ARTIGOS ORIGINAIS
ULTRASSOM ANORRETAL TRI-DIMENSIONAL PODE SELECIONAR PACIENTES COM TUMOR NO RETO APÓS NEOADJUVÂNCIA PARA CIRURGIA DE PRESERVAÇÃO ESFINCTERIANA?
Can Three-Dimensional Anorectal Ultrasound Select Patients with Rectal Tumor for Sphincter-Saving Resection after Post-Chemoradiotherapy
Sthela Maria Murad-Regadas1, Francisco SÉrgio P.Regadas2, Lusmar V. Rodrigues3, Francisco Jean Crispin4, Francisco Coracy C. Monteiro5, Erico C Holanda6, Letícia Oliveira7, Felipe Ramos Nogueira8
1 Professora Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceara-UFC. Mestre e Doutora em Cirurgia pela UFC. Coordenadora do setor de Fisiologia anorretal da Faculdade de Medicina da UFC; 2Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceara-UFC. Coordenador da Disciplina do Aparelho Digestivo da UFC; 3Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceara-UFC. Coordenador do Serviço de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da UFC; 4 Mestre em Cirurgia pela UFC; 5,6,7 Mestrando em Cirurgia pela UFC; 8Graduando em Medicina pela UFC.
Resumo: Objetivo: Avaliar a resposta pós-quimioradioterapia-QT no tratamento do tumor no reto utilizando ultrassom anorretal tridimensional(US-3-D) visando definir a estratégia cirúrgica adequada. Método:Avaliou-se prospectivamente 32 pacientes com adenocarcinoma no reto médio e inferior. Realizou-se US-3-D para estadiamento e avaliação quanto à invasão no canal anal ou distância(cm) entre tumor e esfíncter anal interno-EAI: GrupoI_invasão no canal anal; GrupoII_distância menor-ou-igual 2cm, GrupoIII_distância maior 2. Foram encaminhados neoadjuvância e realizado US-3D após 50-55 dias. A escolha da estratégia cirúrgica baseou-se na resposta pós-QT e achados do US-3-D/pós-QT e comparado com histopatológico. Resultados:O US-3-D/pós-QT coincidiu com histopatológico em 31/32, eficácia de 97%. Evidenciou-se 26/27 casos com lesão residual, sensibilidade de 96%, sendo 19(59%) resposta parcial e 07 (22%) sem resposta. Em 5/5 o US-3-D/pós-QT demonstrou resposta completa, especificidade e valor preditivo positivo 100%. Valor preditivo negativo 83% pois um(3%) caso inconclusivo. Realizou-se cirurgia de preservação esfincteriana em 16 pacientes (05 com resposta completa, 10 com resposta parcial e um inconclusivo) com margem maior que 2cm. Confirmados ao histopatológico com margem livre. O índice Kappa na avaliação de linfonodos demonstrou concordância substancial(87,5%). Conclui-se que o US-3D pode ser útil na escolha de pacientes que irão beneficiar-se com a cirurgia de preservação esfincteriana.
Descritores: Câncer retal, Ultrasom endorretal, Radioterapia, Tratamento Cirúrgico.
INTRODUÇÃO
O diagnóstico e o estadiamento completo
das neoplasias de reto são indispensáveis na escolha
da terapêutica. Os exames utilizados no
estadiamento locoregional incluem desde o exame proctológico
detalhado, ultrassonografia anorretal e/ou a
Ressonância Nuclear Magnética com bobina anorretal visando
selecionar pacientes para tratamento neoadjuvante
(quimiorradioterapia-QT)(1-9). Os estudos
demonstram os benefícios da neoadjuvância, tais como: a
diminuição de implantes de células tumorais durante a
cirurgia, redução no tamanho da lesão possibilitando
transformar tumores irressecáveis em ressecáveis,
aumento nas chances de preservação esfincteriana nos
pacientes com adenocarcinoma de reto inferior e
redução na recidiva
local(10-15). No entanto, há dificuldades
na avaliação da resposta dos tumores no reto pós-QT.
O re-estadiamento quanto a invasão parietal e a
identificação de linfonodos residuais utilizando exames
de imagem demonstram redução na sua
eficácia(16-26). Alguns autores mencionam que as alterações
produzidas na parede do reto pela ação da irradiação
dificultam ou até impossibilitam a identificação das
camadas da parede retal, limitando, portanto, a possibilidade
de re-estadiamento das
lesões(18,19,21). Tem sido
relatada eficácia entre 47.0 a 62.0% no
re-estadiamento dos tumores quanto à invasão parietal
pós-radioterapia utilizando ultrassom
anorretal(16-19). Gavioli e
cols.(21) utilizando transdutor linear (setorial)
demonstraram que a fibrose é a base da imagem gerada
no ultrassom após a radioterapia, sendo realizado,
portanto o estadiamento da fibrose que pode ou não
conter tumor residual. Dessa forma, relataram que o
papel do US é indireto, avaliando a extensão da
fibrose e por conseguinte da lesão em seu interior.
Evidenciaram ainda que a visualização das camadas da
parede retal sugere regressão completa da lesão.
Murad-Regadas e cols(27) demonstraram em estudos
preliminares o papel do ultrassom anorretal
tridimensional na avaliação dos tumores de reto
pós quimioradioterapia definindo padrões radiológicos
na identificação de lesão residual ou resposta
completa assim como as vantagens da modalidade
multiplanar e aquisição automática das imagens. Portanto,
esse estudo objetiva avaliar a resposta pós-QT no
tratamento das neoplasia malignas no reto médio e
inferior utilizando o ultrassom anorretal tridimensional
visando definir a estratégia cirúrgica adequada
comparando com o histopatológico.
CASUÍSTICA E MÉTODO
No período de setembro de 2005 a
dezembro de 2007, foram avaliados prospectivamente 54
pacientes com neoplasia no reto provenientes do
Ambulatório de Coloproctologia do Hospital Universitário
Walter Cantídio da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará (HUWC-UFC). Destes, 32
pacientes (16 sexo masculino) com idade média entre 44
a 70 anos, portadores de adenocarcinoma do
terço médio e distal do reto foram incluídos no estudo
de acordo com protocolo previamente estabelecido
pelo Serviço de Coloproctologia HUWC-UFC . Todos
tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e aceitaram a participação na
pesquisa. Realizaram ultrassom anorretal tri-dimensional
(US 3-D) para estadiamento quanto ao grau de
invasão parietal e comprometimento de linfonodos por
um único examinador (SMMR). Após essa etapa
inicial, foram encaminhados ao tratamento neoadjuvante
com QT conforme protocolo previamente
estabelecido. Após 50 a 55 dias do término do tratamento,
foram reavaliados com novo US 3-D pelo mesmo
examinador. Todos foram submetidos ao tratamento
cirúrgico e a escolha da estratégia cirúrgica baseou-se na
resposta pós-neoadjuvância e nos achados dos
exames de US 3-D pós-QT. As peças cirúrgicas foram
analisadas no Departamento de Patologia e Medicina Legal da UFC por patologista que desconhecia
os resultados dos exames de US 3-D pós-QT. Os
achados foram comparados e analisados.
Ultrassom Anorretal Tridimensional
Foi utilizado um equipamento de
ultrassonografia Pro-Focus com transdutor com 360º, tipo
2050-2052, rotatório, com frequência de 9-16 MHz e distância
focal variando de 2.8 a 6.2 cm, B-K Medical
(Herley, Denmark). Este transdutor realiza a aquisição da
imagem de forma automática no sentido
proximal-distal num segmento de 6.0 cm, durante 50 segundos.
Uma sequência de numerosas imagens paralelas
transaxiais (0,25mm) são adquiridas resultando numa
imagem volumétrica digitalizada em forma de cubo
amplamente móvel possibilitando análise em múltiplos planos,
em tempo real e a revisão do exame posteriormente,
tantas vezes quanto necessária, adicionando maior
número de informações. Todos os pacientes foram
submetidos ao enema retal duas horas antes do exame.
Foram posicionados em decúbito lateral esquerdo (posição
de Sims). Após toque retal, realizou-se retoscopia
rígida prévia ao exame visando aspirar o resíduo fecal
e/ou muco, identificar o tumor e ultrapassá-lo.
Introduziu-se o transdutor por dentro do retoscopia
possibilitando manter o balão insuflado na área escaneada e
iniciar as aquisições das imagens. Três
escaneamentos sequenciados foram adquiridos. O primeiro no
segmento proximal ao tumor, visando avaliar a gordura
perirretal. O segundo objetivando visualizar e mensurar o
comprimento longitudinal do tumor e o último
escaneamento para medir a distância da borda distal do tumor até
a borda proximal da musculatura esfincteriana.
Utilizou-se o esfíncter anal interno (EAI) no quadrante
posterior, para esta mensuração(28)
Ultrassom anorretal tri-dimensional
pré-quimiorradioterapia
Foi avaliada o grau de invasão parietal do
tumor e a identificação de linfonodos metastizados
baseado no TNM preconizado por Hildebrant &
Fielf(2) em 1985. Avaliou-se a extensão distal quanto à
presença de invasão no canal anal ou distância (cm)
entre a borda distal do tumor (qualquer quadrante) até a
borda proximal do EAI no quadrante posterior. Assim,
os pacientes foram distribuídos em três grupos,
conforme as medições: Grupo I - invasão do canal anal; Grupo
II - distância menor ou igual a 2 cm e Grupo III -
distância maior que 2 cm. Em relação aos linfonodos,
estes foram considerados metastizado quando
apresentavam forma arredondada, bordas irregulares e imagem
com ecogenicidade semelhante à lesão primária
ou hipoecóico. Ao contrário, foram considerados
linfonodos inflamatórios quando apresentavam forma
alongada, bordas regulares e imagem hiperecogênica
central, correspondente ao hilo do linfonodo preservado.
Quimioterapia e radioterapia neoadju-vantes
Os pacientes foram submetidos à
radioterapia (40-50Gy, frações de 2Gy) pela técnica de
três campos, durante um período de 06 semanas.
A quimioterapia incluiu a infusão contínua de
5-fluoruacil (425mg/m2/day) endovenoso associado ao
ácido folínico (20mg/m2/day), aplicados durante o
tratamento combinado.
Ultrassom anorretal tri-dimensional
pós-quimiorradioterapia
Todos os pacientes foram submetidos novamente ao US 3-D 50 a 55 dias após o término
da quimiorradioterapia. Não foi realizado o
re-estadiamento ultrassonográfico (uT) baseado no TNM.
Entretanto, foram avaliados quanto à resposta ao
tratamento neoadjuvante, identificando regressão completa,
regressão parcial, sem regressão de acordo com os
padrões radiológicos previamente
descrito(27). Foi mensurado novamente a distância (cm) entre a borda distal do
tumor (qualquer quadrante) até a borda proximal do
EAI no quadrante posterior visando selecionar pacientes
que poderiam submeter-se a cirurgia com
preservação esfincteriana. Avaliou-se ainda o mesorreto quanto
à resposta linfonodal.
Tratamento cirúrgico
Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico e a escolha da técnica de
preservação esfincteriana baseou-se na resposta a neoadjuvância
e na distância maior do que 2 cm entre a borda distal
do tumor (qualquer quadrante) e a borda proximal do
EAI no quadrante posterior determinada no US 3D
pós-QT. A peça cirúrgica foi avaliada quanto à presença de
lesão residual e linfonodos ou regressão completa da
lesão. Avaliou-se ainda a margem da lesão e
comparou-se os resultados do US 3-D pós-QT com histopatológico
Análise estatística
Calculou-se a eficácia, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo
comparando os achados do US 3-D pós-QT com os
resultados do exame histopatológico. Valores 0% ou
negativos indicam ausência de concordância e o
valor máximo é 100,0%. Foi utilizado o índice
Kappa para avaliar o grau de confiabilidade entre o US 3-D
pós-QT na avaliação da presença de linfonodos positivo
e o resultado anatomopatológico da peça. O
valor Kappa apresenta a seguinte caracterização: < 0
não há concordância até 0,80 a 1,0 concordância
quase perfeita.
RESULTADOS
Ultrassom anorretal tri-dimensional
pré-quimioradioterapia
Dos 32 pacientes incluídos no estudo, o US
3-D pré-quimiorradioterapia demonstrou 03
pacientes (9%) com invasão até a camada muscular própria
(uT2), 23 (72%) com invasão da gordura perirretal (uT3) e
06 pacientes (19%) com acometimento de órgãos
adjacentes (uT4). Quanto à identificação de linfonodos
com suspeita de metástase, evidenciou-se em 22
pacientes com imagens sugestivas de linfonodos positivos
(69%) e ausência de comprometimento de linfonodos em
10 (31%).
Quanto à identificação de invasão no canal
anal ou presença de margem entre a borda distal do
tumor para borda proximal do esfíncter anal interno,
identificou-se invasão no canal anal (Grupo I) em 17
(53%) pacientes, distância menor ou igual a 2 cm (grupo
II) em 12 (38%) e em 3 pacientes (9%) o tumor
localizava-se a mais de 2cm do EAI (grupo III) (Figura 8).
Ultrassom anorretal tri-dimensional
pós-quimiorradioterapia
O US 3-D pós-QT evidenciou regressão
completa em 05 pacientes (16%) (Figuras 1a,b, 2).Em
19 (59%) pacientes identificou-se regressão parcial
na lesão com redução maior ou igual a 10% no
comprimento longitudinal desta. Em 07(22%) pacientes
não se evidenciou resposta ao tratamento neoadjuvante
(redução menor do que 10% no comprimento
longitudinal da lesão) (Figuras 3a,b,c, 4a,b). Em um (3%)
paciente, o US 3-D pós-QT foi considerado inconclusivo
devido a presença de espessamento parietal circunferencial
e impossibilidade de distinguir inflamação de
micro-lesão residual (Tabela 1). Houve concordância entre
o US 3-D e o exame histopatológico em 31
pacientes (97%).
Figura 1 - Pré-quimioradioterapia - uT3 - Tumor no reto médio- inferior em paciente sexo feminina, localizada no quadrante anterior e lateral direito. a- Plano axial - Invasão na gordura perirretal (setas preta). Presença de linfonodos(2) perirretais sugestivo de metástase (setas branca). b- Plano coronal e sagital - Lesão (setas) localizada 0,4cm do esfíncter anal interno-EAI (d). PR- puborretal/ Tu - tumor/ EAE-esfincter anal externo. |
Figura 2 - Pós-quimioradioterapia - Regressão completa da
lesão- visualização das camadas do reto no local prévio do tumor.. |
Figura 3 -
Pré-quimioradioterapia - uT4N1- Tumor no reto médio-inferior no quadrante anterior e lateral esquerdo em paciente sexo feminino com invasão no canal anal (setas). a - Plano axial - Linfonodos perirretais (setas pontilhadas). b - Plano axial - invasão do esfíncter anal interno anterior e lateral esquerdo e invasão do puborretal lateral esquerdo. EAI-Esfíncter anal interno/ PR- puborretal. c - Plano sagital- Comprimento longitudinal da lesão (c). Invasão na vagina,perda do plano de clivagem (seta branca). |
Figura 4 - Resposta parcial pós-quimioradioterapia - Lesão residual, apresentando resposta significante com redução no comprimento da lesão.
a - Plano axial.
b - Plano sagital- Apresenta distância mínima entre a borda distal do tumor e EAI posterior (0,2 cm) EAI- esfíncter anal interno / PR- puborretal/ Tu _ tumor/ EAE-esfincter anal externo. |
Tabela 3 - Representação esquemática da correlação dos pacientes quanto a invasão no canal anal ou distância do tumor ao esfíncter anal interno pré-QT e pós-QT. Grupo I - invasão no canal anal; Grupo II - distância igual ou menor que 2cm; Grupo III distância maior de que 2cm. |
ABSTRACT: Proposal:Evaluate the post-chemoradiotherapy response for treatment of rectal tumor using three-dimensional anorectal ultrasound-3D-US to determine the best surgical approach Methods:32 patients with lower and middle rectal cancer were prospectively staged using 3D-US to identify anal canal invasion and the distance(cm) between tumor and the internal anal sphincter-IAS, Group l:with anal canal invasion; Group II-with distance =2cm; Group III-with distance >2. They were submitted to neoadjuvant chemoradiation-CRT and the 3-D US was repeated 50-55 days later. The choice of the surgical approach was based on the post-chemoradiation response identified by the 3D-US comparing with pathologic findings. Results:The post-chemoradiation/3D-US findings were concordant with pathologic results in 31/32(97%). It was identified residual tumors in 26/27(96% sensibility), 19(59%) with partial response and 7(22%) without response. Complete response was demonstrated in 5/5 by 3D-US, with specificity and predictive valor in 100%. Negative predictive valor in 83% since one(3%) case was inconclusive. Sphincter-saving resection was performed in 16 patients, 5 with complete response, 10 with partial response and one inconclusive, with distal margin >2cm. The pathologic findings confirmed distal margins without tumor. It was demonstrated high concordance(87.5%) concerning the lymph nodes evaluation(Kappa test). Conclusion: 3D-US can be useful to determine the patients who should be submitted to sphincter-saving resections.
Key words: Cancer; Endorectal Ultrasonography; Radiotherapy; Surgery Treatment.
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Endereço para correspondência:
Sthela Maria Murad-Regadas
Rua Atilano de Moura, N-430 / Apto. 200
CEP: 60810-180
Fortaleza - CE
Tel.: (85) 3239-4372 Fone/Fax: (85) 3257-7728
E-mail: smregadas@hospitalsaocarlos.com.br
Recebido em 08/09/2009
Aceito para publicação em 24/09/2009
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.