ARTIGOS ORIGINAIS
ADENOMAS COLORRETAIS: FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À DISPLASIA DE ALTO GRAU
Colorectal Adenomas: Risk Factors for High-Grade Dysplasia
Julia Schmidt Silva1; Afonso Calil Mury Mallmann2,3; Ruy Takashi Koshimizu2,3; Daniela Cerqueira Koppe2; Fabíola Elizabete Savaris4; Luciano Pinto de Carvalho2,3,5
1 Acadêmica do XII semestre do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Canoas/RS; 2. Médico(a) do Serviço de Coloproctogia do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre/RS; 3. Titular pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia; 4. Acadêmica do XI semestre do Curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Canoas/RS; 5. Professor Adjunto da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Canoas/RS.
SILVA JS; MALLMANN ACM; KOSHIMIZU RT; KOPE DC; SAVARIS FE; CARVALHO LP. Adenomas Colorretais: Fatores de Risco Associados à Displasia de Alto Grau. Rev bras Coloproct, 2009;29(2): 209-215.
Resumo: Fundamentos: O estudo dos pólipos, em especial os adenomatosos, é relevante devido à correlação direta com o carcinoma colorretal. Objetivo: Analisar quais são os fatores de risco para uma displasia de alto grau do pólipo adenomatoso retirados endoscopicamente. Métodos: Avaliamos todas as colonoscopias realizadas pelo Serviço de Coloproctologia no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico de pólipos adenomatosos. Analisamos a existência da relação entre adenomas com displasia de alto grau e os fatores associados dos pacientes e pólipos. Resultados: Foram realizados 1821 exames e encontramos 208 pacientes com 326 adenomas. 51,4% do sexo masculino e 69,2% tinham um único adenoma. Foram encontrados 28 pacientes (13,5%) com, ao total, 34 adenomas (10,4%), com displasia de alto grau. Entre os adenomas com displasia de alto grau, 64,7% eram = 1cm, 61,8% eram sésseis, 29,4% vilosos e 70,6% estavam localizados no cólon esquerdo. Comparando as características do grupo dos adenomas com displasia de baixo grau com o de alto grau, foi estatisticamente significativo o tamanho = 1cm e o componente viloso (P <0,001). Conclusão: Adenomas = 1cm e a predominância do componente viloso foram considerados fatores de risco independentes para displasia de alto grau.
Descritores: Papillomaviridae; Infecções por Papilomavírus; Anormalidades Urogenitais; Anuscopia ampliada; Doenças do Ânus.
INTRODUÇÃO
O câncer colorretal (CCR) é uma doença
muito prevalente com altas taxas de mortalidade. É
a terceira causa mais comum de câncer no mundo,
em ambos os sexos, e a segunda causa nos países
desenvolvidos. Em 2008, estima-se que 148.810
pessoas irão ser diagnosticadas com CCR e 49.960
morrerão desta doença nos Estados
Unidos(1). O número de casos novos de CCR estimados para o Brasil, no ano
de 2008, é de 12.490 casos em homens e de 14.500
em mulheres. Na região Sul do Brasil, sem considerar
os tumores de pele não-melanoma, o câncer
colorretal ocupa a quarta posição para os homens e a terceira
para as mulheres(2).
A maioria dos CCR cresce lentamente a partir de pólipos adenomatosos através da sequência
conhecida como adenoma-carcinoma em
combinação com alterações genéticas e mudanças
ambientais(3). Há evidência que a evolução dos adenomas com
displasia leve para carcinoma invasivo se desenvolva em,
aproximadamente, 10 anos(4).
Embora 30-50% das pessoas desenvolvam durante a sua vida pólipos adenomatosos,
apenas cerca de 3-6% da população é diagnosticada
com CCR(5, 6).
A relevância do estudo dos pólipos, em
especial os adenomatosos, é a sua correlação direta com
o CCR. A remoção dos adenomas pode prevenir o
CCR, assim como o diagnóstico precoce pode reduzir a
mortalidade(7, 8, 9, 10, 11).
Os adenomas são classificados histologi-camente conforme a participação do
componente tubular e viloso na sua constituição, e também
conforme o seu grau de displasia, que pode ser de baixo
ou alto grau(12).
Atualmente, a displasia de alto grau é
usada como um marcador de potencial maligno, logo, o
conhecimento das características destes pólipos
poderia ajudar a elucidar os fatores associados com o
desenvolvimento do adenoma para o
adenocarcinoma(13).
De acordo com o National Polyp Study, um centro de referência de pesquisas de pólipos, os
fatores mais importantes relacionados aos adenomas
com displasia de alto grau são tamanho = 1 cm, idade
avançada e a presença de componente
viloso(14). Portanto, a identificação dos fatores de risco para os
adenomas com displasia de alto grau pode contribuir de
maneira significativa para o tratamento e seguimento dos
pacientes com pólipos adenomatosos.
O objetivo deste estudo é analisar quais são
os fatores de risco para uma displasia de alto grau do
pólipo adenomatoso retirados endoscopicamente.
PACIENTES E MÉTODOS
Trata-se de um estudo analítico,
longitudinal e retrospectivo com dados secundários de registro
hospitalar. Neste trabalho foram analisados os laudos
de colonoscopia, e os respectivos
anátomo-patológicos dos pólipos retirados através de
polipectomia endoscópica de pacientes submetidos ao exame
no Serviço de Coloproctologia do Hospital Nossa
Senhora da Conceição, em Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2006.
Foi elaborado um banco de dados reunindo os
laudos das colonoscopias e os resultados dos
anátomo-patotológicos dos adenomas. Durante quatro
anos, foram realizados 1821 exames de colonoscopias
e, entre estes, foram encontrados 208 pacientes
com adenomas, sendo identificados, ao total, 326
pólipos adenomatosos.
Todos os pacientes com pólipos
adenomatosos foram incluídos neste estudo. Foram excluídos
aqueles pacientes diagnosticados com polipose
adenomatosa familiar, pólipos que não eram adenomatosos,
carcinoma invasivo, laudos e resultados de
anátomo-patológicos incompletos.
Os pacientes foram avaliados quanto à
idade, gênero, presença ou não de pólipos adenomatosos
à colonoscopia e o número de pólipos. Os
adenomas foram analisados quanto ao tamanho, à
distribuição geográfica ao longo do intestino grosso,
aparência macroscópica, características histológicas e o grau
de displasia.
Classificação dos adenomas
Em nosso estudo, para análise estatística,
agrupamos algumas variáveis em uma mesma
categoria, baseado nos achados mais frequentes de fatores
de risco para displasia de alto grau. O número de
pólipos por paciente foi divido em dois grupos, um com
menos de três pólipos e, outro, com três ou mais pólipos.
Dividimos o intestino grosso em três partes,
a saber: a) o cólon direito, definido como o ceco,
cólon ascendente e ângulo hepático; b) cólon transverso;
c) o cólon esquerdo, incluindo o ângulo esplênico,
cólon descendente, cólon sigmóide e o reto.
Pólipos pediculados e subpediculados foram agrupados em um
único grupo e separados dos sésseis. Dividimos os
pólipos em dois grupos de acordo com o tamanho:
< 1 cm e = 1 cm.
A análise histológica dos pólipos
removidos endoscopicamente foi realizada pelos patologistas
de acordo com critérios unificados. A classificação
histológica do adenoma e o grau de displasia
foram baseados nos critérios do World Health
Organization (WHO) que utiliza, para a classificação dos adenomas,
a participação do componente viloso e tubular em
sua constituição. Quando o componente viloso for
menor que 25%, este será considerado adenoma tubular e
se maior que 75% é considerado adenoma viloso.
Quando o componente viloso estiver entre 25 % e 75%
é classificado como túbulo-viloso.
A displasia dos adenomas foi classificada como baixo e alto grau baseado no grau de
atipia celular e displasia tecidual. Displasia de baixo grau
incluiu adenomas com displasia leve ou
moderada, enquanto, displasia de alto grau incluiu displasias
severas e, por alguns autores, carcinoma in situ.
O diagnóstico de carcinoma invasivo, dentro de
um adenoma, é feito somente se houver a invasão
pelo carcinoma da muscular da mucosa através da
submucosa.
Análise estatística
Os dados dos pacientes e dos pólipos
foram digitados em um único banco de dados criado no
programa Microsoft Office Excel 2003 e
posteriormente exportados para o programa SPSS v.14.0 para
análise dos mesmos. Foram analisadas as variáveis
quantitativas pela média e desvio padrão, e as variáveis
categóricas pela frequência absoluta e frequência
relativa percentual. Foram comparadas as variáveis
quantitativas entre os grupos pelo teste t de
Student para amostras independentes. Para as variáveis categóricas
foi usado o teste de Qui-quadrado, teste de
Qui-quadrado com correção de
Yates ou teste Exato de Fisher. Foi considerado um nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Características dos pacientes e adenomas
Foram realizados 1.821 exames de colonos-copias e, entre estes, encontrados 208 pacientes
com adenomas, sendo identificados ao total, 326
pólipos adenomatosos. A idade dos pacientes com
adenomas variou de 16 a 98 anos, com a média de 63,5 ±
13,5 anos. Entre os pacientes, 107 (51,4%) homens
e 101 (48,6%) mulheres. As características dos
pacientes submetidos à polipectomia estão apresentadas
na Tabela 1.
ABSTRACT: Background: The study of polyps, especially adenomatous, is justified because of the straight correlation
among them with the incidence of CRC. Objective: To analyze the risk factors for high-grade dysplasia of adenomatous polyps
removed endoscopically. Methods: All consecutive colonoscopies performed by the Colorectal Department of the Hospital Nossa
Senhora da Conceição, in Porto Alegre/RS, from January 2003 to December 2006, were evaluated. Patients diagnosed with
adenomatous polyps were included. The relationship among tumors with high-grade dysplasia and the features of the patients and polyps
were analyzed. Results: Among the 1,821 exams, 326 adenomas were detected in 208 patients. 51.4% of the patients were male;
69,2% had only one adenoma. A total of 28 patients (13,5%) with 34 adenomas (10,4%) with high-grade dysplasia were found. Among
the tumors with high-grade dysplasia, 64.7% were = 1cm, 61.8% were sessile, 29.4% were villous, and 70.6% were located in the
left colon. Comparing the characteristics of the group of tumors of low grade dysplasia with those of high-grade, the size = 1cm
and villous component (P <0,001) were statistically significant. Conclusion: Adenomas = 1cm and dominance of villous
component were considered independent risk factors for high-grade dysplasia.
Key words: Papillomaviridae; Papillomavirus Infections ; Urogenital Abnormalities; Rectal diseases; Anus diseases.
Referências
1. Jemal A, Siegel R, Ward E, Hao Y, Xu J, Murray T, et
al. Cancer Statistics, 2008. CA Cancer J Clin. 2008; 58: p 71 - 96.
2. Instituto Nacional do Câncer. Estimativas 2008: Incidência
de Câncer no Brasil. INCA, 2007. Disponível em:
http://www.inca.gov.br
3. Park DH, Kim HS, Kim TI, Kim YH, Park DI, Kim HJ, et
al. Clinicopathologic characteristics and malignant potential
of colorectal flat neoplasia compared with that of
polypoid neoplasia. Dis Colon Rectum. 2008 Jan; 51(1): p 43-49.
4. Gschwantler M, Kriwanek S, Langner E, Goritzer B,
Schrutka-Kolbl C, Brownstone E, et al. High-grade dysplasia
and invasive carcinoma in colorectal adenomas: a
multivariate analysis of the impact of adenoma and patient
characteristics. Eur J Gastroenterol Hepatol 2002; 14: p 183_188.
5. Neugut AI, Jacobson JS, De Vivo I. Epidemiology of
colorectal adenomatous polyps. Cancer Epidemiol Biomarkers
Prev 1993; 2: p 159_176.
6. Leslie A, Carey FA, Pratt NR, Steele RJ. The
colorectal adenoma-carcinoma sequence. Br J Surg. 2002 Jul; 89(7):
p 845-860.
7. Mandel JS, Church TR, Bond JH, Ederer F, Geisser
MS, Mongin SJ, et al. The effect of fecal occult-blood screening
on the incidence of colorectal cancer. N Engl J Med. 2000; 343:
p 1603_1607.
8. Harb-Gama A. Colorectal cancer- The importance
of prevention. Arq Gastroenterol 2005; 42(1): p 2-3.
9. Levin B, Lieberman DA, McFarland B, Andrews KS,
Brooks D, Bond J, et al. Screening and Surveillance for the
Early Detection of Colorectal Cancer and Adenomatous
Polyps, 2008: A Joint Guideline From the American Cancer
Society, the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer,
and the American College of Radiology. Gastroenterology.
2008 May;134(5): p 1570-1595.
10. Kronborg O, Fenger C, Olsen J, Jorgensen OD,
Sondergaard O. Randomised study of screening for colorectal cancer
with faecaloccult- blood test. Lancet 1996;348: p 1467_1471.
11. Hardcastle JD, Chamberlain JO, Robinson MH, Moss
SM, Amar SS, Balfour TW, et al. Randomised controlled trial
of faecal-occultblood screening for colorectal cancer.
Lancet 1996;348: p 1472_1477.
12. Rossi BM, Nagawawa WT, Ferreira FO, Aguiar Jr. S,
Lopes A. Classificação morfológica de pólipos colorretais.
In: Nakagava W, Ferreira F. Câncer de Cólon, Reto e Ânus.
São Paulo: Lemar e Tecmed; 2004. p 175-205.
13. Kurome M, Kato J, Nawa T, Fujimoto T, Yamamoto H,
Shiode J, et al. Risk factors for high-grade dysplasia or carcinoma
in colorectal adenoma cases treated with
endoscopic polypectomy. Eur J Gastroenterol Hepatol 2008.
20:111_117.
14. O'Brien MJ, Winawer SJ, Zauber AG, Gottlieb LS,
Sternberg SS, Diaz B, et al. The National Polyp Study. Patient
and polyp characteristics associated with high-grade dysplasia
in colorectal adenomas. Gastroenterology 1990; 98: p 371-379.
15. Winawer SJ, Zauber AG, Ho MN, O'Brien MJ, Gottlieb
LS, Sternberg SS, et al. Prevention of colorectal cancer
by colonoscopic polypectomy. The National Polyp
Study Workgroup. N Engl J Med 1993;329: p 1977_1981.
16. Regula J, Rupinski M, Kraszewska E, Polkowski
M, Pachlewski J, Orlowska J, et al. Colonoscopy in
colorectal-cancer screening for detection of advanced neoplasia. N Engl
J Med 2006; 355: p 1863_1872.
17. Lieberman DA, Weiss DG, Bond JH, Ahnen DJ, Garewal
H, Chejfec G. Use of colonoscopy to screen asymptomatic
adults for colorectal cancer. Veterans Affairs Cooperative
Study Group 380. N Engl J Med 2000; 343: p 162_168.
18. Imperiale TF, Wagner DR, Lin CY, Larkin GN, Rogge
JD, Ransohoff DF. Results of screening colonoscopy among
persons 40_49 years of age. N Engl J Med 2002; 346: p 1781_1785.
19. Strul H, Kariv R, Leshno M, Halak A, Jakubowicz M,
Santo M, et al. The prevalence rate and anatomic location of
colorectal adenoma and cancer detected by colonoscopy in
average-risk individuals aged 40_80 years. Am J Gastroenterol 2006;
101: p 255_262.
20. Schoenfeld P, Cash B, Flood A, Dobhan R, Eastone J,
Coyle W, et al. Colonoscopic screening of average-risk women
for colorectal neoplasia. N Engl J Med 2005; 352: p 2061_2068.
21. McCashland TM, Brand R, Lyden E, de Garmo P.
Gender differences in colorectal polyps and tumors. Am
J Gastroenterol 2001; 96: p 882_886.
22. Yamamoto M, Mine H, Kusumoto H, Maehara Y,
Sugimachi K. Polyps with different grades of dysplasia and
their distribution in the colorectum. Hepatogastroenterology
2004; 51: p 121_123.
23. Nusko G, Mansmann U, Partzsch U, Altendorf-Hofmann
A, Groitl H, Wittekind C, et al. Invasive carcinoma in
colorectal adenomas: multivariate analysis of patient and
adenoma characteristics. Endoscopy 1997; 29: p 626_631.
24. Williams AR, Balasooriya BAW, Day DW. Polyps and
cancer of the large bowel: a necropsy study in Liverpool. Gut
1982; 23: p 835-842.
25. Matek W, Hermanek P, Demling P. Is the
adenoma-carcinoma sequence contradicted by the differing location of
colorectal adenomas and carcinomas? Endoscopy 1986; 18: p 17-19.
Endereço para correspondência:
Julia Schmidt Silva
Rua Guajuvira, 429, bairro Guarani
Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.
CEP: 93520-200
E-mail: jumedicina@yahoo.com.br
Recebido em 28/05/2009
Aceito para publicação em 16/06/2009
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre - RS - Brasil.