RELATO DE CASOS


CORDOMA SACROCOCCÍGEO GIGANTE - RELATO DE CASO

Giant Sacrococcygeal Chordoma - Case Report

Tiago Leal Ghezzi1; Gustavo Pereira Filho2; Giuliano Chemale Cigerza2; Oly Campos Corleta3

1 Coloproctologista. Mestrando em Medicina: Ciências Cirúrgicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Residente de Cirurgia Geral do Hospital Clínicas de Porto Alegre. 3 Médico Residente de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 4 Médica Patologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 5 Professor Substituto Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


GHEZZI TL; PEREIRA FILHO G; CIGERZA GC; CRUZ DB; PÊGAS KL; CORLETA OC. Cordoma Sacrococcígeo Gigante - Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2009;29(2): 233-236.

Resumo: Cordoma sacrococcígeo é uma neoplasia maligna rara que se origina de remanescentes da notocorda. A localização crítica, comportamento localmente agressivo, reconhecida resistência à radioterapia, significativa morbimortalidade cirúrgica e elevada taxa de recidiva tornam seu tratamento um desafio. Descrevemos um caso de cordoma sacrococcígeo gigante.

Descritores: Cordoma; Região sacrococcígea; Radioterapia; Neoplasias; Diagnóstico.

INTRODUÇÃO
Cordoma é uma neoplasia epitelial maligna rara que se origina de remanescentes embriológicos da notocorda primitiva(1). Aproximadamente 50% se originam na região sacrococcígea(1-8). Apesar do crescimento lento e baixo potencial de disseminação, caracterizam-se pela localização crítica, comportamento localmente agressivo e elevada taxa de recidiva cirúrgica(5,6). Há, portanto, consenso quanto à dificuldade no tratamento(6). Relatamos um caso de cordoma sacrococcígeo gigante com invasão coxo-femoral.

RELATO DO CASO
C.M.S., 65 anos, masculino, solteiro, natural e procedente de São Gabriel (RS), consultou-se no ambulatório de cirurgia oncológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) dia 22/09/2008. Relatava história de tumoração lombossacra dolorosa com crescimento progressivo nos últimos 2 anos. Atribuía seu surgimento a um traumatismo prévio no local. Queixava-se de irradiação da dor para o joelho esquerdo e claudicação com necessidade de uso de órtese. Relatava exacerbação da dor em posição supina ou sentada, e alívio em ortostatismo. Negava comorbidades, uso de medicamentos ou histórico cirúrgico prévio. Desconhecia histórico médico familiar para neoplasias malignas. Negava vícios.
   Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, corado e emagrecido. Na região lombossacra identificava-se tumoração endurecida, de limites imprecisos, com cerca de 15 cm de diâmetro, estendendo-se ao glúteo esquerdo (Figura 1). O membro inferior esquerdo apresentava atrofia muscular significativa e paresia com força grau 4+/5. Exames abdominal e inguinal eram normais. O exame proctológico demonstrava abaulamento da parede retal posterior, com preservação da mucosa, e indefinição do ângulo anorretal.
Figura 1 - Tumoração sacral com atrofia da musculatura da coxa esquerda..

   Imagens de tomografia computadorizada sem contraste endovenoso demonstraram lesão heterogênea de contornos irregulares, medindo 20 X 17 cm, com deslocamento anterior do reto e bexiga, comprometimento bilateral da musculatura glútea e extensa destruição das últimas peças sacrais, ramo ísquio-púbico, acetábulo e ilíaco esquerdo. A ressonância nuclear magnética (figura 2) antes e após uso de gadolínio endovenoso demonstrou extensa lesão infiltrativa com invasão e destruição do sacro, cóccix e parte do ilíaco esquerdo, em especial da articulação coxo-femoral. Nas partes moles observaram-se lesões nodulares confluentes, medindo 20 X 19 X 18 cm, e comprometimento extenso dos glúteos bilateralmente, bem como dos músculos adutores, obturador, quadrado femoral e piriforme esquerdos. A lesão determinava acometimento do nervo ciático esquerdo, contato com as paredes pélvica e retal, e invasão do forame sacral de S2 e canal sacral distal a S2.
Figura 2 - (corte coronal) - Invasão da musculatura pélvica esquerda e contato com o reto.

   Diante da suspeita clínica _ imaginológica de cordoma sacral foi optado pela realização de biópsia incisional por via percutânea sacral. Exame anatomopatológico pela coloração de hematoxilina-eosina (Figura 3) demonstrou-se tratar de neoplasia epitelióide lobulada com áreas extensas de necrose, compatível com cordoma. Confirmação através de estudo imunoistoquímico (Figura 4) pela técnica da imunoperoxidase (sistema ABC) apresentou positividade para AE1+AE3, EMA, vimentina, S100, HMBE1 e Ki67 (cerca de 5%) e negatividade para GFAP. O perfil imunoistoquímico confirmou o diagnóstico de cordoma.
Figura 3 - Hematoxilina-eosina 400X.

Figura 4 - Imunoistoquímica EMA 100X..

   Devido à irressecabilidade da lesão, o paciente foi encaminhado para radioterapia paliativa (48 Gy) com intuito de alívio da dor e controle do crescimento da lesão.

DISCUSSÃO
Neoplasias malignas primárias do sacro apresentam incidência de 0,5 para cada 1 milhão de indivíduos(9). Cordomas são o tipo mais frequente destes tumores (54%) e representam de 1 a 4% de todas as neoplasias ósseas primárias (3,10-12). Cerca de 25 a 35% dos cordomas originam-se na base do crânio, 50 a 60% na região sacrococcígea e 15% nos corpos vertebrais (1-8). Observa-se predominância no sexo masculino (2 homens: 1 mulher) e pico de incidência entre a quinta e sexta décadas de vida(1,5,7,8,13). Trata-se de neoplasia de baixo-grau que se caracteriza pelo crescimento lento, invasão dos forames sacrais, destruição óssea, comprometimentos dos tecidos moles adjacentes e deslocamento anterior do reto. Disseminação metastática ocorre em 10 a 40% dos casos, geralmente para pulmões, fígado e ossos(2,5,8,14). A maioria dos cordomas apresenta-se como tumoração associada à dor lombossacra e perineal persistentes. Cerca de 30% dos pacientes associam o seu surgimento com algum evento traumático prévio. Alguns pacientes referem também sintomas neurológicos como radiculopatia e disfunção vesical ou intestinal(10,15). Radiografia simples caracteriza-se usualmente pela visualização imprecisa do sacro(3). Tomografia computadorizada e, principalmente, ressonância nuclear magnética demonstram tumoração sacral com destruição óssea, comprometimento dos tecidos moles adjacentes, deslocamento anterior do reto e ocasionais calcificações intratumorais(11,15,16). Macroscopicamente, o cordoma se apresenta como uma massa bem delimitada, de tamanho variável (3 a 20 cm), consistência macia e aspecto mucóide e hemorrágico. Microscopicamente, caracteriza-se pela mescla de células epitelióides e filasíferas (células com citoplasma vacuolado)(7,15). Cordomas tipicamente apresentam positividade imunoistoquímica para citoqueratinas, EMA, vimentina e, em grau variável, para proteína S100(15). Tendo em vista que são pouco sensíveis à radio e quimioterapia, o tratamento de escolha consiste na ressecção radical complementada ou não com radioterapia adjuvante(7). Cordomas com limite cranial acima e abaixo de S3 são abordados respectivamente por acesso posterior (sacral) ou antero-posterior (abdomino-sacral)(17). A cirurgia compreende a ressecção em bloco do sacro (parcial ou total) com outras estruturas envolvidas. A violação da cápsula tumoral acompanha-se de taxa de recidiva local de 64% e sobrevida de 8 meses. Mesmo em pacientes submetidos à ressecção em bloco a recorrência local não é incomum(3,17). Não obstante à dificuldade técnica, tempo cirúrgico prolongado (média de 9 horas), elevada taxa de recorrência local (17 a 81%), considerável sangramento trans-operatório (média de 5 litros), significativa mortalidade perioperatória (média de 10%), a cirurgia, dependendo do nível de secção do sacro, pode se acompanhar de sequelas neurológicas e ortopédicas definitivas como retenção urinária, incontinência fecal, impotência sexual, anestesia em sela, claudicação e instabilidade lombar(3,10,13,15,16,18). Ressecção incompleta, ruptura da cápsula tumoral, extensão acima de S3 e comprometimento glúteo e/ou piriforme são preditores de recorrência local(7,17).

ABSTRACT:Sacrococcygeal chordoma is a rare malignant neoplasm arised from the remmants of the notochord. The critical localization, locally aggressive behavior, well-known resistance to radiation therapy, meaningful surgical morbimortality and increased recurrence rate become its treatment a challenge. We describe a case of a giant unresectable sacrococcygeal chordoma.

Key words: Chordoma; Sacrococcygeal region; Radiotherapy; Neoplasms; Diagnosis.

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Endereço para correspondência:
Tiago Leal Ghezzi
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E-mail: tlghezzi@terra.com.br

Recebido em 28/01/2009
Aceito para publicação em 02/03/2009

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil.