DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
LINFOGRANULOMA VENÉRIO - AUMENTO NA INCIDÊNCIA SUGERE SURTO MUNDIAL DA DOENÇA
Lymphogranuloma Venereum - Increased Incidence Suggests Diseases World Outbreak
Bruno de Lucia Hernani1; Sidney Roberto Nadal, TSBCP2
1Acadêmico do 3º ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, 2Supervisor de Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.
RESUMO: O Linfogranuloma venéreo (LGV) é uma doença sexualmente transmissível (DST) causada pelos sorotipos L1, L2 ou L3 da bactéria intracelular Chlamydia trachomatis. Possui caráter endêmico em partes da África, Ásia, América do Sul e Caribe, e é rara em países industrializados. No entanto, vários casos foram diagnosticados em homossexuais masculinos, na Holanda, e desde 2004, essa doença vem sendo notificada por outros países da Europa, da América do Norte e Austrália. Esse aumento da incidência tem características de surto, e tem acometido homens brancos com menos de 35 anos que mantém relações sexuais com outros homens e apresentam infecções anorretais com diversos sintomas, que incluem dor retal, tenesmo e constipação. A maior parte dos pacientes (>70%) também está co-infectada pelo HIV. Depois das primeiras notificações, muitos países passaram a fazer buscas ativas em suas populações. Pela falta de um teste diagnóstico rápido e de uso difundido, os doentes com quadros sugestivos devem receber terapia antimicrobiana durante pelo menos três semanas. Há autores fazendo a mesma recomendação nas retites observadas durante a retoscopia, na presença de mais de 10 leucócitos por campo nas amostras colhidas com swab e nos doentes HIV-positivo.20 Acreditamos que o número de casos esteja também aumentando no Brasil e, por desconhecimento sobre a doença, a mesma não venha sendo diagnosticada. Sugerimos que a hipótese diagnóstica de LGV seja afastada nos doentes que pratiquem sexo anal e apresentem úlceras na região ou quadros de retite.
Descritores: Linfogranuloma venéreo, Chlamydia trachomatis, Proctite, Úlcera anal, Doenças sexualmente transmissíveis.
O Linfogranuloma venéreo (LGV) é uma
doença sexualmente transmissível (DST) causada
pelos sorotipos L1, L2 ou L3 da bactéria
intracelular Chlamydia trachomatis. Possui caráter endêmico
em partes da África, Ásia, América do Sul e Caribe, e
é rara em países industrializados.
1-3 No entanto, a partir de vários casos diagnosticados em homossexuais
masculinos, na Holanda, em 2004, essa doença vem
sendo notificada por outros países da Europa, da América
do Norte e Austrália.4
Após o período de incubação que dura de 3
a 30 dias, na doença primária aparece uma pápula
que pode ulcerar no local da inoculação, geralmente
no prepúcio ou glande nos homens e na vulva ou
parede vaginal nas mulheres.1,5,6. Entretanto, essa etapa
pode não ocorrer ou passar despercebida. A
linfadenopatia inguinal é a manifestação clínica mais comum,
surgindo semanas após a lesão primária. Trata-se de
gânglios dolorosos e unilaterais que podem formar abscessos
e perfurar (bubões).5 A biópsia dos linfonodos revela
área de necrose rodeada por proliferação epitelióide
e endotelial.1,6 As proctites hemorrágicas ocorrem
por inoculação direta, e são mais comuns naqueles que
praticam sexo anal. As lesões simulam aquelas das
doenças inflamatórias dos
intestinos.7 O envolvimento anorretal no LGV é
raro,1 porém os recentes surtos
da doença dos países desenvolvidos possuem essa
característica.
O LGV pode se tornar crônico quando não
tratado, e provocar obstrução linfática por fibrose
causando elefantíase genital em ambos os
sexos.1,8 Além disso, o acometimento retal pode levar a formação
de fístulas, abscessos e causar estenose do reto e do
canal anal.3
O reconhecimento dos casos de LGV é
prejudicado, pois a doença não é comum e os
profissionais de saúde não estão familiarizados com seus sinais
e sintomas.9 O diagnóstico deve ser feito com base
nas manifestações clínicas dos doentes, associado à
identificação da C.
trachomatis no local da infecção,
por sorologia ou preferencialmente pela reação em
cadeia da polimerase (PCR) no material colhido com
swab, que pode detectar o agente e seus sorotipos L1, L2
e L3.10,11 Na prática clínica habitual, a detecção pelo
DNA não pode ser feita, pois está vinculada somente a
grandes centros de pesquisas mundiais. Por isso, o
método mais usado, apesar da baixa especificidade, é a
sorologia associada ao quadro clínico.3,6
O tratamento cura a infecção e previne
danos aos tecidos. O antimicrobiano de escolha é a
doxiciclina, 100mg, usada por via oral duas vezes ao dia
durante três semanas.11 A azitromicina 1g, dose única, uma
vez por semana, durante três semanas, mostrou
sucesso, segundo alguns autores,10 embora, não haja estudos
bem controlados confirmando sua eficácia em
doentes soropositivos para o vírus da imunodeficiência
humana (HIV).12 A eritromicina oral de 500 mg, tomadas
quatro vezes ao dia, durante três semanas, é um
tratamento alternativo,11 melhor indicado para
gestantes.5 Os pacientes serão acompanhados até que os sinais e
sintomas desapareçam. Os gânglios inflamados devem
ser drenados ou aspirados através da pele íntegra,
para evitar a ocorrência de fístulas e
ulcerações.5
Tão importante quanto a cura é a pesquisa
da infecção nos parceiros sexuais dos últimos 30 dias
antes do aparecimento dos primeiros sintomas.
Essas pessoas devem ser examinadas e testadas para
infecção pela Chlamydia, além de receber medicação
em caráter
profilático.5,11 O aumento do número de
casos na Europa, na Austrália e na América do Norte,
tem características de surto.11 O LGV tem acometido
homens brancos com menos de 35 anos, que
mantém relações sexuais com outros
homens4 e apresentam infecções anorretais com diversos sintomas, que
incluem dor retal, tenesmo e
constipação.9 A maior
parte dos pacientes (>70%) também está co-infectada
pelo HIV.3,4,11
Até dezembro de 2005, 179 casos foram
confirmados na Holanda,4 sendo que os primeiros 13
doentes foram diagnosticados entre abril e novembro
de 2003 em Rotterdam. A maioria dos doentes era
HIV-positivo e relatava intercursos anais com
diferentes parceiros no último ano. Somente um deles
apresentou a úlcera e a linfadenopatia clássicas da LGV. Os
demais relataram sintomas gastrointestinais tais
como proctite hemorrágica e constipação. Dois casos
foram identificados em janeiro de 2004, na Bélgica,
ambos ligados ao surto holandês. Subseqüentemente,
durante a rotina no centro de controle de DST, mais nove
outros foram detectados e com as mesmas
características clínicas dos pacientes
holandeses.13
Por sua raridade, o LGV não vinha sendo pesquisado como diagnóstico diferencial das
retites hemorrágicas.14 Depois das primeiras notificações
dos surtos de LGV, muitos países passaram a fazer
buscas em suas populações. Na França, 244 doentes com
acometimento retal foram identificados até dezembro
de 2005.4 Na Alemanha, 61 outros, até novembro de
2005.4 Em outubro de 2004, no Reino Unido iniciou-se
campanha para diagnóstico da doença, utilizando
questionários e testes de genótipo dos sorotipos L1, L2 e
L3. Até fevereiro de 2006, confirmaram 327 casos,
principalmente nas redondezas de Londres e Brighton.
Desses, 96% apresentavam proctite associada a
diversos sintomas locais e sistêmicos, 76% eram
co-infectados pelo HIV, 19% com Hepatite C e 39%
apresentavam outras DST.15 O LGV também vem sendo mais
diagnosticado na América do Norte16
e na Austrália,17 sugerindo haver um surto com disseminação global,
propiciado pela facilidade atual de locomoção,
inclusive intercontinental.18
O LGV não é doença de notificação
compulsória na maioria dos países, dificultando as ações
de saúde pública.4 Com os diversos dados atuais
mostrando surtos em países desenvolvidos, as autoridades
de saúde devem estar atentas para a ocorrência de
novos casos doença e rastreamento dos parceiros
sexuais.19 Pela falta de um teste diagnóstico rápido e de uso
difundido, os doentes com quadros sugestivos de
LGV devem receber terapia antimicrobiana durante
pelo menos três semanas.12 Há autores fazendo a
mesma recomendação nas retites detectadas durante
a retoscopia, na presença de mais de 10 leucócitos
por campo nas amostras colhidas com swab, e nos
doentes HIV-positivo.20 Acreditamos que o número de
casos esteja também aumentando no Brasil e, por
desconhecimento, a doença não venha sendo
diagnosticada. Sugerimos que a hipótese diagnóstica de LGV seja
afastada nos doentes que pratiquem sexo anal e
apresentem retite ou úlceras na região.
ABSTRACT: Lymphogranuloma venereum (LGV) is a sexually transmitted disease (STD) caused by L1, L2 L3 sorovars of
the intracellular bacteria Chlamydia trachomatis.
It has endemic features in parts of Africa, Asia, South America and Caribbean,
and is rare in developed countries. Meanwhile, many cases were diagnosed, mainly in men who have sex with men (MSM), in
the Netherlands, and since 2004, this disease has been notified by other European countries, North America and Australia.
This increased incidence seems like an outbreak and common features in these reports were: MSM, Caucasian race / ethnicity,
mean age above 35 years, predominantly (>70%) co-infected with HIV. Complaints included anorectal pain, tenesmus and
constipation. After these reports, many countries started doing active research in their people. The lack of a specific diagnostic test has complicated LGV case ascertainment. In the absence of laboratory confirmation of L serovars, patients with symptoms
suggestive of LGV should be presumptively treated with antibacterial therapy for 3 weeks. If routine LGV serovar typing is unavailable, most authors proposed administration of syndromic LGV treatment for MSM with anorectal chlamydia and either proctitis detected by proctoscopic examination, more than 10 white blood cells/high-power field detected on an anorectal smear specimen, or
HIV seropositivity. We believed the incidence of LGV is also increasing in Brazil, and new cases are not being diagnosed because
the ignorance about this world outbreak. We suggest that anal ulcer or proctitis in anal sex practitioners must have a high
suspicious of LGV infection.
Key words: Lymphogranuloma venereum, Chlamydia trachomatis, Proctitis, Anal, ulcer, Sexually transmitted diseases.
Referências
1. Mabey D, Peeling RW. Lymphogranuloma venereum.
Sex Transm Infect 2002;78:90-92.
2. Simms I, Ward H, Martin I, Alexander S, Ison
C. Lymphogranuloma venereum in Australia. Sex
Health 2006;3:131-3.
3. Collins L, White JA, Bradbeer C. Lymphogranuloma
venereum. BMJ 2006;332:66.
4. Van de Laar M. The emergence of LGV in Western Europe:
what do we know, what can we do? Euro Surveill 2006;11:146-8.
5. Centers for Disease Control and Prevention, Workowski
KA, Berman SM. Sexually transmitted diseases treatment
guidelines, 2006. MMWR Recomm Rep. 2006;55:1-94.
6. Vall-Mayans M, Noguer I. Brotes de linfogranuloma
venéreo entre hombres homosexuales em Europa, 2003-2004.
Enferm Infecc Microbiol Clin 2006;24:137-138.
7. Ahdoot A, Kotler DP, Suh JS, Kutler C, Flamholz
R. Lymphogranuloma venereum in human
immunodeficiency virus-infected individuals in New York City. J
Clin Gastroenterol. 2006;40:385-90.
8. Gupta S, Ajith C, Kanwar AJ, Sehgal VN, Kumar B, Mete
U. Genital elephantiasis and sexually transmitted infections
- revisited. Int J STD AIDS. 2006;17:157-65.
9. Van de Laar M, Fenton K, Ison C, European Surveillance
of Sexually Transmitted Infections (ESSTI). Update on
the European lymphogranuloma venereum epidemic among
men who have sex with men. Euro Surveill 2005;10:E050602.1.
10. Nieuwenhuis RF, Ossewaarde JM, Gotz HM, Dees J,
Thio HB, Thomeer MG, et al. Resurgence of
lymphogranuloma venereum in Western Europe: an outbreak of
Chlamydia trachomatis serovar l2 proctitis in The Netherlands among
men who have sex with men. Clin Infect Dis. 20041;39:996-1003.
11. Centers for Disease Control and Prevention
(CDC) Lymphogranuloma venereum among men who have sex
with menNetherlands, 2003-2004. MMWR Morb Mortal
Wkly Rep. 2004;53:985-8.
12. McLean CA, Stoner BP, Workowski KA. Treatment
of lymphogranuloma venereum. Clin Infect Dis.
2007;44:S147-52.
13. Vandenbruaene M, Ostyn B, Crucitti T, De
Schrijver K, Sasse A, Sergeant M, et al. Lymphogranuloma
venereum outbreak in men who have sex with men (MSM) in
Belgium, January 2004 to July 2005. Euro Surveill 2005;10:E050929.3.
14. Pathela P, Blank S, Schillinger JA.
Lymphogranuloma venereum: old pathogen, new story. Curr Infect Dis
Rep. 2007;9:143-50.
15. Ward H, Martin I, Macdonald N, Alexander S, Simms I,
Fenton K et al. Lymphogranuloma venereum in the United
Kingdom. Clin Infect Dis 2007;44:26-32.
16. Tinmouth J, Rachlis A, Wesson T, Hsieh E.
Lymphogranuloma venereum in North America: case reports and an update
for gastroenterologists. Clin Gastroenterol Hepatol 2006; 4:469-73.
17. Morton AN, Fairley CK, Zaia AM, Chen MY.
Anorectal lymphogranuloma venereum in a Melbourne man. Sex
Health 2006;3:189-90.
18. Nadal SR, Manzione CR. Identificação dos grupos de
risco para as doenças sexualmente transmitidas. Rev Bras
Coloproct 2003;23:128-129.
19. Richardson D, Goldmeier D. Lymphogranuloma
venereum: an emerging cause of proctitis in men who have sex with
men. Int J STD AIDS. 2007;18:11-4.
20. Van der Bij AK, Spaargaren J, Morre SA, Fennema HS,
Mindel A, Coutinho RA, et al. Diagnostic and clinical implications
of anorectal lymphogranuloma venereum in men who have
sex with men: a retrospective case-control study. Clin Infect
Dis. 2006;42:186-94.
Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 / Apto. 23
São Paulo (SP) - Brasil
CEP 05415-030
Tel/Fax (+55 11) 3337-4282
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 29/03/2007
Aceito para publicação em 17/04/2007
Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Liga de Coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.