DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
RASTREAMENTO E SEGUIMENTO DOS PORTADORES DAS LESÕES ANAIS INDUZIDAS PELO PAPILOMAVÍRUS HUMANO COMO PREVENÇÃO DO CARCINOMA ANAL
Screening and Follow-Up of Patients with Anal HPV Induced Lesions for Anal Carcinoma Prevention
1SIDNEY ROBERTO NADAL, TSBCP; 1 CARMEN RUTH MANZIONE, TSBCP
1 Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo - SP.
NADAL SR; MANZIONE CR. Rastreamento e Seguimento dos Portadores das Lesões Anais Induzidas pelo Papilomavirus Humano como Prevenção do Carcinoma Anal. Rev bras Coloproct, 2009;29(2): 250-253.
Resumo: O Papilomavírus humano (HPV) é o agente sexualmente transmissível mais comum na região perianal. O vírus provoca lesões clínicas e subclínicas que podem evoluir para carcinoma anal. É descrito o aumento da incidência desse tipo de tumor naqueles que praticam sexo anal; nos portadores, de ambos os sexos, de lesões genitais HPV induzidas; nas pessoas com neoplasias intraepiteliais anais de alto grau, o precursor do carcinoma, com maior incidência nos infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e com outras causas de supressão imunológica. Outra característica das lesões HPV induzidas é a elevada incidência de recidivas. Daí, a importância do seguimento por longo prazo e da pesquisa de meios terapêuticos para reduzir essa ocorrência. A possibilidade da detecção das lesões precursoras indica que programas padronizados de rastreamento para a prevenção do câncer anal deveriam ser instituídos. Os esfregaços anais para citologia vêm sendo realizados, com eficácia semelhante a das coletas cervicais e a colposcopia anal tem sido indicada para biópsias dirigidas quando a citologia mostrou-se alterada, embora muitos recomendam-na, também, como método de rastreamento. Nesse artigo, descrevemos a padronização da coleta de material para citologia anal e o método de realização da colposcopia anal, bem como a periodicidade com que devem ser repetidos.
Descritores: Neoplasia intra-epitelial; prevenção e controle. Infecções pelo Papilomavirus. Carcinoma de células escamosas.
O Papilomavírus humano (HPV) é o mais
comum dentre os vários agentes etiológicos
sexualmente transmissíveis que provocam doenças na
região perianal.1 A maioria das infecções pelo HPV não
tem qualquer consequência clínica, mas cerca de 10%
dos pacientes desenvolverá verrugas, papilomas
ou displasias.2 É descrita a possibilidade de
progressão das displasias, ou neoplasias intraepiteliais anais
(NIA), para carcinoma invasivo3 e a maioria ocorreria na
zona de transição do canal
anal.4
O carcinoma espinocelular (CEC) anal apresenta relação com a imunodepressão
crônica provocada pelo o vírus da imunodeficiência
humana (HIV). Sua incidência variou de 19, nos primeiros
anos da epidemia, e antes do uso da terapia
antirretroviral (HAART), para 48,3 na era pós-HAART imediata
e mais recentemente para 78,2 por 100.000
habitantes, sendo ainda mais elevada entre os homossexuais
masculinos.5 O CEC anal é o único tumor cuja
frequência cresceu após o uso do
HAART.1,5 Esse aumento pode ser justificado pela maior expectativa de vida
desses doentes, permitindo que as lesões precursoras
tenham mais tempo para evoluir para o carcinoma, uma
vez que não vêm sendo diagnosticadas e
tratadas.6
Sabe-se que mulheres com lesões genitais
HPV induzidas, incluindo o carcinoma cervical, têm
maior incidência de CEC anal e de suas lesões
precursoras,7 sendo consideradas como população de risco para
esse tipo de tumor. Outros grupos de risco incluem
doentes imunodeprimidos crônicos por causas que não o HIV,
e dentre eles, os que receberam transplantes de órgãos e
os que usam medicações que tratam doenças
auto-imunes.8
Outra característica das lesões HPV
induzidas é a incidência de recidivas. Revisando a literatura,
encontramos índices entre 10 e 88%, dependendo do
tratamento instituído.9-14 Entretanto, é difícil
diferenciar dos casos de
reinfecção.10,14 Há os que associaram
as recidivas à presença da infecção latente pelo HPV
no epitélio aparentemente
normal.15 Daí, a importância
do seguimento por longo prazo e da pesquisa de
meios terapêuticos para reduzir essa ocorrência.
A possibilidade da detecção das lesões
precursoras indica que programas padronizados de rastreamento para a prevenção do câncer anal e
protocolos de tratamento para NIA, em doentes de
risco, deveriam ser
instituídos.16,17 Os esfregaços anais
para citologia vêm sendo realizados,13-15,18,19
com eficácia semelhante a das coletas
cervicais,20 e com sensibilidade oscilando entre 42 e 98% e especificidade
variando de 38 a 96%, quando os resultados foram
comparados com os da histologia.14,20,21
Entretanto, não há padronização técnica para citologia anal, nem quanto
à periodicidade de coleta.
Temos desenvolvido pesquisas para suprir essa carência, cujos resultados indicaram a colheita de
material do canal anal, com escova, até cerca de
quatro cm da borda anal, com movimentos de rotação,
tomando cuidado para não tocar nas verrugas da
margem anal e evitar
contaminação.22 Na coleta seca,
esfregamos a escova em lâminas de vidro fazendo
movimentos de rotação e em zigue-zague para que toda a
área seja preenchida e todo o material possa entrar em
contato com o vidro.22 Posteriormente, acomodamos
as lâminas em recipiente plástico apropriado com
álcool etílico a 70% para fixação. Na coleta úmida, a
escova é colocada dentro do tubo com gel que
posteriormente será centrifugado, fazendo com que o material
mais pesado fique no fundo do frasco, de onde será
colhido para o esfregaço.
A colposcopia anal tem sido indicada para biópsias dirigidas quando a citologia mostrou-se
alterada,15,18,23,24 e muitos recomendam-na como método
de rastreamento.15,19,20,25-28 Temos empregado
o colposcópio convencional e colhemos material do
canal anal para esfregaço, antes de iniciar o exame.
Avaliamos o períneo e a pele perianal dois a três
minutos depois da aplicação de gaze embebida em ácido
acético a 5%, e procuramos por áreas acetobrancas. Para
diferenciar das alterações cicatriciais, pincelamos
com azul de toluidina a 1% que cora os pontos suspeitos.
A seguir, introduzimos o anuscópio descartável,
localizando-o de maneira a expor a linha pectínea e a zona
de transformação do canal anal. Aplicamos ácido
acético a 5% no canal anal com haste flexível com ponta
coberta com algodão. Após a leitura, utilizamos
solução iodada que cora as lesões sugestivas com menos
intensidade, indicando os locais para biópsia.
Também indicamos o exame para
seguimento, após a cicatrização das verrugas perianais e na
ausência de lesões clínicas. Repetimos o exame a cada
seis meses até que três resultados consecutivos sejam
negativos.28 Tratamos as lesões encontradas.
Passado esse primeiro ano de seguimento, sugerimos
controle anual para os doentes de risco, com citologia
e colposcopia anal quando já ocorreu NIA de alto grau
e com citologia apenas nos casos com NIA de baixo grau.
Orientamos que os doentes com verrugas genitais, e sem condilomas anais, também sejam
submetidos ao exame da região perianal para detecção e
tratamento de lesões subclínicas, como forma de
rastreamento e prevenção do CEC anal. Nesses casos, a biópsia
está indicada para diagnóstico de certeza.
ABSTRACT:The human papillomavirus is the most frequent sexually transmitted agent in anorectal area. This virus
provokes clinical and sub-clinical lesions that can evolve to anal carcinoma. Its incidence is increasing among those who practice anal
receptive sex; in both gender patients with genital HPV induced lesions; in those with high grade anal intra-epithelial neoplasia, anal
carcinoma precursor, mainly among HIV infected persons or with other causes of immunodeficiency. Another HPV induced lesions
characteristic is their elevated incidence of recurrences. Therefore, the follow-up for long periods and the new therapies research are required.
The possibility of precursor lesions detection suggests that standardized programs for screening should be recommended. Anal
cytology screening programs have been done with efficiency similar to genital cytology, and high resolution anoscopy has been indicated
to direct biopsies, although, some authors recommended it as a method of anal cancer screening. This article described anal
cytology standardization and how to perform high resolution anoscopy, as so, the periodicity they should be repeated.
Key words: Intra-epithelial neoplasia; prevention and control. Papillomavirus infections. Carcinoma, squamous cell.
Referências
1. Nadal SR, Manzione CR, Horta SHC. Comparison
of perianal diseases in HIV-positive patients in periods
before and after HAART use. Dis Colon Rectum,
2008;51(10) 1491-4.
2. Wexner SD, Smithy WB, Milson JW, Dailey TH. The
surgical management of anorectal diseases in AIDS and
pre-AIDS patients. Dis Colon Rectum 1986;29:719-723.
3. Safavi A, Gottesman L, Dailey TH. Anorectal surgery
in the HIV+ patient:update. Dis Colon Rectum
1991;34:299-304.
4. Denis BJ, May T, Bigard MA, Canton P. Lésions anales
et péri-anales au cours des infections symptomatiques par
le VIH. Étude prospective d'une série de 190
patients. Gastroenterol Clin Biol 1992;16:148-54.
5. Patel P, Hanson DL, Sulivan PS, Novak RM, Moorman
AC, Tong TC et al. Incidence of types of cancer among
HIV-infected persons compared with the general population
in the United States, 1992-2003. Ann Intern Med, 2008;148:728-736.
6. Palefsky JM, Holly EA, Ralston ML, Da Costa M,
Bonner H, Jay N et al. Effect of highly active antiretroviral therapy
on the natural history of anal squamous intraepithelial
lesions and anal human papillomavirus infection. J Acquir
Immune Defic Syndr. 2001;28(5):422-8.
7. Palefsky JM, Holly EA, Ralston ML, Da Costa M,
Greenblatt RM. Prevalence and risk factors for anal human
papillomavirus infection in immunodeficiency virus (HIV)-positive and
high-risk HIV-negative women. human J Infect Dis.
2001;183(3):383-91.
8. Patel HS, Silver AR, Northover JM. Anal cancer in
renal transplant patients. Int J Colorectal Dis,
2005;22:1-5.
9. Palefsky JM, Holly EA, Gonzales J, Lamborn K,
Hollander H. Natural history of anal cytologic abnormalities
and papillomavirus infection among homosexual men with
group IV HIV disease. J AIDS 1992;5:1258-65.
10. Manzione CR, Nadal SR, Calore EE. Postoperative
follow-up of anal condylomata acuminata in HIV-positive
patients. Dis Colon Rectum 2003;46:1358-1365.
11. Goldstone SE, Winkler B, Ufford LJ, Alt E, Palefsky
JM. High prevalence of anal squamous intraepithelial
lesions and squamous-cell carcinoma in men who have sex
with men as seen in a surgical practice. Dis Colon
Rectum 2001;44:690-8.
12. Moscicki AB, Hills NK, Shiboski S, Darragh TM, Jay
N, Powell K et al. Risk factors for abnormal anal cytology
in young heterosexual women. Cancer Epidemiol
Biomarkers Prev. 1999;8:173-8.
13. Lytwyn A, Salit IE, Raboud J, Chapman W, Darragh T,
Winkler B et al. Interobserver agreement in the interpretation of
anal intraepithelial neoplasia. Cancer. 2005;103:1447-56.
14. Arain S, Walts AE, Thomas P, Bose S. The Anal Pap
Smear: Cytomorphology of squamous intraepithelial
lesions. Cytojournal. 2005;2:4.
15. Friedlander MA, Stier E, Lin O. Anorectal cytology as
a screening tool for anal squamous lesions: cytologic,
anoscopic, and histologic correlation. Cancer. 2004;102:19-26.
16. Kreuter A, Brockmeyer NH, Hochdorfer B, Weissenborn
SJ, Stucker M, Swoboda J et al. Clinical spectrum and
virologic characteristics of anal intraepithelial neoplasia in
HIV infection. J Am Acad Dermatol. 2005;52:603-8.
17. Palefsky JM, Rubin M. The epidemiology of anal
human papillomaviruses and related neoplasia. Obstet Gynecol
Clin N Am, 2009;36:187-200.
18. Palefsky JM, Holly EA, Hogeboom CJ, Berry JM, Jay
N, Darragh TM. Anal cytology as a screening tool for
anal squamous intraepithelial lesions. J Acquir Immune Defic
Syndr Hum Retrovirol 1997;14:415-22.
19. Piketty C, Darragh TM, Da Costa M, Bruneval P, Heard
I, Kazatchkine MD et al. High prevalence of anal
human papillomavirus infection and anal cancer precursors
among HIV-infected persons in the absence of anal intercourse.
Ann Intern Med 2003; 138: 453-9.
20. Fox PA, Seet JE, Stebbing J, Francis N, Barton SE, Strauss
S et al. The value of anal cytology and human
papillomavirus typing in the detection of anal intraepithelial neoplasia:
a review of cases from an anoscopy clinic. Sex Transm
Infect. 2005;81:142-6.
21. Papaconstantinou HT, Lee AJ, Simmang CL, Ashfaq
R, Gokaslan ST, Sokol S et al. Screening methods for
high-grade dysplasia in patients with anal condyloma. J Surg
Res. 2005;127:8-13.
22. Nadal SR, Calore EE, Nadal LRM, Horta SHC,
Manzione CR. Citologia anal para rastreamento de lesões
pré-neoplásicas. Rev Assoc Med Bras 2007;53(2):147-151.
23. Nadal SR, Manzione CR. Uso do colposcópio para avaliar
a região perianal e o canal anal. Padronização técnica e
indicações. Rev bras Coloproct, 2004;24(4): 379-81.
24. Magi JC, Magi DAS, Reche LMC, Falavinha T, Carvalho
GT. Anuscopia com exacerbação para diagnóstico de
Papilomavirus Humano ano-retal na forma subclínica. Rev bras
Coloproct 2002;22:178-183.
25. Vajdic CM, Anderson JS, Hillman RJ, Medley G, Grulich
AE. Blind sampling is superior to anoscope guided sampling
for screening for anal intraepithelial neoplasia. Sex Transm
Infect. 2005;81:415-8.
26. Varnai AD, Bollmann M, Griefingholt H, Speich N,
Schmitt C, Bollmann R et al. HPV in anal squamous cell carcinoma
and anal intraepithelial neoplasia (AIN) Impact of HPV
analysis of anal lesions on diagnosis and prognosis. Int J
Colorectal Dis. 2006 Mar;21:135-42.
27. Panther LA, Wagner K, Proper J, Fugelso DK, Chatis
PA, Weeden W et al. High resolution anoscopy findings for
men who have sex with men: inaccuracy of anal cytology as
a predictor of histologic high-grade anal intraepithelial
neoplasia and the impact of HIV serostatus. Clin Infect
Dis. 2004;38:1490-2.
28. Nadal SR, Manzione CR. Manejo das neoplasias
intraepiteliais anais. Rev Bras Coloproct 2008;28(4):462-4.
Endereço para correspondência:
Sidney Roberto Nadal
Rua Mateus Grou, 130
05415-040 - São Paulo - SP
Fone/ Fax.:11 3082 4942
E-mail: srnadal@terra.com.br
Recebido em 15/05/2009
Aceito para publicação em 25/06/2009
Trabalho realizado na Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas - São Paulo.