Rectum 2004;47:642-643
4. O'Flynn N, Rymer J - Women's attitudes to the sex of
medical students in a gynaecologic clinic: cross sectional survey.
BMJ 2002;325:683-684
5. Heaton CJ, Marquez JT - Patient preferences for physician
gender in the male genital/rectal. Fam Pract Res J 1990; 10:105-15
6. O'Flynn N, Spencer J, Jones R - Consent and
confidentiality in teaching in general practice: survey of patient' views
on presences of students. BMJ 1997;315:1142.
7. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists - Intimate
Examinatios. Report of a Working Party. London: RCOG
Press, 1997.
Endereço para correspondência:
ISABELA PESSOA ELIAS
Rua Uberaba, 418/504 - Barro Preto
Belo Horizonte - M.G.
30180-080
E-mail: Isabelaelias@Hotmail.com
Recebido em 14/06/2006
Aceito para publicação em 20/07/2006
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Felício Roxo - Belo Horizonte - M.G.